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Mandado de segurança e juizados especiais

Mandado de segurança e juizados especiais

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A impetração de mandado de segurança nos Juizados Especiais como sucedâneo de recurso carece de uniformidade doutrinária ou jurisprudencial sobre seus limites e hipóteses de admissibilidade.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Mandado de Segurança como sucedâneo de recurso. 3. Casuística nos Juizados Especiais. 4. Competência para julgar mandado de segurança nos Juizados Especiais. 5. Liminar. 6. Litisconsórcio passivo necessário. 7. Informações. 8. Ministério Público. 9. Honorários advocatícios. 10. Recurso contra decisão da Turma Recursal. 11. Conclusão. 12. Bibliografia.


1. INTRODUÇÃO

A impetração de mandado de segurança nos Juizados Especiais é tema polêmico e, apesar de acolhida como sucedâneo de recurso, nos parâmetros da Súmula 267 [01] do Supremo Tribunal Federal, carece de uniformidade doutrinária ou jurisprudencial sobre seus limites e hipóteses de admissibilidade.

Em razão disso, tem-se visto o desvirtuamento do mandado de segurança contra ato judicial nos Juizados Especiais, ocasionado por seu uso prodigalizado, transformando-o em recurso comum para aferir o acerto ou desacerto da decisão combatida.

Este artigo objetiva fornecer um panorama sobre o tema, com os olhos voltados nos princípios que animam a Lei 9.099/95.


2. MANDADO DE SEGURANÇA COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO

No sistema dos Juizados Especiais a previsão de recurso é apenas contra a sentença (LJE, art. 41).

A Lei 9.099/95 não contempla a possibilidade de agravo de instrumento ou de aplicação subsidiária do Código de Processo Civil para criar recursos não estabelecidos no procedimento dos Juizados Especiais.

Justo por isso, não há preclusão de decisões interlocutórias e as irresignações quanto a elas devem ser apresentadas como preliminar de recurso.

Diante disso, passou-se a impetrar mandado de segurança para impugnar esses atos judiciais. Entretanto, a ação mandamental tem sido utilizada indiscriminadamente em substituição ao agravo de instrumento. O que, em nossa ótica, é um desvirtuamento de sua finalidade.

É incabível no procedimento dos Juizados Especiais não apenas o agravo [02], mas todo e qualquer instrumento processual que venha a impugnar uma decisão interlocutória.

A vingar entendimento diverso, contra uma decisão interlocutória em processo ordinário a parte teria 10 dias para interpor o agravo (CPC, art. 522), enquanto no sistema dos Juizados Especiais disporia de 120 dias para ajuizar o mandado de segurança (Lei 1.533/51, art. 18).

Isso é um contra-senso e ofende ao princípio da celeridade, pontuado no art. 2.° da Lei 9.099/95.

Nesse sentido:

"Apesar de vasta jurisprudência que admite o uso do mandado de segurança contra atos judiciais proferidos por juízes de juizados, é preciso se curvar à realidade de que esta nobre ação vem sendo utilizada como sucedâneo de agravo de instrumento, em flagrante violação aos princípios da Lei n.° 9.099/95, que vedou a recorribilidade das interlocutórias" (Turma Recursal do TJDF, Proc. n.° 2003.11.6.000241-1, Rel. Juiz Gilberto Pereira de Oliveira).

Não se pretende afastar a consolidada jurisprudência sobre manejo do mandamus contra decisão judicial, objeto inclusive da Súmula 267 do Supremo Tribunal Federal.

O que se afirma é que o mandado de segurança não pode ser banalizado e transformado em recurso. Não basta para sua impetração a mera irresignação (pressuposto recursal). Exige-se mais.

Conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a "ação de segurança para impugnar ato judicial. É admissível no caso em que do ato impugnado advém dano irreparável cabalmente demonstrado" (RTJ 70/504).

Assim, somente decisão ilegal (dano ex iure) que acarrete dano real (dano ex facto), permite sua correção através da segurança, que tem de atender à presença cumulativa desses dois requisitos. Isto é, o mandado de segurança não pode ser impetrado para se examinar o acerto ou desacerto da decisão combatida.

