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Rudimentos de uma fundamentação principiológica para a proteção ambiental: a natureza como o sistema primordial com o qual o homem interage (entorno).

Por uma visão de mundo não-superlativamente-antropocêntrica

Rudimentos de uma fundamentação principiológica para a proteção ambiental: a natureza como o sistema primordial com o qual o homem interage (entorno). Por uma visão de mundo não-superlativamente-antropocêntrica

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Tudo quanto vemos não é mais do que aparência. A realidade é outra. (...) O sol parece girar em torno de nós , levantar-se pela manhã e recolher-se à tarde, e a Terra em que estamos parece imóvel. O contrário é que é verdade. Habitamos em torno de um projétil turbilhonante (...) O som não existe não passa de uma impressão de nossos sentidos, produzida por vibrações de ar, de uma certa amplitude e com uma certa velocidade, vibrações silenciosas por si mesmas. Sem o nervo auditivo e sem o cérebro não haveria sons. Na realidade não há senão movimento. Tudo é ilusão no testemunho dos nossos sentidos. A Terra não é o que nos parece ser: a Natureza não é o que supomos. (...) A impressão direta e regular dada pela observação da Natureza é a de que habitamos na superfície de uma Terra sólida, estável, fixa no centro do Universo. (...) A Criação universal é uma imensa harmonia na qual a Terra é um insignificante fragmento, bastante pesado e incompreensível.

Camille Flammarion,

Urânia

Há cerca de três milhões de anos, alguns macacos africanos que viviam nas árvores desceram para o chão. Não havia nada de especial nestes macacos. Seus cérebros eram pequenos e eles não eram especialmente inteligentes. Não tinham garras nem dentes afiados como armas. Não eram especialmente fortes ou rápidos. Certamente não estavam preparados para enfrentar um leopardo. Mas, como eram pequenos, começaram a andar a pé para poder ver acima da alta relva africana. Foi assim que começou. Apenas macacos comuns, olhando por cima da relva.

Michael Crichton - The Lost World


Resumo: O presente artigo apresenta uma visão de Natureza enquanto sistema primordial, numa clara apreensão, e somente neste tocante, das idéias de Niklas Luhmann. Sustenta através de uma explanação lógica e contextual-histórica, seja princípio aquilo que, parcela mínima que seja, sobrevive à mudança (devir), e que mantém a identidade sistêmica (unidade mínima mantenedora do padrão e da estrutura) de tal ou qual secção do saber (in casu: de tal ou qual sistema), a fim de que o mesmo não deixe de ser o que é passando a ser outro, por não conservar nada do que fora outrora – se é que admitimos possa haver uma mudança categórica nestes termos. E, só então, fulcrado em todos os corolários supra-expostos, perquire qual seria o fundamento de validade (existência) para a proteção ambiental, tendo como base uma visão holística de mundo.

Palavras-Chave: natureza; ciência; princípio; sistema; antropocentrismo; holismo;


Rudiments of a foundation of principles for the ambient protection: The nature as the primordial system with which the man interacts (entorno) - for a Not-Superlative-Anthropocentric Vision of World

Abstract: The present article presents a vision of Nature while primordial system, in a clear apprehension, and only in this moving one, of the ideas of Niklas Luhmann. It supports through a logical and contextual-historical explanation, either principle what, minimum parcel that either, survives to the change (devir), and that it keeps the identity of system (minimum unit of maintenance of the standard and the structure) of such or which system (in casu: of such or which section of knowing), so that exactly it does not leave of being what it is starting to be another one, for not conserving nothing of what it are long ago - is that we admit can have a categorical change in these terms. And, only then, supporting in all the supply-displayed corollaries, investigates which would be the foundation of validity (existence) for the ambient protection, having as base a holistic vision of world.

Keywords: nature; science; principle; system; anthropocentrism; holism;


Sumário: Introdução –; 1. NATUREZA: CRIAÇÃO OU DESCOBERTA HUMANA? -; 1.1 Objetivismo Axiológico e Subjetivismo Axiológico –; 2. DIFERENTES FORMAS DE PERCEBER A NATUREZA: DO QUE SE CONVENCIONOU CHAMAR PRÉ-MODERNIDADE, MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE –; 2.1 Pré-modernidade: do Mito à Ciência Aristotélica -; 2.1.1 Do ‘conhece-te a ti mesmo’ ao Mundo das Idéias: as concepções de Platão e Sócrates acerca do Homem, da Natureza e do Mundo -; 2.1.2 Aristóteles: o pai da ciência primeira; 2.2 O Cair das Trevas?! –; 2.3 Modernidade: Um Novo Antropocentrismo (?!) – A Luz sob o Alqueire –; 2.3.1 A invenção (?!) da Ciência enquanto modelo convencionalmente aceito de representação da Natureza –; 2.3.1.1 Determinismo Mesológico (?!) e o Papel da Intuição na Percepção das Leis Naturais –; 2.3.2 Do Método Científico e do Mecanicismo a imperar na Ciência Moderna –; 2.3.3 Das Esferas do Natural e do Sobrenatural: a ciência moderna enquanto modelo ideológico dominante –; 3. HOLISMO – TRANSCENDENTALISMO – UNIVERSALISMO –; 3.1 Noções de Sistema –; 3.1.1 Sistemas Alopoiéticos e Sistemas Autopoiéticos –; 3.1.1.1 O Direito e a Sociedade como Sistemas –; 4. A UNIVERSALIDADE DOS PRINCÍPIOS CIENTÍFICOS E A UNIDADE SISTÊMICA –; 5. A POSSIBILIDADE DA CONCEPÇÃO DE EVOLUÇÃO: O SER E O SABER –; 6. DIREITOS DE QUARTA GERAÇÃO – DIREITOS DE SOLIDARIEDADE – ; À guisa de conclusão – ; Referências – .


Introdução

O objetivo primeiro deste artigo é investigar qual seria o fundamento principiológico para a proteção ambiental, tomando-se como base a idéia de Luhmann (1997) acerca de um sistema primordial (entorno – contorno – ambiente). E nossa hipótese é exatamente esta, a de que a Natureza consubstancie esse sistema primeiro (ou pelo menos o maior sistema com o qual interagimos diretamente), do qual todos mais seriam apenas subsistemas.

O tema ora abordado é sobremaneira amplo e as conjecturas aqui levantadas primam, antes de tudo, apenas por fomentar a discussão, eis que apostamos logo ab initio tratar-se apenas de "rudimentos", a dizer claramente, com isso, o nosso intento, qual seja: o de que não nos arvoramos a querer erigir aqui uma explicação unívoca, última e inconteste, mas a aclarar os lineamentos gerais, a fim de que se possa, quiçá um dia, atingir contornos de uma aproximação da verdade sobre o tema. Todavia, tal pretensão consiste, igualmente, num esforço primário, ao menos naquilo que tangencia o presente tema, de desenvolvimento de nossa própria dissertação de mestrado.

Já disseram que o maior problema e a questão fundamental a ser lidada pelo Direito, e o quanto antes, sob pena de que se veja esvair no vão das indefinições, seria a da inexistência mesma de uma maior uniformidade conceitual e/ou terminológica para os institutos de que se acerca e para os direitos a que visa proteger. De fato, o próprio Direito, em si, não possui definição precisa e uniforme, ou um conceito apreendido em inteireza, ao menos em vias de externar-se, sendo sua própria delimitação, sua natureza, ou mesmo o objeto sobre o qual se debruça, ainda hoje, fortes fatores de divergência ideológica e doutrinária entre os mais balizados cultores da matéria. Em última análise, isso se traduziria numa divergência terminológica e conceitual. Com o chamado Direito Ambiental não seria diferente. No cerne das grandes discussões em matéria ambiental encontra-se sempre a vaguidão conceitual, a falta de solidez e fundamento para firmar eficácia a determinados direitos, mesmo que já positivados, ou a razão de sua proteção, e em que âmbito ela se daria. Os próprios conceitos de "Natureza" e de "Meio Ambiente" não possuem contornos precisos, não se podendo saber com a minúcia desejada o que realmente se visaria proteger, quais as fronteiras do que chamamos Natureza, ou mesmo até que ponto o ser humano se encontraria dissociado desta proteção, ou seja, até que ponto o Homem deixa de fazer parte do chamado Mundo Natural. Ora, sequer convencionamos legalmente se aquilo que alcunhamos Natureza é, de fato, em toda a extensão e inteireza, aquilo que deve ser protegido; e ainda não firmamos consenso nem mesmo sobre os modos como se deve dar sua proteção. Uma análise mais percuciente descortinaria aí um problema de fundamento de validade (existência), um problema, pois, de fundo principiológico, eis que os diferentes conceitos e as opiniões diversas acabam por atender a interesses e exigências de ordem extralegal, curvando-se ao peso das ideologias dominantes, e deixando ao desamparo a necessidade racional e sistêmica de um fundamento e/ou justificativa de ordem para a proteção ambiental.

Intentamos delinear inicialmente os lindes mínimos para aquilo que se julgou fosse uma cisão absoluta entre o Homem e a Natureza, hoje vista quase como que fictícia, e a operacionalização, no contexto do chamado Pós-modernismo, de um possível reencontro do Homem com o Mundo Natural — um retorno ao lar, por assim dizer. Para tanto, centramos a presente análise no fio condutor: ciência – sistema – princípio – natureza.

A boa-lógica mandaria encetarmos esta perquirição por uma tentativa prévia de conceituação e/ou definição dos termos chave já citados. Mas restaria, como sempre resta em tentativas apressadas do tipo, como que um vácuo, a ausência do caminho percorrido até o esforço conceitual e/ou a apreensão definitória expostas. Os conceitos e definições previamente apresentados não viriam de corolários lógicos, eis que o mero apostar de rótulos sobre os objetos analisados bem pouco diz sobre os mesmos.

Bem assim, principiamos por uma explanação lógica e contextual-histórica, pontilhando toda uma trilha de raciocínios "percorrida pela humanidade", que vai desde uma analogia-simbólica do primeiro contato do Homem com a Natureza (ou pelo menos da primeira percepção que o próprio ente racional teve desse contato) até as posturas calcadas numa percepção mais holística de mundo, a fim de galgarmos a pretensão aqui almejada: delinear os contornos de um fundamento principiológico para a proteção à Natureza, fulcrando esse proceder, em parte, numa visão sistêmica, não só do Mundo Natural, mas também do Cultural, Humano e Social.

Pode parecer, ao observador apressado, uma impropriedade focarmos de forma tão central a Ciência numa reflexão que pretende desanuviar tema de enfoque eminentemente filosófico. A razão é bem simples: a Ciência, como veremos, constitui exatamente o modelo adotado pelo homem hodierno para tentar explicar a Realidade e as Leis que regem o Mundo Natural, ou seja, é o sistema convencionalmente adotado pelo Homem para explicar a Natureza. Assim, não há como falar em Natureza sem falar no modo como a vemos, até mesmo porque, por vezes, chegamos a confundir a imagem que temos dela, com o que ela efetivamente é, tomando uma coisa por outra. E por que, então, não falarmos em fundamentos filosóficos e, sim, principiológicos?! Ora, nada mais busca a Filosofia que os fundamentos últimos e os princípios primeiros. Nestes termos, pretendemos aqui caracterizar a razão fundante para a proteção ambiental, sua justificativa lógica e racional, conquanto nem sempre seja aquela que efetivamente mova os homens e as leis. E cause talvez mais estranheza ainda abordarmos idéias das chamadas ciências naturais e exatas numa pesquisa de âmbito estritamente social e humano. É que comungamos das idéias do professor Boaventura de Sousa Santos (2001) e as tomamos como pressupostos do presente percurso analítico. Segundo tais idéias, "começa a deixar de fazer sentido a distinção entre ciências naturais e ciências sociais; (...) as ciências sociais terão de recusar todas as formas de positivismo lógico ou empírico ou de mecanicismo materialista ou idealista com a consequente revalorização do que se convencionou chamar humanidades ou estudos humanísticos." [01]

Julgamos conveniente, antes de mais nada, expormos desde as mudanças paradigmáticas, as mudanças nas formas de a Ciência ver a Natureza, entendendo-se esta enquanto repositório maior dos objetos sobre os quais se debruça a Ciência, bem como o modo como isso (essas mudanças) afetariam a proteção ambiental e a concepção que o Homem tem da própria Natureza. Nossa pretensão mediata seria demonstrar logicamente haver algo que resista à mudança, algo que se perpetue, como categoria do entendimento que garanta a manutenção do que dado sistema seja, sob pena de que ele venha a – mudando plenamente – deixar de ser o que é (de ter a conformação que efetivamente tem), para ser outro (adotando nova conformação, tornado-se, então, um novo sistema). Tal raciocínio garantiria a solidez de nossa pretensão imediata: encontrar nisso um fundamento de validade (existência), um fulcro lógico-racional para a proteção ambiental, independente do móvel que atualmente faz os homens erigirem suas leis.


1. NATUREZA: CRIAÇÃO OU DESCOBERTA HUMANA?

Desde que o primeiro homem foi coroado com a razão, se admitimos seja esse o elemento garantidor do ter galgado a condição humana, aquele mesmo primeiro primata que pensou teve, com o advento da razão – e por que não dizer em decorrência mesmo dela, indissociáveis que são uma e outra coisa – uma noção mais ou menos rudimentar de sua individualidade em relação a tudo o mais que a seus primitivos olhos maravilhavam, a visão de que ele era cousa diversa de tudo o quanto o cercava, passando a ver a si próprio como algo destacado e, de certa maneira, independente da Natureza em derredor. E percebeu, com isso, que não havia sido ele o criador de tudo o quanto seus olhos podiam ver, tampouco de si próprio. Invariavelmente, Algo ou Alguém haveria de ter criado tudo aquilo, bem como a ele mesmo (já que nada surge do nada e todo efeito tem uma causa). E assim, pela procedência comum de Um Mesmo Criador (pessoal ou impessoal, que seja), o Homem estaria inexoravelmente ligado à Natureza, conquanto pudesse perceber, ainda que rudemente definidas, as fronteiras entre si e ela.

Há autores, porém, que apregoam tenha principiado, exatamente aí, no momento em que se teria iniciado essa "separação" natureza-homem, o chamado Fim da Natureza, sob o simples argumento de que, no instante em que o Homem dela se destacou, a Natureza tenha parado de atuar completamente dissociada da influência humana. Influência esta que atinge, paulatinamente, culminâncias cada vez mais absolutas. Como bem destaca o Professor-Doutor, Paulo de Bessa Antunes (2000), há quem intente seja fulcro suficiente para afirmação tão categórica quanto a do chamado Fim da Natureza o fato de que, por exemplo "...a emissão de dióxido de carbono para a atmosfera, em decorrência das atividades humanas, é de tal ordem que chega a alterar o próprio clima no planeta. A conseqüência desse fato é que, hoje em dia, não existe (sic!) mais qualquer região na Terra — incluindo as camadas mais elevadas da atmosfera — que não sofra os efeitos da ação direta do Homem sobre o ambiente." [02] Um outro argumento bastante usado nesse afã seria o de que não poucos são os indícios de um maior controle dos fenômenos naturais pelo homem. "A temperatura e a chuva não serão mais obras de alguma força independente e incontrolável, mas em vez disso, ao menos em parte, um produto de nossos hábitos, economias e modos de vida." [03] Todavia, ao tomarmos estes fatos – alarmantes e significativos, sem dúvida – como elementos suficientes a podermos propagar o Fim da Natureza, agiríamos em conformidade a uma incongruência tal como a de quem toma o rótulo pelo objeto. "Um procedimento vicioso é confundir o conceito – representação do fenômeno – com o próprio fenômeno – realidade concreta. Os conceitos constituem apenas o quadro de referência lógico dos fenômenos concretos." [04] Shakespeare (2000) chegou a conclusão similar, ao afirmar, pelos lábios de sua Julieta: "que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação, teria igual perfume!" [05]Ou seja, o simples fato de darmos nomes a tais ou quais coisas não nos habilitaria a dizer que asconhecemos a contento. O mero rótulo (nomenclatura) que eventualmente lhes atribuamos nenhum poder tem de acrescer ou diminuir àquilo que as coisas analisadas, de fato, sejam; não se podendo dizer que, ao jungirmos tal ou qual objeto à determinada categoria, por simplesmente lhe termos dado um ou outro rótulo, ele esteja posto adequadamente onde lhe convém.Ora, são coisas bem diversas a Natureza em si e a imprecisa apreensão que temos dela, a visão que dela fazemos – não fosse isso teríamos tido sempre a exata noção do real desde que fomos criados, e não haveria falar-se em evolução do conhecimento humano. E, para expressá-la, tão mais imperfeita que a apreensão que dela temos, é a indumentária vocabular com que a queremos nomear, eis que o mero nome bem pouco diz a respeito do que seja essencialmente o objeto analisado, in casu: a Natureza. Assim, talvez até possamos falar do fim da concepção que se tenha de Natureza, pois que o findar da Natureza em si culminaria, inevitavelmente, com o findar da própria espécie humana, tão indissociavelmente ligados estamos a ela. [06] De dizermos, previamente, que o Homem, conquanto não se enxergue como tal, efetivamente faz parte da Natureza. Demarcar, nestes termos, o marco do Fim da Natureza pelo mero principiar e/ou ampliar da atuação humana junto a ela seria um contra-senso sem igual, já que é nela que o Homem atua e vive, e é dela que está acercado (e não o contrário), e de tal modo, que, mais logicamente, poderíamos dizer (dentro das premissas acima aduzidas) não haver falar em Homem fora da Natureza.

O certo é que, naquele mesmo instante em que se apercebeu como ser diverso da Natureza, o Homem percebeu igualmente não ter sido ele o Criador de si próprio e de tudo o que o rodeava, surgindo, assim, num mesmo átimo, os germens antípodas e paradoxais não só do antropocentrismo individualista (e também, sob outro aspecto, dualista, uma vez que separa Homem e Natureza), como também daquilo que se poderia chamar Panteísmo (para não dizer Monismo Holístico, por tratar-se de concepção bem mais elaborada, mas que teria na proposta panteísta sua forma rudimentar).

E, a par de os povos sempre terem sido marcadamente refratários uns aos outros, considerando por vezes a si próprios como superiores, ou até mesmo, tomando como únicos pertencentes à espécie humana apenas os de seu grupo [07], nunca houve registro na história humana de povos ateus, como houvesse, no seio de todos os povos, em todos os tempos, e nos mais diversos lugares do globo, uma intuição supralógica e global (para não dizer universal) da existência de um Ser superior (ou Algo que O valha) que tivesse engendrado a tudo. Há uma proposição em matéria científico-filosófica que reza: todo efeito tem uma causa. Assim, nada teria surgido do nada. Todavia, se estendermos o raciocínio, veremos que todo efeito inteligente, há de ter tido uma causa igualmente inteligente. E não é outra a conclusão a que têm chegado inúmeros cientistas.

