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A sumarização do processo

o advento da súmula de efeito vinculante em face das garantias constitucionais processuais

A sumarização do processo: o advento da súmula de efeito vinculante em face das garantias constitucionais processuais

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            Muito se tem discutido sobre a constitucionalidade da inserção das Súmulas de efeito vinculante no Brasil.

            Essa discussão não tem se dado por acaso, sobretudo se imaginarmos o número de litigantes que, atualmente, aguardam, do Estado, a solução definitiva e eficaz para as suas pretensões.

            É sabido que com o advento da Constituição da República de 1988, inúmeras conquistas, nunca dantes imaginadas, tornaram-se, pela sociedade, minimamente acessíveis, e quer do ponto de vista jurídico, quer do sócio-político, a nova Carta Magna representou um verdadeiro avanço, na medida em que, aos jurisdicionados, assegurou a defesa de uma gama de direitos fundamentais imprescindíveis à viabilização do fenômeno social, marcado pela transição de uma estrutura de Estado, eminentemente totalitária, para outra, de cunho democrático.

            Neste sentido, a instauração da Nova Ordem Constitucional, embora representasse verdadeira novidade para a sociedade brasileira - marcada pelos longos anos de ditadura -, proporcionou aos cidadãos um sentimento de seguridade jurídica, pois através de mecanismos próprios, dentre eles o Processo, vislumbravam-se novas perspectivas na defesa de direitos fundamentais.

            Com base nesta assertiva, poder-se-ia afirmar que, na medida em que se apresentavam novas possibilidades de acesso à Justiça e ampliava-se o rol de direitos fundamentais, em razão proporcional, e de forma vertiginosa, o número de demandas crescia.

            Tal fato, em certa medida, surpreendeu o Judiciário, serviço totalmente despreparado (e de certa forma dependente do poder central) no que se referia ao enfrentamento da nova realidade que se impunha.

            Sendo assim, atualmente, não nos parece assustadora qualquer informação que nos reporte à pronta idéia acerca do colapso do qual tem sido alvo o Poder Judiciário. É sabido que a crise chegou a um ponto realmente crítico, de forma a evidenciar que pontos negativos, tais como a morosidade da Justiça e o conseqüente acúmulo de processos, tornaram-se fatos capazes de comprometer a atividade jurisdicional e a qualidade do provimento, pois as partes, em franco prejuízo, não têm por solucionada, de forma eficaz, a lide que as envolve, e o Estado acaba por não atingir o fim que colima, dar aos conflitos a solução mais equânime e justa através do provimento jurisdicional.

            Diante disso, diversas e respeitáveis propostas surgiram no intuito de contribuir para o desafogamento da máquina judiciária. Métodos alternativos de solução de controvérsias, tais como a conciliação, a mediação e a arbitragem, bem como a criação dos juizados especiais cíveis e criminais representam o esforço da comunidade jurídica na solução do problema.

            Porém, é sabido que apesar de importantes para a solução das controvérsias, tais medidas não se revelaram suficientes, a ponto de proporcionar, de forma eficaz, a composição da totalidade dos litígios, posto que a cada dia, instauram-se centenas de processos nos Juízos de primeira instância, isso sem contar a numerosidade de recursos que diariamente são interpostos nos Tribunais, e que ainda esperam por uma solução.

            Frente a essa questão, para parte da doutrina e da jurisprudência, a atribuição do efeito vinculante às Súmulas e aos Enunciados revelar-se-ia importante meio propiciador de um Judiciário mais eficiente e de uma justiça mais célere, visto que decisões, cujas argumentações basicamente são as mesmas, poderiam ser utilizadas na solução de casos outros, o que dispensaria, em tese, a interposição de inúmeros recursos de mesmo conteúdo jurídico-argumentativo.

            Percebe-se, então, que na visão dos adeptos do efeito vinculante das Súmulas, o sistema recursal, se utilizado da forma que se tem apresentado – como meio prorrogador de demandas idênticas -, vem a representar importante ameaça à segurança das relações jurídicas, bem como à eficiência do Judiciário e à coerência nas suas decisões.

            Em face desse entendimento, através da decisão obtida para determinado caso, aberto estaria um caminho - aqui revelado como um verdadeiro "precedente normativo" - para a solução de vários outros, o que afastaria ou minimizaria a insegurança dos Juízos, no que respeita a julgados conflitantes - em especial aqueles relativos a mandados de segurança, medidas cautelares, bem como a antecipações de tutela.

            Seria aquilo que, na opinião do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Paulo Brossard, citado por Portanova (1999, p.37), o "fazer sentir o Princípio da utilidade - ainda que isto importe, aqui ou ali, em certas situações menos confortáveis...".

            Tal instituto diferencia-se da tradicional Súmula, pois, embora possua também a função uniformizadora das jurisprudências e vise à celeridade dos processos que tenham como ponto central de discussão casos semelhantes, possui o chamado efeito vinculativo, através do qual os juízos de instâncias inferiores permanecem adstritos às decisões dos Tribunais, ou seja, ficam vinculados às decisões destes. Explique-se: fatos semelhantes entre si subsumir-se-ão a entendimentos jurisprudenciais previamente construídos, os quais darão a azo a decisões idênticas.

