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A taxatividade das hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento no novo Código de Processo Civil

A taxatividade das hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento no novo Código de Processo Civil

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Afinal, esse rol é taxativo ou exemplificativo?

Resumo: O presente estudo vista a demonstrar a evolução histórica do recurso Agravo de instrumento, bem como as alterações trazidas pelo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015). A maior alteração se deu nas hipóteses de cabimento do Agravo de Instrumento, notadamente porque ficaram restritas ao rol do artigo 1.015 do novo Código de Processo Civil. Assim, o artigo demonstrará quais as principais mudanças ocorridas em relação ao Código de 1973. Haverá abordagem doutrinária e jurisprudencial sobre o assunto, sob o prisma da polêmica quanto ao rol de hipóteses de cabimento, notadamente se é taxativo ou exemplificativo ou se ainda cabe uma interpretação extensiva.

Palavras-chaves: Agravo de Instrumento. Código de Processo Civil de 2015. Rol taxativo.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1.1 Primeiro Código de Processo Civil no Brasil e o Agravo de 1939. 1.2 O Agravo de instrumento no CPC de 1973. 2. O AGRAVO DE INSTRUMENTO NO NOVO CPC DE 2015 E SUAS PRINCIPAIS MUDANÇAS 3. AS HIPÓTESES DE  CABIMENTO DO RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: Rol taxativo ou rol exemplificativo. 3.1 A questão sob o enfoque da doutrina. 3.2. A questão sob o enfoque da jurisprudência. 4. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS 


INTRODUÇÃO           

Em março de 2016, entrou em vigor o novo Código de Processo Civil, trazendo algumas mudanças, onde o legislador visou a maior celeridade no Poder Judiciário, bem como sua efetividade nas resoluções dos conflitos.

Para ocorrer a referida celeridade e efetividade, houve mudanças significativas nos recursos, para que, de certa forma, desafoguem as instâncias superiores, que sofrem com um número exacerbado de recursos interpostos.

Um recurso que chamou bastante a atenção em suas mudanças: o Agravo de Instrumento, recurso que trata da recorribilidade imediata das decisões interlocutórias proferidas em primeira instância.

O Agravo de instrumento teve sua interposição limitada, restringindo apenas a algumas hipóteses, estas que estão elencadas no Artigo 1.015 do CPC. Observando apenas algumas hipóteses, fica claro que o legislador pensou na celeridade processual, desta forma, deixando para após a sentença o reexame de algumas eventuais questões processuais.

Ou seja, qualquer decisão interlocutória que não esteja presente no artigo 1.015 do NCPC, poderá ser impugnada apenas em preliminar de recurso de apelação, ou em contrarrazões.

O Estudo começa com a evolução do Agravo de Instrumento, demonstrando suas mudanças ao longo dos anos dentro do ordenamento jurídico brasileiro, assim, fazendo uma comparação entre os Códigos de Processo Civil de 1939, 1973 e 2015.

Ao final, faremos uma análise do que pensa a doutrina e os tribunais quanto à limitação imposta ao cabimento do Agravo de Instrumento. Trata-se de um assunto muito polêmico, pois há uma grande divergência doutrinária e jurisprudencial quanto a matéria em questão.

Como o Agravo de Instrumento se tornou taxativo, podendo somente ser interposto em hipóteses do artigo 1.015 do PCP, trouxe à tona uma divisão de pessoas favoráveis a taxatividade e outras não.

Deste modo, trataremos de todos os argumentos favoráveis e contrários à taxatividade do Agravo de Instrumento, fazendo o cotejo entre visões diferentes a fim de se chegar a uma opinião concreta sobre o assunto.

Sendo assim, o presente trabalho pretende demonstrar toda história do Agravo de instrumento, bem como sua nova sistemática, com foco restrito às hipóteses do artigo 1.015 do CPC, verificando as divergências doutrinarias e jurisprudenciais.


1 A EVOLUÇÃO HISTORICA DO AGRAVO DE INSTRUMENTO

1.1 Primeiro Código de Processo Civil no Brasil e o Agravo de 1939

A criação de um Código de Processo Civil nacional era uma exigência da Constituição de 1934 e também da Constituição de 1937. Antes disso, cabia aos Estados legislar sobre o processo civil, o que era considerado, pelo Ministro da Justiça, Francisco de Campos, uma "desastrosa tendência para a descentralização".  (Campos, 1939A, p. 187).

Uma comissão de juristas da época foi encarregada para a elaboração de um Código de Processo Civil. Foi o trabalho do Advogado Pedro Batista Martins que deu origem ao Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939, instituindo especificamente o primeiro Código de Processo Civil Brasileiro. (Beltrame, 2019)

Com o surgimento do CPC/1939, surgiu também o Agravo de instrumento, que se tratava do recurso cabível contra as decisões interlocutórias específicas. Tais decisões só poderiam ser impugnadas com o Agravo de Instrumento, caso estivessem previstas no rol do artigo 842 do CPC/1939.