O engenheiro, Hernani Guimarães Andrade (2002), pesquisador renomado e possuidor de um considerável número de publicações abordando temáticas científicas, diria que: "o progresso [da Natureza] foi lento, mas executado em etapas lógicas sucessivas, como que obedecendo a um plano inteligente." [08] Paul Davies, doutor em física, professor de filosofia natural e renomado autor na área científica, sobretudo após a publicação do livro ‘Deus e a Nova Física’, deita opinião semelhante, segundo a qual "há uma poderosa evidência de que há algo por trás de tudo (...) parece como se alguém organizou bem os números da natureza para fazer o Universo (...) a impressão de desígnio é visível. As leis [da física]... parecem ser o produto de desígnio totalmente engenhoso (...) O Universo tem que ter um propósito." [09] O cosmólogo britânico, Edward Milne afirma que "sobre a causa do Universo, em contexto de expansão, cabe ao leitor decidir, mas nosso quadro fica incompleto sem Ele [Deus]" [10] O astrofísico britânico, Fred Hoyle, confessa: "uma interpretação de bom senso dos fatos nos mostra que um superintelecto forjou a física, como também a química e a biologia, e que não há nenhuma força cega na natureza. Os números que podemos calculardos fatos (...) parecem colocar essa conclusão além da pergunta." [11] George Ellis, um outro astrofísico britânico, conclui ainda que: "uma maravilhosa perfeição existe nas leis para fazerem [a complexidade] possível.Falar da realização dessa complexidade fica muito difícil ao deixar de usar a palavra ´´miraculoso´´ sem levar em conta o sentido ontológico da palavra." [12] John O´keefe, astrônomo da NASA, assevera que "nós somos, por padrões astronômicos, um bem-sucedido, destacado e feliz grupo de criaturas. (...) Se o Universo não tivesse sido feito com essa precisão nós nunca poderíamos ter existido. Por isso (...) estas circunstâncias indicam que o Universo foi criado para o homem viver nele." [13] Arno Penzias, prêmio Nobel em física, aclara, por seu turno, que "a Astronomia nos mostra um evento sem igual, um Universo que foi criado do nada, com um equilíbrio muito delicado para ter as condições necessárias à vida, e que está debaixo de (poderíamos dizer) ‘sobrenatural’ plano." [14] Arthur Eddington, também astrofísico, chega a afirmar que "a idéia de uma mente universal ou Logos seria (...) uma conclusão bastante plausível para o presente estado da teoria científica." [15] E, por fim, transcrevemos aqui as palavras de Einstein, num de seus escritos de brilhante lucidez, em que afirma: "eu quero saber como Deus criou o Universo. Eu não estou interessado neste ou naquele fenômeno, no espectro deste ou daquele elemento. Eu quero conhecer o Seu pensamento, o resto é detalhe." [16]

Como bem vimos antes, descortinaram-se, para os olhos daquele primata que pensou, duas visões de mundo bem distintas, dois comportamentos marcadamente opostos, mas que, por um capricho do acaso — se é que tal coisa existe —, teriam surgido no mesmo seio, o da conquista racional, quais sejam: o antropocentrismo e o não-antropocentrismo, em todas as suas muitas variantes, seja as que depõem o homem de uma posição privilegiada e central, apostando uma outra polarização em seu lugar, ora centrando-se em Deus, ora na Natureza (panteísmo, transcendentalismo, deísmo teocêntrico, biocentrismo, etc), ou, por vezes, apenas depondo o homem de uma posição de primazia, sem que coloquem nenhum outro elemento como tendo prevalência em relação aos demais (Holismo).

A partir de então, o observador perspicaz da parca passagem humana sobre a Terra, terá notado o início de um movimento pendular – ou cíclico, como queiram – onde ora se move o homem para interesses de âmbito mais restrito e individualista, ora se permite expandir para horizontes mais amplos, buscando a conectividade com o próximo, com a Natureza e com o todo. E isso se tem repetido em todas as áreas da atuação humana, cada qual com suas peculiaridades próprias. Senão vejamos: ora nos apoiamos no Estado Mínimo e Liberal, ora vemos o Estado Providência e Dirigente (Welfare State) grassar espaço; ora o Direito pende para o Privatismo, ora para o Publicismo; ora privilegia a Segurança Jurídica, ora rende maior valor à Justiça; ora os interesses humanos são focados no materialismo, ora numa proposta de cunho transcendental; ora o homem se vê como o centro de tudo, tomando todas as coisas como engendradas, tão-somente, para a sua satisfação e prazer (Antropocentrismo), ora se vê conectado a tudo o que o rodeia, a todo o cosmos infinito (Holismo); ora o Homem se volta à parte fragmentária e diminuta, ora ergue a fronte para o todo; a própria ciência moderna, que foi calcada no mecanicismo a crer que todas as coisas fossem divisíveis e desmontáveis em partes mais simples, como máquinas complexas, paulatinamente abre espaço para uma visão de mundo que privilegia a apreensão do todo, como algo mais que a mera soma das partes. Não à toa se chegou a conjecturar, em decorrência mesmo de tais posturas, fosse o desejo Ocidental o da invisibilidade, o de trespassar e esmiuçar os objetos, o de ver por dentro, como numa visão de raios-X; ao passo que o Oriente almejaria a visão do todo, o levitar, o ver de cima, pairando por sobre o quadro geral das coisas para vê-lo em uma perspectiva nova. E a cada vez que o pêndulo volta (ou que o ciclo se completa), as velhas concepções ressurgem, reelaboradas, com nova face e novo fôlego, a suplantarem as anteriores, que invariavelmente haverão de retornar um dia – também melhoradas –, num turbilhão muito similar à proposta Dialética (seja a Aristotélica, a Hegeliana, ou mesmo a Marxista). [17]

Pois bem, vivemos precisamente no limiar de uma dessas "fases de mudança", num período de transição paradigmática, ou mesmo, como queiram alguns, no ponto (vértice) da Revolução Científica que se opera em nossa atual forma de ver o Mundo e a Natureza. Todavia, uma revolução sobremaneira singular, pois visa – ao menos no pouco horizonte que vemos se descortinar adiante – a uma verdadeira síntese dialética destas duas formas de ver a realidade e o mundo: aquela que o esquadrinha, que reduz o que nele há de complexo, parcelando-o em muitas partículas diminutas e mais simples, perquirindo a sua unidade mínima, e o trespassa, a fim de dominá-lo, atendendo sempre a fins utilitários; e aquela que o vê de cima, volvendo-se à apreensão do todo, e intenta, antes de tudo, compreendê-lo, com vistas à satisfação do intelecto sempre sequioso por respostas. À primeira destas visões de mundo se convencionou chamar – erroneamente, a nosso ver (como bem tentaremos salientar adiante) – de paradigma [18] newtoniano-cartesiano ou paradigma moderno (que hoje é o paradigma dominante); por outro lado, denominou-se a essa segunda forma de ver o mundo, a que sucintamente descrevemos nas linhas acima, de paradigma pós-moderno, holístico ou ecológico (hoje tido como paradigma emergente).

"Tal como noutros períodos de transição, difíceis de entender e de percorrer, é necessário voltar às coisas simples, à capacidade de formular perguntas simples, perguntas que, como Einstein costumava dizer, só uma criança pode fazer, mas que, depois de feitas, são capazes de trazer uma luz nova à nossa perplexidade [19]."

Ora, antes mesmo de nos perguntamos, "o que é Natureza?" (ou se dela fazemos parte e em que medida tal se dá), devemos ter sempre em mente uma outra pergunta, subjacente e implícita a esta, mas ainda assim presente, que é a de com base em que referencial (paradigma, modelo, arquétipo ou visão) queremos saber (obter) a resposta. [20] Bem assim, as respostas podem ser as mais várias, contendo, inclusive, elementos paradoxais e, até mesmo, completamente opostos; contudo, não de todo incorretos, apenas levando em consideração uma única e determinada visão de mundo, atendendo, pois, a interesses co-respectivos às ditas visões, aos diferentes modos de ver em que eventualmente estejam fundadas. Cada um destes modos de ver, cada um destes paradigmas, sistemas, arquétipos ou modelos é caracterizado por um método que lhe é próprio e específico, constituindo mesmo o seu cerne e sua própria identidade, por assim dizer. "Cada método é uma linguagem e a realidade responde na língua em que é perguntada. Só uma constelação de métodos pode captar o silêncio que persiste entre cada língua que pergunta [21]." Eis a proposta que se descortina para a Ciência Contemporânea: coadunar uma pluralidade de métodos, abraçando, por conseguinte, uma pluralidade de visões, a fim de se ter, ao menos, mínima idéia das linhas que tracejam os contornos da Natureza, da Realidade e do todo, ou, pelo menos, do objeto com que lidam.

1.1 Objetivismo Axiológico e Subjetivismo Axiológico:

Adolfo Sanchez Vásquez (1998), em seu manual Ética [22], utiliza uma terminologia própria e bem diversa, mas que se revela sobremaneira útil para as conjecturas que ora queremos levantar. Segundo o referido autor [23], o antropocentrismo ocultaria uma tendência marcadamente subjetiva quando da emissão de juízos valorativos, ou seja, estaria permeado por um "subjetivismo axiológico". O que caracterizaria esta postura em relação ao mundo é que ela se centra no homem, na apreciação humana, e o faz de forma radical. A própria existência ou, pelo menos, a relevância dos objetos analisados (não importando quais sejam) ficaria estritamente condicionada ao debruçar do olhar humano por sobre o objeto. Abraça o subjetivismo axiológico quem creia que dado objeto só teria importância, só assumiria os contornos que nele vemos, exatamente por termos deitado sobre ele nossa própria apreensão, nossa visão e nossos valores. Seria a convenção humana que daria o valor ao objeto em análise, pertença ele a que plano do saber seja ou a que área do conhecimento for. É do cerne dessa concepção que o homem é que conferiria valor ao objeto de sua atenção, seja ele qual for – até mesmo à própria Natureza vista em seu conjunto. Seria como sugerir, por exemplo, que um relógio no meio de um deserto, distante de qualquer aglomerado humano, distante da possibilidade de que algum ente racional conhecido teça qualquer avaliação sobre ele, deixaria de ser um relógio, quase que perdendo sua essência por assim dizer, ou, pelo menos, abdicando de seu valor, perdendo sua importância. Em contrapartida, uma visão de mundo não-antropocêntrica seria, no geral, secundada por uma tendência a qual Sanchez Vásquez denominou "objetivismo axiológico". Essa postura de ver o mundo preconiza, por sua vez, que as coisas teriam valor de per si, independente de o Homem deitar sobre elas qualquer valoração. Tudo no mundo valeria (e existiria) independente do Homem ou do valor que ele lhe possa atribuir, ou mesmo prescindindo de que o faça.

Tal terminologia facilita bastante a demarcação das diferenciações entre as posturas antropocêntrica e não-antropocêntrica frente à Natureza. Senão vejamos: para uma, a Natureza, o Meio Ambiente em si, só serviria como mero "pano de fundo" para a atuação humana, sendo todo o Mundo Natural totalmente subordinado ao Homem. Ou seja, a Natureza pertenceria ao mundo da cultura e das convenções humanas, nada mais consubstanciando que um simples nome, um rótulo qualquer que apostamos sobre algo, terminologia que convencionamos fosse usada para representar determinada parcela do real – nada mais que isso. Para a outra, o Ambiente possuiria um valor próprio, que se interligaria ao valor inerente à própria condição humana como "ser planetário [24]", para usar aqui o termo de Edgar Morin (2000), rumando, assim, para uma ética que leve em consideração a "identidade terrena e a identidade cósmica [25]" do ser humano, como ser em estreita interdependência (há quem fale até em transdependência) com tudo o que o rodeia; não mais central, nem superior por si só, mas interligado a tudo, e, portanto, vendo-se novamente como parte integrante da Natureza (a ela integrada) e dela tão dependente como todos os seres mais deste orbe. [26]

Bem, já vimos que não é a Natureza ou a Realidade, ou mesmo um objeto qualquer sobre o qual se debrucem os homens que muda, mas são os conceitos, os modelos, as apreensões, os paradigmas, os arquétipos, as visões de mundo que têm mudado. Uma coisa seria a natureza; outra, a visão que tenhamos dela [27]. E se podemos dizer que a Natureza consubstancia o repositório maior dos objetos sobre os quais a Ciência se debruça, podemos dizer, também previamente, que a Ciência apenas descobre e não cria, no sentido próprio da palavra [28]. E se há um âmbito restritamente "criativo" do labor científico seria exatamente o das doutrinas, modelos, e paradigmas, mas nunca o dos objetos em si. Não foi a Natureza que mudou, deixando de ser o que era e passando a ser coisa diversa, mas foi o Homem que evoluiu, suas visões de mundo que se depuraram. Se outrora julgava, por exemplo, raios e trovões como reflexos de um desagrado provindo da Divindade, manifestações por assim dizer "sobrenaturais", hoje as sabe pertencentes ao Mundo Natural. Ora, elas nunca deixaram de ser manifestações eminentemente naturais. Foi apenas o Homem que passou a percebê-las de forma cada vez mais aproximada do que elas realmente são. Nestes termos, o sobrenatural nada mais seria que o estranho, o oculto, a fronteira que o Homem (ainda) desconhece, e que, portanto, não mais existiria, uma vez que se torne conhecida; tais são as mudanças que se operam em nossa forma de ver a Natureza e que, paulatinamente, se processam cada vez mais céleres, a ponto de que, dentro em pouco, talvez não mais consigamos sequer apreender num átimo aquilo que é, porque já terá sido [29]. Todavia, algo dessas mudanças nos diz, ao menos à intuição que seja, rumarem para um padrão de perfectibilidade maior, eis que, somente assim, poderíamos dizer que se trata de evolução. [30]

Antes, porém, de prosseguirmos mais nesta senda, resta-nos delinear os contornos dessas mudanças, para, por fim, podermos colher noções mínimas sobre como as alterações paradigmáticas afetariam a concepção que o Homem tem de Natureza e Meio Ambiente, e de que modo isso atingiria as construções legais que visem protegê-los, ou mesmo (e mais percucientemente) sobre qual o fundamento principiológico para tal proteção. De entendermos, aqui, e de antemão, princípio como aquilo que, parcela mínima que seja, sobrevive à mudança, e que mantém a identidade sistêmica (unidade mínima mantenedora do padrão e da estrutura) de tal ou qual secção do saber (a fim de que a mesma não deixe de ser o que é passando a ser outra, por não conservar nada do que fora outrora – se é que admitimos possa haver uma mudança categórica nestes termos), ampliando assim, pari passu, o edifício do conhecimento a cada mover do pêndulo a que já nos referimos.


2. DIFERENTES FORMAS DE PERCEBER A NATUREZA: DO QUE SE CONVENCIONOU CHAMAR PRÉ-MODERNIDADE, MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE:

2.1 Pré-modernidade: do Mito à Ciência Aristotélica

Digamos, antes de tudo, que o chamado paradigma pré-moderno teria predominado desde o findar de uma visão mítica de mundo até o final da Idade-Média, por volta dos sécs. XIV e XV, donde vingou a chamada Ciência Aristotélica. Cabe aclarar que tais marcos históricos nada mais são que balizas meramente didáticas. E que ainda não podemos precisar o tempo, porque uma tal coisa não conhecemos em inteireza! O tempo, a que sequer somos capazes de minudenciar as características mínimas, – que se dirá de definir apropriadamente – seccionamos em frações as mais diminutas ou amplas, atribuímos nomes a cada uma delas, por mais ínfimas ou colossais que sejam, e, por fim, julgamos com isso, num sonho tresloucado dos tolos, conhecermos algo acerca daquilo que simplesmente rotulamos! (E, todavia, ainda sentimos inexoravelmente o seu efeito feroz!). Assim, vale dizer, que essa transição (do mito à ciência rudimentar) não se deu uniformemente em todo o globo, eis que, todos os dias, homens transitam de um patamar a outro, o microcosmo (individual) reproduzindo o macrocosmo (histórico). E de tal modo, que não é raro haver homens cujo modo de ver a vida, o mundo e a natureza ainda renda considerável peso ao mito; havendo outros que se apóiem nos resultados científicos, por vezes, com um vigor tal, que nem mesmo se conseguiria distar muito esse proceder daquilo que hoje tomamos por dogma religioso; e apenas alguns é que estariam um pouco mais preparados para absorver as mudanças (naturais) sem muito conservadorismo.

Ora, aquele mesmo, com o perdão da redundância, "primeiro-homem-pensante", não conseguindo satisfazer de imediato o turbilhão de suas próprias indagações, recorreu inicialmente ao Mito para responder a muitos de seus questionamentos acerca da Natureza e do Mundo. Aponta-nos a professora Marilena Chauí (1995) que "a palavra mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: o verbo mytheyo (contar, narrar, falar alguma coisa para os outros) e do verbo mytheo (conversar, contar, anunciar, nomear, designar). Para os gregos, mito é um discurso pronunciado ou proferido para ouvintes que recebem como verdadeira a narrativa, porque confiam naquele que narra; é uma narrativa feita em público, baseada, portanto, na autoridade e confiabilidade da pessoa do narrador." [31]

Por séculos, os fenômenos naturais (à época ainda desconhecidos e, portanto, ainda pertencentes – segundo o estreito olhar humano de então – à senda do sobrenatural) eram explicados por cosmogonias e cosmologias [32], bastante imbricadas, porém, de explicações mitológicas, quase sempre meras respostas dadas a que a mente humana (eternamente sequiosa de saber) pudesse prosseguir vivendo, realizando sua rotina diária, sem se abismar com a perplexidade das indagações que fazia e que – até hoje – ainda as faz, sem, todavia, encontrar respostas a contento.

Foi, pois, com o surgimento da Filosofia que o Homem passou a se debruçar conscienciosamente a responder tais indagações: O que sou? Donde vim? Quem criou todas as coisas? Por que existo? E para quê? Nesse meio termo, mesmo desde a fase mitológica, ou, quando do aflorar tímido da Filosofia ainda jovem, a ruptura do Ser Humano com o Mundo Natural, não se dera ainda de todo, não como a vemos hodiernamente.