            No magistério de Fábio Cardoso Machado, a instituição da súmula vinculante consiste em:

            ....pré-determinar em abstrato as premissas normativas do raciocínio prático-jurídico, com a intenção de assegurar a igualdade formal das decisões, consideradas apenas as circunstâncias de fato relevantes à subsunção do caso a um unívoco critério normativo, permitindo que a decisão resulte de um raciocínio lógico-dedutivo estritamente silogístico. (MACHADO; 2004)

            Do exposto acima, conclui-se que da idéia de precedente normativo subsume-se a de efeito vinculativo.

            Este, nos dizeres de Gilmar Ferreira Mendes (1999), desenvolveu-se de forma significativa, no Direito Alemão. Por este instituto, partes processuais, órgãos inferiores e autoridades administrativas já deviam obediência às sentenças proferidas pela chamada Corte Constitucional, de forma a respeitá-la, tanto no que concernia à parte dispositiva do deciso, quanto aos fundamentos que o determinavam.

            Desta forma, até mesmo as leis posteriores deveriam ser estabelecidas em observância dos parâmetros de interpretação constitucional adotados por aquela Corte. Estamos a falar sobre o parágrafo 31, inciso I, da Lei do Tribunal Constitucional Alemão (Bundesverfassungsgerichtsgesetz), surgido no pós-guerra, muito embora antes de ser editado, seu conteúdo já representasse alguma utilidade prática para o Estado Alemão.

            No Brasil, o efeito vinculante não representa qualquer novidade, vez que se faz representar pelo advento da Ação Declaratória de Constitucionalidade, introduzida por ocasião da Emenda Constitucional n. º 3, de 16 de março de 1993.

            Com base na Emenda, o artigo 102, § 2º, da Constituição da República de 1988, determina a eficácia erga omnes das decisões de mérito do STF e o efeito vinculante, que lhes é peculiar, em relação aos órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo.

            Mais recentemente, a Emenda Constitucional nº 45/04 veio a instituir a súmula de efeito vinculante em si mesmo considerada, através da inserção do art. 103-A ao texto da constituição. Reza o dispositivo:

            Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

            § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

            § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

            § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

            E conforme o artigo 8º da mesma Emenda "as atuais súmulas do Supremo Tribunal Federal somente produzirão efeito vinculante após sua confirmação por dois terços de seus integrantes e publicação na imprensa oficial".

            Entre nós, a despeito da vigência da Emenda supra, discussões acerca da viabilidade do instituto no ordenamento pátrio não têm sido escassas, o que faz com que venha à tona a seguinte indagação:

            A Súmula de efeito vinculante considera-se ou não compatível com o Sistema Jurídico Brasileiro?

            Se sim, necessita, assim como todos os outros institutos jurídicos, estar em conformidade com princípios próprios do Processo e da Constituição da República.

            E é justamente aqui que se situa o ponto nevrálgico da discussão ocorrente entre os adeptos e os não adeptos à vinculação.

            A corrente doutrinária que é terminantemente a favor da adoção das Súmulas de efeito vinculante no Sistema Jurídico Brasileiro fá-lo com base nos Princípios da Celeridade e da Economia Processual. Reafirma a necessidade das Súmulas, mas atribui a elas o caráter vinculante das decisões de juízos inferiores, em nome da agilização dos processos. Argumenta, portanto, a necessidade do descongestionamento da máquina judiciária, que como é sabido, encontra-se caótica, em virtude da numerosidade de processos a serem julgados.

            Fá-lo, ainda, baseada na premissa de que o Estado Democrático de Direito deve o tratamento igualitário a todos os cidadãos, pois se tal não ocorresse, estaria ele admitindo a duplicidade de soluções a situações fáticas idênticas e, ao mesmo tempo, estaria abolindo a função pacificadora, que lhe deve ser típica. A questão prática, que pugna pela celeridade processual, exemplificar-se-ia, aqui, por determinada Súmula que se mostrasse capaz de reduzir o então comum número de recursos, a fim de evitar que os mesmos se apresentassem protelatórios e emperradores de todo o processo.

            A segunda corrente (à qual nos filiamos), que se contrapõe à adoção das Súmulas de efeito vinculante, defende a tese de que a mesma é incompatível com uma infinidade de Princípios Processuais, e, sobretudo Constitucionais.

            Sabe-se que os Princípios Gerais de Direito, sobretudo de Direito Processual, como o próprio nome indica, caracterizam-se por tudo aquilo que, sendo base ou fundamento do Sistema Jurídico, é capaz de informá-lo e de caracterizá-lo, a ponto de enfocar as suas peculiaridades, diferenças, e mesmo similaridades, com outros Sistemas.