O agravo de instrumento deveria ser interposto no prazo de cinco dias (prazo preclusivo), contando-se o prazo a partir da intimação pessoal do advogado (Comarcas do interior), ou, então, a partir da intimação pelo Diário Oficial (Comarcas da capital), e recebido o recurso pelo juiz deveria o Cartório providenciar o translado. Para tal, deveriam ser transladadas a decisão recorrida e a respectiva certidão de intimação. (Romano, 2019)

O Agravo de instrumento não suspendia o processo, em regra, pois o artigo 843 do CPC/1939 apresentava algumas exceções.

Deveria o Agravo de instrumento ser interposto por petição, que deveria conter: a exposição dos fatos e do direito; as razões do pedido de reforma da decisão e a indicação das peças do processo que devem ser transladadas, conforme informa os incisos do artigo 844 do diploma processual de 1939.

Essa sistemática durou até 1973, quando foi alterado no ordenamento jurídico brasileiro o Código de Processo Civil, assim, fazendo o agravo de instrumento ter algumas modificações consideráveis.

1.2 O Agravo de Instrumento no CPC de 1973

Com o advento do Código de Processo Civil de 1973, versado no artigo 522 do referido diploma, o Agravo de Instrumento passou a ser aceito contra todas decisões interlocutórias proferidas no processo, salvo em casos de despachos de mero expediente e de sentenças.

O Prazo para interposição do recurso era de 5 dias, devendo conter no Agravo a exposição dos fatos e do direito, as razões do pedido de reforma da decisão e a indicação das peças do processo que deveriam serem transladas.

Entretanto, passados alguns anos, foi promulgada a lei 11.187/2005, que modificava os artigos 522, 523 e 527 da lei 5.869/1973 (CPC vigente naquele momento), para, novamente, restringir as hipóteses do cabimento do Agravo de instrumento.

Com a lei 11.187/2005, passaram a existir duas modalidades de Agravo. O Retido e o de Instrumento. Em regra, contra as decisões interlocutórias, deveria ser apresentado o agravo retido, sendo possível o cabimento do agravo de instrumento em “decisão suscetível de causar à parte lesão grave ou de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida”, conforme nova redação dada ao Art. 522 do CPC de 1973.

Sobre o tema, vale transcrever alguns posicionamentos da doutrina, como destaca Didier Jr. e Cunha (2016, p. 204):

“No entanto, foi com a promulgação da Lei nº 11.187/2005 que foram instituídos relevantes alterações no regime do agravo, instituindo o agravo retido como regra, cabendo o agravo de instrumento apenas em hipóteses expressamente elencadas, quando se tratasse de decisão suscetível de causar à parte lesão grave ou de difícil reparação, nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos de recebimento da apelação.”

Assis (2016, p. 455), faz as seguintes considerações:

Por força da mudança de redação do art. 522, caput, do CPC de 1973, derivada da Lei 11.187, de 19.10.2005, a regra era o agravo retido, insigne sucessor do vetusto agravo no auto do processo, e a única forma admissível das decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento; excepcionalmente – ao menos na idílica teoria –, admitia-se o agravo de instrumento. Esta modalidade de agravo caberia de atos explicitamente mencionados – decisão que não recebe a apelação ou a recebe em efeito impróprio –, ou em outro dispositivo legal (v.g., do ato que julgar improcedente a impugnação do executado ao cumprimento da sentença),58 e nos casos em que a decisão se mostrasse “suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação.

Podemos analisar que o agravo de instrumento foi taxativo no CPC de 1939, perdeu a taxatividade em 1973, sofreu uma alteração significativa na Lei 11.187/2005. Veremos no próximo capitulo como ficaram plasmadas suas novas possibilidades no NCPC de 2015.


2. O AGRAVO DE INSTRUMENTO NO NOVO CPC DE 2015 E SUAS PRINCIPAIS MUDANÇAS.

Assis, (2016, p. 456) define que a “sistemática apresentada no CPC de 1973, o NCPC de 2015 retornou à sistemática do regime de 1939, recolocando o rol de decisões perceptíveis ao agravo de instrumento.”

O Agravo de Instrumento do Novo Código de Processo Civil, Lei1 13.105/2015, não é uma nova sistemática, ele apenas traz de volta a taxatividade de decisões possíveis para o cabimento do recurso, como foi no CPC/1939, mas, claro, com mudanças significativas.

Desta maneira, fica claro que o legislador nos trouxe uma redução na recorribilidade de decisões proferidas nos processos, em especial ao Agravo de Instrumento.