O mundo era [para os gregos] um organismo vivo, a divina fonte de todos os seres vivos - e até dos deuses. (...) Os filósofos jônicos encaravam a própria natureza como uma divindade, um ser eterno em processo de contínua auto-regeneração. (...) não importa quão divergentes possam ter sido as diferentes concepções dos filósofos pré-socráticos, ainda assim, como salientou O. Gilbert, ´´toda a especulação dos jônicos e dos eleáticos, e até mesmo dos pitagóricos, nada mais é que a busca da divindade: isto é, da substância divina que determina e dirige o desenvolvimento do mundo´´. [33]

E por que, afinal, ao falarmos de Filosofia e desse primeiro esforço científico rudimentar, reportamo-nos diretamente aos gregos antigos? Bem, como já vimos, a primeira explicação do homem, de si para si mesmo, acerca da origem de todas as coisas foi o mito; contudo, a primeira tentativa de explicar racionalmente o Homem e a Natureza adveio da Filosofia. A Filosofia sempre teria existido, eis que sempre esteve presente enquanto simples "curiosidade" que se tem em relação ao mundo exterior e a si próprio. Tal curiosidade também estava lá quando o primeiro dos homens galgou o patamar racional (e, por conseguinte, atingiu a condição humana), então lá estava também a Filosofia, ainda que em forma bastante rudimentar, dando sentido à própria concepção que temos de homem: penso, logo existo [34] (o ‘cogito, ergo sum’, de Descartes). Poderíamos até dizer que a Filosofia seja inerente ao ser humano, confundindo-se com ele mesmo – afinal, foi ela que possibilitou esse pensar de si como algo diverso do Mundo Natural e que deu a consciência de que não havia sido o homem o criador de si próprio ou das coisas em derredor (ou seja, do entorno - contorno de Luhmann). Há, todavia, uma concepção mais restrita acerca da Filosofia, com limites mais bem definidos, e que teria surgido na Grécia Antiga, sendo a essa concepção que nos reportaremos daqui por diante.

Antes mesmo do surgimento da Filosofia como tal – não aquela que se expôs, mas a Filosofia que surgiu na Grécia, tal qual se concebe nos dias atuais – as preocupações dos gregos foram inicialmente cosmogônicas e cosmológicas, ou seja, num primeiro momento, suas explicações para si e para o mundo vertiam das orientações repassadas, via oral, através dos tempos, histórias de mitos e de deuses. Com o advento do saber Filosófico, voltaram-se à perquirição da origem das coisas, buscavam encontrar o princípio de todas as coisas, a unidade básica da natureza, o tijolo com que a Divindade teria criado todo o cosmos sem-fim.

Sendo a Cidade-Estado a característica organizacional mais marcante daquele povo à época, fruto talvez do determinismo geográfico, pois o território montanhoso dificultava a aproximação entre as gentes das diferentes localidades, inexistia uma unidade grega. E, assim, não podemos afirmar que as mudanças de enfoque, do plano mítico ao filosófico, se tenham dado em todo o território de uma maneira uniforme, eis que nalgumas cidades prevaleciam ainda explicações míticas, enquanto noutros locais já se explorava a tentativa racional. Por ser uma região de litoral recortado, polvilhado de ilhas, e com um sem-número de portos naturais, acorreram à Ática comerciantes e colonos de todo o mundo até então conhecido, vindo com eles todas as novas concepções de vida e mundo, sorvendo os gregos inúmeras de suas idéias da chamada sabedoria oriental (no que concebemos seja Filosofia Oriental), dos conhecimentos dos iniciados egípcios e mesmo dos frutos da Magna Grécia. Eis o que possibilitou assim todo o fervilhar do caldo cultural que deu origem à Filosofia Grega. Tal processo se principiou com as invasões dóricas, a partir do séc. XII a.C., havendo, em decorrência disso, a paulatina queda da civilização micênica (patriarcal, agrícola e centrada nas gens – gentílica pois), e o conseqüente advento das Cidades-Estado, primeiramente nas colônias gregas da Ásia Menor, para onde fugiram os aqueus, formando centros culturais e econômicos, e somente depois nas regiões mais centrais da Ática [35].

E, se não podemos precisar tenha a Filosofia como a conhecemos surgido efetivamente na Grécia, podemos dizer, seguramente, que, ao menos para o mundo ocidental, os filósofos pré-socráticos é que fundaram o marco da substituição do foco religioso-mítico pelo científico-filosófico. Ora, os primeiros pensadores gregos – e entendemos, aqui, por pensadores, os primeiros filósofos propriamente ditos, ou os precursores da Filosofia – centravam-se na busca da origem do universo, do mundo e, por conseguinte, deles mesmos, além das causas das transformações da Natureza. Estas vêm a ser as principais preocupações dos pré-socráticos, donde receberam a alcunha de Filósofos da Natureza, "porque se interessavam sobretudo pela natureza e pelos processos naturais. (...) A maior parte de tudo o que os filósofos da natureza disseram e escreveram ficou perdida para a posteridade. E a maior parte do pouco que sabemos está nos escritos de Aristóteles, que viveu duzentos anos depois dos primeiros filósofos." [36] E foi justamente sobre o pensamento aristotélico que se fundou o primeiro paradigma de mundo que vamos analisar, ora chamado, paradigma pré-moderno.

Vale dizer, de já, que a palavra Filosofia significa amizade ao saber, amor ao saber, e jamais sua detenção ou posse. Não se sabe precisamente se foi inicialmente usada por Pitágoras, de Samos, ou por Tales, de Mileto. Certo é que ambos são considerados os pais da Filosofia.

Apenas como mera notícia, já que não se constitui o objetivo central e imediato da presente perquirição, vale frisar que os pré-socráticos se agrupavam em quatro escolas, são elas: a escola jônica, a escola itálica, a escola eleática e a escola atomística. Não se considera os sofistas uma escola filosófica, uma vez que, os sofistas eram "indivíduos independentes, muito diversos por origem, cultura e procedimento didático" [37], diferentemente do que ocorria nas demais escolas. Na escola jônica, figuram, entre outros: Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Heráclito, Empédocles e Anaxágoras. Segundo o Pe. Leonel Franca, os três primeiros são ditos jônios antigos, enquanto os três últimos jônios posteriores. [38] A escola itálica tem entre seus principais representantes Pitágoras, Filolau, Árquitas, Lysis, Hipasus, Cimias, Cebes, Hicetas e Alcmeon. A escola eleática possui como seus principais propagadores Xenófanes, Parmênides, Zenão, Melisso, entre outros. A escola atomística, por sua vez, é composta por Leucipo e Demócrito.

Tales de Mileto (624-548 a.C.), fenício de origem e fundador da escola jônica, procurava um princípio primeiro, um elemento gerador de todas as coisas na Natureza como forma de melhor caracterizá-la, ou seja, queria encontrar aquilo que une o homem e tudo o que há ao Mundo Natural. Na ausência de uma melhor palavra e/ou matéria para designar a physis [39] – esse elemento primordial do universo, princípio subjacente a todas as coisas na Natureza, substância básica a partir da qual tudo teria sido feito, consubstanciando mesmo o modo como os gregos viam a própria Natureza – propôs a água como substitutivo metafórico para aquilo que percebera presente em todas as coisas mais e que ligava o homem à natureza, sua origem comum. Todavia, não havendo palavra hábil a dar-lhe compreensão exata do que queria expressar, Tales se viu forçado a fazer uso da palavra e da idéia água para fornecer uma melhor aproximação daquilo que concebia como physis, fazendo-se compreender melhor, uma vez que a água, como ela, estava presente em tudo, unia a tudo. Assim, o fato de Tales dizer que a physis para ele era a água, trata-se apenas de uma metáfora. Antes de ser uma explicação material para o surgimento das coisas, como afirmara Aristóteles, era uma explicação metafísica. A cosmologia de Tales é, portanto, baseada na água como physis, ou seja, como elemento primordial eterno (hilozoísmo). Para Tales, "todas as coisas estão cheias de deuses [espíritos] [40]", nisso reside o termo ‘hilozoísmo’, que é matéria animada ou vivificada. Com a expressão ‘pelos espíritos ou deuses’ Tales quer dizer que regulam o mundo, que há vida na matéria, e não propriamente um retorno ao mito, apenas uma alusão à regulação da ordem natural, que ela é viva, e se rege através de normas e leis reguladoras.

Para Anaximandro e Anaxímenes (550-526 a.C.) a physis, enquanto elemento primordial da Natureza, seria, respectivamente, o infinito e o ar. Como em Tales, afirmações tão simples possuiriam um significado a mais do que o mero signo vocabular. "Para Anaximandro, o universo teria resultado de modificações ocorridas num princípio originário ou arché. Esse princípio seria o ápeiron, que se pode traduzir por infinito e/ou ilimitado. (...) Para ele, [Anaxímenes] resultaria das transformações de um ar infinito (pneuma ápeiron)" [41] que ora se condensava ora se rarefazia.

Pitágoras, de Samos (séc. VI a.C.), afirmara que a physis, para ele, seria o número. "As coisas manifestariam eternamente a unidade numérica que lhes é inerente." [42] Ele concebia o universo e a natureza regidos por leis matemáticas, nada muito diverso das concepções predominantes nos cientistas de hoje. Para Pitágoras, o número é o princípio universal que origina todas as coisas (physis).

Parmênides, de Eléia, (530-444 a.C.), principal corifeu da escola eleática, não cria, por sua vez, que a physis pudesse ser uma só coisa, mas um conjunto delas. Contudo, rejeitava a idéia de que houvesse transformações na natureza, afirmando serem essas transformações apenas ilusões dos parcos sentidos humanos – os sentidos que possuímos não nos traduziriam uma perfeita apreensão do real. Para ele, não deveríamos confiar em tais sentidos. Parmênides dizia que nada poderia surgir do nada, ou seja, nenhuma coisa poderia surgir do nada, ou ainda, mais especificamente, tudo o que há surge de outra coisa preexistente. Afirmava, ainda e, porém, que nada pode transformar-se em algo diferente do que já é, negando, assim, toda a transformação que nossos sentidos vêem na Natureza.

Para Parmênides, o movimento (a mudança) era uma contradição ao ser, eis que mudando, o ser deixaria de ser (o que era), passando a ser outra coisa, ou seja, passando a não-ser o que havia sido, o que – para ele – parecia um severo contra-senso, uma vez que, deixando de ser, não reconheceríamos as coisas como tais, muito embora as reconheçamos. Assim, a mudança seria aparente, uma ilusão dos sentidos. E como o não-ser não existe – isso na concepção do Ser Eleático –, não haveria falar-se em movimento (mudança). [43] Mais adiante veremos o quanto Parmênides havia se enganado e em que proporção suas reflexões faziam sentido.

Heráclito, de Éfeso (535-475 a.C. ou 540-480 a.C.), outro dos filósofos pré-socráticos, afirmava que tudo flui, ou seja, negava a estaticidade do ser parmenídico. Para Heráclito, tudo na Natureza muda a todo o instante e o que percebemos nas mudanças, de pronto, são somente os estados estanques — estágios mais ou menos perceptíveis ao homem —, havendo, porém, graduações entre eles. No entanto, haveria uma unidade na multiplicidade das coisas que há na Natureza, ou seja, tudo viria de uma só coisa: tudo é Um, na expressão exata de Heráclito. [44] Assim se daria com o dia e a noite, o claro e o escuro, o nascer e o morrer; sim, porque a morte é um processo o qual começa a se desenrolar com o nascimento. Uma frase condensadora do pensamento de Heráclito seria: um homem não pode banhar duas vezes no mesmo rio, porque o homem não é o mesmo e nem o rio [45]. Enfim, o que se observa é o contraponto entre estes dois últimos filósofos, seus pensamentos figuram nos pólos do diapasão: o devir [46] é ilusão (Parmênides) e o devir é real (Heráclito). [47]

Empédocles (c. 494-434 a.C.) "acreditava que a natureza possuía ao todo quatro elementos básicos, também chamados por ele de ‘raízes’. Estes quatro elementos eram a terra, o ar, o fogo e a água." [48]

A physis, para os atomistas, Demócrito e Leucipo, era, por sua vez, o átomo. E átomo significa exatamente "sem partes" ou "indivisível". Os atomistas viam no átomo a unidade básica de que se compunham todas as coisas.

O certo é que, com os pré-socráticos, os deuses e o mito deixaram de ser a medida de todas as coisas, passando a sê-lo, sim, o Homem, conforme bem exortara Protágoras. Vem daí a primeira noção de que o Homem figuraria como o ponto central de qualquer debruçar do conhecimento, seja sobre si ou sobre o Mundo Natural.

2.1.1 Do ‘conhece-te a ti mesmo’ ao Mundo das Idéias: as concepções de Platão e Sócrates acerca do Homem, da Natureza e do Mundo

Bem, seria por demais improfícuo querer retratar num só lance uma das páginas mais belas da história da humanidade, como é a que registrou o surgimento da Filosofia na Grécia Antiga; é imprescindível, porém, que exponhamos, ainda que em rápidas pinceladas, algumas nuances do pensamento grego, aquelas que se mostrem mais úteis à presente empresa: definir seu modo seu ver a Natureza, enquanto modelo de ciência anterior à modernidade. Mais inapropriada ainda seria qualquer tentativa de resumir ou condensar o pensamento de Sócrates. E aqui somos forçados a fazê-lo, não sem propósito, todavia; uma vez que sua Filosofia centrava-se no Homem e na Moral, bem pouco se reportando à Natureza e ao Cosmos, já que acreditava que, conhecendo o homem a si mesmo, conheceria a toda a Natureza, como que propondo, tácita e explicitamente, que a parte conteria o todo. Ora, bastaria ao Homem conhecer uma das partes da Natureza para conhecê-la por inteiro, tanto melhor seria se se dedicasse a conhecer-se a si próprio, eis que "a Divindade" sabiamente pusera o Homem mais perto de si mesmo, a fim de que fosse a si próprio, e não a qualquer outra coisa do Cosmos, que buscasse conhecer primeiro. Os pré-socráticos, já vimos, queriam vislumbrar seu elemento primordial da Natureza, ao passo que Sócrates julgava mais lógico desbravar a alma humana, eis que mais pertos fomos postos de nós mesmos, sendo por aí que deveria o homem começar a galgar a aventura do conhecimento: pelo conhecer-se a si mesmo. Mais que qualquer outro pensador grego, Sócrates consubstanciou o divisor de águas do saber que aquele povo legou à humanidade porvindoura.

Sócrates se contrapôs, quase como que numa antítese, ao pensamento sofístico. "A palavra ‘sofista’ designava o homem de ofício, aquele que sabe." [49] Isso em contraposição à Sócrates, que dizia _ "tudo que sei é que nada sei", sendo certo dizer, talvez, que os sofistas tenham tido este mérito na concepção do próprio pensamento socrático. Os sofistas dedicavam-se mais à retórica que à Filosofia. Cobravam pelo ensino, pelo saber que ministravam a toda a sorte de adeptos, ricos ou pobres; o que lhes rendeu muitas críticas de Sócrates e de Platão, que julgavam o saber impróprio para transações comerciais. Os temas ministrados pelos sofistas estavam intimamente ligados à política e à democracia ateniense, entre esses temas aparecem em destaque o direito público e privado, a justiça, a eqüidade, a moral, etc. Para os sofistas, não importava a tese propugnada, mas o "convencer", a eloqüência, a retórica, ainda que a tese fosse errônea. Por se preocuparem muito com a linguagem, são considerados os pais da gramática como ciência [50]. A verdade seria relativa, e era "possuidor" da verdade aquele que pudesse convencer que sua "opinião" era verdadeira.

Tudo o que sabemos de Sócrates devemos aos escritos de seus discípulos, pois, como Jesus, ele nada escreveu de si. Dentre seus discípulos, destacou-se Platão, e de um tal modo que fica muito difícil separar os pensamentos de um e outro. Em seus escritos, Sócrates é o personagem central, dialogando, em regra, com sofistas, que emprestaram seus nomes para as obras de Platão. Imperava nas conversas de Sócrates com os cidadãos (desde nobres a escravos, e, muito mais destacadamente, os sofistas) um método por ele chamado de maiêutica, que consiste em forçar o interlocutor a desenvolver seu pensamento sobre uma questão que julgasse ser pleno conhecedor, o qual terminava pondo a si próprio em contradição, ao ver, por decorrência de seus próprios raciocínios, que nada sabia daquilo que julgara saber. Tal método consistia em fazer o próprio interlocutor olhar dentro de si. É que, para Sócrates, o verdadeiro conhecimento vem de dentro. Como vemos, pensamento de tendência marcantemente avessa à experimentação e sensivelmente inclinada a uma noção de ciência como saber racional, obtido pela razão cristalina, prescindindo de qualquer outra cousa, contrapondo-se, assim, à noção aristotélica de que a ciência deveria ser uma expressão da realidade e dos sentidos. Ao travar um diálogo com quem quer que seja, logo de início Sócrates afirmava nada saber sobre o tema, indagando ao interlocutor acerca de seus conhecimentos sobre o assunto; e, por fim, fazendo-o ver que a maioria deles não passava de pré-concepções, vazias de fundamento racional. O verdadeiro filósofo sabe que sabe muito pouco, e sabe que quanto mais se amplia a fronteira do que sabe, muito mais pululam as fronteiras do que desconhece e, conseqüentemente, as do que quer e precisa saber. Para Sócrates, as etapas do saber seriam: ignorar sua ignorância (não saber os limites do que não sabe, do que desconhece), conhecer sua ignorância (saber que não se sabe, saber os limites do que se desconhece), ignorar seu saber (não saber o que sabe, desconhecer os limites do que se sabe) e conhecer seu saber (saber o que se sabe, conhecer a extensão de seu conhecimento). As opiniões (a que Platão chamara doxa) não seriam verdades, posto não resistirem a um diálogo crítico, não se sustendo ante a maiêutica, revelando – não raro – completa ilogicidade. Conversar com Sócrates podia ser, quase que em regra, expor-se ao ridículo, e ser apanhado numa trama por si próprio criada de completa ilogicidade. O indivíduo que com Sócrates travasse diálogo iria, pouco a pouco, percebendo a falta de solidez de suas convicções. Sócrates, antes de mais nada, afirmava nada saber e, portanto, não ter convicções, preconcepções, preconceitos. Certo é que bem poucas coisas podemos afirmar por certas e, sabendo disso, de nenhuma delas fazia uso Sócrates, apenas do conhecimento que adviria da razão. Sua atividade era comparada à de uma parteira (arte de partejar), numa comparação à atividade de sua mãe. Uma parteira, embora não desse luz ao bebê, ajudava no parto. Ora, Sócrates apenas ajudava àquele com quem conversasse a ter ciência de que suas opiniões eram crivadas de preconceitos e que pouco ou nenhum fundamento racional possuíam. Tal qual ele ajudasse as pessoas a parirem suas próprias idéias. O estranho era que tais idéias possuíam solidez tal a ponto de nenhum homem tecer-lhes tese contrária; donde Kant se inspirara para fundar seu imperativo categórico, segundo o qual diria: "age de tal maneira que da razão impressa nesse teu agir se possa erigir uma lei universal", ou seja, conforma teu pensar ao um modo de agir irrepreensível e válido universalmente e, efetivamente, age em conformidade com o mesmo. À maneira da profissão paterna (seu pai era escultor), Sócrates propunha que todos se esculpissem melhor, quebrantando as formas grosseiras e as opiniões sem fundo racional, lutando, pois, contra os vícios morais. Sócrates afirmava haver um Deus único. E eis a razão de pouco ter se reportado a cousa que fosse diversa e/ou distante da alma humana. Ele cria que a Divindade nos teria colocado mais próximos uns dos outros que das estrelas, por exemplo, para que nos conheçamos primeiro antes de conhecê-las. Ou seja, por imposição lógica, mais próximos que estamos de nós mesmos, é a nós mesmos que devemos primeiro conhecer; em seguida àquilo ou àqueles que mais próximos nos cercam, e assim por diante. Contudo, bastaria conhecer a si mesmo para conhecer todo o Cosmos e a Natureza. Era qual se houvesse na alma humana todo o conhecimento que jaz no universo, enxerto nas almas apenas em estado de latência, pronto para despertar. E o trabalho de Sócrates não era outro, senão o de despertar uma pequena fagulha desse conhecimento que, latente no íntimo de todo e de cada homem, esperava sua eclosão. A razão que subjaz a Natureza encontraria, pois, similar naquela que queima no íntimo dos homens. Daí o porquê de percebermos no espelho da Natureza uma racionalidade, segundo a qual ela se rege, uma Ordem e uma Razão, porque fora segundo a mesma razão e segundo o mesmo regimento que teríamos sido forjados. Afinal, o homem é parte integrante da Natureza, conquanto haja quem se conduza ou pense de forma contrária [51].

