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O Simples Nacional e os tributos concentrados.

O desconhecimento pode gerar pagamento a maior

O Simples Nacional e os tributos concentrados. O desconhecimento pode gerar pagamento a maior

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Abordam-se os principais aspectos relacionados ao Simples Nacional, que permite a exclusão de determinados tributos cobrados de forma concentrada nas operações anteriores.

Introdução:

Segundo dados divulgados pelo SEBRAE[1], até ano de 2018, o Brasil tinha 11.957.802 empresas optantes pelo Sistema Simplificado de tributação, o Simples Nacional, que é regulamentado pela Lei Complementar (LC) n. 123/2003. Portanto, a grande maioria de empresas nacionais têm a sua regulamentação tributária regida por esta lei, que impõe um regime diferenciado de obrigações fiscais e contábeis, no intuito da simplificação, muito embora não seja bem este o resultado conquistado.

A proposta deste trabalho não é realizar o estudo acadêmico aprofundado acerca do sistema fiscal do Simples Nacional, nem levantar debates jurídicos ou políticos acerca da validade do modelo no sistema jurídico, econômico ou político, mas apresentar elementos técnicos direcionados aos profissionais de gestão, da advocacia e da contadores a respeito do tratamento tributário reservado a determinados produtos que a legislação nacional determina a tributação concentrada revendidos por empresas optantes pelo Simples Nacional.

Em apertada síntese, colocando os elementos propositivos à mesa de debates, nossa proposta aqui é esclarecer, de forma técnica, não teórica ou doutrinária, o fato de que grande parte dos contribuintes e operadores do Simples Nacional simplesmente desconhece determinadas regras existentes no sistema da LC n. 123/2006, voltadas a evitar a dupla tributação, prevendo métodos e formas de excluir a dupla incidência em negócios jurídicos realizados pelo contribuinte quando já tiver sido realizada a tributação concentrada em determinada fase da cadeia produtiva nos chamados tributos em substituição ou monofásicos.


Os regimes fiscais e o Simples Nacional.

Inicialmente, cumpre-nos esclarecer o que é o Simples Nacional e o que sua legislação tem relação com os regimes fiscais existentes na legislação brasileira. Não é nossa intenção aqui debater ou apresentar o histórico originário dos regimes simplificados existentes antes da sua criação. Para focar na proposta apresentada, iremos passar diretamente ao assunto, sem tecer considerações históricas a respeito dos elementos pré-existentes ao regime tributário em discussão.

Como adiantado, o Simples Nacional foi criado pela Lei Complementar n. 123/2006, que estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, regulamentando, por sua vez, o art. 146, inc. III, “d”, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), que determina a adoção de um regime diferenciado e favorecido para as empresas de porte reduzido, inclusive no que tange ao seu regime tributário e elementos jurídicos conexos.

A legislação de tributação das operações societárias e empresariais brasileira estabelece, como o regime ordinário de tributação do Imposto de Renda, o regime do Lucro Real. Pelo regime tributário do Imposto de Renda pelo Lucro Real a tributação sobre a renda e demais receitas ocorre somente sobre aquilo que, efetivamente, a empresa obtiver de lucro, descontadas, grosso modo, todas as despesas operacionais existentes para a realização do objeto societário, tributos, salários, etc. É o sistema mais justo, pois tributa estritamente só aquilo que o empresário obteve de receita, mais atentamente, o lucro percebido; no entanto, a realidade nos mostra que as alíquotas são maiores do que as previstas para outros tributos e as obrigações acessórias são muitas e diversificadas, fatos que acabam tornando o custo operacional da sua opção muito elevado; além disso, a intrincada legislação de regulamentação pode gerar potenciais erros de procedimento que levam à geração da aplicação de sanções administrativas, em prejuízo aos contribuintes. Na esteira da tributação pelo Lucro Real, o Governo Federal atrelou a tributação específica de Contribuição Social pelo Lucro Líquido (CSLL), e as contribuições ao PIS e à COFINS não cumulativos.