Devemos destacar a exclusão da figura do Agravo Retido no ordenamento jurídico, que era um recurso disponível para qualquer decisão interlocutória que não representasse lesão grave ou de difícil reparação para a parte. Assim, qualquer decisão que não apresentasse um perigo iminente para a parte, poderia ser proposto o Agravo Retido, que seria analisado por ocasião da Apelação ou das Contrarrazoes.

Sobre a exclusão do Agravo Retido e a taxatividade do Agravo de Instrumento no NCPC/2015, vejamos algumas análises da doutrina.

Segundo Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2017, p.543/544):

O agravo retido desaparece do sistema (as questões resolvidas por decisões interlocutórias não suscetíveis de agrado de instrumento só poderão ser atacadas nas razões de apelação, art. 1.009, § 1º) e o agravo de instrumento passa a ter cabimento apenas contra as decisões interlocutórias expressamente arroladas pelo legislado.

O Professor Fredie Didier Jr (2017, p, 205) destaca que:

O Código de Processo Civil de 2015 eliminou a figura do agravo retido e estabeleceu um rol de decisões sujeitas ao agravo de instrumento. Somente são agraváveis as decisões nos casos previstos em lei. As decisões não agraváveis devem ser atacadas na apelação.

As hipóteses de cabimento do Agravo de instrumento ficaram elencadas no artigo 1.015 do NCPC/2015. Vejamos:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

I – tutelas provisórias;

II – mérito do processo;

III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem;

IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica;

V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;

VI – exibição ou posse de documento ou coisa;

VII – exclusão de litisconsorte;

VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;

IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;

X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;

XI – redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o;

XII – (VETADO);

XIII – outros casos expressamente referidos em lei.

Torres (2016, p86), define que:

                                   Pela conclusão lógica do artigo 1.015 do NCPC, é possível verificar que a grande modificação do agravo de instrumento diz respeito muito mais ao seu cabimento, do que efetivamente ao seu procedimento, sendo que procedimento de agravo se trata de um novo sistema processual e não uma mera atualização do antigo.

Agora qualquer decisão interlocutória que não estiver no rol do 1.015 do NCPC/2015, não será passível de recorrer em sede de Agravo de Instrumento, tal decisão deverá ser suscitada em preliminar de Apelação ou nas Contrarrazoes.

Um ponto importante em se destacar é que as decisões que não forem recorridas pelo Agravo de Instrumento, quando este for cabível, incorrerá na preclusão e, neste caso, não poderão mais serem recorridas. 

Art. 1.009. Da sentença cabe apelação. § 1º. As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.

No entanto, vale mencionar que este regime só se aplica à fase de conhecimento, pois, na fase de execução, no cumprimento de sentença, nas ações de execução por título extrajudicial e, ainda, em processos de falência e inventário, qualquer decisão proferida, será passível de cabimento do Agravo de Instrumento, conforme podemos desprender do parágrafo único do art. 1015.

Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.” 

Estas mudanças no Agravo de Instrumento trouxeram algumas polêmicas na doutrina e nas jurisprudências, como por exemplo, o fato de a parte não poder recorrer de imediato em uma decisão que lhe pode trazer prejuízos graves e até mesmo irreparáveis.

Desta forma, os operadores do direito têm uma divergência no que tange às hipóteses elencadas no art. 1.015, afinal, elas são taxativas ou apenas exemplificativas?

No tópico a seguir, iremos verificar as divergências doutrinarias e jurisprudenciais no cabimento do Agravo de Instrumento.


3. AS HIPÓTESES DE CABIMENTO DO RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: Rol taxativo ou rol exemplificativo?

3.1. – A questão sob o enfoque da doutrina.

Como dito no tópico anterior, o cabimento do Agravo de Instrumento trouxe muita polêmica quanto ao seu cabimento, criando uma divergência muito grande dentro da doutrina brasileira.

Pois, afinal, as hipóteses previstas no artigo 1.015 do CPC são taxativas ou meramente exemplificativas?

         A corrente doutrinaria ficou dividida em três frentes. São elas: (1) O rol é taxativo, não admitindo interpretações extensivas, admitindo somente as previstas em lei; (2) Taxativa, mas, permitindo interpretações extensivas, (3) exemplificativa, admitindo hipóteses sem previsão legal.

A primeira corrente, chefiada pelo professor Alexandre Freitas Câmara, nos diz que o rol do artigo 1.015 do CPC é taxativo, ou seja, não admitindo interpretações extensivas quanto ao cabimento do recurso Agravo de Instrumento, cabendo somente nos casos previstos em lei.