            Tanto é assim, que Ada Pellegrini Grinover e colaboradores, felizes na definição do que vêm a ser tais Princípios, como sendo "preceitos fundamentais que dão forma e caráter aos Sistemas processuais", afirma que " é do exame dos Princípios Gerais que informam cada Sistema, que resultará qualificá-lo naquilo que tem de particular e de comum com os demais, do presente e do passado" (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 1999, p. 37)

            Percebe-se, portanto, a importância que se imprime aos Princípios Gerais de Direito Processual. O valor de tais Princípios cresce, ainda mais, quando se pensa que os mesmos são influenciáveis pelos chamados "Princípios Informativos do Processo", por sua vez, consistentes nos consectários lógico (eficácia na descoberta da verdade e distância do erro), econômico (mínimo de despesas possível e afastamento do privilégio de classe no Processo), político (garantia social e o mínimo de sacrifício individual), jurídico (igualdade no litígio e justiça na decisão), instrumental (menos importância à forma e mais resultado substancial) e efetivo (adequação do Processo às necessidades sociais). (Portanova, 1999, págs.17 a 54)

            Tem-se, assim, que não há como se construir ou se promover qualquer inovação na sistemática processual que não se paute no respeito aos Princípios Constitucionais, haja vista ser a Constituição a expressão máxima do Paradigma do Estado Democrático de Direito. Muito embora, in concreto, ou por ocasião da lide, seja possível a superveniência de Princípios conflitantes entre si, por vezes, um predominando sobre o outro - porém não se eliminando -, este Paradigma pugna pela convivência de todos os Princípios nela previstos, a qual, in abstracto (fora de lide), deve ser harmônica.

            E foi, justamente, com base em critérios principiológicos que retiramos algumas conclusões inerentes às conseqüências da adoção do efeito vinculativo das Súmulas - e, agora, dando ênfase à EC nº 45, que, como já citado, concedeu ao STF o direito de editá-las em se tratando de matéria constitucional - no Ordenamento brasileiro.

            A primeira conseqüência da inserção da Súmula de efeito vinculante no Sistema Brasileiro traduz-se na clara afronta ao disposto no artigo 2º da Constituição da República de 1988, pois, vê-se atingido o Princípio da Separação dos Poderes, e não só o da independência e do livre convencimento motivado dos Juízos inferiores, uma vez que se faz presente a hipertrofia dos poderes dos órgãos judiciários colegiados – em especial o STF -, de um lado, e a atrofia dos demais Poderes, mormente o Legislativo, do outro.

            Ora, se nem mesmo o Poder constitucionalmente legitimado à feitura da Constituição e das leis tem a prerrogativa de impor interpretação obrigatória às normas que disciplinam as relações sociais, por que haveria de tê-lo o Poder Judiciário?

            As dificuldades encontradas na operacionalização do instituto da Súmula de efeito vinculante conduz-nos, sobretudo, a uma conclusão: a "supervalorização do Poder Judiciário", o que, em sentido amplo, nada mais significa do que a desconsideração da tripartição das funções do Estado pela atribuição de força legislativa às Súmulas, o que, mais uma vez, viola a regra constitucional consubstanciada no artigo 5º, inciso II, da Constituição da República de 1988, segundo a qual, in verbis, "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’, cláusula pétrea não passível de alteração pelo poder constituinte derivado.

            Percebe-se, de logo, a absoluta inviabilidade de se introduzir o instituto do precedente absolutamente vinculado nos sistemas jurídicos da família romano germânica. Nestes, como sabido, a fonte primária do direito é sempre a lei, isto é, a norma geral e abstrata emanada do Poder competente, o qual, no regime democrático, é o próprio povo, diretamente, ou os seus representantes legitimamente eleitos que formam o órgão estatal legislativo. Os juízes não têm legitimidade democrática para criar o direito, porque o povo não lhes delegou esse poder. A sua função precípua, na organização estatal, é a de funcionar como árbitros supremos dos conflitos de interesse na aplicação da Lei. (BARROS, 1997, p. 101)

            Ainda, no contexto da separação de funções, a inserção da Súmula de efeito vinculante cria uma situação, no mínimo, estranha. Permite, em termos práticos, e com muito mais facilidade, o controle difuso de constitucionalidade das leis e atos normativos, mas dificulta esse mesmo controle em relação às súmulas do STF, órgão máximo da organização judiciária brasileira, o qual, na medida em que sendo o único constitucionalmente autorizado à emanação de Súmulas com efeito vinculante, obviamente, não admite o controle incidental por parte dos demais órgãos. Seria a instauração do império dos juízes em detrimento do entendimento dos juízos inferiores, da Administração Pública e, principalmente, do Poder constitucionalmente imbuído da função de criar leis?

            A violação à concepção tripartite das funções do Estado torna-se patente se se notar que a Emenda nº 45/04 sequer previu a revogação automática do conteúdo normativo da Súmula de efeito vinculante pela eventual promulgação de lei que trate do mesmo tema afeto ao precedente.

            Outro Princípio, em vias de lesão é o da Autonomia dos Órgãos Judiciários, posto que não têm estes, o total Poder de Jurisdição, visto que, obrigatoriamente, hão de decidir em acorde com o preceito destas Súmulas. Inevitável, por conseqüência lógica, o prejuízo do Devido Processo Legal, que necessita da independência e da imparcialidade do órgão julgador nas suas decisões.

            O Devido Processo Legal, que pressupõe a convivência harmônica de todos os Princípios, e é definido por Ada Pelegrini Grinover e colaboradores como "o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, de outro, são indispensáveis ao correto exercício da Jurisdição" (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 1999, PÁG. 82), encontra-se lesado, pois negadas estão às partes as possibilidades de construção do provimento através do contraditório amplo e irrestrito. Ora, os Princípios do Devido Processo Legal e do Contraditório hão de ser absolutos, e devem ser sempre respeitados, sob pena de nulidade de todo o processo.