Diante das enormes dificuldades encontradas pela grande maioria das empresas nacionais em conseguir cumprir todas as exigências legais da tributação pelo Lucro Real, optou-se pela criação de uma alternativa, qual seja, a tributação do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica pelo Lucro Presumido, no qual a lei estabelece presunções de lucro para cada um dos segmentos econômicos determinados, e, sobre este lucro que é presumido, aplica-se as alíquotas vigentes. A consolidação da dívida é mais simples pois, além de as alíquotas serem menores que as do imposto operado pelo Lucro Real, as obrigações tributárias são menores, já que os gastos da produção não são descontados da base de cálculo, ou seja, não existe a possibilidade de exclusão de despesas operacionais ou a apropriação de quaisquer tipos de créditos para o estabelecimento da base de cálculo. Na esteira deste modo de tributação, também se atrelou a CSLL, e as contribuições ao PIS e COFINS calculadas de forma cumulativa.

Ainda, existe o sistema do Lucro Arbitrado, que é aplicado em determinadas hipóteses em que não há como se estabelecer, por ocasião de atos do empresário, a base de cálculo, o que autoriza à autoridade fiscal arbitrar, com base nos elementos e requisitos da lei fiscal, o lucro da empresa e aplicar a legislação cabível, por exemplo, quando o contribuinte optante pelo lucro real não tem o livro diário ou razão, quando deixa de escriturar o livro inventário, dentre outras opções.

E, como adiantado, existe o sistema do Simples Nacional, em cumprimento à exigência do art. 146, da CF/88, que estabelece o sistema simplificado para as empresas consideradas, grosso modo, de reduzido porte econômico.

Em rápida síntese, o sistema simplificado engloba a tributação, de forma unificada, de oito tributos, dentre impostos federais (IRPJ, IPI), estaduais (ICMS) e municipais (ISSQN), além de contribuições sociais (Contribuição Patronal ao INSS, CSLL, PIS e COFINS). São diversos quadros (anexos) de diferentes formas de tributação conforme o tipo de empreendimento (indústria, comércio e serviços), dividido em diversas faixas de alíquotas dispostas conforme o faturamento de cada empresa. Um dos elementos a ser destacado, dentre vários requisitos de limite de acesso a esse sistema é o limite quantitativo, uma vez que o faturamento anual máximo da empresa não pode ultrapassar R$ 4.800.000,00 (art. 3º, inc. II, LC n. 123/2003). Para fins de registro, outros requisitos de formação e mesmo vedações são previstos na lei complementar para a autorização do enquadramento fiscal dessas empresas de porte reduzido, mas o escopo deste trabalho não permitirá adentrar nesses importantes detalhes, sob pena de desviarmos do objetivo aqui proposto.

Antes de adentrarmos na questão estritamente técnica, devemos reservar um breve espaço para esclarecimento da política fiscal que originou a tributação simplificada destinada às empresas nacionais de pequeno porte

É muito importante destacar que o tratamento diferenciado destinado às empresas de pequeno porte (no seu sentido lato), possui condição de verdadeiro princípio constitucional, já que é uma ordem expressa na CF/88 destinada ao Poder Legislativo, cumprindo o princípio da legalidade tributária, em atenção à exegese de regras formais e matérias de regulação do sistema de tributos das empresas assim enquadradas como suas beneficiárias. Mas este sistema é optativo e um benefício ao qual o contribuinte deve cumprir as regras exigíveis para sua manutenção.