Câmara (2016, p. 523) define:

          O agravo de instrumento é o recurso adequado para impugnar algumas decisões interlocutórias, expressamente indicadas em lei como recorríveis em separado. Ademais, admite-se agravo de instrumento contra qualquer outra decisão interlocutória que a lei processual expressamente declare agravável, como se dá, por exemplo, no caso da decisão que receba a petição inicial após o desenvolvimento da fase preliminar do procedimento da “ação de improbidade administrativa (art. 17, §10, da Lei 84259/1992)

Assim, para o Professor Alexandre Câmara, o Agravo só poderá ser interposto se a decisão se tratar das hipóteses previstas do artigo 1.015 do CPC ou que a lei expressamente trazer que é cabível de Agravo de Instrumento.

Desta forma, o professor em questão não admite interpretações extensivas do artigo 1.015.

Ainda neste sentido, há quem defenda a taxatividade do Agravo de Instrumento para que não ocorra uma insegurança jurídica, ao passo que, um magistrado, ao fazer uma interpretação extensiva do artigo 1.015 do CPC, pode não conhecer de uma apelação sob argumento de direito prescrito, pois, deveria ser recorrido de forma imediata por Agravo de Instrumento.  

Segundo Zulmar Duarte (2017, p. 1070):

          A ampliação jurisprudencial dos temas passíveis de serem objeto de agravo pode trazer a reboque a expansão da ocorrência da preclusão imediata no processo, sobre temas sequer imaginados pelas partes, exatamente aqueles colhidos pela extensão. As partes confiando no sistema eleito não interporiam agravo de instrumento, sendo que posteriormente seriam surpreendidas pelo não conhecimento do tema em sede de apelação (art. 1009, §§1º e 2º), sob o argumento de que deveriam ter recorrido imediatamente, pois a matéria estaria compreendida em uma interpretação extensiva no art. 1015

Há quem defenda a interpretação extensiva, mas uma ressalva a fazer é que, não é contra qualquer decisão interlocutória que deve ser admitida a interposição do Agravo de Instrumento, mas somente aquelas que possuem alguma relação com as hipóteses cabíveis do artigo 1.015 do CPC.

O principal ponto de defesa da não taxatividade do Agravo de Instrumento é o fato de uma decisão interlocutória causar à parte um prejuízo que pode configurar como um dano grave e irreparável, faltando assim a Tutela Jurisdicional.

Com isso, surge a segunda corrente, capitaneada pelo conceituado professor Fredie Didier Jr., que defende a interpretação extensiva do artigo 1.015 do CPC. Mesmo que entenda a sua taxatividade, para o referido professor, isso não pode ser impedimento para que seja interpretado de forma análoga ou extensiva.

Didier Jr. (2016, p. 209):

          as hipóteses de agravo de instrumento estão previstas em rol taxativo. A taxatividade não é, porém, incompatível com a intepretação extensiva. Embora taxativas as hipóteses de decisões agraváveis, é possível interpretação extensiva de cada um dos seus tipos. Tradicionalmente, a intepretação pode ser literal, de igual modo, as interpretações corretivas e outras formas de reinterpretação substitutiva

Didier Jr. (2016, p.210) destaca que: “No sistema brasileiro, há vários exemplos de enumeração taxativa que comporta interpretação extensiva”, como por exemplo o cabimento do recurso em sentido estrito, lista de serviços tributáveis e o cabimento da ação rescisória.

Seguindo a mesma ideia de Didier Jr., pela não taxatividade, Daniel Amorim Assumpção Neves, o rol do artigo 1.015 do CPC não traz nenhuma vantagem para o sistema de direito processual civil, pelo contrário, entende que, há um cerceamento de defesa.

Para Neves, o argumento do legislador de que a taxatividade ajudaria a desafogar os tribunais superiores não é válida, além de defender que o cabimento do Agravo de Instrumento seja feito sim de forma extensiva ou análoga, desde que não tenham generalizações indevidas, senão vejamos:

Neves, (2016, p. 1561):

num primeiro momento, duvido seriamente do acerto dessa limitação e das supostas vantagens geradas pelo sistema processual. A decantada desculpa de que o agravo de instrumento é o recurso responsável pelo caos vivido na maioria de nossos tribunais de segundo grau não deve ser levada a séria.

(...) a melhor doutrina vem defendendo uma interpretação ampliativa das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, com utilização de um raciocínio analógico para tornar recorrível por agravo de instrumento decisões interlocutórias que não estão expressamente previstas no rol legal. Desde que se mantenha a razão de ser das previsões legais, sem generalizações indevidas, para ser uma boa solução

Assim, vê-se que o principal argumento a favor da taxatividade do rol do artigo 1.015 do CPC é a morosidade e eficácia processual que, aos olhos do legislador, taxou algumas hipóteses de cabimento do recurso Agravo de Instrumento para reduzir a quantidade e desafogar as instâncias superiores.

Mesmo que várias decisões importantes ficassem de fora das hipóteses previstas no artigo 1.015 do CPC, como por exemplo, a do requerimento de justiça gratuita negada, utilizar a interpretação extensiva do dispositivo seria, de alguma forma, o poder judiciário, desconsiderando o que foi proposto pelo legislativo.