Em brilhante metáfora, Atenas seria uma égua preguiçosa, e ele um pequeno mosquito a morder-lhe os flancos para provar que estava viva, intentando fazê-la sair da inércia; sim, porque era em estado de inércia que Sócrates via seu povo, inércia racional, inércia do pensar. Para ele, o motivo de estarmos aqui, neste orbe, é o de aperfeiçoarmos nosso espírito, melhorarmo-nos mais e mais. Afirmava ouvir uma voz interior, de natureza divina, seu Daimon pessoal. De se esclarecer que a palavra daimon grega significa demônio, sendo que para os gregos não havia a palavra anjo, somente cunhada na Idade Média. Assim, havia demônios bons (os quais hoje chamamos anjos) e demônios maus (demônios propriamente ditos). Quando Sócrates se reportava a seu daimon, falava como que a um anjo que lhe dirigia as ações, jamais lhe mostrando o que era certo (mesmo porque, para o pensamento socrático, o que é certo está impresso em nossa alma; caberia, pois, a Sócrates despertar em si mesmo o conhecimento do certo), mas alertando-lhe quanto ao que fosse errado ou moralmente reprovável. A Moral seria absoluta. Contudo, Dela não conheceríamos mais que fagulhas. Assim, não sem motivos, foi que a Pítia (vestal), do oráculo de Delfos, proclamou Sócrates como o homem mais sábio de Atenas, o homem mais sábio dentre o mais sábio povo da época, portanto, o homem mais sábio do mundo. Enfim, em honra a um dos Grandes que por aqui passou, basta dizer que viveu o que pregou, e mais que isso: que viveu antes de pregar. E não podemos, pois, separar a narração dos fatos de sua vida de sua concepção moral, lógica e filosófica [52].

O maior dos discípulos de Sócrates, já dissemos, foi Platão, cujo nome era Aristócles, mas que recebera a alcunha de Platão devido largueza e amplidão de seu conhecimento e/ou à sua notável força física e beleza estética. De Platão, seu principal divulgador, basta dizer que contrapunha o mundo material (físico, sensível) ao Mundo das Idéias (hyperurânio), que as construções materiais nada mais seriam que imagens imprecisas de um molde perfeito, que é o Mundo das Idéias, num paralelo quase que como o de uma fôrma para um bolo, que seria, em última análise, o mundo material (sensível). [53] Assim, tudo na Natureza rumaria para uma perfeição maior, aproximando-se de princípios (arché) ou paradigmas universais, eternos e imutáveis, existentes no Mundo das Idéias. A Divindade (por Platão chamada de Demiurgo) teria plasmado a matéria inerte (chôra), moldando-a à imagem e semelhança do mundo mais perfeito, que é o hyperurânio, ou o Mundo das Idéias. Para Platão, "a atividade humana desde que pretendesse ser correta e responsável, não poderia ser norteada por valores instáveis, formulados segundo o relativismo e a diversidade de opiniões; requeria uma ciência (episteme) dos fundamentos da realidade na qual aquela ação está inserida." [54]

2.1.2 Aristóteles: o pai da ciência primeira

Aristóteles, por seu turno, era discípulo de Platão, tendo sido justamente em bases aristotélicas que se fundou a primeira e mais rudimentar concepção de saber científico [55]. Colhendo os frutos dos pré-socráticos e de todos os filósofos mais que lhes sucederam, Aristóteles fundou a primeira tentativa de organizar e sistematizar a Natureza e o Mundo numa perspectiva racional; em melhor palavra, foi o primeiro pensador a tentar enxergar a racionalidade da estrutura Natural. Enquanto seus antecessores ficavam problemas pontuais, ele intentava abarcar o todo, encontrar uma ordem sistemática para o Cosmos. A visão grega que perdurou na Idade-Média em relação à Terra era, em síntese, a de que ela fosse o centro do universo ao redor da qual tudo giraria (muito embora incontáveis filósofos gregos já houvessem refutado tal pensamento, o qual não atendia aos interesses da Igreja). Observemos que, ao olharmos o céu, a impressão que nos fornece o sentido da visão é a de que nuvens, estrelas, lua e tudo o mais é que giram, estando a terra fixamente posta. Poderíamos dizer, assim, que nossos sentidos nos fornecem dados, muitas vezes, ilusórios. E Parmênides apostava exatamente nisso: que tudo o que se apreende dos sentidos é mera ilusão. A mudança presente na natureza seria, tão-somente, uma informação irreal fornecida pelos sentidos falhos de que nos valemos. Veja-se, foi preciso a perspicácia de um Colombo para notar que a Terra não é achatada, mas arredondada [56] — ou geóide como queiram. "Disse a esse respeito o poeta e ensaísta Paul Valéry: ‘Seria preciso o gênio de Newton para ver que a lua cai, embora toda gente saiba que ela não cai’." [57] Bem vemos que, para percebermos a verdade, pra além dos sentidos, seria necessário um esforço a mais da razão. E é exatamente na razão (e não inadvertidamente nos sentidos) que se vai fundar o paradigma moderno, também chamado newtoniano-cartesiano, como veremos no tópico a seguir.

Ora, Parmênides estava (em parte) certo, ao dizer que nossos sentidos nos fornecem imprecisas impressões do mundo que nos cerca. Afirmar que nada surge do nada é aceitável; de observar-se que tudo o que há surgiu de algo que havia anteriormente. Mas, ao que parece, equivocou-se ao dizer que nada muda, que não há transformação na Natureza. Bem se sabe, todas as coisas surgem de algo que lhes preexista. Contudo, Heráclito estivera certo ao dizer que tudo flui, tudo muda; e isso pode ser percebido pelos sentidos, os quais não são, de todo, presas da aparência. Fundado, por certo, nas divagações de Heráclito, Pascal diria no seu, Pensamentos: "nossa natureza está em movimento; o repouso completo é a morte." Todavia, foi no pensamento Aristotélico (devidamente adaptado pela Igreja) que se fundou a visão de mundo adotada na chamada Idade-Média, calcando todo o saber humano como um subproduto direto e quase que inarredável dos sentidos.

Aristóteles era macedônio de origem, nascido da cidade de Estagira, e, por isso, também conhecido como o Estagirita.

Ao contrário da Academia [de Platão], voltada fundamentalmente para as investigações matemáticas [eis que trazia em seu pórtico dizeres segundo os quais, não deveriam adentrar ao local aqueles que não soubessem Geometria – e o Universo, para Platão, era regido por princípios eternos, universais e imutáveis; e, além disso, matematizável], o Liceu [de Aristóteles] transformou-se num centro de estudos dedicados principalmente às ciências naturais. [58]

Como Platão, Aristóteles "apresenta uma concepção cosmológica de cunho finalista e teológico; mas, ao contrário do que propunha Platão, o universo é aí explicado não à semelhança de uma obra de arte – resultado da ação de um divino artesão, o demiurgo –, e sim como um organismo que se desenvolve graças a um dinamismo interior, um princípio imanente que Aristóteles denomina "natureza" (physis)." [59] Finalmente, de dizermos que, para complementar a visão que Aristóteles tinha da Natureza que, para ele, "o conjunto do universo físico estaria dividido em duas regiões distintas: a sublunar, constituída pelos quatro elementos herdados da cosmologia de Empédocles – a água, o ar, a terra e o fogo – e caracterizada por movimento retilíneos e descontínuos; e a supralunar, constituída por uma "quinta essência", o éter, e caracterizada por movimentos circulares e contínuos." [60]

"Para Aristóteles a lógica não seria parte integrante da ciência e da filosofia, mas apenas um instrumento (organon) que elas utilizam em sua construção." [61] Eis o porquê do conjunto de seus tratados de lógica ter recebido a denominação Organon.

"[Em] a Física, [Aristóteles] examina conceitos gerais relativos ao mundo físico (natureza, movimento, infinito, vazio, lugar, tempo, etc.); [em] Sobre o Céu (De Coelo) e o Sobre a Geração e a Corrupção (De Generatione e Corruptione), [tece] estudos sobre o mundo sideral e o sublunar; finalmente os Meteorológicos, [constitui estudos] relativos aos fenômenos atmosféricos." [62] O seu Tratado da Alma (De Anima) abre a série de livros sobre os seres e o mundo vivo, cuja principal obra é História dos Animais. As obras dedicadas à filosofia teórica ou especulativa, cujo conjunto perfaz catorze livros, a tratar da filosofia primeira, ou dos primeiros princípios e das causas primeiras de toda a realidade, recebem o nome de Metafísica. No campo restrito da filosofia prática temos: a Ética e a Política, sendo que a Ética recebeu diversos nomes: Ética a Nicômaco, por ter sido publicada primeiramente por seu filho, Ética a Eudemo, editada por seu discípulo Eudemo de Rodes, e Grande Moral (Magna Moralia) que seria um resumo da mesma Ética. [63] Todo esse conjunto de obras recebeu o nome de Corpus Aristotelicum e "apresenta o pensamento de Aristóteles com uma feição sistemática, como um vasto conjunto enciclopédico no qual os mais diversos problemas são elucidados de forma aparentemente definitiva. As soluções propostas por outros pensadores são previamente analisadas e criticadas – e dessas críticas Aristóteles parte freqüentemente para a formulação de suas próprias concepções" [64] "Esse levantamento das opiniões dos primeiros pensadores, chamado "doxografia", feito segundo pontos de vista aristotélicos, tornou-se uma das fontes principais para a recuperação das doutrinas dos pré-socráticos." [65] A meta a que visa atingir "pretende conter a razão de ser de todo o itinerário seguido pelas investigações humanas." [66] Eis o cerne de seu pensar.

"O caráter sistemático que revestiu, desde a Antiguidade, o pensamento aristotélico, certamente contribuiu para que, sobretudo na Idade Média, Aristóteles passasse a ser encarado como a grande autoridade em matérias filosóficas e científicas: era o filósofo, que teria construído uma doutrina de âmbito universal e de validade permanente, intemporal." [67]

"Aristóteles concorda com Platão ao considerar que só pode haver ciência universal (...) A lógica, para não ficar restrita ao domínio das palavras e para atingir a realidade das coisas – constituindo um instrumento para a ciência da realidade – remete, portanto, a especulações metafísicas. As definições buscadas pelo conhecimento científico não devem ser simples esclarecimentos sobre o significado das palavras, mas sim enunciar a constituição essencial dos seres. Definir "homem" como "animal racional" significa, para Aristóteles, mostrar um liame necessário que, no caso da espécie "homem", liga determinado gênero ("animal"), o mais próximo daquela espécie, è diferença específica ("racional"). Justamente porque deve apresentar um elo essencial e necessário entre o gênero e a diferença é que não pode haver, por exemplo, definição essencial de "homem branco", já que "branco" é acidente, ou seja, um atributo não-essencial de "homem". Pela mesma razão não pode haver definição essencial de indivíduos: define-se "homem", mas não se define "Sócrates". Como qualquer indivíduo "Sócrates" pode ser descrito minuciosamente em seus caracteres peculiares – por isso mesmo não universais –, mas não pode ser jamais definido. O individual – Aristóteles concorda com Platão – não é objeto de ciência. (...) Platão, movido pela índole matemática de seu sistema, considerava os objetos particulares e concretos como cópias imperfeitas e transitórias de modelos incorpóreos e eternos, as idéias. Esses universais subsistiriam independentemente de seus reflexos passageiros e apenas aproximados. Aristóteles rejeita a transcendência dos arquétipos platônicos, considerando-os uma desnecessária duplicação da realidade sensível. Para ele, a única realidade é constituída por seres singulares, concretos, mutáveis. A partir dessa realidade – isto é, a partir do conhecimento empírico – é que a ciência deve tentar estabelecer definições essenciais e atingir o universal, que é seu próprio objeto. Toda a teoria aristotélica do conhecimento constitui, assim, uma explicação de como o sujeito deve partir de dados sensíveis que lhe mostram sempre o individual e o concreto, para chegar finalmente a formulações científicas, que são verdadeiramente científicas na medida em que são necessárias e universais. (...) A repetição das observações dos casos particulares permitiria uma operação do intelecto, a indução, que justamente conduzia a um encaminhamento contrário ao da dedução – do particular ao universal. (...) o universal existe apenas no espírito humano, sob forma de conceito, ele não é criação subjetiva: estaria fundamentado na estrutura mesma dos objetos que o sujeito conhece a partir da sensação. Os conceitos reproduziriam não as formas ou idéias transcendentes ao mundo físico, mas sim a estrutura inerente aos próprios objetos: a estrutura básica comum aos diferentes pássaros existentes é que estaria expressa, universalmente, no conceito "pássaro". Mas isso significa que os conceitos utilizados pelas diversas ciências estariam dependentes, em última instância, de uma investigação que fosse além dos respectivos campos dessas ciências e penetrasse a estrutura íntima dos seres enquanto simplesmente são." [68] [destaques nossos].

Como vimos, incontáveis foram os legados da Grécia para a humanidade e, como não poderia deixar de ser, para a Ciência. De lá adveio a compreensão de que a Natureza opera regendo-se por leis e princípios necessários e universais, válidos para qualquer espaço e tempo no cosmos, abraçando inexoravelmente a tudo no Universo (arché). Legaram ainda a idéia de que tais leis e princípios necessários e universais são passíveis de serem compreendidos pelo pensamento humano, prescindindo das revelações dos deuses e desprovidos do clima de mistério presente nos mitos. De dizermos ainda que só compreendemos a racionalidade de tais leis e princípios por termos sido engendrados segundo e em conformidade com as mesmas, ou seja, o pensamento humano funciona, igualmente, sob os mesmos parâmetros lógicos e racionais, – uma vez que fazemos parte da mesma criação, engendrados segundo o mesmo princípio originário, a mesma arché (physis) – consistindo tal propugnação no mais claro retorno do homem ao seio da Natureza. Assim pensavam os gregos antigos.

Os gregos teriam sido, de fato, eles mesmos, os verdadeiros deuses a pisar nesta Terra, adorados, desde tempos imemoriais pelo Ocidente e por todo o Globo. Sim, deuses, eis que, sem um punhado de homens gregos que ousaram pensar, optando por construir seus próprios caminhos a aceitar os que lhes eram postos, e, com isso, rasgaram os véus do mito e da ignorância, sem eles, nada do que há sob os céus da percepção humana seria tal qual concebemos hoje!

Mas, como bem se viu, a "ciência" grega possuía alguns vícios que distanciaram o seu saber de um saber científico mais depurado. De observarmos que o excessivo apego à razão em depreciação aos trabalhos manuais (o chamado bom ócio), culminou com o não desenvolvimento da experimentação, tão necessária – senão imprescindível, dizem – a uma melhor delimitação das fronteiras separam o mundo científico das demais áreas do conhecimento.

A natureza era considerada como um poder semi-independente, e quando as coisas aconteciam de acordo com a natureza isso significava que seguiam um modelo que pareceria racional à mente humana, um modelo descoberto por Aristóteles. (...) A ordem regular da natureza era considerada como algo instituído por Deus, embora suscetível de ser anulada por Ele de forma sobrenatural (o termo é significativo), ao realizar um milagre. [69] (sic!)

2.2 O Cair das Trevas?!

Intentando firmar a exposição religiosa em bases racionais, despontaram na Idade-Média a Patrística e a Escolástica, as duas principais correntes filosófico-teológicas da Doutrina Católica; e vale dizer, Cristã. O termo Patrística advém de pater (pai), o qual serve de raiz a patris. Donde o vocabulário revela ter sido a Patrística desenvolvida por "Padres" da Igreja ou pelos Santos "Padres", como se costumava chamar. [70]

Entre os Santos Padres, destacam-se: Tertuliano, Latâncio, Santo Ambrósio, São João Crisóstomo e, principalmente, Santo Agostinho. Este último por ser o mais significativo filósofo da patrística merecerá um tratamento diferenciado. Tertuliano acreditava na existência de uma lei comum para todos os homens, que é o Direito Natural. No entanto, devido à corrupção parcial da natureza humana, alguns preceitos naturais foram esquecidos. Necessita, então, o homem buscar restaurar esses preceitos, que emanam de Deus, e são essenciais a uma vida justa e digna. Segundo Latâncio, somente no mandamento de Cristo a justiça adquire sua plenitude: amar a Deus e o próximo. Santo Ambrósio distingue duas naturezas: uma empírica, como se dá na realidade existencial, cheia de falhas; e uma boa, criada por Deus. O homem deve procurar atingir a última, pois essa serve como medida do nosso agir (parâmetro). Percebe-se então, que o direito deve basear-se na natureza divina, nos seus preceitos. São João Crisóstomo, remontando à origem das leis, as aponta na tradição, e que elas se fixam na consciência, sendo claro, pois, que o legislador estabelece suas leis sobre a base da regra que Deus deu ao homem ao criá-lo (os ditames da consciência são reflexos da lei de Deus). Reside nesta lei fundamental a gênese dos tribunais. [71] Suas "principais preocupações são as relações entre fé e ciência, a natureza de Deus, da alma, a vida moral." [72] Santo Agostinho foi o principal expoente da Patrística; responsável igualmente pela retomada da filosofia platônica e sua adaptação a padrões aceitáveis ao pensamento Católico. Notando a incrível similitude entre o pensamento cristão e a Teoria das Idéias, de Platão, o bispo de Hipona, aparando eventuais arestas que afastassem Platão de Cristo, adaptou sua filosofia aos moldes Católicos.