            Ainda com relação à violação de tais Princípios, se a sentença só pode afetar as partes ou seus sucessores no processo, como se admitir que a edição de uma súmula - que não é lei - possa vincular decisões que versem sobre casos semelhantes - e não iguais entre si por apresentarem suas peculiaridades?

            O Princípio da Recorribilidade e do Duplo Grau de Jurisdição também se vêem afetados. Embora haja quem afirme não ser o Duplo Grau de Jurisdição verdadeira garantia constitucional, entende-se que a parte tem o direito de, uma vez lhe parecendo injusta ou ilegal a decisão, buscar sua anulação ou reforma, ou seja, que lhe seja a pretensão conhecida e julgada por juízos distintos. Que interesse teria em interpor um recurso, se soubesse que não teria êxito, quanto mais soubesse que lhe poderia ser prolatada decisão, muitas vezes aquém daquilo que ganharia se tal Súmula não fosse instituída?

            E ainda que tivesse a ousadia de interpor recurso que não sufragasse a tese sumular, correria o risco de ser condenada por litigância de má-fé, pois mesmo que estivesse estribada no voto vencido, declarado na edição da súmula, enquadrar-se-ia perfeitamente na disposição do artigo 17 do Código de Processo Civil, segundo o qual "reputa-se litigante de má-fé aquele que: I - deduzir pretensão ou defesas contra texto expresso de lei ou fato incontroverso".

            O efeito vinculativo das Súmulas e Enunciados se incompatibiliza, ademais, com o Princípio Inquisitivo, pois ao Juiz não é conferido, amplamente, o direito de, independentemente de iniciativa ou de colaboração das partes, participar ativamente da instrução, uma vez que se submete ao poder vinculante de tais Súmulas.

            A Súmula de efeito vinculante ameaça também o Princípio da Persuasão Racional, que determina que o Juiz, ao sentenciar, deve formar livremente o seu convencimento, desde que o fundamente (artigo 131 do CPC). Trata-se de forte e desleal imposição sobre os juízos inferiores, pois, embora ainda esteja aberta a eles a possibilidade de exercer o controle difuso de constitucionalidade sobre a emenda nº 45/04 e sobre as Súmulas de efeito vinculante, inevitável o cerceamento da livre convicção motivada, máxime em relação a estas, haja vista a interpretação que se impugna partir do órgão máximo da organização judiciária. Reforma inevitável.

            Este princípio está intimamente ligado ao princípio do devido processo legal, já analisado, bem como ao princípio da obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais, o qual não mais visa somente à garantia das partes, no sentido de possibilitá-las o conhecimento do que deva ser impugnado, mas de todos aqueles que povoam um Estado que se intitula Democrático de Direito.

            É que, atualmente, floresce o que a mais moderna doutrina chama de "função política da motivação das decisões judiciais". Isto implica que são destinatários dos decisos, não só as partes e o magistrado que atua no processo, mas, também, a sociedade, à qual cabe o direito ao Juízo natural e imparcial, bem como ao respeito à legalidade estrita. Tal princípio é previsto pelo inciso IX do artigo 93 da Constituição da República de 1988, que prevê a nulidade para toda e qualquer decisão judicial que não esteja devidamente fundamentada.

            Notória a insubordinação da Súmula de efeito vinculante a tal Princípio, haja vista a possibilidade de se chegar a uma decisão sem análise adequada das provas, vez que cabível a simples indicação de Súmula de determinado Tribunal no sentido da decisão recorrida, ou um mero despacho indeferindo a inicial. Essa possibilidade de escassa fundamentação, ao violar o Princípio em comento, fere, em verdade, norma constitucional originária, pois entra em conflito com a garantia do Devido Processo Legal.

            Por fim, tem-se que a Súmula de efeito vinculante afeta também o Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, pois, dispõe o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República de 1988, que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

            E a possibilidade de a parte ver sua pretensão deduzida em juízo relaciona-se intimamente com a idéia de direito de acesso, não só ao processo, mas à justiça justa, ou, na expressão de Ada Pelegrini e colaboradores, à ordem jurídica justa.

            Nesse sentido:

            O processo deve ser manipulado de modo a proporcionar às partes o acesso à justiça, o qual se resolve, na expressão muito feliz da doutrina brasileira recente, em ‘acesso à ordem jurídica justa’. Acesso à justiça não se identifica, pois, com a mera admissão ao processo, ou possibilidade de ingresso em juízo. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 1999, pág. 33)

            Cabe ainda ressaltar o aspecto político, conjugado com Princípio da Imparcialidade do Poder Judiciário. É patente a possibilidade de os órgãos deste se vêem pressionados pelos outros Poderes (Legislativo e Executivo), editando Súmulas em favor dos interesses políticos destes, desviando a função para o qual foram constituídos, qual seja, a de prover o direito das partes através da decisão mais justa ao caso concreto.

            As discussões acerca da aplicabilidade das Súmulas de efeito vinculante esbarram, como é natural, na diversidade de sistemas jurídicos. E, dentre os mesmos, como mais importantes, destacam-se o de "Civil law" (Direito positivado calcado em normas escritas) e o de "Common law" (Direito costumeiro). O primeiro é adotado pelos países romano-germânicos, tais como o Brasil, e o segundo, por países tais como os Estados Unidos.