Defendem, ainda, que, a interpretação extensiva pelos operadores do direito e pela jurisprudência, devem ter um limite, pois o Código de Processo Civil deve ser interpretado de fato, e não de acordo com as opiniões e interesses de alguns que vai de encontro com o que foi definido pelo legislador.

Por fim, a terceira corrente defende a não taxatividade, de modo que o rol do artigo 1.015 do CPC é apenas exemplificativo, admitindo, assim, que, mesmo que a matéria não seja contemplada pelos incisos do artigo 1.015 do CPC, ou não conste nenhuma possiblidade de tirar a questão por interpretação extensiva, é possível que a decisão possa ser recorrível por Agravo de Instrumento.

Assim leciona Ferreira (2017, p.193):

O interesse recursal é representação da utilidade + necessidade, em que, na lição de Barbosa Moreira, “o recorrente possa esperar, da interposição do recurso, a consecução de um resultado a que corresponda situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que a emergente da decisão recorrida” (utilidade) e ainda “que seja necessário usar o recurso para alcançar tal vantagem” (necessário).

O processualista ainda destaca que na utilidade para sua compreensão deve se empregar uma ótica prospectiva e não retrospectiva “a ênfase incidirá mais sobre o que possível ao recorrente esperar que se decida, no novo julgamento, do que sobre o teor daquilo que se decidiu, no julgamento impugnado... daí preferirmos aludir à utilidade, como outros aludem, como fórmula afim, ao proveito e ao benefício que a futura decisão seja capaz de proporcionar ao recorrente”. (...)

No sistema processual civil brasileiro, do CPC/2015, optou-se pela recorribilidade integral das interlocutórias, somente variando o recurso, agravo de instrumento ou, residualmente, apelação.

 Logo, algo que não pode ser esquecido é que para todo recurso impõe-se interesse recursal, sendo este não apenas um requisito do recurso sem o qual não é admissível, mas também é um direito do recorrente em relação ao Estado, uma vez identificada recorribilidade em lei, deve ser assegurada a utilidade do julgamento do recurso, inclusive em estrita observância do inc. XXXV do art. 5º, da CF/1988.

Se não há identificação literal das hipóteses legalmente previstas para agravo de instrumento, em primeiro momento, se defenderia a apelação, contudo se o seu julgamento futuro será inútil por impossibilidade de resultado prático pleno (ex. dano irreparável ou de difícil reparação), como no caso de uma perícia inadmitida, em que o prédio que seria objeto da perícia diante de uma desapropriação será rapidamente demolido, desaparecendo a utilidade de julgamento futuro da apelação, não é possível defender-se o cabimento da apelação, porque a lei não pode prever recurso inútil, logo é caso de cabimento do agravo de instrumento.

Em outras palavras, há uma taxatividade fraca, decorrente da própria definição de recorribilidade geral das interlocutórias, mas ainda taxatividade, porque o agravante tem o ônus de demonstrar que é necessário o agravo de instrumento em razão da inutilidade de interposição e julgamento futuros de apelação.

Desta feita, embora o legislador tenha taxado e definido as hipóteses do cabimento do Agravo de Instrumento no Novo Código de Processo Civil, em 2015, não se trata de algo novo no sistema processual brasileiro, pois, no Código de Processo Civil de 1939, já era usada esta sistemática que, a propósito, se mostrou ineficaz, sendo revogada pela legislação processual civil de 1973.

Mesmo que o legislador tenha definido o que seriam as “principais” hipóteses para o cabimento do Agravo de Instrumento, certamente ficariam de fora outras importantes decisões agraváveis, pois, seria impossível o legislador prever todas as hipóteses que devem ser reexaminadas, até porque, cada situação deve ser analisada com suas particularidades e possíveis prejuízos para a parte.

O motivo principal do recurso Agravo de Instrumento é justamente para evitar que uma parte tenha um prejuízo processual por conta de uma decisão proferida ao curso do processo, ou seja, tal decisão deve ser revista de forma imediata.

Ainda neste sentido, quanto maior for o prejuízo para a parte por uma decisão interlocutória, mais se faz presente a necessidade da interposição do recurso Agravo de Instrumento, que desta forma, nunca poderia ser taxativo.

Existem várias decisões que devem ser reexaminadas de imediato para que não cause prejuízos irreparáveis aos litigantes. Podemos citar alguns: (1) Decisão que indefere produção de provas testemunhais e periciais; (2) Decisão que negue o pedido de justiça gratuita; (3) a não homologação ou recusa de acordo processual celebrado entre as partes; e (4) decisão que indefere a produção de provas antecipadas.

