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Qual a situação da tutela antecipada frente à sentença de improcedência do pedido?

Qual a situação da tutela antecipada frente à sentença de improcedência do pedido?

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I - Da casuística

Em processo de conhecimento, com concessão de tutela antecipada, que restar o pedido julgado improcedente em sede de primeiro grau, porém o recurso interposto for guarnecido pela duplicidade de efeitos (art. 520, 1ª parte do CPC), qual a situação jurídica no que tange à antecipação da pretensão?



II - Dos contornos jurídicos acerca do tema


II.a - Concessão de tutela e sentença de improcedência


O provimento judicial que concede antecipação de tutela é, indiscutivelmente, uma decisão interlocutória, daí porque, sobrevindo sentença que inacolha a pretensão do autor, esta última, naturalmente, açambarca aquela primeira.

Por curial, a antecipação da tutela, em caso que tal, desaparece do cenário jurídico, por força do decreto de improcedência, como se não tivesse existido antes.

Nesta senda, como não poderia deixar de ser, tem-se o escólio doutrinário do consagrado processualista mineiro, ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS que, com a argúcia que o peculiariza, assentou: "Sobrevindo sentença que prejudica tutela antecipada, seja por modificação seja por anulação, fica ela sem efeito, obrigando-se ao retorno ao estado anterior (art. 588, III), com limitação, contudo, ao que foi anulado ou modificado (art. 588, parágrafo único). Havendo necessidade de atos executórios para tal fim, praticar-se-ão nos próprios autos"(1).

Todavia, tal sentença produzirá a sua carga eficacial, no plano do direito material (rectius: imutabilidade de seu conteúdo e definição completa do contorno fático), apenas quando ocorrer a coisa julgada material, o que dar-se-á quando a mesma não mais estiver sujeita a recurso ordinário ou extraordinário (art. 467 do CPC).

Sabidamente, o Código de Processo Civil Brasileiro filiou-se à ensinança de ENRICO TÚLIO LIEBMAN que colocou a res judicata como uma qualidade especial do julgado e não a título de efeito da própria estrutura do comando sentencial.

Bem por isso, o saudoso MOACYR AMARAL SANTOS, pontificava: "a eficácia natural da sentença, ou eficácia própria da sentença, como a de todos os atos estatais, é condicionada à verificação da justiça e legalidade da decisão, e produz-se não do momento em que é esta proferida, mas sim do em que se preclui os recursos..." (2).

Pensar-se de modo diverso, obviamente, seria o mesmo que alijar a figura da coisa julgada, bem como atribuir ao ato sentencial, mesmo passível de recurso, a imutabilidade de seu conteúdo, desde o momento de sua prolação. Ora, se assim o fosse, qual a razão para se interpor um recurso se, desde logo, a parte vencedora já poderia compelir a outra a lhe satisfazer o contido na tutela jurisdicional de primeira instância? Mais que isso, em sentença condenatória, em caso de sua imediata exeqüibilidade, quando o recurso contenha apenas o efeito devolutivo, o virtual credor, se quiser, desde logo, aparelhar execução provisória necessitará prestar caução e, mesmo assim, tal executividade não importará em atos de alienação de domínio e nem de levantamento de quantia depositada (art. 588, incisos I e II, CPC). Vê-se, então, o cuidado com que o sistema cerca as garantias constitucionais-processuais quando se puder implementar, provisoriamente, o contido no ato sentencial, porque, sabidamente, na espécie, não se há falar, ainda, em coisa julgada.

Como, então, em sentença de improcedência do pedido, onde se teve a concessão de tutela antecipada, desde logo viabilizar-se a extirpação dos efeitos desta? Onde ficaria o devido processo legal, se assim se enveredar? Ter-se-ia um caminho mais drástico do que a própria execução provisória, e, pior que isso, à margem de qualquer amparo da ordem processual pátria-!


II.b. Duplicidade dos efeitos recursais em sentença de improcedência do pedido, seus reflexos no campo da tutela antecipada


A par do instituto da coisa julgada, aligeiradamente explorado no item antecedente, mister, agora, traçar alguns comentários sobre a ótica recursal.