O aresto, abaixo transcrito, bem ilustra a questão:

"Mandado de Segurança. Ato Judicial. Súmula 267 do STF. Denegação. A impetração de mandado de segurança contra ato judicial só é admissível ocorrente decisão flagrantemente ilegal, donde possa advir dano irreparável ou de difícil reparação. Inocorrência, na hipótese dos autos, de flagrante ilegalidade, teratológica no fundamento ou irreversibilidade do dano. Segurança denegada" (Turma Recursal do TJAM, Rel. Juiz Carlos Zamith de Oliveira Júnior).

Dessa forma, no sistema dos Juizados Especiais, deve-se restringir o uso do mandado de segurança apenas aos casos em que este se mostre necessário para evitar dano real, resultante de ato judicial ilegal (dano ex iure).

Afora essa hipótese, as decisões interlocutórias somente podem ser impugnadas como preliminar do recurso previsto no art. 41 da Lei 9.099/95.


3. CASUÍSTICA NOS JUIZADOS ESPECIAIS

Os seguintes exemplos ilustram como nos Juizados Especiais a admissibilidade do mandado de segurança contra decisão interlocutória é excepcional:

3.1. Decisões em instrução probatória – Preceitua o Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente aos Juizados Especiais, que incumbe ao juiz deferir a produção das provas que entender necessárias à formação de sua convicção (CPC, art. 130).

Na sistemática da Lei 9.099/95 esta liberdade de condução do processo é robustecida pelos princípios da informalidade, celeridade, oralidade, simplicidade e economia processual. Exige-se, por isso, do magistrado que atua no Juizado Especial participação mais ativa, não apenas na colheita do material probatório, mas também em sua formação.

À vista disso, diante do rito concentrado da Lei 9.099/95, afigura-se inadmissível mandado de segurança para se avaliar os critérios de utilidade e admissibilidade aplicados pelo juiz, nos seguintes casos:

- inversão do ônus da prova;

- deferimento ou indeferimento de prova documental, pericial ou testemunhal;

- determinação de produção de prova de ofício;

- admissão de prova supostamente ilícita ou ilegal;

- admissão de prova emprestada; e

- conversão do julgamento em diligência.

Em todas essas hipóteses, eventual inconformismo com a instrução probatória deverá ser invocado em recurso contra a sentença (LJE, art. 41), como bem demonstra o seguinte julgado:

"Mandado de Segurança impetrado como substitutivo de agravo. Descabimento. Se houve cerceamento de defesa a matéria deve ser invocada como preliminar de recurso e não pela via extraordinária do mandamus. Extinção do feito sem exame do mérito, pelo indeferimento da inicial, nos termos do artigo 267, I, do CPC" (Turma Recursal do TJRJ, Proc. n.° 2003.700.001.736-2, Rel. Juíza Myriam Medeiros da Fonseca Costa).

3.2. Decisões que aplicam revelia – Nos Juizados Especiais a revelia decorre do não comparecimento à audiência, ao contrário do Código de Processo Civil, onde deflui da falta de contestação (art. 319). São situações diversas que não podem ser confundias ou imiscuídas.

Por isso, face ao princípio da oralidade que impõe a concentração processual, a irresignação contra a aplicação da revelia deverá ser manifestada em preliminar de recurso contra a sentença. Sendo inadmissível o mandado de segurança, mesmo quando o juiz, ante a revelia, não sentencie de plano e determine a instrução do feito.

Confira-se:

"A inconformidade contra a decisão interlocutória que decretou a revelia da ré deve ser vertida através do recurso previsto no art. 41 da Lei nº 9.099/95. Não cabe recurso de agravo no sistema dos Juizados Especiais Cíveis, tampouco a interposição de mandado de segurança com viés de agravo de instrumento. Extinto o feito sem julgamento de mérito" (3.ª Turma Recursal de Porto Alegre/RS - TJRS, MS n.° 71000937805).

3.3. Decisões que antecipam a tutela ou que a indeferem – Este é o tema que suscita as maiores divergências. Entretanto, como não há preclusão dessas decisões, inexistem motivos para se acolher a ação mandamental como sucedâneo de recurso, salvo quando a obrigação a ser cumprida se revele física ou juridicamente impossível, bem como quando se mostre necessária para evitar dano real, fruto de ilegalidade.

Tampouco se aceita a concessão da segurança contra o indeferimento da antecipação de tutela. A competência do Juizado Especial Cível é relativa [03], consequentemente, quem ajuíza ação no rito da Lei 9.099/95 sabe que as decisões interlocutórias são irrecorríveis, sendo irrazoável que se insurja contra a sistemática pela qual optou, quando o ato judicial lhe for desfavorável.