Quanto à noção de Estado, Santo Agostinho apresenta dois conceitos e os confronta: o conceito helênico e pagão que corresponde à civitas terrena, e o conceito cristão que corresponde à civitas caelestis. A primeira povoada por homens vivendo no mundo (Estado Pagão), a segunda composta por almas libertas do pecado e próximas de Deus. O homem deve procurar o estabelecimento da cidade celeste (submissão do Estado à Igreja). Noutro aspecto, Santo Agostinho traça uma diferenciação sutil, contudo, extremamente útil e perspicaz, entre: lei eterna, lei natural e lei humana. Para ele, a lex aeterna de alçada Divina, seria aquela que, absoluta, eterna e imutável, brilha como um sol, fazendo refletir um mar de raios seus nos corações dos homens. De lembrarmos que o pensamento de Santo Agostinho adveio do de Platão, o qual, por sua vez, bebeu na fonte socrática. E Sócrates afirmava ser a alma humana qual um espelho do cosmos, poderíamos assim dizer. Para ele, todas as leis e toda a lógica e racionalidade inerentes ao dinamismo do Universo, encontrariam fácil espelho nos corações dos homens. O conhece-te a ti mesmo de Sócrates culminaria, em última análise, num conhecimento da Criação por inteiro, eis que a sabedoria da Divindade teria colocado todas as respostas dentro de nós mesmos. Cada mínima parte da Criação, incluindo aí o próprio Homem, conteria o germen de todo o edifício cósmico. E hoje, sabemos que uma simples célula epitelial, contém a informação genética para edificar todo o corpo, ou seja, ela possui a informação para reproduzir todos os tipos de células, muito embora só replique a si mesma. Não foi por outro motivo que o bispo de Hipona propôs seja a lex naturalis qual um reflexo da lei eterna no seio do ente criado. Ou seja, a lei natural seria a "gravação" da lei eterna nos corações dos homens. O homem, enquanto parte da Criação, integrante, pois, do Cosmos sem-fim, guardaria em seu seio todas as leis que regem o Universo; bastaria o simples esforço racional do homem para desvendá-las dentro e fora de si, daí podermos dizer que ‘percebemos’ tais leis, e não que as criamos. E só as percebemos porque a mesma lógica com que fora cunhado todo o Cosmos residiria no íntimo de cada ente humano, ou mesmo, em cada parcela menor da Criação. Eis a razão para Santo Agostinho chamar tal lei de lei íntima. Tertuliano, um outro pensador da Patrística, diria que, devido a uma parcial corrupção do gênero humano, muitos dos preceitos naturais teriam sido esquecidos. Bem assim, Santo Agostinho explica que a lei humana seria a manifestação do quantum apreendido pelo homem da lei natural que reside em seu âmago e da imagem siamesa dessa lei, fora dele, a lei eterna. Tanto mais perfeita será a humana lei quanto melhor apreensão se constituir das chamadas lei natural e lei eterna. Para Santo Agostinho, não haveria mal absoluto; havendo, tão-somente, ausência do Bem, distanciamento Dele e, por conseguinte, afastamento de Deus. Não haveria um equilíbrio de forças entre o Bem e o mal, já que o primeiro seria absoluto, enquanto este último contingente e transitório. Ora, se da árvore-boa não podem vir maus frutos, de Deus, a-Boa-Árvore-por-Excelência, não poderia advir o mal. E diante do homo medius muitas condutas tidas como certas ou justas seriam, ante o "parâmetro Crístico", condutas de alta reprovabilidade. Donde deduziria Agostinho, estar o Cristo mais próximo do parâmetro Divino que nós, por exemplo. Tudo seria uma questão de gradação. Tanto mais justa seria uma lei quanto maior proximidade guardasse com paradigmas eternos e imutáveis. Tanto mais perfeito tornar-se-ia o homem quanto mais próximo fosse seu conduzir do modo de agir do Cristo. O livre-arbítrio do homem poderia guindá-lo à Verdade Divina, bem como ao mal, o qual se traduziria como um distanciamento da Mesma. A Justiça consistiria, portanto, no respeito à vontade divina para a apreensão mais depurada possível da Verdade. A Natureza seria uma manifestação imperfeita do Mundo das Idéias (Hyperurânio, Mundo Espiritual), como o Homem seria uma fugaz lembrança de sua alma, no entender de Agostinho [73]. Santo Agostinho escreveu ainda ‘Contra os Acadêmicos’ e expôs a teoria de que os sentidos dizem algo verdadeiro, reabilitando-os como fonte de verdade. O erro proviria do juízo que fazemos das sensações, e não delas próprias. A sensação não seria falsa, o que seria falso é querer ver nelas uma verdade externa ao próprio sujeito. A sensação enquanto tal jamais seria falsa, segundo Agostinho [74].

A Escolástica, por sua vez, consistia na tentativa de dar fundamentação aos dogmas religiosos por meio da concepção de racionalidade aristotélica. São Tomás de Aquino constitui o principal nome da Escolástica, tendo sido o responsável pela adaptação do racionalismo aristotélico à Igreja de modo similar ao que fez Santo Agostinho com Platão. E não fosse a prevalência de São Tomás sobre Agostinho, teríamos todo o pensamento Ocidental calcado em bases outras [75].

Santo Tomás afirma, contradizendo mesmo o pensamento comum, que a construção racional de Aristóteles não guarda grandes antagonismos com as concepções dogmáticas da Igreja, inobstante não tenha conhecido a revelação cristã e o fato de sua obra estar pautada em um saber estritamente racional e mesmo antagônico a qualquer dogmatismo, ela estaria – segundo São Tomás – perfeitamente em consonância com o saber revelado pela fé contido na Bíblia. Afirma ainda que na essência reside a igualdade e que as desigualdades são meramente acidentais e fadadas a findarem com correr do tempo. ‘Sede perfeitos como o Pai’, eis o imperativo e o destino dos homens. Iguais na criação (criados simples e ignorantes) e fadados à igualdade final (perfeição). A essência de tudo o quanto há seria, para Santo Tomás, imaterial, possuindo forma, enquanto que a "substância composta" possuiria forma e matéria. A alma, por seu turno, seria imortal posto que imaterial. Tal essência seria passada por Deus e igualmente com ela uma capacidade natural de distinguir o certo do errado, o justo do injusto, o bom do mau. Nisso residiria o direito natural e a idéia de moral autônoma (íntima). [76]

A lei eterna seria, em sua concepção, a Razão (Divina) que coordena todo o Cosmos. Deus não agiria na criação, antes teria engendrado o Universo em conformidade com leis (eternas e imutáveis) e que tais leis — perfeitas como o Ente que as possui despertas em si — bastariam para bem reger toda a Criação. Tal concepção da ordem universal põe por terra a existência de milagres, a quebra das leis que a tudo regem. O dito sobrenatural e miraculoso, como já se expôs, constituiria somente denominação (impropriamente) dada àquilo que desconhecemos; muito embora, a lei natural, nos mesmos moldes que em Santo Agostinho, seja o reflexo da lei divina no homem. Seu maior imperativo seria o de conhecê-la, posto em a conhecendo, conheceria o Criador. As Leis regem; Elas são invioláveis. Não há exceções, milagres ou quebras das mesmas. As nossas leis nada mais seriam que aproximações Daquelas. O que se afiguraria como uma quebra de Leis não traduziria cousa outra que não o nosso conhecimento parcial, imperfeito e falho Delas. [77] Tal teria sido o que ocorreu com Galileu, ao julgar que a inércia dos corpos terrenos fosse uma quebra da lei de movimento dos corpos celestes, desconsiderando o modo de atuar da mesma Lei em circunstâncias diversas (atmosfera terrena e vácuo). Ora, afirmar que há Leis (entenda-se, absolutas) não é o mesmo que afirmar que as conheçamos. O propugnar que as leis humanas fossem prolongamentos válidos das eternas engendrou também os mais odiosos abusos por parte dos povos. Foi calcado em tal idéia que se fundamentou o Nazismo e é calcado em tal idéia que campeia a dominação meramente dogmática e desprovida de bom senso. Se se quer dar crédito, repitamos, em interpretação mais prudente a Santo Agostinho e São Tomás, que as humanas leis nada mais são que apreensões imperfeitas das Eternas; e, enquanto permeadas de imperfeição, igualmente passíveis de falibilidade. E, uma vez mais, abrindo-se o abismo entre o que É e as convenções humanas, que só viria a ser percucientemente abordado com Kant em seu, A Crítica da Razão Pura [78]. O certo é que perdurou aí um paradigma científico, calcado em bases aristotélicas, e que previa uma alguma aproximação entre o homem e a natureza, eis que as Leis encontrariam assento no ente racional, residindo nisso a plausibilidade de que possamos compreender as Leis (eternas, universais e imutáveis) que regem o Cosmos.

2.3 Modernidade: Um Novo Antropocentrismo (?!) – A Luz sob o Alqueire

2.3.1 A invenção (?!) da Ciência enquanto modelo convencionalmente aceito de representação da Natureza:

Deu o Homem o nome krónos (tempo, em grego) ao que de abstrato rege a mudança no mundo da matéria, ao que flui e faz correr consigo as leis do devir. [79], ao que precedeu ao Homem, mas – cremos – só teria sido visto como tal, após o Homem; ou ao menos após o Homem ter galgado uma razão que compreendesse Aqueloutra que subjaz a dimensão temporal. O tempo precede, acompanha e possibilita a vida de tudo o quanto está presente naquilo que Platão chamara mundo sensível, desde o seu surgimento até a sua destruição. Consubstanciaria, ele mesmo, aliás, o próprio surgimento e a inexorável destruição, condição singular de tudo o quanto jaz sob sua égide. Ele nos precede, acompanha-nos e, por certo, nos excederá; todavia, só teria sido visto como tal pelo olhar racional, só seria o que é pela vistas daqueles que, dotados de razão, encontram-se sob seu jugo (e, se possível for, fora dele, um dia).

A ciência, como tudo o quanto há na dita dimensão temporal, também há de haver surgido em dado momento, ainda que esse pretenso surgimento se aplique, tão-somente, à percepção e à razão humanas, eis que, conforme a abordagem objetivista axiológica, já expressa em linhas supra, o tempo, enquanto objeto de apreciação humana, não teria alterada qualquer das características que de fato efetivamente tenha, pela simples visão humana pesar sobre ele, ou pela melhor ou pior percepção (apreensão da idéia) que dele tenhamos, o qual, mesmo que sequer tivéssemos existido, ainda persistiria a correr inadvertidamente quanto isso.

Em tais termos, melhor seria dizer que o Homem também somente descobriu ou percebeu a Ciência em certo grau de sua maturidade evolutiva sobre a Terra, não cabendo aqui a palavra criação. E, tendo fincado o presente labor nas bases cunhadas pelo gênio grego (sobretudo Parmênides, Heráclito, Sócrates, Platão e Aristóteles), a qual Antoine Laurent Lavoisier, baseado em reações químicas, condensara, com sua Lei de Conservação da Matéria, segundo a qual: "na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma." Bem assim, o homem jamais teria efetivamente criado, no sentido adequado do termo [80], mas apenas percebido. A matéria está e sempre esteve aí para que com ela o Homem labutasse. O simples deitar de idéias e pensamentos sobre ela permite modificá-la, torná-la mais apta aos fins que lhe quer dar o Homem, o que não o habilita a dizer de si que cria o que quer que seja, apenas molda, modifica e transforma, conforme seja o depurar de seu pensamento e a aptidão de suas mãos ou os instrumentos de que se utilize — sendo que até mesmo estes últimos são frutos, também, de uma modificação da Natureza. Assim, mais prudente e acertada visão seria a de que mesmo a Ciência não fora criada pelo Homem, antes por ele percebida, qual uma racionalidade que subjaz a tudo o que existe no Cosmos, eis que foi percebendo o que de racional há nas estruturas da Natureza que o Homem erigiu a sua Ciência.

Porém, mesmo que neste prisma mais restrito que ora delineamos, a Ciência há de haver "surgido" (ainda que a nossos olhos) em dado contexto e momento, e com certas características próprias, mesmo que em sua forma rudimentar. Nos termos acima propostos, – e eis a nossa hipótese – podemos dizer, ainda, que a Ciência não está posta, que ela não está colocada de forma definitiva e final, e que, portanto, não é perfeita, mas perfectível, qual o Homem. Eis que ela muda e cresce e se modifica e progride, tendendo à perfeição a que tanto almeja. E digamos mais, não que este dizer seja inferição lógica dos acima expostos, mas que se sobrepõe e sucede sistematicamente ao anterior, que a Ciência não encerra a única, tampouco a mais perfeita visão da realidade, apenas uma das quais — se enfeixadas em conjunto — poderia nos legar melhor percepção do real, conforme reza a recente tendência a uma visão holística do pensamento (Teoria de Hólon, de Arthur Koestler), a qual figurará em análise mais percuciente em momento propício.

De rendermos crédito à prudente conclusão do Sociólogo e professor, Boaventura de Sousa Santos, segundo a qual:

A ciência moderna não é a única explicação possível da realidade e não há sequer qualquer razão científica para a considerar melhor que as explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da poesia. A razão por que privilegiamos hoje uma forma de conhecimento assente na previsão e no controlo dos fenómenos nada tem de científico. É um juízo de valor. A explicação científica dos fenómenos é a autojustificação da ciência enquanto fenómeno central da nossa contemporaneidade. A ciência é, assim, autobiográfica (...) A consagração da ciência moderna nestes últimos quatrocentos anos naturalizou a explicação do real, a ponto de não o podermos conceber senão nos termos por ela propostos [81].

E, se não a criamos mas apenas percebemos, o doutor em Física, Paul Davies (1986), em seu "Deus e a Nova Física", diria:

A ciência só é possível porque vivemos num universo ordenado, que se conforma com leis matemáticas simples. A tarefa dos cientistas é estudar, catalogar e relatar a ordenação da natureza, não indagar a sua origem. Mas os teólogos têm argumentado, desde há muito, que a ordem do mundo físico é uma prova da existência de Deus. Se isso assim for, então a ciência e a religião adquirem um objectivo comum que é revelar a obra de Deus. Na realidade tem-se afirmado que o aparecimento da cultura científica ocidental foi efectivamente estimulada pela tradição judaico-cristã, com sua ênfase na organização intencional do cosmos por Deus - uma organização que poderia ser discernida pelo uso da pesquisa científica racional [82] (sic!).

E completa, em outro ensaio seu, a dizer:

Por que razão nasceu a ciência na Europa? Na época de Galileu e Newton a China era muito mais avançada tecnologicamente. Contudo, a tecnologia chinesa (como a dos aborígenes australianos) foi alcançada por tentativa e erro, refinados ao longo de muitas gerações. O boomerang não foi inventado partindo da compreensão dos princípios da hidrodinâmica para depois conceber um instrumento. A bússola (descoberta pelos chineses) não envolveu a formulação dos princípios do magnetismo. Estes princípios emergiram da (verdadeira, segundo a minha definição) cultura científica da Europa. Claro que, historicamente, surgiu também alguma ciência de descobertas acidentais que só mais tarde foram compreendidas. Mas os exemplos mais óbvios da verdadeira ciência — tais como as ondas de rádio, a energia nuclear, o computador, a engenharia genética — emergiram, todos eles, da aplicação de uma compreensão teórica profunda que já existia — muitas vezes há muito tempo — antes da tecnologia que se procurava [83] [grifos nossos].

Através da mera tentativa e erro foi que muitos povos cunharam técnicas para si, as quais, em se revelando verdadeiras, constituíram-se tão úteis ao lidar do homem com a Natureza quanto àquelas provindas de um conhecimento científico. Então, qual seria, pois, a característica a poder diferençar o produto dessas sabedorias do conhecimento científico, quando ambas atingem resultados (utilitariamente falando) tão similares? Ora, sabemos que não bastou, porém, que um xamã de uma tribo indígena qualquer, através de incontáveis tentativas e erros, perpassando diversas gerações, descobrisse o poder de cura de dadas plantas, para que lá surgisse o conhecimento científico. Se é que o conhecimento do referido xamã foi engendrado assim, por tentativas e erros, dado que os indígenas das Américas conheciam quase quinze vezes mais plantas medicinais que a Europa à mesma época – um número bastante expressivo, para dizer pouco. É que imaginando um tal processo de descoberta, concluiríamos que culminaria num prognóstico de mortes incontáveis a cada tentativa que se sucedesse em erro. Cada tentativa aleatória que fosse efetuada no intuito de descobrir o poder curativo de dada erva, causaria perdas inumeráveis, uma vez que, certamente, haveriam de se deparar com plantas venenosas e, para saber seu potencial lesivo ou curativo, haveriam de testar em alguém, em animais talvez. Como vimos, essa forma de perceber a realidade (que denominamos científica) surgiu com a apreensão dos princípios que regem dados fenômenos. O saber científico surgiu da percepção dessas leis e da interligação das mesmas umas com as outras formando teorias. No exemplo dado acima, o conhecimento obtido por um xamã acerca do poder de cura de dadas ervas adviria de muitas tentativas práticas e — até onde possamos dizer — aleatórias, das quais se obteria, a posteriori, um saber teórico. Já com o conhecimento científico a faceta teórica do conhecimento é obtida a priori, sendo que sua maior "utilidade prática", ou mesmo a tecnologia necessária, muitas vezes, só vem a ser "descoberta" anos e anos depois, qual se deu com a genética, de Gregor Mendel [84]. Assim, um saber científico adviria de primeiro descobrir os ‘princípios-chave’ do saber, para, com isso, vislumbrar sua aplicabilidade geral (ou mesmo universal). O conhecimento científico pré-existe, pois, à sua aplicabilidade técnica, enquanto, com outras formas de saber (eminentemente empíricas), a técnica viria primeiro. Platão e Aristóteles – já vimos – de há muito haviam dito não haver ciência sem pretensões universais, advindo tal conclusão de uma ordem pré-existente no Mundo Natural, a que o Homem, tão-somente, percebe e vislumbra. Doutro modo, acabaríamos como Crátilo, a desdenhar toda e qualquer tentativa de conhecer o real, como inútil e fugaz [85].

