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O lançamento no direito tributário brasileiro

a prescrição e a decadência nos tributos lançados por homologação

O lançamento no direito tributário brasileiro: a prescrição e a decadência nos tributos lançados por homologação

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A insistência na teoria do "lançamento ato" tende a dificultar a solução dos problemas que se apresentam e a incitar divergências cada vez maiores na jurisprudência, abrindo margens para decisões injustas ou casuísticas.

Sumário: 1) O problema; 2) Prescrição e decadência; 3) A teoria geral do lançamento: a concretização do crédito tributário; 4) Os artigos do CTN sobre lançamento; 5) A declaração como elemento essencial no lançamento por homologação; 6) A contagem dos prazos prescricionais e decadenciais; 7) conclusões.


1) O problema

            Impera no Brasil uma corrente hermenêutica que desafia o teor literal do art. 142 do Código Tributário Nacional – CTN e entende ser o "lançamento" em Direito Tributário um "ato", jamais um "procedimento".

            São muitos e respeitabilíssimos os cultores dessa tese. Alguns baseados no direito estrangeiro, onde se encontram legislações em que o "lançamento" ou instituto equivalente é, realmente, um ato (e da categoria dos simples), outros impelidos por idéias e ideais extremamente valorosos, talvez melhores até que aqueles adotados pelo legislador brasileiro.

            A tese, contudo, foi afastada pelo CTN, que afirma ser o lançamento um "procedimento", não apenas um único ato. O Código não é perfeito e merece investigações que lhe esclareçam o significado, mas, em termos de direito positivo, incabível uma interpretação contrária à lei.

            Demais disso, a opção da literatura em tratar o "lançamento" como "ato", ao revés de estudá-lo como procedimento, como quer o CTN, tem trazido complicações insolúveis para o Direito Tributário brasileiro, notadamente no que se refere ao tema da prescrição e da decadência em tributos sujeitos ao lançamento por homologação.

            Nesse sentido, o presente trabalho tenta, com base na lei, na jurisprudência e em reflexões do autor, explicar o lançamento no Direito Tributário brasileiro enquanto procedimento e, sem postular críticas ou menosprezo às teses do "lançamento ato", demonstrar o problema da prescrição e da decadência encontra solução muito mais fácil na teoria do "lançamento procedimento", pois nela foi talhado o CTN.


2) Prescrição e decadência

            Muitas complicações têm surgido em torno do tema da prescrição e da decadência nos tributos lançados por homologação, com origem fundamental nas dificuldades de compreender o "lançamento" em Direito Tributário. Desdobra-se a origem das complicações em 1) divergências quanto a conceitos contidos nos arts. 142, 150, 173 e 174 do CTN, em 2) dificuldade de se inserir as "declarações de tributos" na sistemática do lançamento por homologação e 3) em alguma confusão jurisprudencial.

            Não fosse nada disso, a questão seria simples: 1) ocorreria a decadência do direito de constituir o crédito tributário passados cinco anos a contar do 1º dia do exercício seguinte ao que o tributo poderia ser lançado, para tributos lançados de ofício ou lançados por homologação desde que não pagos (CTN, art. 173, I); e 2) a partir do lançamento, que levaria à constituição definitiva do crédito tributário, ocorreria a prescrição do direito de cobrar tal tributo, contados mais cinco anos (CTN, art. 174). De outro giro, 3) ocorreria a decadência de constituir tributo lançado por homologação e não pago (ou diferença de tributo pago a menor), em cinco anos a contar do fato gerador (CTN, art. 150, § 4º). Se não houver a constituição do crédito, não há falar-se, igualmente, em prazo prescricional.

            Contudo, esta fórmula tornou-se insuficiente.

            A primeira das razões dessa insuficiência é a recente valorização dos deveres instrumentais a cargo do contribuinte no processo que leva à concretização do crédito tributário, notadamente o dever de declarar o tributo devido, nos tributos sujeitos a lançamento por homologação.

            Essa prática de inserir as declarações como peça fundamental na constituição de créditos tributários, tem causado dificuldades que se revelam em uma oscilante jurisprudência.