Nessa linha:

"A inconformidade contra a decisão interlocutória que concedeu tutela antecipada (...) o pedido deve ser vertido através do recurso previsto no art. 41 da lei nº 9.099/95. Não cabe recurso de agravo no sistema dos juizados especiais cíveis, tampouco a interposição de mandado de segurança com viés de agravo de instrumento. Extinção do feito sem julgamento de mérito" (3.ª Turma Recursal de Porto Alegre/RS - TJRS, MS n.° 71000788646).

3.4. Decisões que indeferem ou determinam a formação de litisconsórcio – Nesses casos, parece difícil a correlação simultânea de ilegalidade (dano ex iure) com prejuízo (dano ex facto). A ilegalidade pode até ocorrer em indeferimento de litisconsórcio passivo necessário, mas não se afigura dano real daí oriundo, sendo possível sua correção em grau de recurso (LJE, art. 41).

3.5. Decisões que determinam a prisão de depositário infiel – O remédio jurídico adequado é o habeas corpus, e não o mandado de segurança. A prisão compromete a liberdade de locomoção, isto é, o direito de ir e vir (CF, art. 5.°, LXVIII).

Há consolidada jurisprudência sobre o tema:

"Mandado de Segurança. Recurso Ordinário. Prisão de depositário infiel. 1. O mandado de segurança aponta como coator o ato do juiz, que decretou a prisão do impetrante como depositário infiel. Trata-se, pois, de ilegalidade ou de abuso de poder que diz com a liberdade de locomoção; cabível o habeas corpus, desde que o mandado de segurança tem por objetivo proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data (CF, art. 5.°, LXIX). 2. Recurso conhecido e improvido" (STJ, RMS n.° 445/SP, Rel. Min. Costa Lima).

3.6. Decisões que fixam, reduzem ou aumentam multa – A multa tem a natureza de medida coercitiva para compelir o devedor cumprir obrigação. Sua elevação ou redução depende da avaliação do juiz, seu livre convencimento motivado e do material constante nos autos.

Assim, não rendem ensejo à impetração de mandado de segurança, salvo quando a obrigação se revele de cumprimento impossível, ante sua ilegalidade e que acarrete dano real.

Nesse rumo:

"Viola direito líquido e certo da parte a decisão que, visando obrigá-la ao cumprimento de obrigação que não lhe é possível (transferência de registro de veículo cuja titularidade pertence a terceiro), renova cominação de multa já consolidada e acena com possibilidade de prisão por desobediência. Segurança concedida" (1.ª Turma Recursal de Porto Alegre/RS - TJRS, MS n.° 71000805333).

3.7. Decisões em execução – O mandado de segurança contra ato judicial não se vocaciona para examinar o acerto ou desacerto da decisão combatida. Sua admissibilidade se restringe àqueles casos em que haja prejuízo manifesto decorrente de ilegalidade, como já explanado anteriormente.

Assim, em sede de execução, a Turma Recursal deverá considerar as peculiaridades de cada caso e admitir ou recusar a ação de segurança, desde que presentes seus pressupostos.

Vejamos os seguintes julgados:

a) Embargos de devedor:

"Não se conhece de mandado de segurança impetrado contra despacho ou decisão judicial contra o qual haja recurso. O mandado de segurança não serve para substituir os embargos de devedor contra a penhora efetivada em processo de execução de sentença, mormente quando decorrido o prazo recursal. Extinção do feito sem julgamento do mérito" (3.ª Turma Recursal de Porto Alegre/RS – TJRS, MS n.° 71000592618).

b) Bens impenhoráveis:

"Inexiste direito líquido e certo a ser reparado na via do mandado de segurança quando a pretensão se refere a constrição de bens impenhoráveis, como o imóvel residencial do fiador de contrato de locação e dos móveis ali existentes. Segurança denegada" (2.ª Turma Recursal de Porto Alegre/RS - TJRS, MS n.° 71000732115).

c) Extinção da execução por ausência de bens (LJE, art. 53, § 4.°):

"Mandado de segurança. Execução de quantia certa contra devedor solvente. Extinção por falta de indicação de bens passíveis de penhora. Decisão que se acha sujeita à revisão em sede de recurso inominado. Ordem concedida" (1.ª Turma Recursal de Porto Alegre/RS - TJRS, MS n.° 71000722835).