Podemos analisar que estas hipóteses não estão elencadas no rol do artigo 1.015 do CPC e são de suma importância para as partes, que inclusive, contrária os princípios da duração razoável do processo e economia processual.

 Deste modo, podemos analisar que, após a entrada em vigor do CPC de 2015, há muitas discursões e divergências sobre o cabimento do recurso Agravo de Instrumento. Entretanto, não é somente na doutrina que temos tais debates, como os analisados neste tópico, porquanto há também divergências nos tribunais, como poderemos ver a seguir.

3.2 - A questão sob o enfoque da jurisprudência.

Os tribunais, ao longo dos anos, após a vigência do Novo CPC, tiveram interpretações distintas quanto ao cabimento do agravo de instrumento, o que causou uma grande insegurança jurídica para os operadores do direito.

Vejamos a seguir algumas decisões acerca do cabimento do recurso Agravo de Instrumento.

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO INDENIZATÓRIA - DETERMINAÇÃO DE NOVA PERÍCIA - ROL TAXATIVO - NÃO CABIMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO INDENIZATÓRIA - DETERMINAÇÃO DE NOVA PERÍCIA - ROL TAXATIVO - NÃO CABIMENTO.

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO INDENIZATÓRIA - DETERMINAÇÃO DE NOVA PERÍCIA - ROL TAXATIVO - NÃO CABIMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO INDENIZATÓRIA -- DETERMINAÇÃO DE NOVA PERÍCIA - ROL TAXATIVO - NÃO CABIMENTO. A determinação de realização de nova perícia, ante a constatação de parcialidade do perito, não se amolda em nenhuma das hipóteses taxativamente previstas no art. 1.015 do CPC/2015, tampouco encontra previsão expressa em outro dispositivo legal. Ausência de prejuízo para a recorrente. Interpretação do art. 1.015, do CPC, observando a orientação do STJ. Recurso que não se conhece, na forma do art. 932, III, do CPC/2015.

(Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro TJ-RJ - AGRAVO DE INSTRUMENTO : AI 0080513-86.2019.8.19.0000)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. DECISÃO QUE INDEFERIU A SUSPENSÃO DO PROCESSO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL TAXATIVO DO ARTIGO 1.015DO NCPC. INAPLICABILIDADE DO ROL TAXATIVO MITIGADO. NÃO CONHECIMENTO.

Recurso manejado contra a r. Decisão do Juízo a quo que suspendeu o processo. Aplicação do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015). Hipótese versada no presente recurso não contemplada no rol taxativo do artigo 1.015 do NCPC. Admissibilidade que deve observar a sistemática processual em vigor, a teor do artigo 14 do Novel Estatuto Processual. Inteligência do Enunciado Administrativo nº 3, do Superior Tribunal de Justiça. Recente entendimento do STJ sobre a possibilidade de impugnação imediata de decisões interlocutórias não previstas nos incisos do art. 1.015 do NCPC. Taxatividade mitigada. Inaplicabilidade. Recurso não conhecido.(Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro TJ-RJ - AGRAVO DE INSTRUMENTO : AI 0065091-71.2019.8.19.0000)

AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE DETERMINA A MUDANÇA DO PERITO. ROL TAXATIVO DO ART. 1.015DO CPC. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DE ROL TAXATIVO. IMPOSSIBILIDADE.

1. O art. 1.015 trouxe rol taxativo para as hipóteses de interposição do agravo de instrumento, adotando, assim, o Código de Processo Civil de 2015, a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, admitindo, apenas, em situações excepcionais o manejo de agravo, de modo a prestigiar os princípios da celeridade e da efetividade processual.

2. Como decorre da própria natureza de rol numerus clausus, estes devem ser interpretados restritivamente, visto que do contrário a exceção se tornaria regra, contrariando, portanto, o próprio espírito da norma.

3. Agravo interno improvido.

(Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP: 2133582-72.2017.8.26.0000 SP 2133582-72.2017.8.26.0000)

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. INDEFERIMENTO DE NOVA PROVA PERICIAL. DECISÃO AGRAVADA QUE NÃO SE ENQUADRA ENTRE AS HIPÓTESES PREVISTAS NO ROL TAXATIVO DO ART. 1.015DO CPC. TESE FIRMADA PELO STJ. MITIGAÇÃO DO ROL TAXATIVO NÃO APLICÁVEL.

O Código de Processo Civil enumera um rol taxativo de decisões interlocutórias que poderão ser impugnadas por agravo de instrumento. Não estando o tema tratado na decisão agravada incluído nas hipóteses expressas do CPC, deve ser negado seguimento ao agravo de instrumento, por manifesta inadmissibilidade.

(Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJ-MG - Agravo de Instrumento-Cv : AI 5401631-88.2020.8.13.0000 MG)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. HIPÓTESES DE CABIMENTO. ROL TAXATIVO.