Isso porque, ao mesmo tempo que cria um sistema menos burocrático, o Simples Nacional representa uma renúncia fiscal, constituindo um sistema mais simples e menos burocrático, inclusive com alíquotas menores do que as do sistema ordinário, com reflexos nas obrigações fiscais; tudo isso é considerado um benefício, não alcançável por aqueles contribuintes optantes ou impostados ao cumprimento do regime geral (lucro real), que devem se sujeitar à forma mais burocrática do regime ao qual estão sujeitos. Não cumprindo os requisitos existentes, o contribuinte é excluído do sistema, passando a ter que optar sua tributação ou pelo Lucro Presumido ou pelo Lucro Real (art. 32, da LC n. 123/2003).

Ao cabo do bojo informativo, o sistema simplificado intentou, sobremodo, tirar da informalidade fiscal grande parte dos pequenos empresários e empreendimentos que estavam à margem da legalidade, sem registro formal e, por isso, não contribuintes e não fiscalizáveis; ao incentivar a legalização, e abandonar a informalidade, esses novos empreendimentos regularizados, atraídos pela redução da burocracia e da redução de alíquotas, traria, com sua adesão, a majoração da arrecadação global material para os diversos níveis de erários (União, Estados, Municípios e Distrito Federal). Entretanto, com o passar do tempo, a simplicidade do sistema foi sendo deixada de lado, havendo majoração de tributos e o gradativo aumento de regras burocráticas impostas aos contribuintes, que, pouco a pouco, deixou de ser atrativo para os fins aos quais se prestavam.


Tributação concentrada.

O ponto fundamental desta apresentação repousa sobre os tributos de incidência concentrada e sua influência na tributação dos contribuintes optantes do sistema do Simples Nacional. A questão de relevância vem a ser o conceito da tributação concentrada e os efeitos desse tipo de incidência sobre as obrigações fiscais.

Esse tipo de tributação não é um novo tipo de tributo, mas um método alternativo de incidência da regra-matriz tributária, na qual o legislador tributário opta por deslocar a subsunção factual de um ou mais elementos da regra-matriz de incidência tributária, concentrando-a em um determinado tempo, local ou pessoa, fazendo com que as obrigações tributárias de outros contribuintes vinculados àquela relação jurídica em específico já tenham sido satisfeitas pela pessoa eleita como responsável tributária.

Para entender esse deslocamento, devemos, primeiramente, entender o conceito de regra-matriz de incidência tributária e descrever superficialmente os seus elementos formadores.


Regra-matriz de incidência tributária.

Inicialmente, vale dizer que a regra-matriz de incidência tributária, a qual doravante chamaremos simplesmente de RMIT, não está prevista expressamente na Constituição Federal nem na legislação infraconstitucional. É fruto de uma construção doutrinária.

Para explica-la, adotamos e valemo-nos do entendimento de CARVALHO[2], o qual resumiremos aqui para uma compreensão mais sintética da questão. A RMIT é a proposição de uma regra geral e abstrata que determina a incidência ou não de uma ou mais regras existentes no sistema jurídico, a qual, ao ocorrer a subsunção dos fatos aos seus preceitos, cria-se uma norma, aplicável e exigível desde logo pelos órgãos competentes para tal mister.

A RMIT, em linhas simples é representada pelo seguinte signo: H à C, na qual H é a hipótese de incidência, a base de elementos verificada no campo dos fatos; já C é a consequência, aquilo que a regra prevê por ocasião do acontecimento previsto em H; por fim, à é a subsunção do fato à regra, a criação da vinculação do mundo dos fatos (ser) ao mundo do direito (dever ser). A título exemplificativo: a circulação de uma mercadoria é um evento do mundo dos fatos, uma pessoa vende e outra compra um produto, aqui tratado como mercadoria; a CF/88 e as legislações federal e estaduais determinam regras sobre a obrigação do pagamento do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (ICMS). A exposição de outros elementos, no entanto, é necessária para se estabelecer verdadeiramente a obrigação tributária, e por isso, a regra da RMIT comporta outros caracteres, que estabelecem os demais elementos da obrigação tributária.