3.8. Decisões que negam seguimento a recurso – A Lei 9.099/95 não contempla qualquer espécie de recurso para este ato. Por isso, admite-se a concessão de segurança, nos parâmetros da súmula 267 do STF.

Os seguintes arestos são esclarecedores:

"Mandado de segurança. Ato judicial. Decisão interlocutória que nega seguimento a apelação. Inexistência de recurso apropriado para desafiá-lo. Cabimento da impetração" (1.ª Turma Recursal do TJDF, MS n.° 2004.01.6.000327-1).

"Em se tratando de ação que flui perante o Juizado Especial, o ato judicial que nega seguimento ao apelo manejado, qualificando-se como decisão interlocutória impassível de ser desafiada mediante o manejo de qualquer outro recurso, pois não contemplado pela Lei de Regência dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099/95), legitima e viabiliza o manejo da ação de segurança, que tem sede constitucional, como forma de aferição da violação do direito líquido e certo da recorrente de ver o recurso que interpusera processado e submetido à apreciação da instância revisora" (1.ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do TJDF, MS n.° 2004 06 6 000332-2).

3.9. Decisões que suprimem fase processual – Nos Juizados Especiais vige o princípio da transcendência, não havendo nulidade sem prejuízo. Esta regra se aplica ao mandado de segurança. Desta forma, mesmo que haja supressão de fase (ilegalidade – dano ex iure), desde que não haja prejuízo (dano real – dano ex facto), não haverá nulidade.

3.10. Decisões que determinam a adjudicação ou a arrematação - Cuida-se de assunto polêmico. Se admitirmos os embargos à arrematação e à adjudicação, não se há de falar em segurança. A decisão desafiaria o recurso previsto no art. 41 da Lei 9.099/95.

A matéria atualmente é disciplinada no enunciado n.° 81 do FONAJE, segundo o qual "A arrematação e a adjudicação podem ser impugnadas por simples pedido". A redação desse enunciado é pouco clara, mas parece vedar os embargos de segunda fase. Afigurando-se, nesse caso, cabível a ação mandamental, pois a decisão combatida acarretaria efeitos irreversíveis.


4. COMPETÊNCIA PARA JULGAR MANDADO DE SEGURANÇA NOS JUIZADOS ESPECIAIS

A competência para apreciação de mandado de segurança contra ato de juiz de Juizado Especial, apesar de pacificada na jurisprudência, exibe dissenso doutrinário.

Com efeito, parte reduzida da doutrina sustenta que o mandado de segurança contra ato de juízes de Juizados Especiais deve ser apreciado pelo Tribunal de Justiça a que pertencer o magistrado tido como autoridade coatora, pelos seguintes argumentos:

a) o art. 101, § 3.° da LOMAN [04] estabelece que compete ao Tribunal de Justiça e não à Turma Recursal "processar e julgar (...) d) os mandados de segurança contra ato de juiz de direito";

b) a competência funcional é absoluta e a Turma Recursal só tem competência recursal, não se podendo falar em competência originária (Lei 9.099/95, art. 41, § 1.°), inclusive para apreciar mandado de segurança, pois não há lei que a estabeleça;

c) o mandado de segurança segue procedimento específico, incompatível com o rito da Lei 9.099/95 (art. 51, II).

Não obstante a firmeza desses argumentos, a jurisprudência consolidou-se no sentido de que sendo o mandado de segurança admitido apenas como sucedâneo recursal, nos termos da súmula 267 do STF, deve amoldar-se às regras de competência para apreciação do recurso, pois funciona como tal.

Logo, como somente a Turma Recursal é competente para apreciar recurso no sistema da Lei 9.099/95 (LJE, art. 41), apenas a ela compete a apreciação da segurança contra ato de juiz de Juizado Especial.

Nesse sentido:

"Juizados especiais. Mandado de Segurança contra ato de autoridade de primeiro grau. Competência do órgão que, em segundo, se constitui em instância revisora de seus atos" (STJ, ROMS 6.710/SC, Rel. Min. Eduardo Ribeiro).