            O STJ ora reconhece exigibilidade do crédito declarado (confessado), para tornar desnecessário lançamento posterior (logo reconhece efeito jurídico constitutivo de exigibilidade à declaração) (STJ, AgRg no EDcl no RESP 707918, 1 Turma), ora desconhece efeitos jurídicos na declaração, que fica totalmente alijada da sistemática de decadência e prescrição tributárias (como no ERESP 466779, STJ, 1a Seção, já citado).

            Esta divergência jurisprudencial não é causada apenas pelo novo papel das declarações no processo de exigibilidade dos créditos tributários, mas também pela atribuição de significados distintos a conceitos relevantes na apuração de decadência e prescrição tributárias.

            Enquanto o Código afirma que o lançamento é procedimento (CTN arts. 142, 150 e parágrafo único do art. 173), a literatura insiste em considerá-lo somente como ato (a notificação, ao contribuinte, da primeira etapa do lançamento de ofício). Demais disso, e mesmo que fosse mais correto identificar o lançamento como ato, a literatura descarta qualquer interesse em estudar eventual procedimento que dê embasamento a esse ato.

            Assim, ficam teóricos, advogados e juízes a procurar somente um ato, emanado de Autoridade pública (CTN, art. 142), que seria o marco relevante para apurar prazos de prescrição e decadência nesta área do domínio público (CTN, arts. 150, 173 e 174). Estão fadados, no mais das vezes, a não encontrá-lo, pois não existe, salvo quando a legislação determina, como no caso de Minas Gerais, que o Fisco efetue um "auto de infração" com base na declaração do contribuinte, quando não identifica o pagamento do tributo declarado.

            A título de exemplo de atos eventualmente confundidos com o lançamento, citamos a remessa do processo administrativo à procuradoria e a inscrição do crédito em dívida ativa, atos disciplinados de forma diversa do lançamento pelo CTN.

            Há ainda outros conceitos sobre os quais sobejam dúvidas. Homologação seria lançamento (CTN, art. 150)? Se a homologação (lançamento) é de pagamento e o tributo está pago, faria sentido falar em prescrição ou decadência? Se a homologação não for lançamento, de que data contar prescrição ou decadência?

            Mais ainda, o Código afirma que o crédito tributário é "constituído", e a literatura agarra-se cega na tese de que o crédito nasce com a obrigação, desde que praticado o fato gerador. Se é óbvio que o crédito tem que surgir junto com a obrigação, pois aquele nada mais é que uma parte desta, assim como uma das faces de uma moeda, não se pode dizer que a obrigação mesma nasça perfeita, nada nela faltando ser "constituído".

            É preciso lembrar que o crédito tributário, lançado, que seja, de ofício, por declaração ou por homologação, não nasce exigível, porque indefinido. Dá-lhe exigibilidade, constitui-lhe exigibilidade (certamente que a lei - obrigação ex legge) algum ato que lhe defina, pelo menos os valores. Surte tal efeito o lançamento.

            E qual é o resultado de tamanhas divergência?: quando não se encontra o lançamento (único ato a constituir o crédito) não se sabe apurar os marcos relevantes para prescrição e decadência.

            Assim, não assusta o fato de a jurisprudência ser tão oscilante. Vejamos as posições jurisprudenciais.

            O STJ, ao tomar o termo "condição resolutória" da homologação (expressa ou tácita), presente no CTN, art. 150, § 4º, com efeito retroativo ao pagamento, como "condição suspensiva", a surtir efeitos a partir da homologação, cria uma contagem de prazo prescricional de dez anos: cinco anos até o prazo final da homologação tácita e a partir daí mais cinco anos de prescrição.

            O julgado no ERESP 466779, STJ, 1a Seção, vai além, e estabelece um prazo decadencial de dez anos (cinco da homologação e mais cinco do lançamento substitutivo), acrescidos ainda de mais cinco anos de prazo prescricional, dando à Fazenda um prazo superior a quinze anos para a cobrança de créditos tributários.

            Encontra-se, porém, decisões na mesma Corte em que a prescrição se dá em prazos mais curtos.

            Para compreendermos prescrição e decadência em tributos lançados por homologação, precisamos nos livrar de antigos preconceitos e fazer o CTN evoluir conforme os tempos, aceitando a multiplicidade de fontes que o mundo moderno impõe ao direito, inclusive ao direito tributário, mas sempre dentro da teoria do "lançamento procedimento" presente no direito positivo brasileiro.