Inicialmente, a hipótese é formada por três critérios: o material (cm), o espacial (ce), e o temporal (ct). O critério material é formado por um verbo (v) e um complemento. O critério espacial diz respeito ao local onde ocorre o fato previsto e o critério espacial diz respeito ao tempo da ocorrência.

A subsunção (à) será a aplicação das regras vigentes previstas no sistema tributário, utilizando-se de todas aquelas existentes para a conclusão de uma norma, estejam elas previstas na Constituição Federal, na legislação nacional, estadual, em regulamentos administrativos e mesmo na jurisprudência dos tribunais.

O consequente (C), por sua vez, estabelece as consequências da aplicação da subsunção da regra aos fatos previstos em H. O consequente se divide em dois critérios: (d) critério pessoal e (e) critério quantitativo.

O critério pessoal do consequente (C) subdivide-se em dois: o sujeito ativo (SA) e o sujeito passivo (SP) da relação jurídica, ou seja, aquele que tem o direito de cobrá-la e aquele que tem o dever de satisfazê-la. O critério quantitativo, por sua vez, relaciona-se ao cumprimento da obrigação tributário, no quantum que deverá ser pago pelo contribuinte ou responsável, dividindo-se em base de cálculo (bc) e alíquota.

Voltemos ao exemplo hipotético da circulação de mercadorias: a CF/88 expressa que os Estados tributarão por meio de imposto a circulação de mercadorias e a prestação de determinados serviços específicos, o ICMS (art. 155, inc. II). Para regulamentar a matéria a nível nacional, valendo-se do seu poder regulador previsto no art. 146, inc. I e III, a União editou a Lei Complementar n. 87/1996, a famosa Lei Kandir, que também estabelece regras gerais da aplicação do tributo sobre a circulação de mercadorias. Além disso, cada Estado da Federação também possui regras próprias a respeito do tema, além de regulamentos locais que firmam as características próprias de cada realidade local.

Então, na hipótese, temos uma empresa fictícia FARMA X, que é uma distribuidora de medicamentos localizada no Estado de Santa Catarina e faz a circulação dessa mercadoria no próprio Estado. Na hipótese (H) teremos: o verbo + complemento (circular medicamentos), o critério espacial (no Estado de Santa Catarina) e o critério temporal (no mês X). Preenchidos todos os elementos, haverá a subsunção (à) dessa hipótese à regra prevista, com a aplicação dos elementos do consequente para a formação da norma jurídica. Assim, teremos a construção de uma norma jurídica concreta como decorrência da aplicação de uma regra tributária: dado o fato de que FARMA X vendeu remédio, ou seja, circulou mercadoria (verbo + complemento) no Estado de Santa Catarina (ce), no mês X (ct), FARMA X (sp) deverá pagar ICMS (a subsunção à) ao Estado de Santa Catarina (sa), pelo valor de 17% (alíquota) sobre o valor da venda (base de cálculo).

Portanto, verificado o preenchimento de todos os elementos da hipótese (geral e abstrata), haverá a concretização da regra legal, com o surgimento do consequente. E, do mesmo modo, o não preenchimento de todos os elementos acarretará a aplicação de outra regra que preveja o elemento excepcional ou não haverá a incidência da regra, inexistindo a consolidação da regra tributária. 

E o que isso tem a ver com a modalidade de tributação concentrada, que é um dos objetos do presente estudo? Como antecipado, a opção pela tributação concentrada altera os elementos da RMIT, podendo mudar o tempo, o local e o sujeito passivo da relação tributária ou do responsável pelo pagamento do tributo.


A tributação concentrada e a alteração da RMIT:

A opção legislativa da tributação concentrada é o resultado da aplicação de uma política fiscal que visa, sobremaneira, melhorar a eficiência da arrecadação tributária, aumentando a capacidade arrecadatória estatal, com diminuição da atividade fiscalizatória. Isso ocorre porque, ao alterar alguns dos elementos formadores da RMIT, selecionando determinadas atividades específicas e deslocando a responsabilidade tributária existente e verificada sobre tais atividades para algum ponto da cadeia produtiva,  a autoridade fiscal reduz drasticamente o seu trabalho de fiscalização, reduz a chance de ocorrer a inadimplência tributária e aumenta a arrecadação, tudo de uma só vez.