            Enquanto no sistema de Common law, a jurisprudência exerce o papel de consolidar as decisões emanadas pelos Tribunais, fazendo com que os juízos a quo (de primeira instância) respeitem as decisões dos Tribunais, no de Civil law, tal função é desempenhada pelas próprias leis, incidentes sobre todos os cidadãos, que a elas se vinculam.

            Portanto, diferentemente daquele sistema, a jurisprudência tem função oposta, visto que não é enrigecedora do ordenamento. Em sentido oposto, ela oferece a necessária mobilidade ou flexibilidade, da qual necessita o Estado, em especial aqui o Brasileiro, para regular as diferentes situações fáticas que lhe são apresentadas pela sociedade.

            E é justamente aí que se situa um dos imensuráveis inconvenientes da adoção do caráter vinculativo das Súmulas. Estas, se adotadas em conformidade com seu sistema originário (de common law), podem petrificar todo o sistema brasileiro, dando-se por incompatíveis com o sistema nacional.

            Note-se o quanto se torna importante a observação do Princípio da mobilidade dos sistemas; muito mais importante, até mesmo, do que a adoção de um ou outro sistema jurídico. Ele se prende à idéia de que toda lei deve ser interpretada e adequada ao seu tempo e em compatibilidade com os valores que são atribuídos à sociedade que regula.

            É o segredo capaz de explicar-nos o porquê da prolongada eficácia de certas Constituições em determinados países (a exemplo dos E.U.A, no qual a Constituição vige há aproximadamente duzentos anos).

            Mas no Brasil, como dito, os mecanismos de mobilidade do Sistema Jurídico operam-se por conta das jurisprudências, que dão ao mesmo condições de sobreviver às intensas modificações sociais, pois são capazes de integrar a norma positivada ao caso concreto, através do conteúdo dialético que comportam. Introjetar num sistema jurídico de "Civil law", a Súmula de efeito vinculante, por sua vez característica do sistema de "Common law", atropelando os Princípios Processuais e Constitucionais do Estado, é trair o ideal de justiça do Estado Democrático de Direito.

            A atribuição de efeito vinculante às Súmulas emanadas pelos Tribunais superiores vai, ainda, de encontro com o Sistema Federativo. E, se este pressupõe a convivência de várias unidades, cada uma com a respectiva Constituição (embora sempre devam respeito à Constituição Federal), é normal e comum que haja divergências jurisprudenciais num Brasil composto por vários outros Brasis. Em verdade, poderíamos dizer que há apenas o ideal federativo, pois a prática e progressiva centralização de poderes nas mãos da União trai a teoria constitucional federativa propagada pela Carta de 1988, demonstrando que ainda persistem seqüelas do antigo Estado Brasileiro, unitário e totalizante.

            Isso significa que, embora a Constituição Federal tenda a fortalecer a autonomia dos Estados, no sentido de que haja um equilíbrio federativo, o legislador mostra-se relutante em permitir aos Estados que os mesmos se organizem internamente. Neste prisma, a mencionada modalidade de Súmula contraria o Princípio Federativo.

            Contraria, também, o Princípio da igualdade, pois a dinamicidade da vida moderna, pugna pelo abandono dos silogismos, das generalizações e das meras deduções, porque leva em conta a realidade social multifacetada, geradora de soluções jurídicas diversas, direcionadas à justiça concreta, e não puramente à generalização e abstração descomedidas da norma.

            Por isso, a CR/88 vai tratar desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade. A idéia aqui esposada acerca do conceito de tal Princípio é de tamanha valia, que já é largamente utilizada pelo Direito do Consumidor e pelo Direito do Trabalho.

            E diferente não haveria de ser com o Processo, pois como já visto, este constitui uma garantia, a qual se manifesta através do dever do Estado de administrar a justiça pública através do Poder de Jurisdição que detém; é um direito do cidadão porque, através do Processo, pode - e deve - participar da composição pacífica da lide, garantindo os direitos que lhe são próprios.

            Repare-se que retroceder o cidadão no seu direito ao Processo justo, atropelando Princípios de índole constitucional, vai de encontro à teleologia do modelo paradigmático de Estado adotado pelo país, porque o ordenamento prima pelo Princípio da Proibição do Retrocesso em face das garantias fundamentais, e todo projeto de Emenda Constitucional – exemplifique-se pela EC nº 29/2000, que introduz a Súmula Vinculante no artigo 103-A da Constituição da República de 1988 e a mencionada EC nº 45 - que tenda a abolir direitos e garantias fundamentais é inconstitucional, sendo passível de controle.

            No que concerne à legislação infraconstitucional, o instituto em comento viola o artigo 469 do Código do Processo Civil, segundo o qual a motivação da sentença e a verdade dos fatos em que se fundamenta o ato decisório não fazem coisa julgada. É o que ensina Carlos Alberto do Amaral, citado por Silva (1998):

            O valor normativo do precedente, assim, assenta na exemplaridade da solução encontrada, e envolve compromisso de fidelidade à doutrina esposada na decisão. Isto é, ostenta-se força normativa não apenas na parte dispositiva da decisão, mas, especialmente, na sua ratio decidendi, ou seja, nas razões que constituem a essência do julgado e que não se apresentam, destarte, meramente argumentativas (obter dictum), ao contrário do estabelecido, por exemplo, no art. 469 do nosso CPC, segundo o qual, em regra, a motivação da sentença não faz coisa julgada, bem como não faz a própria verdade dos fatos em que se fundamente o ato decisório. (AMARAL, apud, SILVA, 1998, p. 59)

            Nesse sentido, é discutível a aplicabilidade de tal instituto, haja vista a incongruência entre o conteúdo do citado dispositivo e a força normativa que encerram as partes dispositiva e persuasiva do deciso.