"Mandado de segurança contra ato de Juiz de Direito do Juizado Especial Cível e Criminal (...), deve ser apreciado pela Turma Julgadora do Juizado Especial daquela comarca" (STJ, CC 27.193-GO, Rel. Min. Garcia Vieira).

Bem define a questão o enunciado 62 do FONAJE:

"Cabe exclusivamente às Turmas Recursais conhecer e julgar o mandado de segurança e o habeas corpus impetrados em face de atos judiciais oriundos dos Juizados Especiais".

Também será da Turma Recursal a competência para apreciar mandado de segurança interposto contra ato do próprio colégio, pois é ato final de última instância, que não se sujeita à revisão por Tribunal de Justiça.

O seguinte julgado esclarece a questão:

"Competência: Turma Recursal dos Juizados Especiais: Mandado de segurança contra seus próprios atos e decisões: Aplicação analógica do art. 21, VI, da LOMAN. A competência originária para conhecer de mandado de segurança contra coação imputada a Turma Recursal dos Juizados Especiais é dela mesma e não do Supremo Tribunal Federal" (STF, Questão de Ordem em Mandado de Segurança 24.691-0/MG).


5. LIMINAR

A Lei 1.533/51, em seu art. 7.°, inciso II, estabelece que são requisitos para a concessão da liminar: a fundamentação jurídica da impetração (fumus boni iuris) e o perigo de ineficácia da ordem judicial, se concedida apenas ao final (periculum in mora)

Sobre a relevância jurídica do pedido, Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que não significa que: "o impetrante tenha razão. Demanda apenas que o fundamento seja relevante. Vale dizer, que não se trate de alegação de somenos, de parca verossimilhança jurídica, menoscabável. Se o fundamento tem vezos de juridicidade, apresenta-se como importante, com feição de comportar um possível amparo ainda que não se confirme, a final, a cabo de análise mais acurada), é evidente que estará presente o primeiro requisito [o fundamento relevante do pedido embasador do pedido de liminar no Mandado de Segurança, à luz do art. 7.°, II, da Lei do mandado de segurança]. Se não fora para ser entendido desse modo, o mandado de segurança – garantia constitucional – seria a mais rúptil e quebradiça das garantias, absolutamente inútil para cumprir o préstimo a que veio".

No caso em estudo, a relevância jurídica da impetração seria a ilegalidade do ato judicial atacado. Devendo-se demonstrar, ao menos em um juízo delibatório, que a decisão interlocutória combatida é contrária ao ordenamento jurídico, que transgride norma legal, pois não tem importância, em sede de liminar, a aferição efetiva dessa ilegalidade (tema restrito ao mérito da segurança).

Por sua vez, em relação ao perigo da demora, observa Sérgio Ferraz que: "o que importa, ao lado da relevância do fundamento, é a circunstancia de que, na ausência da concessão da medida (...) estará a parte realmente na iminência de ver frustrada, pela absoluta inaptidão da sentença final com vistas à produção dos efeitos restauradores do direito em si, que constituem a finalidade do mandado de segurança", ou seja, que o ato judicial atacado acarrete efeitos irreversíveis.

Desta forma, para a concessão da liminar deve-se aferir, em um juízo de cognição sumária, a ilegalidade do ato judicial e a irreversibilidade de seus efeitos.

Outrossim, a liminar deve ser prestada pela autoridade competente – nos Juizados Especiais pela Turma Recursal – pois liminar concedida por órgão incompetente (mesmo que este seja o Tribunal de Justiça) é nula.

Por fim, afigura-se inviável a suspensão de liminar no sistema dos Juizados Especiais, pois como a Fazenda Pública não é parte da relação processual originária (Lei 9.099/95, art. 8.°), da liminar concedida não ocorrerá "grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas", requisitos exigidos pelo art. 4.° da Lei 4.348/64.


6. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO

Admitindo-se a possibilidade de um dos litigantes na ação principal se socorrer do mandado de segurança contra ato judicial, há de se examinar a formação de litisconsórcio necessário pelo outro litigante, que terá sua situação jurídica afetada pela decisão, se concessiva do writ.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que litisconsorte passivo necessário é aquele afetado pela concessão da segurança (RTJ 64/227, 35/540 e 82/618). Disso decorre que em se tratando de mandado de segurança impetrado contra ato judicial, a outra parte deve ser citada para se defender, na qualidade de litisconsorte passivo necessário.