            Assim tentaremos agir, não sem livre de falhas, na busca pelos marcos relevantes da prescrição e da decadência em tributos lançados por homologação no direito pátrio. Para isso, investigaremos o processo de concretização do crédito tributário, analisaremos os artigos pertinentes do CTN, abordaremos o papel das declarações na cobrança de tributos ditos lançados por homologação. De posse destas reflexões, poderemos concluir sobre os termos relevantes em tema de prescrição e decadência em Direito Tributário.


3) A teoria geral do lançamento: a concretização do crédito tributário

            O primeiro passo consiste em expor em palavras sucintas a concretização do crédito tributário no Brasil, para depois analisar criticamente as disposições do CTN.

            O crédito tributário nasce com a ocorrência do fato gerador juntamente com a obrigação tributária. O crédito, a propósito, é elemento da obrigação tributária. Nasce, porém, sem contorno, abstrato, no éter. Para se tornar concreto, exigível, precisa passar por um processo de natureza administrativa, eventualmente complexo, em que o Estado Administração (Fisco) garanta aos administrados (contribuintes ou responsáveis tributários) o contraditório e a ampla defesa e siga quanto ao mais o devido processo legal.

            O processo legal apresenta três procedimentos distintos, a variar conforme o tributo cujo crédito esteja em apreço, segundo pré-determinação da lei.

            No primeiro tipo de procedimento, o Fisco realiza todos os atos necessários à concretização do crédito público, consolida todas as informações em documento único (ato conclusivo do processo) e notifica o contribuinte do resultado, que consiste na apuração do montante devido, na indicação da pessoa obrigada, nas condições de pagamento entre outros elementos.

            Notificado, o contribuinte torna-se formalmente devedor, mas pode discutir o resultado do processo, suspendendo a exigibilidade do crédito, mediante a interposição de recursos administrativos, até a decisão definitiva na instância. O procedimento descrito costuma denominar-se "lançamento de ofício" e o ato conclusivo da autoridade administrativa costuma denominar-se "lançamento" ou "notificação de lançamento".

            O segundo tipo de procedimento caracteriza-se pela iniciativa do contribuinte. Este tem o dever de colaborar e fazer declaração ao Fisco que especifique a ocorrência do fato gerador e indique o valor do tributo devido. Diante dos dados apresentados, o Fisco 1) aperfeiçoa o lançamento, concordando com as informações prestadas e notifica o contribuinte para pagamento, hipótese em que não há possibilidade de recurso no bojo do procedimento; 2) ou discorda das informações e, alterando-as para o que entender correto, notifica o contribuinte para pagar a nova quantia ou recorrer, hipótese em que se justifica o procedimento recursal no lançamento. Em condição alguma, contudo, existirá possibilidade de incidência de multa nesta espécie de procedimento de concretização do crédito tributário (à exceção da multa de mora), pois o dever do contribuinte é somente de colaborar, não sendo razoável aplicar penalidade se a colaboração é imprecisa. Este é o chamado lançamento por declaração.

            O terceiro tipo de procedimento ocorre de maneira bem diversa. A lei atribui ao sujeito passivo a incumbência de realizar todos os atos de concretização do crédito, desde os primeiros registros até o cálculo definitivo que quantifica o dever e, por derradeiro, o dever de efetuar o pagamento. Não se trata apenas de colaboração. Assim, o processo administrativo começa materialmente antes mesmo de ser formalizado na repartição pública. Cumpridas todas as obrigações acessórias pelo particular e efetuado o pagamento, ao Fisco abrem-se três possibilidades: 1) homologa os atos do contribuinte e declara extinto o crédito, formalizando o processo administrativo (a homologação é ato privativo da autoridade administrativa); 2) verifica erro ou impropriedade na conduta do contribuinte e efetua lançamento complementar aos moldes do lançamento "de ofício", com a aplicação das penalidades cabíveis ou, 3) deixa transcorrer, inerte, o prazo estabelecido pela lei, após o que os atos do contribuinte tornam-se definitivos. Ocorre, nessa última possibilidade, a chamada homologação tácita, o que mais não é do que efeito do decurso do tempo, somado ao silêncio da Administração. Não se formaliza processo administrativo. Há apenas processo administrativo em sentido material. O silêncio da Administração vale, pois como a chancela do Fisco aos atos do contribuinte.