            Embora seja o precedente normativo próprio dos países de Common Law, mesmo nestes, cresce a utilização da legislação escrita, havendo a possibilidade de os magistrados deixarem de observar a regra do precedente, quando o mesmo não atender a disposição expressa de lei.

            Isto evidencia, com relação a estes Estados, a tendência ao abandono da rígida observância do instituto.

            Acontece que, na contramão dos fatos de nossa alçada, verifica-se uma tendência progressiva, tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra, rumo a uma flexibilização ainda maior na aplicação do stare decisis (rule of precedent). Os juízes do sistema anglo-americano examinam um grande número de precedentes, valendo-se de um ou outro dos diversos métodos de hermenêutica (gramatical, histórico, teleológico, sistemático, etc) para formar sua convicção de quais precedentes ou pontos relevantes dos mesmos deverão ser aplicados na espécie. Além disso, o magistrado poderá deixar de obedecer ao precedente quando este incorrer em erro manifesto, contrariando expressa disposição de lei. (DINIZ, apud, SÁ, 1996, p. 73)

            A rigidez na utilização do precedente normativo, bem como a atenuação da independência funcional do magistrado, podem comprometer a necessária mobilidade do Sistema Jurídico, na medida em que se retira deste, as condições de suportar as intensas modificações sociais, através das quais, muitas vezes, por simples processo de integração, pode o juiz adaptar a norma positivada ao caso concreto.

            Ressalte-se que argumentar que a necessidade da inserção da Súmula vinculante se deve à quantidade excessiva de recursos, ao acúmulo de Processos e à morosidade da Justiça é desviar a atenção para o problema e esquecer de suas causas.

            E dentre estas se destaca a insubordinação da própria Administração Pública aos julgados nos quais sucumbe, mormente aqueles resultantes de ações individuais e coletivas em série, nos quais a Administração, em geral, é ré.

            Esta, olvidando-se de importantes mecanismos legais, tais como as "Súmulas Administrativas", de edição obrigatória, em decorrência do que dispõe o art. 2º do Decreto nº 2.346, de 10 de outubro de 1997, que "consolida normas de procedimentos a serem observadas pela Administração Federal em razão de decisões judiciais", arvora-se na demora da justiça, provocada, principalmente, por seus infindáveis recursos e, por fim, recrudescida pelos precatórios, tornando-se uma das maiores responsáveis pelo acúmulo de processos.

            Manifesta o Estado (sentido lato), a todo instante, sua recusa às decisões colegiadas, através de recursos contra matéria já pacificada pelos Tribunais.

            Não se sugere, aqui, que o Estado, atabalhoadamente, desista dos processos que intente -, até porque, sendo administrador da res publicae, sofre uma série de limitações constitucionais e legais -, mas apenas que trabalhe com sensatez; saiba, uma vez firmada a jurisprudência dos Tribunais Superiores, discernir o momento de litigar daquele em que deve se abster para propiciar direitos reconhecidos constitucionalmente.

            E as Súmulas administrativas, se utilizadas em conjunto com a idéia da mobilidade do sistema jurídico, podem contribuir para a solução do problema que adeptos da Súmula vinculante, encobrindo interesses e ideologias, dizem-se querer combater: o acúmulo de recursos, a morosidade da justiça, etc.

            Nesse aspecto, mais justa é a promoção, pela Administração Pública, do respeito aos direitos individuais e coletivos dos cidadãos, do que propriamente permitir que as indigitadas Súmulas de efeito vinculante lhes retirem as conquistas do Devido Processo Legal, atribuídas pela evolução do Estado.

            Daí dizer-se que no paradigma do Estado Democrático de Direito o bem comum somente será alcançado pela busca da solução mais equânime possível – observada a legalidade - das controvérsias, sendo, o Estado, o encarregado oficial desse compromisso em benefício das partes e da sociedade na qual estão inseridas - esta, pela soberana vontade que detém, construindo o ordenamento jurídico.

            Com relação ao compromisso com a busca da proteção dos direitos fundamentais pelo Estado Democrático de Direito, bem como à vontade soberana, peculiar ao povo, destinatário final das leis existentes neste Paradigma, Luiz Moreira, fazendo menção a este, ensina o seguinte:

            ... à medida que o ordenamento jurídico emana da vontade discursiva de seus cidadãos e suas leis são, ao mesmo tempo, reflexo e produção dessa vontade que assume ares institucionais através do procedimento legislativo, os direitos humanos e a soberania do povo encarnam a dimensão de legitimidade do corpo jurídico, uma vez que a legitimidade do direito apóia-se, em última instância, num arranjo comunicativo: enquanto participantes de discursos racionais, os parceiros do direito devem poder examinar se uma norma controvertida encontra ou poderia encontrar o assentimento de todos os possíveis atingidos.(MOREIRA, 1999, pág. 190)

            Percebe-se, desta forma, neste modelo de Estado, ser o povo, não só destinatário final das leis e da jurisdição, mas também partícipe na construção destas mesmas instituições.