Nessa diretriz:

"Impõe-se o litisconsórcio passivo quando a concessão da segurança importar em modificação da posição de quem foi juridicamente beneficiado pelo ato impugnado. O litisconsorte passivo deve ser regularmente citado, tal como dispõe o CPC" (STJ - RF 327/175, maioria)".

"Dá-se litisconsórcio necessário na via do mandamus quando este importar em modificação da posição de quem juridicamente beneficiado pelo ato impugnado" (STJ, REsp 2231, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo).

Impende observar que a notícia da impetração ao litisconsorte não poderá se dar por intimação, mas sim por citação regular. O direito de ser citado é corolário do contraditório, sendo garantia constitucional, ou seja, "o litisconsorte passivo deve ser regularmente citado, tal como dispõe o Código de Processo Civil. Não é suficiente, em ação de segurança contra ato judicial, a mera notificação ou cientificação do advogado da parte adversa, constituído nos autos do processo em que efetuado o ato judicial impugnado pela via do mandamus" (STJ, RMS 473/SP, Rel. Min. Athos Carneiro).

E esse litisconsorte passivo necessário não citado poderá inclusive se socorrer de outro mandado de segurança, para obstar lesão ao seu direito líquido e certo de participação na relação processual.

Vejamos:

"Viola a lei federal o aresto proferido em mandado de segurança no qual não se convocou à relação jurídica processual o litisconsorte necessário" (STJ, REsp 2231, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo).

"Mandado de Segurança. Litisconsórcio. Ausência de citação. Extinção do processo. Mantendo-se inerte a parte impetrante ante a determinação de promoção da citação do litisconsorte passivo necessário, impõe-se a extinção do processo sem exame do mérito. Processo extinto" (1.ª Turma Recursal de Porto Alegre/RS - TJRS, MS n.° 71000584367).

A melhor doutrina não discrepa desse entendimento:

"O terceiro prejudicado por decisão em mandado de segurança, para o qual não foi citado, pode recorrer do julgado no prazo de que dispõem as partes, como também pode utilizar-se do mandamus para impedir lesão a direito seu, líquido e certo, mesmo que a sentença ou o acórdão admita recurso ao seu alcance. Em se tratando de litisconsorte necessário, não chamado à lide, é cabível até mesmo o recurso extraordinário em razão da nulidade do processo" (Hely Lopes Meirelles. Mandado de Segurança, Ação Popular e Ação Civil Pública, Malheiros, 1999)

Desta forma, deve-se citar como litisconsorte passivo necessário a parte adversa na ação da qual se impetrou o writ.


7. INFORMAÇÕES

A autoridade coatora não é ré, sendo chamada não para se defender, mas apenas para prestar informações sobre o ato praticado, seu conteúdo, limites e motivos, no prazo de dez dias. E essas informações se constituem em mera defesa do ato praticado e não em contestação. Não sendo, portanto, peça essencial ou obrigatória.

Em virtude disso, a falta de apresentação de informações não resulta em revelia ou em qualquer sanção de ordem processual.


8. MINISTÉRIO PÚBICO

O Ministério Público, na qualidade de custos legis, deve ser intimado para oferecer parecer opinativo no mandado de segurança, sob pena de nulidade (Lei n.° 1.533/51, art. 10).

Destaca-se o seguinte precedente:

"Ocorre nulidade processual insanável, quando o Ministério Público não é intimado para se manifestar em ação mandamental (art. 10 da Lei 1.533/51)" (STJ, RMS 13630).

É importante frisar que o art. 10 da Lei 1.533/51 exige a audição do Ministério Público, não sendo suficiente a sua intimação, como se colhe das seguintes ementas:

"Consolidou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, em mandado de segurança, não basta a intimação do Ministério Público, fazendo-se mister o seu efetivo pronunciamento" (STJ, ERESP 26715⁄AM).

"Em mandado de segurança, não basta a intimação do Ministério Público; é necessário o seu efetivo pronunciamento (L. 1.533⁄51, art.10). Entendimento vitorioso na Corte Especial do STJ."

(STJ, ERESP 24234⁄AM).

"Em mandado de segurança, não basta a intimação do Ministério Público; é necessário o seu efetivo pronunciamento" (STJ, ERESP 9271⁄AM).