1. As hipóteses em que cabível a interposição do recurso de Agravo de Instrumento estão elencadas em rol taxativo - ainda que passível de interpretação analógica -, previsto no art. 1.015 do CPC. Lição doutrinária.

2. Caso que a decisão recorrida não encontra guarida em qualquer das possibilidades previstas na legislação processual. Pagamento e valor dos honorários periciais.AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA.(Agravo de Instrumento, Nº 70083209163, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em: 13-11-2019)

Como podemos depreender das decisões acima, a teoria da taxatividade é bem recorrente nos tribunais, onde há o entendimento no sentido de que, contra as decisões interlocutórias, é cabível o recurso de Agravo de instrumento somente àquelas que estão elencadas no rol do artigo 1.015 do CPC.

Entretanto, nunca se tratou de um entendimento pacificado dentro dos tribunais, porquanto temos algumas câmaras julgadoras que entendem pela interpretação extensiva e exemplificativa do artigo 1.015 do CPC. Senão vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. IMPOSIÇÃO DE MULTA. CABIMENTO. ROL EXEMPLIFICATIVO.

1. Preliminar de prevenção que não pode ser acolhida, considerando que a eminente Desembargadora não compunha o órgão julgador na época da distribuição.

2. O rol do artigo 1.015 do CPC/2015, é exemplificativo, admitindo outras hipóteses, em especial a dos autos que impõe multa. Não se mostra razoável a adoção de mandado de segurança, ou aguardar o julgamento final, para impugnar a decisão.

3. Advogado que comparece a audiência de conciliação com poderes para transigir. Aplicação da multa pelo magistrado, nos termos do artigo 344, § 8º, do CPC/2015. Impossibilidade, considerando que o advogado pode realizar, a qualquer tempo, acordos em favor de seu cliente, através de um mandato com poderes específicos para transigir sobre o direito versado na ação, não é razoável que, somente para este primeiro ato, não seja possível o exercício do poder outorgado. Recurso conhecido e provido, nos termos do voto do Desembargador Relator.

(Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro TJ-RJ - AGRAVO DE INSTRUMENTO : AI 0027554-12.2017.8.19.0000 RIO DE JANEIRO CAPITAL 11 VARA CIVEL)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. CABIMENTO. ROL EXEMPLIFICATIVO. ARTIGO 1.015DO CPC/2015. SUSPENSÃO DO PROCESSO.

Cuida-se de decisão interlocutória que suspendeu o processo. O rol do artigo 1.015 do CPC/2015, é exemplificativo, admitindo outras hipóteses, em especial a dos autos que determina a suspensão do processo. Não se mostra razoável a adoção de mandado de segurança, ou aguardar o julgamento final, para impugnar a decisão. No mérito, não socorre o agravante. Processo em curso na Comarca da Capital que discute a validade de ato jurídico que serviu para a alienação do bem em favor do agravante. Questão prejudicial externa que uma vez resolvida, poderá repercutir na solução da presente lide. Aplicabilidade do disposto no artigo 313, V, a do CPC/2015. Lição doutrinária e precedente jurisprudencial. Recurso conhecido e improvido, nos termos do voto do Desembargador Relator.(Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro TJ-RJ - AGRAVO DE INSTRUMENTO : AI 0042305-04.2017.8.19.0000 RIO DE JANEIRO CASIMIRO DE ABREU VARA UNIC)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. CABIMENTO. ROL EXEMPLIFICATIVO. ARTIGO 1.015DO CPC/2015. DECISÃO QUE REJEITA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA.

Cuida-se de decisão interlocutória que rejeitou exceção de incompetência, diante de cláusula de eleição de foro. O rol do artigo 1.015 do CPC/2015, é exemplificativo, admitindo outras hipóteses, em especial a dos autos. Não se mostra razoável a adoção de mandado de segurança, ou aguardar o julgamento final, para impugnar a decisão. No mérito, a hipótese não é de relação de consumo, considerando que o agravante não é destinatário final dos bens. A cláusula de foro de eleição é válida, ainda que se trate de contrato de adesão. Precedentes do E. STJ. Recurso conhecido e improvido, nos termos do voto do Desembargador Relator.

(Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro TJ-RJ - AGRAVO DE INSTRUMENTO : AI 0024278-07.2016.8.19.0000 RIO DE JANEIRO CAPITAL 3 VARA CIVEL)

Podemos analisar, por meio das decisões acima, que existem os mais variados assuntos para os quais é dado provimento ao Agravo de Instrumento, mesmo que não haja previsão no rol do artigo 1.015 do CPC.

Por conta destas divergências nos tribunais, foi julgado, em 2018, o REsp de nº 1.704.520, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, que foi julgado e processado sob o rito de recursos repetitivos, para definir a natureza jurídica do rol do artigo 1.015 do CPC e acabar com controvérsia sobre o cabimento do recurso Agravo de Instrumento.