Como visto acima, utilizou-se, grosso modo, do exemplo do ICMS incidente sobre uma operação de circulação de medicamentos por uma empresa que trabalha com a distribuição de medicamentos. Essa distribuidora, no contexto da cadeia produtiva, adquire diversos medicamentos de diferentes indústrias, para distribuir a diversas farmácias em diferentes locais que irão revender os produtos aos consumidores finais, ou mesmo distribui para hospitais, clínicas, postos de saúde, etc., que também repassarão os medicamentos aos consumidores finais. Pela aplicação da legislação tributária ordinária, cada uma dessas operações está sujeita à aplicação da RMIT do ICMS pelo regime de não cumulatividade típica desse tributo. No entanto, a autoridade tributária teria que fiscalizar cada uma dessas inúmeras operações tributárias diárias, gerando a ineficiência de tal método, tendo em vista a notória falta de pessoal para tal mister. Isso acarretaria, de forma inafastável, o aumento da sonegação fiscal e a queda da arrecadação tributária.

Percebeu-se, então, que é mais fácil e ágil concentrar a fiscalização sobre uma só etapa da cadeia produtiva, fazendo com que essa etapa eleita seja a responsável pelo pagamento do tributo de toda a cadeia de vendas subsequente, além da sua própria operação mercantil. No caso do ICMS, criou-se a figura da substituição tributária (ST), na qual o sujeito eleito para determinada operação paga, como substituidor tributário, o ICMS de todas as etapas posteriores à sua participação na cadeia produtiva. Houve, assim, um deslocamento do sujeito passivo (o responsável) e do critério temporal do tributo, alterando-se, assim, elementos tanto da hipótese, quando do consequente. No exemplo oferecido, a distribuidora de medicamentos tornou-se responsável pelo pagamento do ICMS-ST por toda a cadeia econômica posterior, ou seja, ela é quem paga o tributo estadual dos demais sujeitos da operação econômica, sendo que este é composto no preço destacado às demais etapas produtivas como incluso na tributação, constando no destaque da nota fiscal. Quando a farmácia vende ao consumidor final, ela farmácia não recolhe o ICMS, pois a sua quota parte já foi recolhida pela empresa distribuidora, na condição de responsável pelo pagamento do ICMS-ST.

O ICMS-ST é um dos exemplos vigentes em nosso país da utilização desse sistema, pois o mesmo ocorre com determinados produtos com as contribuições sociais do PIS e da COFINS, que a legislação federal determinada a mesma incidência concentrada, aqui chamada de “monofásica”, ou seja, incidente em somente uma das fases da cadeia produtiva. A alteração é meramente semântica, tratando-se de duas faces do mesmo instituto, que é o da tributação concentrada, que acaba incidindo sobre uma das operações tributárias em substituição do resto da cadeia produtiva.

Veja-se que, no caso apresentado, é muito mais fácil fiscalizar poucas distribuidoras de medicamento do que milhares de farmácias espalhadas por todo um Estado. A concentração da tributação em determinados segmentos econômicos cumpre a missão de melhorar a performance fiscal arrecadatória e a sua eficácia, já que concentra, igualmente, os esforços de fiscalização em poucos segmentos e, com isso, aumenta a arrecadação sobre aquele determinado setor.


Simples Nacional e a tributação concentrada.

Como visto, a estratégia da concentração tributária faz parte de uma política fiscal de melhoria da eficácia tributária, já que permite a seleção econômica de determinados segmentos para convergir a incidência tributária de toda uma cadeia produtiva, alterando-se a RMIT geral e abstrata de determinados tributos. A regra do sistema tributário do Simples Nacional, como visto, engloba ordinariamente o pagamento unificado de oito tributos, dentre os quais três deles a legislação prevê a concentração tributária de determinados produtos: o ICMS e as contribuições sociais PIS e COFINS.

