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A questão da perda do cargo como consequência da condenação

A questão da perda do cargo como consequência da condenação

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O cargo, função ou mandato a ser perdido pelo funcionário público, como efeito secundário da condenação, na forma prevista no artigo 92, I, do CP, deverá necessariamente ser aquele que o infrator ocupava à época da conduta típica?

Determina o artigo 92 do Código Penal:

Art. 92 - São também efeitos da condenação: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos. (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)

Cargo público é o cargo criado por lei, com denominação própria, número certo e remunerado pelos cofres do Estado.

O primeiro dos efeitos da condenação é a perda do cargo ou função ou mandato eletivo, na forma das alíneas “a” e “b” daquele artigo 92 do CP.

Para a aplicação do dispositivo deve considerar-se não só o conceito de funcionário público previsto no artigo 327 do CP, como ainda examinar-se se o fato ocorreu no exercício das funções do agente. Considera-se que seria inaplicável o dispositivo se não estiverem implicados o desvalor das atribuições que lhe são próprias da incumbência que lhe foi confiada pelo Estado e a quebra das obrigações pertinentes à relação jurídico-funcional. Tal incide nos chamados crimes funcionais próprios e impróprios, previstos nos artigos 312 a 328 do CP, como, dentre outros, ocorreu por abuso de poder ou a violação de dever funcional.

O juiz, aliás, na sentença, deve, de forma motivada e fundamentada, declara-la na sentença penal condenatória.

A perda do cargo não se confunde com a pena de proibição do exercício do cargo, função ou atividade pública, prevista no artigo 47, inciso I, que é temporária.

Ensinou Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 8ª edição, pág. 502) que a condenação criminal, portanto, somente afeta o servidor ativo, ocupante efetivo do cargo, emprego, função ou mandato eletivo. Caso já tenha passado à inatividade, não mais estando em exercício, não pode ser afetado por condenação criminal, ainda que esta advenha de fato cometido quando ainda estava ativo. Se for cabível, a medida de cassação da aposentadoria deve dar-se na órbita administrativa, não sendo atribuição do juiz criminal.

Tratando-se de crime de tortura, na forma do artigo 1º, § 5º, da Lei nº 9.455/97 é prevista a perda do cargo, função ou emprego público, como a de interdição para o seu respectivo exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.

Discute-se se o cargo, função pública ou emprego, que é o objeto de perda, é o novo cargo ou aquele no qual foi praticado o delito.

Segundo o site do STJ, em 29 de setembro de 2020, em respeito à orientação jurisprudencial da corte, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão que havia decretado a perda do cargo público de um professor como efeito secundário de sua condenação por corrupção – crime cometido quando exercia o mandato de prefeito. O colegiado entendeu que a atividade de professor não tinha relação com os fatos investigados na ação penal.

Segundo as investigações, o ex-prefeito integrou associação criminosa que praticava fraudes em concursos públicos e licitações. Ele foi condenado a cerca de 17 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e a 50 anos de detenção, em regime inicial semiaberto. Como efeito extrapenal da condenação, foram decretadas a perda do cargo público de professor e a proibição de exercer qualquer função pública pelo prazo de oito anos.

Ao analisar o recurso do ex-prefeito, o relator, ministro Joel Ilan Paciornik, apontou que, como fixado pelo artigo ​92, inciso I, alínea "b", do Código Penal, a perda da função pública ou do mandato eletivo ocorre em dois casos: para condenados a pena igual ou superior a um ano – nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever na administração pública – e para condenados a pena superior a quatro anos, nos demais casos.

O relator ressaltou que a lei é omissa quanto à vinculação entre o crime e o cargo, para fins de aplicação da medida, e nesse contexto o STJ firmou a tese de que a perda do cargo se refere àquele que o agente ocupava quando praticou o delito.