O que, ontologicamente, distingue o móvel da existência dos efeitos devolutivo e suspensivo no átrio recursal?
Na feliz síntese de GABRIEL REZENDE FILHO, a origem dos recursos, imbrica em duas naturais vertentes humanas, quais sejam: "a) a reação natural do homem, que não se sujeita a um único julgamento; b) a possibilidade de erro ou má-fé do julgador"(3).

Vislumbra-se, icto oculi, que é da essência do recurso que invectiva o ato sentencial a suspensividade dos efeitos deste, sendo, pois, aplicável à generalidade das hipóteses, como, aliás, deflui-se do art. 520, 1ª parte, do CPC.

É, então, do psicologismo humano o natural anseio de que, enquanto se pende o ato recursal, que traduz no seu imo, a esperança depositada pelo litigante de que haja a reforma ou a invalidação do decisório, sobrestados restem os efeitos do comando judicial proferido. Só uma razão sócio-político-jurídica mais forte que esta poderia fazer com que o legislador se curvasse a ponto de atribuir ao recurso apenas o efeito devolutivo. O motivo que veio operar esta excepcionalidade legal, naturalmente, foram os predicamentos da celeridade e efetividade da prestação jurisdicional, muito bem visualizados nos incisos do art. 520 do CPC.

Logo, a exegese primeira, que todo estudioso sério do Direito deve fazer, ao deitar seus olhos sobre o instituto dos recursos, radica-se no ancilar questionamento: a irresignação recursal focada encarta-se na casuística timbradora de eficácia devolutiva? Se o for, dar-se-á por exigência legal. De efeito, é impossível, por interpretação extensiva ou analógica, assacar eficácia unicamente devolutiva a uma hipótese fática não prevista como sendo detonadora de tal quilate à objurgação recursal.
Acaso conclua que o recurso manejado em face do ato judicial guerreado esteja na pecha da duplicidade eficacial, há de se inquirir: o decisório, assim que atacado recursalmente, produzirá algum efeito desde logo?

A resposta ao questionamento suso mencionado, para estar amparada pelo sistema normativo de regência, somente haverá de atinar-se pela negatividade, salvante a situação da execução provisória.

Do contrário, como alinhado precedentemente, a razão psicológica, natural e humana, que guarnece o instituto dos recursos, cairia por terra. Numa imagem tosca poder-se-ia conjeturar: do que adiantaria interceptar o vôo de uma aeronave, se seu rastro poluente ainda continuasse visível e deletério, ou, se se voltasse ao psiquismo infantil, visualizando o ato sentencial como uma imposição para furar o balão de um infante. Qual a razão de se recorrer se, desde logo, o desiderato de esvaziamento do sobredito balão pudesse ser levado a cabo? Qual a expectativa que nutriria a criança, ainda que se pudesse recorrer, se o estimado balãozinho estivesse fora de suas vistas?

Destarte, se o recurso for timbrado pela duplicidade dos efeitos, a obstaculação da sentença chega ao limite de que ela, até à análise do recurso e preclusão temporal de interposição de qualquer outro, equiparar-se-á a um "nada jurídico", ou seja, é como se a mesma nunca tivesse sido proferida, quanto à produção de seus efeitos (excetuado, apenas, a de índole condenativa, que, sabidamente, potencializa execução provisória, isto tudo, porque a ordem normativa assim desejou).

Corroborando o escandido, está a communis opinio doctorum, assim colacionado:

JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA: "Efeito suspensivo. Consiste este efeito, que não se confunde com o acima indicado, em fazer subsistir o óbice à manifestação da eficácia da decisão. A interposição não faz cessar efeitos que já se estivessem produzindo, apenas prolonga o estado de ineficácia em que se encontrava a decisão, pelo simples fato de estar sujeita à impugnação através do recurso (...) O impedimento atinge toda a eficácia da decisão e não apenas o efeito executivo que ela possa ter" (4).

TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER: "A suspensividade tem o condão de impedir a produção de efeitos, de obstar a eficácia da decisão recorrida. Na realidade, como agudamente observa Barbosa Moreira, não se suspendem efeitos que até então (até a interposição do recurso) se estavam produzindo. Prolonga-se, isto sim, a ineficácia que já havia, e que era reflexo da mera situação de sujeição do recurso. Assim, pode se dizer que a possibilidade ou a expectativa de poder vir a ser interposto recurso com efeito suspensivo, por si só, priva a decisão de eficácia. De qualquer forma, se a eficácia vai ser suspensa, sentido não teria que no prazo recursal se realizasse essa eficácia ou parte dela. A suspensividade da eficácia da sentença, que comporta recurso com efeito suspensivo, é uma função ou implicação necessária desse atributo do recurso" (5).

ENRICO TÚLIO LIEBMAN, citado por MOACYR AMARAL SANTOS: "Alguns desses recursos têm efeito suspensivo, outros não têm esse efeito, tão-só o devolutivo. Aqueles se dizem de efeito suspensivo porque suspendem "o momento em que a sentença vai produzir a sua eficácia natural" (6).

Conclui-se, pois, que a duplicidade de efeitos do recurso cria um óbice à produção instantânea dos efeitos da sentença. Se assim o é, a tutela antecipada concedida anteriormente à prolação do ato sentencial não perde seus efeitos, porque, o art. 520 do CPC não prevê a inserção do instituto da antecipação no elenco dos casos que apontam pela unicidade de efeitos recursais e, na mesma linha de pensamento, é consabida a impossibilidade de interpretação extensiva ou analógica quanto ao tema efeitos recursais. O que se encontra no aludido artigo 520, mais proximamente à índole da tutela antecipada é o processo cautelar, que, porém, é dissemelhante daquela.



III - Das conclusões


Duas são, por conseguinte, as razões jurídicas que entremostram a validez de efeitos de tutela antecipatória concedida em feito que venha a ser julgado improcedente, enquanto penda recurso aviado da dita sentença, quais sejam:

a) inocorrência de coisa julgada, que emprestaria à sentença a possibilidade de plena produção de seus efeitos materiais, haja vista que é somente depois de se atingir essa condição, que a prestação jurisdicional se completa e cristaliza. Ao revés, tem-se uma situação ainda incerta, não propiciando a efetivação do decisum. Pensar-se em alijar decisões interlocutórias, com pleno vigor, sem que haja um decisório de direito material já efetivo, seria, no mínimo, desconstituir a própria prestação jurisdicional, uma vez que a sentença ainda está sub examine, por força da interposição de recurso;

b) fôra o duplo efeito emprestado ao recurso interposto, o que levou ao reexame da sentença combatida e sua suspensividade. Ora, um ato judicial que está suspenso não poderá espraiar seus efeitos. Se assim não o fosse, não haveria razão de ter-se ocorrido tal efeito. O jurisdicionado anseia por ter sua questão apreciada por outro órgão jurisdicional, com a esperança de que a situação afirmada pelo decisório de instância singular se modifique. Portanto, para que continue digladiando pela consecução de seu objetivo, deverá encontrar o campo propício a tanto, qual seja, a manutenção do status quo ante, existente preteritamente à prolação do decisório judicial.



NOTAS

(1) Novos Perfis do Processo Civil Brasileiro. Ed. Del Rey, 1996, pág. 36;
(2) Primeiras Linhas Direito Processual Civil, vol. 3. 10ª ed., Ed. Saraiva, pág. 52 - as reticências não figuram no texto original;
(3) Curso de Direito Processual Civil, vol. III, 5ª ed., São Paulo, 1959, nº 876;
(4) Novo Processo Civil Brasileiro, 18ª ed., Ed. Forense, pág. 142 - sem qualquer destaque na fonte;
(5) O Novo Regime do Agravo, 2ª ed., Ed. RT, pág. 190 - sem a presença de negrito na fonte
(6) Ob. Cit., pág. 51.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANDIM, Emerson Odilon. Qual a situação da tutela antecipada frente à sentença de improcedência do pedido?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/884. Acesso em: 18 abr. 2024.