No tópico anterior foi passado que o legislador elege o responsável pelo pagamento antecipado dos tributos (ICMS-ST e PIS/COFINS monofásicos) por toda a cadeia produtiva de determinados produtos. O problema é que a base de cálculo do contribuinte optante pelo Simples Nacional é o total de vendas, não lhe sendo permitido a apropriação de quaisquer créditos decorrentes de operações anteriores.

Portanto, para os fins de formação da base de cálculo do Simples Nacional, é normal que o responsável pela contabilidade pegue o somatório de vendas da empresa que exerce o comércio, por exemplo, e faça a aplicação da alíquota pertinente, emitindo a guia de pagamento unificado com o valor correspondente, de forma simples e ágil para esse fim.

Entretanto, como o ICMS-ST e as contribuições PIS e COFINS do regime monofásicos já foram pagas antecipadamente por toda a cadeia produtiva, sendo que, quando o produto adentrou no seu estabelecimento, a obrigação tributária já estava cumprida por outrem, ou seja, pelo responsável, já que houve alteração de algum dos elementos da RMIT competente. Desta forma, o contribuinte que paga a guia unificada do Simples Nacional sem realizar o desconto dos valores já pagos de modo concentrado, acaba pagando de forma duplicada esses tributos, dentro da divisão tributária disposta nas tabelas de segmentos econômicos da LC n. 123/2006.

Sobre o ponto, deve ser observado o art. 18 da referida LC, que estabelece o regramento geral acerca da base de cálculo e alíquotas das operações tributadas pelo Simples Nacional. A observação necessária sobre os produtos de tributação concentrada está alocada no §4ª-A, com o texto incluído pela redação da Lei Complementar n. 147/2014, que determina a obrigação de o contribuinte segregar, da base de cálculo, as receita decorrentes de operações ou prestações sujeitas à tributação concentrada em um única etapa (monofásica), bem como em relação ao ICMS que tenha sido recolhido por substituto tributário ou por antecipação com encerramento de tributação.

Ora, nada mais lógico do que o dever de se realizar a segregação dos valores destacados com tributação concentrada, uma vez que a obrigação tributária pertinente já foi satisfeita previamente, tais valores já foram pagos por outrem, pelo responsável, em uma das etapas de produção anterior. Não o fazer ocasionaria o dúplice pagamento desses tributos já pagos em razão das operações seguintes. Portanto, como a obrigação tributária pertinente à operação com o produto que a própria legislação determina o recolhimento de tributos de forma antecipada, concentrada, não seria razoável a manutenção desses valores na base de cálculo da obrigação tributária do Simples Nacional.

E não estamos aqui falando da geração de um crédito, tal qual operado nas relações de tributos não cumulativos, como o ICMS e as contribuições PIS e COFINS do regime não cumulativo, aplicado em operações de empresas optantes pela tributação do imposto de renda pelo Lucro Real. Aliás, a LC 123/2003, no seu art. 21, §9º, inclusive não admite a utilização de créditos que não sejam específicos do sistema do Simples Nacional, e, mesmo que sejam admitidos no sistema, o seu aproveitamento só pode ocorrer quando respeitada a competência tributária de cada uma das Fazendas Públicas envolvidas no sistema, ou seja, cada crédito eventualmente existente, só pode ser compensado com os valores pertinentes ao mesmo órgão competente pela geração daquele tributo (art. 21, §10). Simplesmente o valor do tributo já pago na operação anterior, por ocasião do deslocamento da responsabilidade em razão da concentração legal, deve ser segregado, excluído da base de cálculo para fins de apuração do tributo unificado do Simples Nacional.

