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O envelopamento como forma de reclamação administrativa tendente à suspensão da exigibilidade do crédito tributário

O envelopamento como forma de reclamação administrativa tendente à suspensão da exigibilidade do crédito tributário

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1. INTRODUÇÃO

Os recentes debates em torno da obtenção de Certidões Negativas de Débitos (CND´s) ou Certidões Positivas com Efeito de Negativas (CPEN) trazem à baila discussão surgida no âmbito judicial por iniciativa do Fisco Federal: os Pedidos de Revisão de Débitos Inscritos em Dívida Ativa da União, de alcunha "envelopamentos", são ou não questionamentos administrativos habilitados a suspender a exigibilidade do crédito tributário, na forma do artigo 151, III, do Código Tributário Nacional?

A indagação indigitada, muito embora singela à primeira vista, demanda exame acurado para ser solucionada. E mais. O cumprimento da tarefa proposta irá estabelecer a premissa com a qual a conclusão será obtida que, ao final, será inexorável e livre de impugnações: o "envelopamento" é sim uma reclamação administrativa profícua a suspender a exigibilidade do crédito tributário e, com isso, autorizar a emissão de certidões de regularidade fiscal (CPEN).

Este é o enfrentamento que doravante irá ser desbravado.


2. DELINEAMENTOS GERAIS

O direito de petição é garantia constitucional trazida no corpo do artigo 5º, inciso XXXIV, alínea "a", da Constituição Federal. Consoante sua interpretação, são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de seus direitos.

É importante ter essa disposição constitucional em mente no estudo aqui iniciado.

Pois bem, as disposições do artigo 151, inciso III, do Código Tributário Nacional já estão claras a essa altura. Basta relembrar que, de fato, a exigibilidade do crédito tributário é suspensa com a interposição de reclamações e recursos administrativos, nos moldes das leis reguladoras do processo administrativo tributário.

A celeuma que aflora nesse diapasão é saber, portanto, quais as leis reguladoras do processo administrativo tributário de que trata o artigo 151, inciso III, do Código Tributário Nacional.

O Decreto nº 70.235/72 é uma daquelas normas. Seu conteúdo vem a disciplinar o procedimento administrativo fiscal iniciado pela lavratura do Auto de Infração, a notificação de lançamento do crédito tributário e a impugnação administrativa do contribuinte, caso queira apresentá-la, bem como os julgamentos nas diversas instâncias administrativas.

Entretanto, essa legislação não é a única norma que dispõe sobre o procedimento administrativo no âmbito da fiscalização tributária, já que o Decreto nº 70.235/72 regulamenta unicamente o procedimento administrativo fiscal de iniciativa do Fisco, quedando-se inerte quanto ao processo administrativo de iniciativa do contribuinte.

A tarefa é cumprida pela Lei 9.784/99. Essa legislação, conforme o artigo 1º, estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.

"Art. 1º. Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.

§ 1º. Os preceitos desta Lei também se aplicam aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, quando no desempenho de função administrativa.

§ 2º. Para os fins desta Lei, consideram-se:

I - órgão - a unidade de atuação integrante da estrutura da Administração direta e da estrutura da Administração indireta;

II - entidade - a unidade de atuação dotada de personalidade jurídica;

III - autoridade - o servidor ou agente público dotado de poder de decisão."

É bom frisar, nessa vereda, que a norma escrita no artigo 1º é ampla e não encontra qualquer restrição, do que se conclui que estende seus efeitos também aos processos administrativos fiscais. A conclusão é tirada também pela análise do §2º do artigo 1º, que conceitua o que seja "órgão", "entidade" e "autoridade", de maneira genérica e não põe obste à extensão desses conceitos aos órgãos da administração tributária, em todas as suas hierarquias e graus.

Dessas disposições, verifica-se que a norma da Lei 9.784/99 não tem endereçamento ou destinatário específico. Na verdade, aquela regulamentação é aplicada a todos os órgãos da Administração Pública direta e indireta, incluindo-se aí os órgãos integrantes da administração fiscal, como a Secretaria da Receita Federal e a Procuradoria da Fazenda Nacional.