            Exsurge, portanto, o Processo – seja legislativo, seja o judicial -, nesse Tipo Fundamental de Estado, como o espaço jurídico-discursivo destinado à correção permanente da falibilidade do Ordenamento Jurídico vigente [01], a ele se sujeitando até mesmo quem o instituiu: o Estado, que em compromisso com o povo, torna-se súdito do Direito, seja positivo ou não, devendo-se respeito aos Princípios gerais do Direito Processual e da Ordem Constitucional.

            Diz-se, desta forma, que para a sobrevivência do Processo, como legitimador do exercício da jurisdição, necessário se faz o respeito às Garantias, as quais não se prestam somente ao resguardo do interesse das partes, mas também da segurança jurídica da sociedade.

            Aliás, o que foi acima exposto é bem abordado pelo ilustre processualista Rosemiro Pereira Leal (2001), que neste aspecto é claro, quando, na procura de desenvolver uma teoria constitucionalista do Estado Democrático de Direito, calcada na soberana vontade popular, constrói sua proposição Neo-Institucionalista do Processo, segundo a qual, necessária se faz uma maior constitucionalização do processo, capaz de proporcionar a ampla participação das partes nele envolvidas. Nas lições de Rosemiro:

            A teoria neo-institucionalista do processo não é uma ordem de pensamento acabado. Erige-se como apelo crítico–participativo da partes juridicamente legitimadas à instauração de procedimentos em todos os domínios da jurisdicionalidade. Seriam estes os agentes de efetivação permanente ou de reconstrução ampliativa da cidadania, mediante o exercício de direitos em sua plenitude constitucional, agregando transformações à Sociedade, valendo-se dos princípios do contraditório, ampla defesa e isonomia, para a consecução do projeto jurídico de nivelamento de todos à resolução procedimental dos conflitos de interesse. (LEAL, 2001, pág. 97)

            Ainda em Rosemiro:

            De resto, uma teoria neo-institucionalista tem na constituição a instituição originária de sua possibilidade existencial, todavia a própria constituição, ao se autoproclamar Democrática de Direito, pouco importando o âmbito legiferante de sua elaboração, como é a brasileira de 1988, já se põe sob regência da instituição constitucionalizada do processo (grifo nosso) como pressuposto democratizante e lógico-jurídico regente da realização, recriação e aplicação dos direitos assegurados no discurso constitucional. (LEAL, pág. 98)

            Este o enquadramento da noção de Devido Processo Legal no Estado Democrático de Direito, a qual supera aquelas inerentes às concepções liberal e social.

            Embora se perceba a importância do modelo de Estado Liberal no reconhecimento da soberania popular - o que representou enorme avanço no que concerne à tutela dos direitos fundamentais, pois se instituíram limites ao poderio político dos Reis, descentralizando-o, e se impôs aos Governos o respeito aos direitos e liberdades individuais, tais como à de consciência e à de expressão -, é de ser dito que a história mostrou que tal paradigma, assegurador de direitos eminentemente individuais, clamava por Ordens outras, capazes de, sobretudo, imprimir ao Estado uma função mais provedora, que fosse capaz de assegurar direitos das novas gerações que se iam impondo.

            Assim, a Jurisdição, se encarada por um viés democrático, constitui-se forma essencial de operacionalização de valores, na medida em que, o Estado, tendo abandonado a ultrapassada visão liberal, consagra o que Ada Pellegrini Grinover e colaboradores chamam de "indivisibilidade do direito" (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 1999, p. 39).

            Se antes, por uma concepção liberal de Estado, assegurava-se ao cidadão, por exemplo, o direito ao Processo Legal, no Estado Democrático de Direito, a preocupação com o direito do cidadão à Justiça, no mesmo processo, é, e deve ser ainda maior, de forma a respeitar ao máximo o seu direito ao Justo e Devido Processo Legal.

            De forma que ao Estado Democrático de Direito cabe o dever de oferecer meios para que o cidadão não só exerça esses direitos, mas para que participe na vida política, através das leis, e na jurídica, através do Processo justo, manifestando o seu direito ao contraditório e à ampla defesa, bem como os demais previstos no ordenamento jurídico.

            E como já visto, a inserção do efeito vinculativo às súmulas e enunciados pode comprometer o exercício desses direitos, pois sacrificar esses conceitos significa colocar em jogo a efetividade da Justiça em nome da celeridade e da economia processual.

            Ora, celeridade e economicidade, embora sejam, em geral, benéficas ao desenvolvimento do processo, nem sempre correspondem às condições necessárias, tampouco suficientes, da efetiva justiça, pois de nada vale a prática regular de atos processuais, se não se permite às partes a participação ampla e irrestrita na construção do provimento, e, conseqüentemente, a reafirmação da construção do paradigma democrático do Estado em que se inserem.

            Tais Princípios proporcionam, isto sim, a solução das controvérsias de forma mais rápida, mais eficaz, porém, nem sempre de forma mais satisfatória.

            O que se quis dizer até aqui é que apesar de se constituírem princípios processuais indeléveis, a Celeridade e a Economia processual não devem ser observadas em detrimento de princípios outros também recepcionados pela Constituição da República de 1988.

            Se para a comunidade jurídica é incontestável a importância do tema, o mesmo se diga para a sociedade, pois é ela a destinatária final dos provimentos estatais, devendo, desde já, ser conscientizada dos reflexos da inserção do instituto em comento no Sistema Jurídico Brasileiro.