E o problema prático referido no início dessa dissertação é o fato de que parte dos contribuintes optantes do Simples Nacional que revendem os produtos sujeitos à tributação concentrada, seja pela sistemática do ICMS-ST, seja pela incidência monofásica das contribuições sociais PIS e COFINS, simplesmente não sabem do dever de exclusão desses valores da base de cálculo do Simples Nacional; noutras palavras os contribuintes, por desconhecimento, acabam não gerindo a documentação fiscal demonstradoras das operações cujos valores podem ser segregados, ou os responsáveis pela contabilidade também deixam de realizar a segregação, ocasionando, obviamente, um aumento indevido da carga tributária.

Mas nem tudo é terra arrasada! Identificado que houve o pagamento indevido da guia unificada do Simples Nacional devido à não segregação dos valores dos tributos cobrados de forma concentrada, nos moldes do art. 18, §4º, o contribuinte pode requerer à autoridade fiscal competente, por meio de processo administrativo, no caso de tributos federais, o Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN), e as Secretarias das Receitas Estaduais no caso do ICMS-ST, a restituição desses valores pagos em duplicidade.

Veja-se que a própria LC 123/2003, no seu art. 21, §5º, prevê que O CGSN regulará a compensação e a restituição dos valores do Simples Nacional recolhidos indevidamente ou em montante superior ao devido. E, na sequência, o §6º da mesma regra prevê que tais valores serão corrigidos pela SELIC, incluindo juros de 1% quando da efetivação da restituição.

Particularmente, a aplicação do pagamento de juros remuneratórios não tem razão de ser no caso, tendo em vista que, como visto, é uma obrigação do contribuinte realizar a segregação dos valores já consolidados com a tributação concentrada apontada. Ora, na hipótese de o próprio contribuinte não realizar essa obrigação e gerar o pagamento indevido, o pagamento a maior e o consecutivo direito à restituição não foram gerados por ato da autoridade fiscal, mas por erro do próprio contribuinte. Portanto, parece que a Fazenda Pública suporta o pagamento dos juros remuneratórios por um ato que não pode ser atribuído à sua responsabilidade. O contribuinte erra e, ainda assim, acaba percebendo um valor a maior por conta disso. Enfim, a correção monetária pelo índice SELIC reequilibra o poder de compra do valor que ficou à disposição da Fazenda, mas os juros não tem motivação jurídica razoável para sua existência.

De qualquer sorte, fica aqui exposto que, embora o contribuinte não só possa, como deve, realizar a segregação dos valores já pagos a título de tributação concentrada (PIS e COFINS monofásicos e ICMS-ST), caso não o tenha realizado, pode requerer às autoridades fiscais competentes pela gestão dos respectivos tributos a restituição dos valores, de forma administrativa, demonstrado que houve o pagamento e que houve a aplicação das regras de tributação concentrada lançadas nos documentos fiscais pertinentes, restituição essa que é realizada em dinheiro (por inexistir créditos ordinários nas operações do Simples Nacional), devidamente corrigida pela SELIC, acumulada com o pagamento de juros de 1% na data da restituição.


Notas

[1] https://datasebrae.com.br/empresas-optantes-pelo-simples-nacional/

[2] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. 4ª ed. São Paulo :  Noeses, 2011.


Autor

  • Santiago Fernando do Nascimento

    Advogado com especialização em Direito Tributário pelo IBET/INEJE, Direito Processual Civil pela PUCRS e Direito Empresarial pela Faculdade IDC. Consultor jurídico na área empresarial e tributária. Diretor Jurídico da empresa Valor Fiscal Inteligência Tributária e ex-diretor jurídico da AGPS (Associação de Gerenciamento de Projetos Sociais).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Santiago Fernando do. O Simples Nacional e os tributos concentrados. O desconhecimento pode gerar pagamento a maior. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6192, 14 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82837. Acesso em: 18 abr. 2024.