2.3.1.1 Determinismo Mesológico (?!) e o Papel da Intuição na Percepção das Leis Naturais:

Eis o que diferenciaria o conhecimento vulgar do conhecimento científico: no primeiro a técnica surge desprovida de saber teórico prévio, engendra-se ametódicamente por meio de inúmeras e aleatórias tentativas, advindo da simples experiência; já o saber científico perquire, antes do advento da técnica, as semelhanças entre os fenômenos, averiguando a existência de princípios comuns que os regem. Mas por que isto se deu inicialmente na Europa do século XVII e não em outro lugar do globo, na China, por exemplo? O surgimento da ciência muito deveu, pois, ao contexto social, econômico, político e cultural em ebulição, à época, na Europa. Diríamos que, assim como as leis que atuam na Natureza, os saberes não se encontram indissociados entre si. E se não se poderia interpor um muro de concreto entre o saber científico e os demais saberes, não se poderia fazer o mesmo entre este e o contexto sócio-político-econômico do período em que fora sendo construído. Digamos mais: como não pode haver cisão absoluta entre o pesquisador e o objeto de sua pesquisa, não pode havê-la igualmente entre a Ciência e as ciências ou entre a Ciência e o contexto em que fora cunhada. Aliás, seu surgimento muito mais dependeu da conjuntura em que surgiu do que um olhar apressado possa julgar. A Ciência, como a conhecemos, é produto de uma época, a visão de mundo que aquela sociedade escolheu como a tradução do que julga verdadeiro, real e natural. É exatamente o que nos confirma o filósofo da ciência e pós-doutor em Epistemologia [86], Hilton Jupiassu (1981):

"A ciência", se não nasceu na China, mas na Europa do século XVII, não foi porque os chineses não tivessem tido a idéia de experimentação ou porque teriam imaginação curta, mas porque, socialmente, não possuíam as condições favoráveis à sua emergência, posto que viviam num feudalismo burocrático que não comportava a existência de uma classe de negociantes. [87]

As idéias, as tradições filosóficas, as técnicas e a tecnologia chinesas eram, em muitos aspectos, superiores às da Idade Média européia, o que tornaria perfeitamente plausível tivessem eles percebido uma noção de mundo científica, uma noção de interconectividade entre os fenômenos vários a que observavam, um rudimento, pois, de pensamento "mecanicista". Todavia, faltou-lhes algo. O homem ainda é movido por interesses. E foram interesses que deram o motor necessário ao surgimento da ciência como a conhecemos hoje. Nem sempre, porém, eles foram os mais nobres, isentos e despojados.

Jupiassu (1981) e Davies concordam neste aspecto e fornecem maiores esclarecimentos acerca do mesmo, ao dizerem que:

As razões que determinaram que tenha sido a Europa a dar à luz a ciência são complexas, mas têm certamente muito a ver com a filosofia grega e a sua noção de que os seres humanos podiam alcançar uma compreensão do modo como o mundo funciona por intermédio do pensamento racional, e com as três religiões monoteístas — o judaísmo, o cristianismo e o islamismo — e a sua noção de uma ordem na natureza, ordem essa que era real, legiforme, criada e imposta por um Grande Arquitecto. Apesar de a ciência ter começado na Europa, é universal e está agora à disposição de todas as culturas. Podemos continuar a dar valor aos sistemas de crenças das outras culturas, ao mesmo tempo que reconhecemos que o conhecimento científico é algo de especial que transcende a cultura. [88] [destaque nosso].

As condições históricas reais que possibilitaram o nascimento da Ciência Moderna foram: o surgimento do primeiro capitalismo, o progresso do sistema bancário, a aceleração rápida da técnica (de navegação, das minas, da artilharia, da imprensa), a promoção social dos "engenheiros" e dos artistas, as grandes expedições marítimas, a Reforma e a Contra-Reforma, etc. Eis o solo real sobre o qual nasceu a ciência moderna. [89]

Bem, muito já mencionamos acerca de não se poder separar o pensamento do homem de ciência do mundo em que vive, não havendo como pretender cisão plena entre um e outro. Exemplo mais pungente não haveria que o de Arquimedes, como nos exortam as professoras Maria de Lúcia Arruda Aranha e Maria Helena Pires (1986):

Quando Siracusa, sua cidade natal, encontrava-se assediada pelos romanos, Arquimedes, para ajudar a defendê-la, construiu engenhos mecânicos (catapultas) para lançar pedras que surpreenderam os exércitos inimigos e também incendiou navios que sitiavam a cidade, por meio de um sistema de lentes de grande alcance. Por meio dessa atividade técnica, pôde descobrir princípios fundamentais da mecânica (observe a passagem do nível puramente técnico ou prático para o nível teórico e científico). (...) Um exemplo conhecido é o caso da coroa do rei. Arquimedes, chamado para verificar a suspeita de que o ourives teria inescrupulosamente substituído parte do ouro por prata, e não podendo derreter a coroa, pensou muito no problema. Um dia, ao entrar na banheira e observar o conseqüente deslocamento de água, teve a famosa "intuição súbita" de um dos mais fecundos princípios da hidrostática, que consiste em saber que o peso da água deslocada por um corpo imerso é igual à força de empuxo que o líquido aplica no corpo. [90] [destaques nossos]

Como vemos, intuição e necessidade hão guiado sempre os grandes gênios científicos, desde Arquimedes, passando por Newton, e até mesmo Einstein. A intuição não encontra, porém, assento preciso em quaisquer áreas do saber humano. Muita vez, sequer merece menção dentro dos quadros da ciência, quando fora ela, a intuição dos grandes gênios, que permitiu inúmeros avanços, outrora intangíveis. E a Ciência Moderna teima em querer cindir o pesquisador, o cientista, da pesquisa que realiza, como não fosse, ele também, parte da experiência. Despreza o papel da intuição e/ou dos juízos valorativos, quando não se pode separar, no Homem, o racional do emocional, como não podia Arquimedes separar o ouro da prata na coroa do Rei, sem destruí-la.

Acerca do lugar próprio que cabe à intuição, Fritjof Capra (1995), em o "Tao da Física", afirma:

Considero a ciência e o misticismo como manifestações complementares da mente humana, de suas faculdades intelectuais e intuitivas. O físico moderno experimenta o mundo através de uma extrema especialização da mente racional; o místico, através de uma extrema especialização de sua mente intuitiva. As duas abordagens são inteiramente diferentes e envolvem muito mais que uma determinada visão de mundo físico. Entretanto, são complementares, como aprendemos a dizer em Física. Nenhuma pode ser realmente compreendida sem a outra; nenhuma pode ser reduzida à outra. Ambas são necessárias, suplementando-se mutuamente para uma compreensão mais abrangente do mundo. Parafraseando um antigo provérbio chinês, os místicos compreendem as raízes do Tao mas não os seus ramos; os cientistas compreendem seus ramos, mas não as suas raízes. A ciência não necessita do misticismo e este não necessita daquela; o homem, contudo, necessita de ambos. A experiência profunda da mística é necessária para a compreensão da natureza mais profunda das coisas, e a ciência é essencial para a vida moderna. Necessitamos, na verdade, não de uma síntese, mas de uma interação dinâmica entre intuição mística e a análise científica. (...) o reconhecimento das semelhanças entre a física moderna e o misticismo oriental faz parte de um movimento muito maior, de uma mudança fundamental de visões de mundo, ou paradigmas, na ciência e na sociedade, que agora estão se manifestando por toda a Europa e América, e que implica uma profunda transformação cultural. Esta transformação, esta profunda mudança de consciência, é o que as pessoas sentiram intuitivamente nas últimas duas ou três décadas, e é por isso que O Tao da Física tangeu uma corda tão sensível. [destaque nosso] [91]

Na Grécia tínhamos o bom ócio, o labor intelectual era supervalorizado em relação aos trabalhos manuais, o que facilitou – muitos diriam que determinou mesmo – o surgimento de todo o gênio grego, mas, igualmente, foi o que impediu aos gregos de pensarem em moldes de experimentação, o que viria a ser a base de toda a Ciência Moderna – enquanto elemento que garantia a reprodução dos fenômenos em condições similares. Na chamada Idade Média, o regime servil não divergia muito da escravidão grega, o que igualmente influenciou o modo de pensar e a ciência da época. Haveria como que uma indissociabilidade entre a produção científica de dada fase e os interesses em jogo durante a mesma. Como já afirmamos, houve uma mudança paradigmática a se processar entre as chamadas, Idade Média e Idade Moderna. Mudança esta, senão guindada pelo capitalismo nascente, ao menos principiada conjuntamente com ele, sendo ambos os fatos reflexos de uma leva de mudanças maior, a qual culminará em conseqüências de tal modo semelhantes, que se cogitaria — talvez mui certamente — tratar-se de uma só mudança e de um só processo.

Em verdade, tudo o que se chamou teocentrismo em período anterior, nada mais era que um antropocentrismo mascarado. A sutileza de se colocar a Terra como centro do universo e de supor todas as preocupações do infinito serem voltadas a seres tão pequenos diante da imensidão negra do Cosmos polvilhada de infinitas estrelas, infinitos sóis, e de tamanhos tão mais vários, não seria outra coisa senão mascarar um antropocentrismo velado. Com a Modernidade, porém, este antropocentrismo às nuas deixa bem maior abertura à livre reflexão, donde não mais o Deus (cunhado à imagem e semelhança do homem, diga-se) seria a medida de todas as coisas, mas o Homem efetivamente passa a querer sê-lo. O paradigma anterior (ao menos em suas feições eclesiásticas) punha as explicações para tudo no mistério, o paradigma moderno, por sua vez, deixa aberta a possibilidade do conhecimento, sendo o mesmo resultado do esforço e do trabalho, rendendo claros votos ideológicos ao capitalismo recém-nascido. Laissez faire, laissez passer [92], repetiram os homens de ciência o brado da burguesia emergente. E o apego burguês aos interesses práticos, ao lucro que se pudesse auferir com a ciência, teriam feito com que um dado saber, para se dizer científico, devesse ser provado na fornalha da experimentação, sob método propício e convencionado. A observação metódica da Natureza passou a ser o estandarte maior da Ciência, em detrimento da especulação puramente racional. O universo concebido como escrito em linguagem matemática poderia e deveria ser medido, desmontado e remontado. E a tal ponto que há quem diga até não haver ciência sem medição.

Com o Renascimento, inúmeras foram as fronteiras em que se operaram as referidas mudanças paradigmáticas. Houve o advento do humanismo; a propugnação do individualismo (donde se apregoava a igualdade, todavia, tal igualdade não unia, antes apartava); surgiu também o experimentalismo (a razão não poderia estar dissociada da experimentação, da reprodução dos fenômenos observados em condições dadas); concedeu-se demasiada importância ao método científico, e, notadamente, o predomínio da razão (jamais dissociada da experimentação fulcrada na observação). A ciência, apartando-se dos rigores do racionalismo grego, passou a valer-se da observação e da experiência como elemento de validação do saber tido como científico. O advento da técnica promovia, assim, a modificação da realidade e da natureza; servindo, pois, de instrumento eficaz a melhor conhecê-las e dominá-las.

Galileu em sua obra Duas Novas Ciências intentava verificar a correspondência, ou não, entre o purismo racional e a realidade, concluindo a favor da imprescindibilidade da experimentação.

Galileu não só ridiculariza e ataca a teoria aristotélica tradicional dos elementos, mas propõe uma alternativa metodológica baseada na observação e no experimento como principal critério da verdade. É interessante o uso de experimentos para refutar argumentos verbais apresentados pela teoria aristotélica. [93]

"Ao contrário da ciência aristotélica, a ciência moderna desconfia sistematicamente das evidências da nossa experiência imediata. Tais evidências, que estão na base do conhecimento vulgar, são ilusórias." [94]

Em conformidade com essa mesma linha de pensamento Galileu assevera em seus escritos:

Penso que discussões sobre problemas da Física devem tomar como ponto de partida não a autoridade de passagens das Escrituras, mas, sim, experiências sensíveis e suas necessárias demonstrações. Deus não é revelado com menor excelência nos atos da Natureza do que nas afirmações sagradas da Bíblia. [95]

Como vemos, a Modernidade propõe – o que, em alguma monta, foi decerto um avanço – uma completa cisão entre o labor científico e as demais áreas do atuar humano, seja suprimindo-se ao purismo racional dos gregos ou ao dogmatismo que era imposto pela Igreja.

Ora, a demarcação de um método, dito científico, é que definiria o que seria ciência e o que não seria. Tal foi o que propugnara Francis Bacon. O método e a experiência tanto foram enaltecidos que as preocupações com a razão e o transcendente terminam por quase desaparecer dos meios científicos. No livro I de seu Novum Organum (Aforismos sobre a Interpretação da Natureza e o Reino do Homem), Bacon (1999) declara: "O homem, ministro e intérprete da natureza, faz e entende tanto quanto constata, pela observação dos fatos e pelo trabalho da mente, sobre a ordem da natureza; não sabe nem pode mais." [96]

Nada mais fez Bacon que desabonar o papel da razão no processo do conhecer, firmando toda a possibilidade do saber no simples debruçar-se sobre a Natureza e no dominá-la (não como parte dela, mas como seu senhor), tamanho foi o papel que dado à experimentação. E aí o distanciamento máximo do Homem frente à Natureza: a experimentação requeria uma certa abstração, um não-apostar juízos de valor em relação ao objeto analisado. A olhos vistos, a culminância das mudanças processadas no Renascimento se deu, sobremaneira, no tocante ao método. E é exatamente sobre o primado do método em matéria de ciência que Karl Popper (1987) ousa afirmar:

Começo, regra geral, as minhas lições sobre Método Científico dizendo aos meus alunos que o método científico não existe. Acrescento que tenho obrigação de saber isso, tendo eu sido, durante algum tempo, pelo menos, o único professor desse inexistente assunto em toda a Comunidade Britânica. (...) Tendo, então, explicado aos meus alunos que não há essa coisa que seria o método científico, apresso-me a começar o meu discurso, e ficamos ocupadíssimos. Pois um ano mal chega para roçar a superfície mesmo de um assunto inexistente. [97] (sic)

Tal afirmação tem certa razão de ser em face de que o método passou a tomar ares de fim último da ciência e não – o que precisamente é – somente um meio para alcançar as verdades a que a ciência pode fornecer. Ainda hoje, porém, pensamento similar é endossado pelos "homens de ciência". Reduzir a ciência ao método por ela utilizado assimila-se, em linhas gerais, ao mesmo rigorismo racional dos gregos ou ao dogmatismo da Patrística e Escolástica, com a diferença apenas do pilar em que se sustenta. E o que era luz verteu-se em treva, o que era meio, fez-se fim último. Deita mais prudente palavra o professor, PHD em Física, José Andreeta, ao dizer:

As teorias científicas são, no entanto, importantes em diversas etapas do nosso desenvolvimento. Elas, por exemplo, podem ser comparadas a um barco que utilizamos para atravessar um rio. Mesmo que não tenha sido construído por nós, ele é importante para ajudar a nossa travessia. Depois que chegarmos novamente em terra firme, no entanto, ele não possui mais utilidade para a nossa jornada, podendo inclusive dificultá-la. Ele deve, portanto, ser deixado à margem para ser utilizado por quem dele ainda precisar! [98]

2.3.2 Do Método Científico e do Mecanicismo a imperar na Ciência Moderna:

Muito falamos até aqui sobre o método; pouco, porém, sobre o que ele vem a ser. "Etimologicamente, método vem de meta, ‘ao longo de’, e hódos, ‘via, caminho’. É a ordem que se segue na investigação da verdade, no estudo feito por uma ciência, ou para alcançar um fim determinado." [99] Método científico seria "um conjunto de concepções sobre o homem, a natureza e o próprio conhecimento, que sustentam um conjunto de regras de ação, de procedimentos prescritos para se construir conhecimento científico" [100]; "é um procedimento regular, explícito e passível de ser repetido para conseguir-se alguma coisa, seja material ou conceitual" [101] "um conjunto de procedimentos por intermédio dos quais a) se propõe os problemas científicos e b) colocam-se à prova as hipóteses científicas" [102]

Não só o método, mas a visão de mundo fornecida pela Ciência ganharia, da Modernidade em diante, nuances mecanicistas, cuja influência inicial teria vindo de Descartes, ou pelo menos da interpretação que deram a seu pensamento. Mas o que viria a ser esse mecanicismo proposto pela ciência moderna. Ora, a ciência moderna adicionou ao pensar aristotélico a experimentação. Para a ciência aristotélica teria bastado a proposição racional da ordenação do cosmos, para que ela fosse aceita; já, para a ciência moderna, toda e qualquer proposição só encontra fundamento se puder ser provada através da experimentação, ou seja, se houver a possibilidade de que os fenômenos analisados possam, em condições idênticas, serem passíveis de reprodução e repetição universalmente válidas [103]. Todavia, mesmo a ordem universal, sustentada por Aristóteles e proposta pelos pré-socráticos, enquanto critério garantidor da possibilidade de que se conheça algo da Natureza, foi modificada pela ciência moderna, na figura do mecanicismo. Para os gregos a natureza era qual um organismo, já a ciência moderna vê a Natureza como uma máquina. E apregoa isso, alegando-se fulcrada em Descartes, quando o mesmo já havia alertado em sua obra, O Discurso do Método, para os perigos de que viessem a dizer ser seu tal ou qual argumento, ou sua tal ou qual idéia, assim se expressando:

O que é tão verdadeiro nesta matéria que, apesar de haver muitas vezes explicado alguns de meus conceitos a pessoas de ótimo espírito, e, enquanto eu lhes falava, pareciam entendê-las muito claramente, contudo, quando as repetiam, percebi que quase sempre as mudavam de tal maneira que já não podia considerá-las minhas. Com essa intenção, prezo muito pedir aqui, às futuras gerações, que jamais acreditem nas coisas que lhes forem apresentadas como provindas de mim, se eu mesmo não as tiver divulgado. E não me surpreendem de maneira alguma as extravagâncias que se atribuem a todos esses antigos filósofos, cujos escritos não possuímos, nem julgo, por isso, que seus pensamentos tenham sido muito disparatados, porquanto eram os melhores espíritos de seu tempo, mas apenas julgo que nos foram mal referidos. [104] [destaque nosso]

Para Descartes, da dúvida e da negação é que se conheceria o saber verdadeiro, ou seja, pondo em questão tudo o que se julgava saber, é que se poderia averiguar quais conhecimentos persistiriam como reais e fundados [105]. E, com fulcro em igual princípio, é que Karl Popper desenvolvera a tese da falseabilidade (refutabilidade), segundo a qual um conhecimento só se enquadraria no gênero científico, se contra o mesmo se pudesse elaborar tese contrária, do contrário, se trataria de dogma, mera imposição de opinião, doxa, portanto [106].