            Havendo lançamento de ofício complementar (numero 2. supra), abre-se faculdade de recurso ao sujeito passivo da obrigação. Havendo homologação expressa ou tácita (números 1 e 3, supra), não se justifica recurso administrativo, pois nada mais se fez que referendar a conduta do contribuinte.

            Portanto, nesse terceiro tipo de procedimento não há, necessariamente, um ato do Poder Público que conclua o processo administrativo como há no lançamento de ofício ou no lançamento por declaração. No entanto, existem dentre os diversos deveres que a lei impõe ao contribuinte, dois atos essenciais ao procedimento de cobrança do crédito praticados pelo particular:

            1) Um é o pagamento, que extingue o crédito independentemente de qualquer ato da Administração. 2) O outro, mais relevante quando não há pagamento ou quando o pagamento é insuficiente para extinguir o crédito, é a declaração do contribuinte, que constitui confissão de dívida e concretiza (torna exigível) o crédito público. A declaração autoriza o Fisco a exigir do contribuinte o crédito declarado e não pago. A todo esse procedimento dá-se o nome de "lançamento por homologação".

            Nossa opção, é bom que se esclareça, é de rejeitar para o fenômeno o termo auto-lançamento. Este auto-lançamento é um ato (e nós preferimos falar em procedimento, com atos do Fisco e do contribuinte) e inadequado ao sistema tributário nacional, que exige atividade administrativa para que se possa falar em tributo (art. 3° e 142, do CTN).

            De outro turno, preferimos tratar a declaração como o ato do contribuinte, no bojo do procedimento de lançamento por homologação, que, devido a sua relevância no procedimento de concretização do crédito tributário, confere-lhe exigibilidade, isto é, apresenta o efeito de constituir a exigibilidade do crédito.

            Essa sistemática parece ter a aceitação de todas as esferas interessadas, numa verdadeira conjugação de interesses. O Fisco dá valor à declaração do contribuintes, pois com isso reduz os trabalhos de administração tributária. O contribuinte aceita a prática porque (além de ser obrigado por lei a declarar) não se assujeita a visitas constante de autoridades fiscais. Por fim, a sociedade vivencia uma estrutura pública mais enxuta e mais barata que teria se a administração tributária estivesse toda a cargo do Fisco, o que apresenta evidentes vantagens em termos orçamentários.

            Em linhas bem gerais, este é o processo que dá concretude ao crédito tributário.


4) Os artigos do CTN sobre lançamento

            É mister, porém, enquadrar o processo nas letras do Código Tributário Nacional.

            4.1) OS ATOS DO PROCEDIMENTO

            O art. 142 do CTN afirma que o lançamento é procedimento que compete exclusivamente à autoridade administrativa. A virtude do dispositivo é afastar a autoridade judicial e a autoridade legislativa como partes do processo. Porém, o Código induz o intérprete a erro, pois dá a entender que o processo é integralmente composto por atos da autoridade administrativa, ignorando a participação do contribuinte. Não é possível imaginar um processo que tome por regra a existência de atos unilaterais. O contribuinte também participa, também pratica atos, como revela o próprio Código nos seus arts. 147 e 150. Exclusivos da Administração são os atos decisórios.

            De toda forma, o Código mantém-se fidedigno à teoria do lançamento procedimento. Não se pode dizer que, para o art. 142 do CTN, o lançamento é apenas um ato pois: 1) não afirma isso expressamente, ao revés, afirma tratar-se de procedimento; e 2) a autoridade administrativa permanece, se não pratica todos os atos do procedimento, com o controle e a gestão de todos os atos, possuindo poder para rejeitar os atos dos contribuintes quando estes não lhe parecerem corretos.

            Em outros trechos, o Código também demonstra filiar-se ao lançamento procedimento. No art. 3°, sustenta que o tributo é cobrado por atividade administrativa plenamente vinculada (atividade; não ato). No art. 173, parágrafo único, traz disposição ainda mais contundente:

            O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.

            O Código fala claramente em "data de início da constituição do crédito tributário", que vem a ser aquela em que o contribuinte for notificado de qualquer medida indispensável ao lançamento. Fosse o lançamento um ato, não faria sentido falar-se em "data de início", pois o ato se realiza automaticamente e não se prolonga no tempo, como ocorre com os processos.