Nessa linha, considera-se efetivo o pronunciamento se o parquet entende que não há razão que justifique sua atuação funcional, sob pena de infringência aos princípios da independência e autonomia do órgão ministerial.


9. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Em nosso sistema legal, desde o advento do Código de Processo Civil, adotou-se o princípio da sucumbência em relação aos honorários advocatícios (CPC, art. 20).

Antes vigorava o princípio da indenização por atividade judicial indevida. Por este sistema, somente haveria a condenação em honorários advocatícios se houvesse utilização abusiva do sistema judicial.

A Lei 1.533, que disciplina o mandado de segurança, data de 1951 e retrata essa realidade. Por isso, é que veda a condenação em honorários advocatícios. Ao contrário da Lei 9.099/95 que o faz por questão de política judicial e de acesso à Justiça.

As seguintes Súmulas definem o tema:

512/STF: "Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança".

105/STJ: "Na ação de mandado de segurança não se admite condenação em honorários advocatícios"

Desta forma, aplicam-se ao mandado de segurança perante as Turmas Recursais as Súmulas 512 do Supremo Tribunal Federal e 105 do Superior Tribunal de Justiça.


10. RECURSO CONTRA DECISÃO DE TURMA RECURSAL

Excetuando os embargos de declaração, o recurso extraordinário é o único cabível contra acórdão da Turma Recursal em mandado de segurança, sendo indiferente se esta decisão for concessiva ou denegatória.

De fato, os Tribunais Estaduais não exercem jurisdição sobre as decisões das Turmas de Recursais, as quais se sujeitam imediata e exclusivamente à do Supremo Tribunal Federal, dada a competência deste para revê-las, mediante recurso extraordinário (CF, art. 102, III).

Justo por isso, não cabe recurso ordinário contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais, mesmo quando denegatória de mandado de segurança, pois este recurso somente tem cabimento em decisão de Tribunal e não de Turma Recursal (art. 105, II, "b" da CF).


11. CONCLUSÃO

Dentro do exposto, pode-se concluir que:

10.1. Nos Juizados Especiais somente se admite a impetração de mandado de segurança contra ato judicial como sucedâneo de recurso (Súmula 267 do Supremo Tribunal Federal);

10.2. As hipóteses de impetração são exceções e não regra, devendo ser interpretadas restritivamente;

10.3. O mandado de segurança contra ato judicial não se vocaciona para examinar o acerto ou desacerto da decisão combatida;

10.4. O deferimento de liminar em mandado de segurança requer a demonstração, em um juízo de cognição sumária, da ilegalidade do ato judicial e da irreversibilidade de seus efeitos;

10.5. A concessão da segurança exige a presença cumulativa da ilegalidade (dano ex iure) e do dano real (dano ex facto);

10.6. Compete à Turma Recursal processar e julgar mandado de segurança contra ato de juiz e contra ato do próprio colégio, pois é ato final de última instância, que não se sujeita à revisão por Tribunal de Justiça;

10.7. O beneficiado pelo ato impugnado deve ser citado como litisconsorte passivo necessário no mandado de segurança;

10.8. A informação apresentada pela autoridade coatora não é contestação, mas mera defesa do ato praticado. Não sendo peça essencial ou obrigatória e de sua falta não resulta revelia ou qualquer sanção de ordem processual;

10.9. O Ministério Público, na qualidade de custos legis, deve ser intimado para oferecer parecer opinativo no mandado de segurança, sob pena de nulidade (Lei n.° 1.533/51, art. 10);

10.10. Excetuando os embargos de declaração, o recurso extraordinário é o único cabível contra acórdão da Turma Recursal em mandado de segurança, sendo indiferente se esta decisão for concessiva ou denegatória;

10.11. Há vedação à condenação em honorários advocatícios, aplicando-se ao mandado de segurança perante as Turmas Recursais as Súmulas 512 do Supremo Tribunal Federal e 105 do Superior Tribunal de Justiça.


12. BIBLIOGRAFIA

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Notas

01 Súmula 267/STF: "Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição".

02 Salvo na hipótese de decisão denegatória de seguimento de recurso extraordinário

03 FONAJE, enunciado n.° 1

04 Lei Orgânica da Magistratura Nacional – Lei Complementar n.° 35/79


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Erick Cavalcanti Linhares. Mandado de segurança e juizados especiais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1179, 23 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8922. Acesso em: 18 abr. 2024.