E, se se quer dar crédito, é prudente a análise de Descartes, in locu, como fora por ele próprio sugerida:

E, como a grande quantidade de leis fornece com freqüência justificativas aos vícios, de forma que um Estado é bem mais dirigido, quando, apesar de possuir muito poucas delas, são estritamente cumpridas; portanto, em lugar desse grande número de preceitos de que se compõe a lógica, achei que me seriam suficientes os quatro seguintes, uma vez que tomasse a firme e inalterável resolução de não deixar uma só vez de observá-los: (...) O primeiro era o de nunca aceitar algo como verdadeiro que eu não conhecesse claramente como tal; ou seja, de evitar cuidadosamente a pressa e a prevenção, e de nada fazer constar de meus juízos que não se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito que eu não tivesse motivo algum de duvidar dele. (...) O segundo, o de repartir cada uma das dificuldades que eu analisasse em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de melhor solucioná-las. (...) O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-me, pouco a pouco, como galgando degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e presumindo até mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros. (...) E o último, o de efetuar em toda a parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais nas quais eu tivesse a certeza de nada omitir. (...) Mas a ordem que guardei nisso foi a que segue. Em princípio, procurei encontrar os princípios, ou causas primeiras, de tudo quanto existe, ou pode existir, no mundo (...) [107]

O mecanicismo se teria fundado exatamente no dizer de Descartes, segundo o qual se deveria "repartir cada uma das dificuldades que (...) [se] analisasse em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de melhor solucioná-las." [108] A ciência moderna teria olvidado, porém, em alguma proporção, o ter de "conduzir por ordem (...) [os] pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para [elevar-se], pouco a pouco, como galgando degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e presumindo até mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros" [109], eis que desprezou o conhecimento do complexo e do composto, abandonando a metafísica, os saberes humanos, sociais e culturais. "Sendo um modelo global, a nova racionalidade científica é também um modelo totalitário, na medida em que nega o carácter racional a todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas." [110] Em contrapartida, causa estranheza que a ciência moderna se diga fulcrada em Descartes, negando, a um só tempo, as abordagens metafísicas, quando, "Descartes, por seu turno, vai inequivocamente das ideias para as coisas e não das coisas para as ideias e estabelece a prioridade da metafísica enquanto fundamento último da ciência." [111] Feyerabend (1989), em seu Contra o Método, nos aclara que:

Todas as teorias do saber [científico] decorrem da pergunta: que é conhecimento e como ele pode ser conseguido? (...) Em conseqüência, o contato entre a Ciência e a epistemologia torna-se mais tênue e, finalmente, desaparece por completo. (...) Ninguém reconhece que podem existir formas várias de conhecimento e que talvez seja preciso fazer uma opção. [112]

Conforme a óptica cartesiana, haveria dois pólos, duas substâncias primordiais no Universo, quais sejam: matéria e espírito. Tamanha seria a disparidade entre as naturezas de ambos os pólos, que a ciência moderna os tomou como imiscíveis e propôs que jamais interagissem, nada havendo de racional ou justificável nessa proposição, senão sendo isso apenas um dogma ideológico a mais da ciência moderna. Pela observação conscienciosa, seguida da experimentação, poderíamos conhecer as leis que regem a matéria, mas não se poderia dizer o mesmo das leis que regulam os fenômenos do espírito, o que teria oposto severa dúvida quanto ao podermos labutar com o segundo pólo. Foi então, por esse motivo, que a ciência moderna abandonou as lides metafísicas, e as de cunho humanista, social e psicológicas, entre outras mais, tomando aquilo que não se pautasse conforme os métodos e padrões da ciência moderna como não-científico (em regra o não-matematizável e o não-quantificável). Eis que o princípio material seria passível de compreensão, já o princípio espiritual não poderia (nas condições que pressupunha Descartes, diga-se) ser conhecido. A Modernidade — reflexo, em grande parte, de apropriações e modificações dos pensamentos de Descartes e de Newton — cunhou, assim, um paradigma mecanicista para aquilo que se poderia apreender da realidade. A Natureza seria fracionável em partes diminutas a serem analisadas em suas especificidades, quase que desprezando por completo o todo. Como escrevem os professores Goode e Hatt, "o universo apresenta uma variedade infinita de fenômenos a serem estudados, mas a ciência abstrai da realidade selecionando certos aspectos do fenômeno (como massa, velocidade, valência, intensidade de atitudes, etc), não estudando assim todo o fenômeno" [113], não estudando, pois, o real, apenas uma parcela sua.

Einstein e Infield (1943) também trazem à baila um pensamento que ainda estreitamente ligado a uma visão mecanicista de mundo, resumindo-a por assim dizer, contudo, ainda assim expressando uma ema consciência das limitações desta forma de ver o mundo e a realidade:

Em nosso esforço para compreender a realidade, a nossa posição lembra a de um homem que procura adivinhar o mecanismo de um relógio fechado. Este homem vê o mostrador e os ponteiros, ouve o tic-tac, mas não tem meios de abrir a caixa que esconde o maquinismo. Se é um homem engenhoso, pode fazer idéia do mecanismo responsável por tudo que ele observa exteriormente, mas nunca poderá ter a certeza de que o maquinismo que ele imagina seja o único que possa explicar os movimentos exteriores. (...) Não poderá nunca comparar a idéia que forma do mecanismo interno com a realidade desse mecanismo — nem sequer pode imaginar a possibilidade ou a significação de tal comparação. Mas realmente crê que, à medida que o seu conhecimento cresce, a sua representação da realidade se torna mais e mais simples e explicativa de mais e mais coisas. Ele pode ainda crer na existência de limites para o conhecimento, e admitir que o espírito humano aproxima-se desses limites. Esse extremo ideal será a ‘verdade objetiva’. [114]

E, por fim, assim nos exorta Camille Flammarion:

Tudo quanto vemos não é mais do que aparência. A realidade é outra. (...) O sol parece girar em torno de nós outros, levantar-se pela manhã e recolher-se à tarde, e a Terra em que estamos parece imóvel. O contrário é que é verdade. Habitamos em torno de um projétil turbilhonante (...) O som não existe não passa de uma impressão de nossos sentidos, produzida por vibrações de ar, de uma certa amplitude e com uma certa velocidade, vibrações silenciosas por si mesmas. Sem o nervo auditivo e sem o cérebro não haveria sons. Na realidade não há senão movimento. Tudo é ilusão no testemunho dos nossos sentidos. A Terra não é o que nos parece ser: a Natureza não é o que supomos. (...) A impressão direta e regular dada pela observação da Natureza é a de que habitamos na superfície de uma Terra sólida, estável, fixa no centro do Universo. (...) A Criação universal é uma imensa harmonia na qual a Terra é um insignificante fragmento, bastante pesado e incompreensível. [115] [destaque nosso]

O professor e filósofo, Carlos Antônio Fragoso Guimarães também se expressa de modo similar, ao dizer que:

O atual paradigma [moderno], que já nós deu inúmeras mostras de esgotamento e de incapacidade de solucionar inúmeros problemas básicos e existenciais do ser humano, vem dominando amplamente nossa cultura e educação há quase 400 anos, desde que Copérnico conseguiu, graças a Deus, enfrentar os dogmas rígidos e ultrapassados da Igreja Católica, abrindo espaço para a Revolução Científica de fins da Idade Média, e que, com o tempo, nos legou nomes como Galileu, Descartes e Newton... Este paradigma atual, que Capra chama de newtoniano-cartesiano, teve um impacto benéfico ao libertar a razão das amarras da superstição e do controle eclesiástico, mas foi, com o tempo, hipertrofiado. Ele consiste numa série de idéias e pressupostos, com determinados valores implícitos, que acaba por ser o referencial subliminar de nosso modo de entender o mundo já que é a base filosófica pelo qual a ciência se apóia e é o modelo usado na educação de nossos filhos. Um segundo ponto fundamental, que está correlacionado com o primeiro acima descrito, é que o modo como nós, seres humanos, interagimos com o mundo, dentro de uma determinada visão de mundo, acaba por influenciar nas respostas que este nos dá. [116] [grifo nosso]

2.3.3 Das Esferas do Natural e do Sobrenatural: a ciência moderna enquanto modelo ideológico dominante

Como já observamos, o pensamento científico não mais se junge (ou não mais se deve jungir) à — egoística e egocêntrica, diga-se — idéia de criação (humana), mas à de percepção (humana). Acaso as maçãs já não caíam antes de Newton?! Todavia, foi preciso o gênio de um Newton para perceber que havia um porquê para aquilo e que esse porquê consubstanciaria uma lei (princípio), estando interligada a outras mais — como o é a gravitação universal, por exemplo — engenhosamente percebendo a estreita ligação entre o movimento dos astros e o dos pequenos corpos, formulando, pois, toda uma teoria ao enfeixar essa gama de leis. Certo e intrigante é que todas estas leis precederam a Newton e continuarão a existir mesmo depois de sua breve passagem por este orbe, pois não foi Newton que as inventou. O objeto sobre o qual se debruça o saber científico está presente na Natureza (não importando se se trate de ciência exata, natural, humana, social ou outra, como veremos adiante), e tal objeto teria, pois, princípios (perdoem a redundância) universais. Todavia, agem os homens para com aquilo que percebem na natureza como se tais "coisas" inexistissem antes de eles haverem deitado seu olhar por sobre elas, como se o existir de tais "coisas" não prescindisse da humana percepção para que existam — todavia existiram antes mesmo de nós e continuarão a existir quando nos tivermos ido. Noutras palavras, por certo plagiando Alguém mais sábio, afirmemos que Newton teve olhos de ver e ouvidos de ouvir. O que se quer dizer com isso é que Newton, tão-só, percebeu uma (preexistente) ordenação do Cosmos. Ele não criou tais leis e princípios, apenas os anteviu no limiar da racionalidade que se oculta por trás da Natureza, como bem apregoavam os gregos e, depois deles, Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino. Em tais condições, poderíamos dizer que antes de um Newton, tais leis, posto que desconhecidas, teriam composto a esfera daquilo que o Homem chamara de sobrenatural. Sim, porque, egoisticamente, também só cedemos o título de natural apenas àquilo que compõe a parcela do que conhecemos da Natureza. Nisso, uma vez mais, vemos grassar espaço a postura Antropocêntrica e o quanto ela pode nos levar a conclusões apressadas e incertas. Certo é que muitíssimo pouco conhecemos da Natureza. E desconhecendo grande parcela dela, como então poderíamos afirmar o que a excede? Como poderíamos dizer, com pretensão de certeza, o que esteja acima dela (sobrenatural) e o que não faria parte de suas fronteiras? E mais: nestes limites estreitos, como dizer o que é Natureza? Mais humilde e prudente visão seria a de afirmar que não podemos determinar como fronteiras do Natural os lindes do que efetivamente conhecemos. Newton, em sua conduta prática, e Lavoisier, com sua formulação teórica já citada, legaram-nos uma importante lição: a de que nada é sobrenatural, apenas talvez se oculte para além do estreito círculo daquilo que o Homem conhece. Assim, uma vez desvendado o "mistério" de que se acercam dados fenômenos, eles passam a fazer parte da esfera Natural conhecida. O fato de desconhecermos algo não nos habilita a dizermos que este algo não exista, tampouco, a rotulá-lo de sobrenatural, eis que tão-somente o fazemos por se encontrarem além horizonte conhecido. Tal propugnação estaria conforme tendência marcadamente subjetivista-axiológica, eivada, portanto, de influência antropocêntrica — não muito dispare, diga-se, do antropocentrismo mascarado que constituiu o teocentrismo medievo. Um outro erro, não de menor monta, seria o de, enxergando o homem como produto acabado, opor limites ao que ainda há por conhecer. E tal pensamento não possui qualquer assento de cientificidade, antes reflete a influência das concepções ideológicas de quem "faz" ciência. Pierre Simon Laplace diria, em sua proposição conhecida como o Demônio de Laplace, que, se conhecêssemos todas as variáveis que atuam em um objeto pontual ao deslocar-se de uma posição ‘X1’ para uma posição ‘X2’, poderíamos prever o futuro [117]. E, precipitadamente, concluem nossos "homens de ciência" hodiernos, que: ‘como (ainda) não podemos conhecer todas as variáveis atuantes em dado fenômeno, impera a lei do caos, tudo é caos’, expressando aí um outro erro que se funda em medir o Universo, a Natureza e a Ciência a pés humanos, opondo limites ao que ainda há por conhecer. Uma postura que se revela totalmente avessa à Ciência, mesmo à proposta estritamente objetiva da ciência moderna. Ora, tudo o que podemos dizer quanto ao desconhecimento das variáveis que atuam em dado fenômeno, é que ainda não temos meios de conhecê-las. Não se poderia, pois, separar de pleno o objeto em análise do ser que analisa.

A este título, tal ciência toma o lugar das concepções mitológicas, místicas e religiosas que, no passado, desempenharam o papel ideológico de racionalização dos interesses da classe dominante. (...) Muito embora a atividade científica se apresente como a-ideológica, através do mito da "objetividade científica". Como se um dos primeiros efeitos da ideologia não residisse no fato de pretender ocultar-se a si mesma. (...) O que pretendemos afirmar é a existência de uma interação flagrante entre o sistema científico, produtor de conhecimentos e de meios de ação, e o sistema político que se apropria desses meios. [118]

Temos, pois, um retorno ao mito, não um mito como aquele anterior à construção filosófica, mas um outro bem mais elaborado: o de que somente a Ciência (e a ciência moderna) pudesse atingir a verdade.

A Ciência convenientemente apregoa os mitos da objetividade (possibilidade de o Homem conhecer a verdade sem mácula alguma dos sentidos ou de juízos valorativos) e da neutralidade (distanciamento pleno entre o pesquisador e o objeto de sua pesquisa – em última análise, propondo um afastamento completo da Natureza enquanto repositório de seus objetos), age exatamente como um sistema autopoiético [119], em defesa contra outras formas de pensar e expressar, o que, em última análise, consubstanciaria uma postura eminentemente ideológica, nada mais. "Nossos sistemas de idéias (teorias, doutrinas, ideologias) estão não apenas sujeitos ao erro, mas também protegem os erros e ilusões neles inscritos. Está na lógica organizadora de qualquer sistema de idéias resistir à informação que não lhe convém ou que não pode assimilar. As teorias resistem à agressão das teorias inimigas ou dos argumentos contrários." [120]

E ideologia, segundo a professora Marilena Chauí (1983), seria:

"um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador." [121]

A função da ideologia seria ocultar o modo como as relações sociais são produzidas e a origem das formas de dominação [122], valendo-se de um discurso racional (ou de mera racionalização) que apresente essas relações como naturais, perpétuas, indiscutidas e indiscutíveis, nublando tenham sido elas postas pelo grupo dominante, com o intuito claro de fazer prevalecer suas idéias e interesses, como se fossem advindos da coletividade como um todo. E, para a sustentação do paradigma moderno é imprescindível a conformação ideológica de que:

é total a separação entre a natureza e o ser humano. A natureza é tão-só extensão e movimento; é passiva, eterna e reversível, mecanismo cujos elementos se podem desmontar e depois relacionar sob a forma de leis; não tem qualquer outra qualidade ou dignidade que nos impeça de desvendar os seus mistérios, desvendamento que não é contemplativo, mas antes activo, já que visa conhecer a natureza para a dominar e controlar. Como diz Bacon, a ciência fará da pessoa humana «o senhor e o possuidor da natureza» [123]

Tal visão, como podemos depreender de toda a presente explanação, nada mais reflete que a prevalência de uma ideologia dominante. E o professor Boaventura de Sousa Santos (2001) acrescenta:

A matemática fornece à ciência moderna, não só o instrumento privilegiado de análise, como também a lógica da investigação, como ainda o modelo de representação da própria estrutura da matéria. (p. 14). (...) Deste lugar central da matemática na ciência moderna derivam duas consequências principais. Em primeiro lugar, conhecer significa quantificar. O rigor científico afere-se pelo rigor das medições. (...) O que não é quantificável é cientificamente irrelevante. (...) o método científico assenta na redução da complexidade. O mundo é complicado e a mente humana não o pode compreender completamente. Conhecer significa dividir e classificar para depois poder determinar relações sistemáticas entre o que se separou. (...) O determinismo mecanicista é o horizonte certo de uma forma de conhecimento que se pretende utilitário e funcional, reconhecido menos pela capacidade de compreender profundamente o real do que pela capacidade de o dominar e transformar. [124]

Vemos o homem atual trazer ainda consigo o mesmo estranho e egoístico "dom" de pôr-se acima de sua condição. Fala de si qual o único ser racional a habitar o imenso vão do infinito, o ser mais evoluído do globo, o topo da cadeia alimentar, termo final da evolução, etc. Olvida, decerto, a infinda fronteira do que desconhece. O que conhecemos representaria um grão de areia em meio a toda uma praia desconhecida. Foi o orgulho (egoísmo)que fez um dia o homem ter posto a Terra como o centro do Universo e foi o mesmo orgulho (egoísmo) que o fez, em demovendo-a, ter posto a si próprio no bojo do mesmo. Entretanto, o tênue deslocar-se do geocentrismo para o antropocentrismo às claras, não constituiu grande mudança. Não enquanto não permitir que divisemos a inexistência de sistemas isolados (como os que são propostos pelos modelos científicos, como se de verdades incontestáveis se tratassem), a interdependência da vida humana à vida do planeta, deixando de crer no pensamento engessado segundo o qual o mundo é qual uma máquina, passível de ser dividida em suas partes e analisada pelas especificidades. Assim procedendo não logrará o Homem compreender a racionalidade que se traduz sob tudo o que há no Cosmos e a unidade maior que há na multiplicidade de variáveis que agem sobre dado fato (fenômeno), seja ele histórico, científico, social ou mesmo jurídico. A exemplo disso é que:

...só em nosso século a Ecologia começou a ser aceita - ainda que como inimiga para o sistema industrial, em especial o que se calca na exploração e poluição do meio ambiente. De qualquer modo, a Biologia, adotando um determinado modelo mecanicista da vida, está dando retorno a um segmento social que a financia e espera, de qualquer modo, algo em troca, se possível algo que dê lucro. Desta forma, fazendo dos organismos vivos "máquinas", não é preciso ter uma ética "humanista" de pleno respeito a estes organismos, que podem ser plenamente explorados comercialmente. Da mesma forma, a indústria farmacêutica, visando mais o lucro do que a ajuda humanitária, pouco se importa se quem pode comprar seus produtos constitua apenas um setor mínimo da população. [125]


3. HOLISMO – TRANSCENDENTALISMO – UNIVERSALISMO:

A teoria de hólon, de Arthur Koestler [126], é a que mais sintetiza, hodiernamente, ao menos para o Mundo Ocidental, essa contraposição ao Antropocentrismo dominante. Em matéria ambiental, chegou-se à terminologia biocentrismo, para fulcrar essa posição anti-antropocêntrica; todavia, mesmo ela, é parcelizadora e fragmentária, eis que apenas faz morrer um deus para erguer altar a outro em seu lugar [127] – retira o Homem de uma posição de primazia e põe a Natureza em seu lugar. O paradigma emergente preconiza, como veremos adiante, uma interdependência, ou mesmo uma transdependência das secções do real (ou das apreensões do real) que chamamos saberes ou ciências.