"Assim, nos termos da jurisprudência desta corte, necessária a reforma do aresto hostilizado para que seja afastado o efeito secundário da condenação, previsto no artigo 92, I, do CP, em favor do recorrente, no que se refere ao cargo de professor, já que os delitos praticados o foram na condição de prefeito municipal", concluiu o ministro ao dar parcial provimento ao recurso.

No HC 482.458, a Sexta Turma do STJ entendeu que o cargo público, a função ou o mandato eletivo a ser perdido como efeito secundário da condenação – previsto no artigo 92, I, do Código Penal – só pode ser aquele que o infrator ocupava à época do crime.

Assim é que, por exemplo, se alguém detém um cargo efetivo e é eleito prefeito de um município ou governador de um estado, e vem a cometer um delito no exercício do mandato, o cargo a ser perdido não é o efetivo, nem pode sê-lo conjuntamente com a perda do cargo eletivo pois, se assim fosse seriam dois, e não um, os cargos/funções a serem perdidos, inclusive aquele que o réu não estava exercendo por ocasião da prática criminosa o que, não bastasse não se coadunar com o que diz a Lei Penal quando, trata desse efeito da condenação e não se compatibiliza com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na aplicação da pena.

A propósito, o precedente abaixo:

"AÇÃO PENAL. CONSELHEIRO DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. PECULATO-DESVIO. ART. 312, CAPUT, DO CP. EMISSÃO DE PASSAGENS AÉREAS SEM FINALIDADE PÚBLICA. PRELIMINAR. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. EFETIVIDADE E RACIONALIDADE DO SISTEMA PENAL. CREDIBILIDADE DA JUSTIÇA. PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA. HIPÓTESE EXCEPCIONAL. ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO. CONCURSO DE AGENTES. PARTICIPAÇÃO. ART. 29 DO CP. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PRELIMINAR. REJEIÇÃO. ISONOMIA. PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE. AÇÃO PENAL PÚBLICA. NÃO SUBMISSÃO. EFEITO EXTENSIVO. ART. 580 DO CPP. QUESTÃO OBJETIVA. INEXISTÊNCIA. PRELIMINAR. REJEIÇÃO. TIPICIDADE. CONFIGURAÇÃO. DOLO NATURAL. FINALISMO. ELEMENTO ESPECIAL DO INJUSTO. DESVIO EM PROVEITO PRÓPRIO OU ALHEIO. MÁ-FÉ. IRRELEVÂNCIA. PECULATO CULPOSO. ART. 312, § 2o DO CP. DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PARTICIPAÇÃO. CUMPLICIDADE. ACORDO PRÉVIO DE VONTADES. DESNECESSIDADE. ANTIJURIDICIDADE. EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO. APLICAÇÃO SISTEMÁTICA DO ORDENAMENTO. NÃO OCORRÊNCIA. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. ART. 16 DO CP. REPARAÇÃO DO DANO POR TERCEIROS. POSSIBILIDADE. VOLUNTARIEDADE. PRESENÇA. CRIME CONTINUADO. ART. 71, CAPUT, DO CP. SITUAÇÕES HOMOGÊNEAS. PENA. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVA DE DIREITOS. INTERDIÇÃO TEMPORÁRIA. ART. 47,I, DO CP. EFEITO SECUNDÁRIO DA CONDENAÇÃO. PERDA DO CARGO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. [...]14. O cargo, função ou mandato a ser perdido pelo funcionário público como efeito secundário da condenação, previsto no art. 92, I, do CP, só pode ser aquele que o infrator ocupava à época da conduta típica.15. Ação penal julgada procedente."(APn n. 629/RO, Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 28/6/2018, DJe 10/8/2018).

Desta forma, tem-se que o cargo, função ou mandato a ser perdido pelo funcionário público como efeito secundário da condenação, na forma prevista no artigo 92, I, do CP, só pode ser aquele que o infrator ocupava à época da conduta típica. Mas tal perda deverá ser devidamente motivada na sentença penal condenatória.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A questão da perda do cargo como consequência da condenação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6305, 5 out. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85800. Acesso em: 26 abr. 2024.