3. APROFUNDAMENTO DA QUESTÃO

O artigo 5º da Lei 9.784/99 disciplina as iniciativas do procedimento administrativa no âmbito da Administração Pública direta e indireta. Sua redação dá conta que o processo administrativo pode ser iniciado de oficio ou a pedido do interessado, no caso do processo administrativo fiscal, do contribuinte.

A preocupação agora será demonstrar como o Pedido de Revisão de Débitos Inscritos em Dívida Ativa - "envelopamento" - é enquadrado no conceito de procedimento administrativo e, ato contínuo, sua integração com o artigo 151, inciso III, do Código Tributário Nacional.

O artigo 6º da Lei 9.784/99 dispõe que o requerimento inicial do procedimento administrativo deve ser escrito, via de regra, e conter os seguintes dados: I) órgão ou autoridade administrativa a que se dirige; II) identificação do interessado ou de quem o represente; III) domicílio do requerente ou local para recebimento de comunicações; IV) formulação do pedido, com exposição dos fatos e de seus fundamentos; V) data e assinatura do requerente ou de seu representante.

Já o artigo 7º determina aos órgãos e entidades administrativos a elaboração de modelos ou formulários padronizados para assuntos que importem pretensões equivalentes.

Esses são os elementos extrínsecos que devem estar contidos no ato de deflagração do procedimento administrativo. Como elemento intrínseco há de ser vista a legitimidade do processo administrativo.

O artigo 9º arrola quem são os interessados em um procedimento administrativo, a saber: I) pessoas físicas ou jurídicas que o iniciem como titulares de direitos ou interesses individuais ou no exercício do direito de representação; II) aqueles que, sem terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses que possam ser afetados pela decisão a ser adotada; III) as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos; IV) as pessoas ou as associações legalmente constituídas quanto a direitos ou interesses difusos.

O Pedido de Revisão de Débitos Inscritos em Dívida Ativa da União que, na verdade, consiste em um formulário padrão obtido nas repartições da Procuradoria da Fazenda Nacional, é endereçado à Delegacia da Receita Federal em São Paulo, especificamente ao Grupo Intersistêmico da Dívida Ativa da União, autoridade administrativa competente à apreciação do pedido.

Naquele pedido, há a identificação do interessado (em regra, o requerente do pedido de revisão), do processo administrativo que deu origem à Dívida Ativa e da Dívida Ativa, bem como a indicação de seu domicílio e a forma para recebimento de comunicações (nome e telefone dos representantes legais). Há a efetiva formulação do pedido, consistente na Revisão de Débitos Inscritos em Dívida Ativa da União.

Assim sendo, todos os requisitos do artigo 6º da Lei 9.784/99 são preenchidos. Frise-se, uma vez mais, que o requerimento é preenchido em formulário fornecido pela Secretaria da Receita Federal e pela Procuradoria da Fazenda Nacional à revisão de débitos inscritos em dívida ativa, consoante orientação determinada pelo artigo 7º da Lei 9.784/99.

O estudo desses elementos dá conta que o Pedido de Revisão de Débitos Inscritos em Dívida Ativa da União, denominado popularmente como "envelopamento", satisfaz os requisitos dos artigos 5º, 6º, 7º e 9º da Lei 9.784/99 e, portanto, é caracterizado como procedimento administrativo com regulação em lei específica. Esse pedido não é mera liberalidade da Fazenda Nacional, da Receita Federal ou da União Federal. É, isto sim, imposição de lei federal.


4. CONCLUSÃO

Retomando o exame da redação do artigo 151, inciso III, do Código Tributário Nacional, não há dúvidas de que o quesito de sua eficácia é que as reclamações e recursos estejam regidos pelas leis reguladoras do processo tributário administrativo. É importante notar que o dispositivo não faz menção a uma norma especifica, pelo contrário, se reporta ao termo "leis reguladoras" (no plural), conferindo amplitude máximas à sua interpretação.

Logo, o Pedido de Revisão de Débitos Inscritos em Dívida Ativa da União - "envelopamento" - está enquadrado no quesito de validade e eficácia do artigo 151, inciso III, do Código Tributário Nacional, razão pela qual sua interposição deflagra a suspensão da exigibilidade do crédito tributário ali discutido e autoriza a emissão de CPEN´s.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERGAMINI, Adolpho. O envelopamento como forma de reclamação administrativa tendente à suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1220, 3 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9117. Acesso em: 19 abr. 2024.