            Demais disso, a idéia de que todo crédito tributário se concretiza mediante ato exclusivo da Administração é desautorizada no restante do Código, especialmente pelo art. 150 e parágrafos, que prevê hipótese em que, ocorrendo o fato gerador, o sujeito passivo toma todas as providências de lei, efetua o pagamento e a Administração simplesmente nada precisa fazer, diante da possibilidade de o crédito nascer, se concretizar e ser pago por obra do contribuinte e extinto com o referendo do decurso do tempo. Neste caso, o lançamento se constituiu de atos praticados somente pelo contribuinte, mantendo o Fisco, até o termo final para homologação tácita, apenas a possibilidade de efetuar a homologação expressa ou lançamento complementar, de ofício.

            4.2) OS ATOS DO PROCEDIMENTO HOMOLOGATÓRIO

            E é justamente esta homologação expressa ou tácita onde mais se confundem os defensores do "lançamento ato". Sustentam que o ato de homologação expressa não faz parte da cobrança do tributo, não constitui nem declara o crédito, mas sua extinção e, portanto, não pode ser considerado lançamento; de outro lado, afirmam que a homologação tácita, por ser decorrência do tempo não pode ser ato e por não ser ato também não é lançamento. Assim, os defensores da tese são forçados a reconhecer a existência de tributo sem lançamento, em incompatibilidade flagrante com o art. 3° do CTN, que insere a cobrança por atividade administrativa no conceito de tributo.

            Na teoria do lançamento procedimento, tais problemas não existem, pois a atividade não deixa de existir se o Fisco não pratica atos expressos, bastando, para caracterizar o procedimento de cobrança, o controle que faz dos pagamentos e das declarações prestadas pelos contribuintes.

            Neste ponto, as declarações tomam importância maior.

            É bem verdade que o CTN não regulamenta as declarações como parte do lançamento por homologação. Entretanto, nossa posição se baseia em fontes indubitavelmente jurídicas.

            A primeira delas é a lei ordinária, que prevê o dever de declarar. À lei, soma-se uma pujante prática da administração tributária, principalmente no âmbito da Receita Federal, prática esta, conveniente para contribuinte, Fisco e sociedade, e que encontra arrimo no princípio jurídico da eficiência da administração pública, positivado em nosso ordenamento constitucional. Demais disso, a quantidade de trabalho que implicaria posição contrária (a exigir um ato efetivo da administração para cada tributo declarado) tornaria impraticável negar efeito à declaração. Assim, a prática legal ganha também suporte no princípio da praticabilidade.

            Por fim, como fonte legítima a sustentar a eficácia das declarações de tributos, invoca-se a, posto que vacilante, jurisprudência do STJ.

            4.3) O EFEITO CONSTITUTIVO DO LANÇAMENTO

            O art. 142 afirma que o procedimento constitui o crédito. Esmagadoras literatura jurídica e jurisprudência já deixaram assente que o crédito é parte da obrigação, que nasce com a ocorrência do fato gerador, cabendo ao "lançamento" declarar sua existência. O tema está pacificado.

            Cremos, porém, que o procedimento de concretização do crédito tributário, independente do rito que siga, possui atos com efeitos constitutivos. No caso do procedimento de ofício, o ato é aquele usualmente denominado notificação, lançamento ou ainda notificação de lançamento. No procedimento da homologação, a seu turno, é a declaração do sujeito passivo.

            Num e noutro caso, tais atos tornam o crédito, que nascera com a ocorrência do fato gerador, exigível. Isso porque o crédito, em sua origem, não era sequer determinado em seu montante, de sorte que o credor, por não saber o valor de seu crédito, não poderia exigi-lo. Com a prática do ato de notificação (no procedimento de ofício) ou com a entrega da declaração (no procedimento por homologação) o Fisco passa a saber o valor de seu crédito e passa a poder exigi-lo.

            Dessa forma, se o lançamento não constitui o crédito em si, possui o efeito constitutivo de conferir-lhe - ou constituir-lhe - a exigibilidade.

            4.4) CONCLUSÕES

            Extrai-se, em fim, de correto dos artigos do CTN, que há procedimento administrativo de concretização do crédito, necessário à sua exigibilidade, denominado lançamento. O processo pode dar-se de ofício, por iniciativa da Administração, hipótese em que se torna necessário um ato de natureza conclusiva da autoridade fiscal. Não obstante, se a lei determinar, o procedimento administrativo pode ser inaugurado pelo contribuinte, a quem podem ficar reservados os principais atos processuais.