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS.

1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal.

2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as “situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação”.

3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo.

4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos.

5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo.

6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.

7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão.

8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência.

9- Recurso especial conhecido e provido.

(RECURSO ESPECIAL Nº 1.704.520 - MT (2017/0271924-6) RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI)

A Ministra relatora Nancy Andrighi, proferiu seu voto no sentido de que existe a mitigação da taxatividade nas hipóteses do rol do artigo 1.015 do CPC, pois, se estabeleceu na doutrina e na jurisprudência, o que ela diz ser uma “séria e indissolúvel” controvérsia sobre o cabimento do recurso Agravo de Instrumento.

Nancy, em seu voto, arguiu como exemplo uma decisão que negue o segredo de justiça, que uma eventual negativa ao requerimento da parte, ao pé da letra, pelo texto do legislador, não é uma decisão recorrível em sede de Agravo de Instrumento; seria somente por preliminares de Apelação e Contrarrazões, o que seria inútil, pois toda intimidade da parte já teria sido exposta pela publicidade processual.

A Ministra frisa que não tem a intenção, até porque seria impossível expor todos os exemplos. Apenas tem o pensamento no sentido de que, pela utilidade do julgamento, não se pode admitir apenas algumas hipóteses definidas pelo legislador.

Para a Ministra, o cabimento do recurso Agravo de Instrumento deve ser interpretado em consonância com a vontade do legislador, a qual parece seguir a trilha no sentido de que o Agravo é sempre cabível contra decisões que não podem esperar a discussão em sede de Apelação, mesmo que não esteja elencando no rol do artigo 1.015 do CPC.

Ou seja, a Ministra propôs a tese da Taxatividade Mitigada para o rol do artigo 1.015 do CPC, que admite a interposição do Agravo de Instrumento quando verificada a urgência no caso e que decorre de uma inutilidade do julgamento da questão em recurso de Apelação.

 Por fim, a Ministra sustentou que não haverá preclusão se admitida a possibilidade de impugnação das decisões interlocutórias não previstas no rol do artigo 1.015 do CPC, em caso de caráter excepcional como requisito a urgência.

Desta forma, ficou definido no STJ, como Tema 988, a Taxatividade Mitigada do recurso do Agravo de Instrumento, que venceu, por maioria de 7 a 5 (sete a cinco), que abriu precedentes para interposição do Agravo de Instrumento fora das hipóteses elencadas no rol do artigo 1.015 do CPC. 


4 CONCLUSÃO

Podemos concluir que o recurso Agravo de Instrumento é o meio para combater decisões interlocutórias proferidas em primeira instância, com algumas hipóteses definidas no rol do artigo 1.015 do CPC.

O Agravo de Instrumento, em sua história, sofreu algumas mudanças com o advento de novos códigos de processo civil no ordenamento jurídico brasileiro, onde iniciou-se com uma taxatividade de hipóteses para sua propositura (CPC1939), mudou-se pela não taxatividade no código seguinte (1973) e, por fim, segue a atual sistemática do Novo Código de Processo Civil (2015), com as hipóteses definidas nos incisos do artigo 1.015.

Tais mudanças geraram vários discussões dentro da doutrina e da jurisprudência, que concordavam e discordavam pela taxatividade das hipóteses, gerando, inclusive, um desconforto pela segurança jurídica sobre o cabimento do Agravo de Instrumento. 

Depois de muitos debates na doutrina e decisões proferidas pelos Tribunais, com bastante divergências, foi julgado e processado o REsp de nº 1.704.520, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, Tema 988 no STJ, que definiu sobre a Taxatividade Mitigada do rol do artigo 1.015 do CPC.

Para a Ministra, a ideia do recurso de Agravo de Instrumento é para impugnar uma decisão que possa causar à parte algum prejuízo ou dano irreparável no curso do processo, ou seja, não podem ser taxativas as hipóteses, pois o legislador jamais conseguiria, de plano, idealizar todas.

Entretanto, a Ministra deixa claro que não é qualquer decisão que pode ser passível de impugnação pelo Agravo de Instrumento: a parte deve apresentar a urgência e demonstrar com clareza o prejuízo e o dano irreparável que pode sofrer.

De uma certa forma, podemos imaginar que, no voto proferido Ministra Nancy Andrighi, o cabimento do Agravo de Instrumento de uma decisão não prevista no rol do artigo 1.015 do CPC, fica parecido com um pedido de liminar, onde é necessário que a parte mostre aos julgadores a necessidade imediata da revisão da decisão, pois, caso contrário, o prejuízo pode ser irreparável, de modo que recorrer em preliminares de apelação ou contrarrazões poderá não mais fazer sentido.


REFERÊNCIAS

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