            Esta conscientização, na verdade, pugna pela premissa de que "o povo é o titular do Poder", não podendo admitir a possibilidade de banimento de direitos conferidos pela própria Constituição, haja vista não ser crível o atropelamento de princípios de Direito já arraigados pela sociedade e por todo o ordenamento jurídico brasileiro. Estão em jogo, além de direitos individuais indisponíveis, direitos garantias processuais que resguardam estes direitos.

            A relevância do tema na seara jurídica é incontestável, posto que o caráter emergencial da solução dos litígios não se confunde com a efetividade da prestação jurisdicional. São idéias totalmente diferentes, senão opostas.


CoNCLUSÃO

            No desfecho deste trabalho, importante é se ressaltar, que devido à função social que desempenha o Processo, e em sendo a própria sociedade a destinatária final da proteção do Estado, encontrando em seu povo, a expressão máxima da titularidade do Poder, têm, seus cidadãos, direito ao conhecimento e ao julgamento das respectivas pretensões por Juízos distintos, bem como a um Processo justo e a um julgamento autônomo, em que o magistrado possa, fundamentado na lei, formar livremente sua convicção, longe de qualquer imposição, que não seja legal.

            E se o povo – por seus legítimos representantes - é o titular do Poder, e dele deve ser emanada a lei do Estado, tem-se por ilegítimo o ato que dele não se origine, cabendo ao Judiciário a simples aplicação da lei, solucionando conflitos, pena de se ferir o Princípio da Separação de Poderes.

            Da atribuição do efeito vinculante às Súmulas, é de se notar, ainda, a ameaça a outros Princípios previstos no corpo da Carta Magna, tais como o da Legalidade, que condiciona o fazer ou deixar de fazer algo em virtude de lei, e o da Inafastabilidade da Jurisdição, o qual assegura a apreciação, pelo Judiciário, de lesão ou ameaça de direito.

            Nota-se, portanto, que a tentativa de inserção da Súmula de efeito vinculante no Brasil envolve a possibilidade de violação, até mesmo, das chamadas limitações constitucionais explícitas, vulgarmente denominadas cláusulas pétreas, o que é inadmissível num Estado Democrático de Direito.

            Tendo em vista o elucidado no tópico anterior deste trabalho, o caráter emergencial da solução dos litígios não se confunde com a efetividade da prestação jurisdicional. De tal forma que, apesar de se constituírem importantes Princípios Processuais, a observância da Celeridade e da Economia processual não deve ser feita em detrimento de Princípios outros também recepcionados pela Constituição da República.

            Assim, a inserção da Súmula de efeito vinculante no Sistema Jurídico não constitui o remédio mais eficaz para que seja assegurada a efetividade da justiça. Primeiro, porque seria demasiado ingênuo pretender que a integralidade dos Juízos inferiores do país encampassem passivamente as teses sufragadas pelos Tribunais. Segundo, porque, ainda que se instituísse a punição dos juízes por crime de responsabilidade pela não observância do precedente, a mínima conseqüência seria a petrificação, o engessamento do complexo e dialético sistema, pois, da mesma forma, seria, ainda, mais ingênuo pretender-se que todos os juízes julgassem contra o precedente.

            Eis o porquê de, aqui, defender-se a crescente utilização, pela Advocacia-Geral da União, da Súmula Administrativa como sucedâneo da de efeito vinculante, bem como a obediência por parte das Autarquias Federais, Sociedades de Economia Mista e Empresas Púbicas, respectivamente, Instituto Nacional de Seguro Social, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, à jurisprudência iterativa dos Tribunais Superiores, a fim de se evitarem recursos extraordinários e agravos protelatórios – se possível, quebrar a regra da isenção das custas processuais e aplicar à União e respectivas autarquias sanções pecuniárias pela interposição de recursos manifestamente protelatórios.

            Por isso, Ronaldo Rebello de Brito Poletti, corroborando o entendimento aqui esposado, afirma que:

            A súmula vinculante simplesmente não resolve nada, nem mesmo para esvaziar as estantes e os corredores dos tribunais superiores, porque os juízes não poderão ser impedidos de julgar contra a súmula vinculante. Teremos novos recursos para aqueles tribunais, talvez reclamações, e a ciranda de apelos e de juízos de admissibilidade, de agravos de instrumento, de discussão de natureza lógica processual, de agravos regimentais, de embargos declaratórios, tudo como agora no tocante ao extraordinário e ao especial. A súmula vinculante não representa uma medida para a solução dos problemas da justiça. (POLETTI, 1997, p. 22)


Notas

            01 Esta definição de processo utilizada por Rosemiro Pereira Leal em sua Teoria Neo-Institucionalista do Processo.


Autor

  • Zuenir de Oliveira Neves

    Zuenir de Oliveira Neves

    advogado em Nova Lima (MG), pós-graduado em Direito pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES) em convênio com o UniCentro Newton Paiva (MG), pós-graduando em Direito Processual pelo Centro de Atualização em Direito (CAD) e Universidade Gama Filho (UGF)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, Zuenir de Oliveira. A sumarização do processo: o advento da súmula de efeito vinculante em face das garantias constitucionais processuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1084, 20 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8552. Acesso em: 26 abr. 2024.