            Se o ato principal ficar reservado ao Fisco, fala-se em lançamento por declaração, sendo esta mero dever de colaboração.

            Se o ato principal é reservado ao contribuinte, se está tratando do art. 150 do Código, em que o termo lançamento por homologação deve ser entendido como o processo administrativo que prioriza os atos do contribuinte, mas leva o nome do ato reservado ao Fisco: a homologação, que declara a extinção do crédito.

            De se registrar que não existe norma no CTN obrigando que a homologação ocorra, nem que haja uma fiscalização obrigatória para lançar a eventual diferença não declarada ou não paga pelo contribuinte.


5) A declaração como elemento essencial no lançamento por homologação

            Faz-se necessário registrar alguns comentários acerca das declarações na sistemática dos tributos que se dizem lançados por homologação.

            No art. 150, limita-se o Código em autorizar o legislador a repassar ao sujeito passivo o dever de calcular e pagar o tributo, facultando à Administração o direito de homologar a atividade. Se a Administração homologa a atividade, o ato de homologação aperfeiçoa, opera, faz produzir efeito, o lançamento.

            As legislações, em geral, incluem na atividade do contribuinte o dever de emitir notas fiscais, escriturar livros, produzir documentos. Somando-se a isso o pagamento, o Fisco tem elementos bastantes para homologar a atividade do contribuinte ou rejeitá-la.

            Com a multiplicação dos tributos, o crescimento populacional, a complexidade dos fatos da vida moderna, tornou-se muito difícil ao Fisco homologar toda a atividade do contribuinte. A estrutura fiscal necessária para manter a forma ordinária de fiscalização seria extremamente onerosa. A solução encontrada foi simplificar o procedimento para o Fisco, ampliando os deveres dos contribuintes.

            As legislações passaram a inserir, também, na atividade a ser homologada pelo Fisco, as declarações dos contribuintes, declarações essas que são um resumo dos livros e documentos fiscais e apresentam toda a memória de cálculo do tributo devido.

            As declarações não ficaram isentas da produção de efeitos jurídicos.

            Algumas legislações determinaram que declarações seriam a base para a realização dos autos de infrações, dispensando-se a fiscalização ordinariamente ínsita ao lançamento por homologação, para a hipótese em que houvesse declaração de tributo devido e pagamento a menor ou ausência de pagamento (v.g. legislação do Estado de Minas Gerais e legislação do Município de Belo Horizonte).

            Outras legislações passaram a dispensar tanto o procedimento de fiscalização quanto a lavratura dos autos infracionais, nesses mesmos casos (v.g. legislação federal).

            De toda sorte, as declarações transformaram-se no ato mais relevante do procedimento homologatório de lançamento, pois: ou são a matéria prima dos autos de infração (lançamento de ofício complementar) ou são elas próprias o ato final do procedimento.

            O Código não faz escolha, mas não obriga nem proíbe nem uma nem outra alternativa legal.


6) A contagem dos prazos prescricionais e decadenciais

            Nesses termos, julgamos conhecer todos os atos relevantes para apurar prescrição e decadência nos tributos. Falta, contudo, aplicar as regras considerando tais atos.

            Vimos que o lançamento é procedimento (de ofício ou por homologação) que contém atos da administração e do contribuinte, sendo da Administração o ato relevante no procedimento de ofício (inclusive na hipótese de auto de infração em tributos lançados por homologação) e do contribuinte o ato relevante no procedimento homologatório (ressalvado o lançamento complementar por auto de infração). Vejamos, a partir daí, como se aprecia prescrição e decadência na sistemática completa dos tributos lançados por homologação, tomando como base os prazos qüinqüenais definidos no CTN, que podem ser afastados por regras específicas, como ocorre, por exemplo, nas contribuições previdenciárias (prazos decenais) e no FGTS (prazos trintenários):

            Hipótese 1 – Existe declaração e não existe pagamento (ou o pagamento é insuficiente)

            Quando o tributo é declarado, mas não é pago (ou é pago a menor), a declaração constitui definitivamente o crédito declarado. Não há, portanto, espaço para prazo decadencial.

            Neste caso, o prazo de prescrição é de 05 anos a partir da entrega da declaração (art. 174, do CTN). Havendo declaração retificadora, reinicia o prazo prescricional.

            Hipótese 1.1 – Auto de infração com base na declaração

            Na hipótese aplicável ao ICMS de Minas Gerais e do ISS de Belo Horizonte, em que há um auto de infração elaborado a partir da declaração, se o tributo é declarado, mas não é pago (ou é pago a menor), o Fisco nega efeito constitutivo da declaração e opta por fazer lançamento de ofício com base na declaração meramente informativa (auto de infração não contencioso). Assim, há o prazo decadencial de 05 anos para lavrar o auto de infração, a contar da ocorrência do fato gerador (se houver pagamento parcial; art. 150, § 4º, do Código) ou do 1° dia do exercício seguinte àquele em que ocorreu o fato gerador (sem pagamento; art. 173, do CTN). Se houver pagamento integral, naturalmente que o crédito está extinto e não há que se falar em decadência. Nos demais casos, ocorrem a prescrição contados 05 anos da notificação do contribuinte.

            Ressalte-se que o Fisco, nesta hipótese, nega efeito à declaração, mas faz o auto de infração com base única e exclusivamente nela e, na maioria das vezes, o auto de infração não é mais que um espelho da declaração do contribuinte.

            Hipótese 2 – Não existe declaração nem pagamento

            Quando o tributo não é declarado (ou é declarado a menor) e não é pago, naturalmente que não há declaração para constituir o crédito (integral ou parcialmente) nem pagamento para a aplicação do art. 150, § 4º, do CTN. Dessa forma, aplica-se a regra de decadência do art. 173, do Código, qual seja, 05 anos a partir do 1° dia do exercício seguinte àquele em que ocorreu o fato gerador. Se nesse período a Administração lavrou o auto de infração, conta-se a partir dele (se não houver recurso) ou da decisão administrativa final (se houver recurso), o prazo de 05 anos de prescrição (art. 174, do CTN).

            Hipótese 3 – Não existe declaração, mas existe pagamento

            Por fim, se o tributo não é declarado, mas é pago (mesmo com pagamento parcial), aplica-se a regra do art. 150, § 4º, do Código. Ocorre a homologação tácita do pagamento em 05 anos, sendo este o prazo decadencial para o lançamento e cobrança da eventual diferença de tributo não pago. Se houver o lançamento complementar neste período, o prazo prescricional correrá, também, a partir da notificação do débito ou da decisão administrativa final. Se o tributo foi integralmente pago, por certo que o Fisco não poderá lançar mais nada.

            Essa leitura seria melhor compatibilizada com o ordenamento jurídico nacional se o legislador complementar inserisse no art. 150, do CTN, um parágrafo com o seguinte teor:

            § 5º Quando a lei estabelecer ao contribuinte ou responsável o dever de declarar o tributo devido, considera-se constituído o crédito pela declaração, nos limites dos valores declarados, a partir da entrega daquela, ressalvado ao contribuinte ou responsável o direito de apresentar declaração retificadora e ao Fisco o direito de constituir o tributo não declarado, no prazo do art. 173, deste Código.

            Dessa forma, estaria preservada a solução ao problema apresentada pelo legislador mineiro, mas também aquela definida pela prática do Fisco federal, com base na lei federal, bem como outras legislações estaduais ou municipais que consideram o tributo declarado e não pago como exigível, sem a necessidade de um "ato" formal de "lançamento". Acima de tudo, estar-se-ia garantindo, ao contribuinte, certeza e segurança jurídica, pela adoção de uma regra clara, capaz de impedir interpretações divergentes e antagônicas.


7) CONCLUSÕES

            À guisa de conclusões, sustentamos que o lançamento no Direito Tributário brasileiro é procedimento e que o intérprete, atento aos principais atos desse procedimento, seja qual for o rito que adotar, poderá encontrar, com segurança, os marcos relevantes para a prescrição e a decadência de tributos.

            Ao revés, a insistência na teoria do "lançamento ato" tende a dificultar a solução dos problemas que se apresentam e a incitar divergências cada vez maiores na jurisprudência, abrindo-se, com isso, margens para a solidificação de decisões injustas ou casuísticas.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVÊA, Marcus de Freitas. O lançamento no direito tributário brasileiro: a prescrição e a decadência nos tributos lançados por homologação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1162, 6 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8877. Acesso em: 25 abr. 2024.