‘Holos’ é uma palavra de origem grega e quer dizer ‘totalidade’. [128] Enquanto o modelo apregoado pela ciência moderna é mecanicista, reduzindo o todo à mera soma das partes, o holismo propõe uma visão do todo como algo mais que a somatório de suas especificidades. O mecanicismo prima pelo reducionismo das complexidades, analisando sempre apenas o mais simples e o menor, despreza o todo; o holismo, em contrapartida, foca o complexo a que a ciência moderna parece haver relegado para o campo não-científico, alijando tudo o que se encontra além da fronteira do que conhecemos para o (pretenso) campo do sobrenatural, ou, quando pouco, para a esfera de tudo o que é tido como ‘não-científico’.

Vejamos a profícua explanação e o exemplo prático que nos oferta o professor Carlos Antônio Fragoso Guimarães:

Ora, mesmo um "primitivo" organismo unicelular, como uma ameba, por exemplo, por mais simples que seja, apresenta uma intrincada estrutura biológica (Complexidade) que nunca se encontrará em qualquer que seja o produto do engenho humano. Qualquer modificação sintética numa estrutura desse tipo sempre partirá da matéria-prima básica que o homem irá utilizar, ou seja, o próprio organismo unicelular já existente. Este mesmo organismo unicelular, em seu funcionamento interno, apresenta-se como uma grande cidade muito bem-organizada. Ela é formada por organelas muito especializadas que trabalham de forma altamente sincronizada para que o ser unicelular possa sobreviver, auto-renovar-se, locomover-se, alimentar-se, atacar, fugir e se reproduzir. As estruturas químicas que dirigem e controlam toda esta "cidade" minúscula encontram-se codificadas em moléculas localizadas no interior do núcleo da célula: o DNA. (...) O mais incrível é que os componentes elementares básicos de um sistema biológico qualquer são formados por átomos perfeitamente comuns, encontrados em toda a parte. Qualquer que seja o átomo que se encontre dentro da célula viva - quer seja um átomo de carbono, de hidrogênio ou de qualquer outro elemento - não apresentará ele diferença alguma de qualquer dos átomos do mesmo elemento que se encontrem no meio inanimado externo. Aliás, há uma corrente ininterrupta de trocas de componentes internos da célula com o meio externo e, apesar disso, a célula continua a ser e a se desenvolver como um organismo independente, de onde se deduz que a vida não pode ser reduzida a uma propriedade de mera junção ou união das suas partes constituintes. Estas partes constituintes estão em constante transformação. Seus átomos estão sempre sendo trocados, mas o padrão do conjunto se mantém. É este padrão, não a estrutura, que é responsável pela existência do conjunto. A vida não é um fenômeno cumulativo. Se o fosse, um biólogo poderia muito bem formar uma célula viva a partir da junção de todos os seus componentes. O máximo que ele conseguirá é um saquinho gelatinoso muito parecido com uma célula morta. (...) Ora, o interessante é que a ênfase na pesquisa científica, em geral, e, muito particularmente, em biologia, está em se isolar e classificar sempre mais e mais os chamados constituintes fundamentais dos sistemas vivos, ou seja, em se descobrir quais as moléculas - e sua composição - responsáveis pela manutenção e/ou ação dos processos biológicos. Pretende-se com isso ter uma visão compreensiva e mais aprofundada do que seja a vida. No final das contas, o que descobrimos é que enquanto aprofundamos mais e mais o conhecimento das estruturas microscópicas que constituem a base biofísica e bioquímica das células, perdemos a visão de relação ou a visão do conjunto da vida em si em suas manifestações dinâmicas. Cria-se, assim, a ilusão de que a superespecialização linear aumenta o conjunto geral do conhecimento. Na verdade, aumenta-se o conjunto de conhecimento sobre os detalhes de um determinado aspecto da vida. Pouco se faz para se ter uma idéia de relação funcional das partes com o todo. O erro fundamental reside no fato de a ciência não levar realmente em conta que um conjunto pode muito bem apresentar propriedades que não se encontram nos seus componentes individuais. Um exemplo clássico para demonstrar tal fato é o da fotografia de jornal que é constituída por inúmeros pontinhos. Ora, nenhum desses pontinhos, quando isolados, revela o que quer que seja sobre a figura que o conjunto representa. Só quando nos afastamos do nível dos componentes individuais e ascendemos ao todo, é que temos idéia da informação, da mensagem, da figura que surge da fotografia de jornal. Ou seja, a figura não é a resultante das propriedades dos pontinhos, mas sim a resultante do padrão do todo formado tanto pelos pontinhos, quanto pelo espaço entre eles. (...) as tentativas para explicar a nossa existência e a de todos os organismos vivos como se nada mais fossem a não ser aglomerados atômicos casualmente formados, levou a um processo de desvalorização moral e de uma supervalorização mercantil, egoísta e hedonista da vida, linearizando a própria existência como uma coisa fútil, acidental e sem sentido. (...) Como muito bem nos fala o físico Paul Davies, em seu livro Deus e a Nova Física, ninguém pode negar que um organismo é uma coleção de átomos, moléculas, tecidos, etc. O erro está exatamente em se supor que ele é nada mais que isso. Semelhante pretensão, logicamente, é tão ou mais ridícula quanto dizer que a Nona Sinfonia de Beethoven nada mais é que uma coleção de notas, ou que um poema de Augusto dos Anjos é apenas um conjunto de palavras, embora seja exatamente isso que muitos cientistas dizem quando falam dos processos biológicos e até mesmo psicológicos. A vida, o tema de uma sinfonia ou o enredo de um romance são qualidades que emergem do nível mais básico de seu substrato físico, e não podem ser percebidas no nível de seus componentes. [129]

A (pré) ordenação do universo, já sabemos, é o pressuposto científico da plausibilidade de sua própria compreensão. Todavia, a tendência de todas as coisas na Natureza é a desordem, a desagregação – nascer, crescer, evoluir, fenecer. A essa "tendência" a ciência deu o nome de entropia, que nada mais quer dizer que a propensão de que os sistemas "isolados" têm de se desestruturarem – tudo no Universo teria, segundo esta idéia, a pendor de sair de um estado mais organizado para um menos organizado, exceto que um fator exterior atue contra a desordem crescente. Este fator exterior é a vida. Somente a vida caminharia contra a entropia. Anaxágoras, filósofo pré-socrático a quem já nos reportamos, denominou ‘amor’ a essa força agregadora, que sustém os sistemas, rumando contra a tendência universal à desordem; e atribuiu o nome de ‘ódio’ àquilo que chamamos entropia, essa força que faz os sistemas tenderem à desordem.

Camille Flammarion (1998) a respeito dessa força agregadora que rema contra a maré da entropia diria ainda:

Eis aqui uma forte trave de ferro (...) É sólida com certeza. (...) No entanto essa trave é composta de moléculas que não se tocam, que estão em vibração perpétua, que se afastam umas das outras sob a influência do calor e se aproximam sob a do frio. Diga-me, por favor, que é que constitui a solidez dessa barra de ferro? Seus átomos materiais? Certamente não, pois eles não se tocam. Essa solidez reside na atração molecular, isto é, em uma força imaterial. (...) Falando de modo absoluto, o sólido não existe. (...) O universo e as coisas e as criaturas, tudo quanto vemos é formado de átomos invisíveis e imponderáveis. O Universo é um dinamismo. Deus é a alma universal: in eo vivimus, movemur et sumus. (Nele vivemos nos movemos e existimos.) (...) O que constitui essencialmente o ser humano, o que o organiza, não é a sua substância material, não é nem o protoplasma, nem a célula, nem essas maravilhosas e fecundas associações do carbono com o hidrogênio, o oxigênio e o azoto; é a força anímica, invisível, imaterial. É ela quem agrupa dirige e retém associadas as inúmeras moléculas que compõem a admirável harmonia do corpo vivente. [130] [destaque nosso].

Pois bem, já vimos que o simples fato de darmos nomes a tais ou quais coisas não nos habilita a dizer que asconhecemos. A bíblia apregoa termos vindo do barro. Usemos, então, o barro como exemplo. Se perguntarmos a um oleiro o que vem a ser o objeto com que labuta, ele diria, simplesmente, que trabalha com barro. Porém, o que vem a ser o barro senão um nome que atribuímos a algo que desconhecemos e que, por termos nomeado, criamos a ilusão de conhecermos?! Se fizéssemos esta mesma pergunta a um cientista, ele daria uma resposta algo parecida com esta: substância silicosa, composta por determinada proporção de água e de matéria orgânica decomposta, além de uma outra tanta porcentagem de silício, etc; ou poderia dizer ainda que barro é um agrupamento de átomos de determinados elementos químicos, discriminando-os, um a um, em seguida. Ora, não importaria de que elementos químicos seja ou que tipo de átomos o componha. Átomo é, também, um nome que demos pra algo que desconhecemos. E ninguém se assuste se o Direito — denominação vazia de consenso quanto a uma definição e/ou conceituação unívoca — jamais vier a receber definição precisa, donde pulula ainda mais a vaguidão. Como vemos, o que chamamos sólido nada mais passa de uma ilusão fornecida por nossos sentidos. O que nos sustêm, em termos macro, palpáveis nãoé a matéria de que somos feitos, masuma força organizadora (e desconhecida) que mantém a "matéria"de que são feitos os átomos unida; força esta que, com o cessar da vida, pára de atuar, ocorrendo aí a desagregação dos corpos. Sabemos que há um sentido para onde a corrente do tempo faz correr. Já falamos de devir, da eterna mudança que permeia tudo o que — segundo a óptica humana — existe. A essa corrente chamamos entropia. Ela (a entropia) ruma no sentido da desagregação dos corpos e dos sistemas. Entretanto, há força outra que rema contra esta maré. A isto chamamos vida. Que força é essa que teima em fazer com que os corpos permaneçam agregados e com que os sistemas se tornem mais e mais complexos, quando — por força da lógica (humana) — seria inconcebível que do acaso surgisse a complexidade e a inteligência? Anaxágoras chamava-a de amor (vida), e, por correspondência negativa, a entropia não equivaleria à outra idéia que não à do ódio, que separa e desune.

A ciência moderna afirma ter o orgânico surgido do inorgânico, que os primeiros seres vivos, dos quais evoluímos, teriam sido os coacervados. O nome era usado para representar nada mais que um amontoado, um grumo de células que, em meio ao ‘caldo primitivo’ de uma Terra ainda rude, galgou o patamar organizacional de vida. Podemos ver que não seria uma afirmação muito diversa daquela segundo a qual o homem teria surgido do barro, já que o barro nada mais é que matéria inorgânica – uma metáfora analogicamente muito bem aplicável ao caldo primitivo dos primórdios de nosso planeta. Todavia, não podemos afirmar sequer o que venha a ser vida, por ser também um simples nome que demos a algo que desconhecemos. Entretanto, movidos pelo mesmo egoísmo e antropocentrismo (velado ou não) o Homem nega mesmo a existência de vida em outros planetas que não na Terra, quando não sabendo o que seja vida, também não pode precisar onde haja ou deixe de haver. Ainda hoje a ciência moderna reluta entre admitir, ou não, a "vida" de um simples vírus, ora porque ele precisaria parasitar outras células para reproduzir-se e/ou alimentar-se, ou não tendo desenvolvido organelas respiratórias, etc. Mas, como vimos, sequer sabemos o que seja vida, e julgamos não havê-la em outros orbes de nosso sistema solar, ou de outros sistemas, simplesmente, por não terem condições semelhantes às de nosso planeta (como se vida só houvesse nas condições que imaginamos, curvando-se à pretensa vontade humana), ou por — mesmo usando as poderosas lentes dos satélites — nada conseguirmos ver de vida similar à nossa. Ora, olvidam nossos ilustres cientistas que, ignorando o que seja a vida, igualmente ignoramos as condições em que ela se dá. Esquecem-se também quão pequeno e estreito é o limite da faixa de freqüência visual dos homens terrenos, nada podendo ver aquém do infra-vermelho ou além do ultra-violeta? Assim sendo, muita coisa há que não vemos e — exatamente por não sabermos o que seja vida — desconsideramos que, dentre as muitas coisas que não vemos, vida pode haver, e em condições possivelmente bem diversas daquelas que, movidos pelo antropocentrismo, julgamos sejam as únicas em que a vida seja possível. Inumeráveis seriam as implicações desta simples constatação para o mundo jurídico. Para não citar muitas, indagaríamos então: como tipificar o aborto ou a eutanásia, por exemplo, se — desconhecendo o que seja vida — desconhecemos quando ela principia e quando cessa por completo? É essa a visão de todo proposta pelo paradigma emergente: a de questionar o inquestionável, a de não opor limites àquilo que desconhecemos, a de não se permitir prender nas amarras de dogmatismos similares aos que a ciência tanto combate. Quanto à vida universal, Flammarion, novamente, nos oferece melhor palavra neste afã:

A vida é o fim da criação inteira. Se não houvesse vida, nem pensamento, tudo isto seria como que nulo e não acontecido. A Criação é um poema, do qual cada letra é um sol. Estás destinado a assistir a completa transformação da Ciência. (...) — A vida universal! disse eu. Os planetas do nosso sistema solar serão todos habitados?... São habitados os milhares de mundos que povoam o infinito?... Essas humanidades assemelhar-se-ão à nossa?... Conhecê-las-emos algum dia? [131]

3.1 Noções de Sistema:

Falamos, há pouco, sobre desagregação de sistemas, sem ao menos desanuviar o que viria a ser sistema. E uma visão holística (de todo, total) de mundo pressupõe quase que naturalmente a noção de sistema, que lhe é basilar. "A palavra sistema nos remete a inúmeros conceitos em princípio bastante distintos: o sistema solar (sistema físico), o sistema nervoso (sistema biológico), o sistema computacional (sistema eletrônico), entre outros." [132]

Um sistema é um conjunto (ou grupo) de elementos organizados, inter-relacionados ou interdependentes que forma um complexo ou todo unitário (coordenado) e diferente e (de certa forma) destacado do exterior que o cerca. [133]

Os elementos são os componentes do sistema e, ao contrário do que a priori poder-se-ia supor, não caracterizam o sistema. (...) O que caracteriza um sistema estelar não são o número de planetas, o tamanho dos corpos celestes, sua composição química ou mesmo sua temperatura. (...) O que caracteriza um sistema é sua organização. (...) A organização é a relação entre os elementos do sistema que permite ao observador isolar o sistema de seu ambiente. (...) Assim, a força de gravidade faz com que todos os corpos celestes de um sistema estelar girem em torno de um centro comum (no caso do sistema solar, o Sol). A organização de um sistema estelar é, pois, de inúmeros corpos celestes girando em torno de uma estrela. (...) Se, por hipótese, ocorre alguma alteração nesta organização (a gravidade deixa de existir, verbi gratia) o sistema deixa de existir ou torna-se um novo sistema com natureza absolutamente diversa do anterior. [134] [destaque nosso].

Não seriam, pois, as partes que caracterizam um sistema, mas aquilo que o mantém unido, aquilo que garante que dado sistema mantenha sua estrutura organizacional, aquilo que faz com que seja um sistema, algo diverso da multidão dos elementos dispersos no ambiente, muito embora possa ter composição exatamente idêntica à do próprio ‘exterior’, porém, numa conformação organizada. Quando o homem se percebeu diverso da Natureza, foi que notou haver fronteira entre si e ela, foi que teve noção (ainda que muito rudimentar) de ser, ele próprio, um (sub)sistema – diverso, pois, do ambiente em derredor. "Etimologicamente, ‘ambiente’ vem do latim entis, que significa rodear, envolver. É o meio em que vivemos." [135] Algo muito similar à noção de entorno, no obscuro pensamento de Niklas Luhmann (1997). O ambiente (a natureza) é, de fato, o mais amplo sistema com o qual interagimos, seja a nível coletivo ou individual; a idéia de ambiente tem mais a ver com um supra-sistema cósmico no qual nos inserimos [136] que com uma criação cultural e terminológica humana, afeita a atender nossos interesses e necessidades, como pretensamente erigida para a satisfação humana.

Podemos perceber, ainda, haver algo em todo e qualquer sistema que se perpetua, sob pena de o próprio sistema deixar de ser o que é, passando a ser outro; algo se mantém, algo que o define e caracteriza, algo que constitui o cerne do que ele é (sua essência, por assim dizer). No caso do sistema solar seria a lei ou princípio da gravitação universal que garantiria a unidade sistêmica, muito embora suas partes componentes possam ser alteradas sem que isso afete o sistema, enquanto unidade organizacional, eis que tal lei permanece.

Aquilo que não participa da estrutura organizacional do sistema, aquilo que não constitui parte dele, tudo o que não é mantido por seu princípio organizador, estando, pois, fora do sistema, é denominado ambiente. Em verdade, podemos afirmar que existem sistemas concêntricos, como conjuntos que contém conjuntos menores, sendo que o sistema maior, aquele que engloba todos mais, seria o sistema primordial, donde todos os outros seriam apenas subsistemas seus. Assim, por preciosismo da linguagem, só haveria realmente Um Único Sistema Verdadeiro: O Sistema Universal. Todos os demais sistemas nada mais seriam que subsistemas do Cosmos. Os subsistemas, ou sistemas isolados, só seriam admissíveis, enquanto simples tentativas didáticas de apreendermos a parte, por nossa impossibilidade atual de divisarmos (ou pelo menos não com a minúcia necessária) o Sistema Maior e suas inter-relações com suas subpartes. Um sistema (subparte) está sempre inserido num sistema maior (subtodo), e com ele está em constante troca, bem como com os outros subsistemas, sem que, por isso, perca tal condição. A troca de um sistema (subsistema) com o ambiente ou com outros subsistemas, em regra, nada altera sua estrutura organizacional, ou seja, quer permute elementos, componentes seus (suas partes), quer troque matéria ou mesmo energia com o meio ou outros sistemas, se sua conformação organizacional não se altera, o sistema persiste [137]. Não haveriam, pois, sistemas plenamente fechados, ou seja, todos os sistemas se encontram em constante troca, sendo, pois, abertos – o que não quer dizer que percam sua identidade. "Cada parte (ou sub-parte) é, pois, um possuidor de tendências auto-afirmativas (indivíduo) e integrativas (em relação a um subtodo que lhe está imediatamente acima na hierarquia do sistema [maior] a que pertence)." [138] De todos os subtodos (ambientes) com os quais interagimos, seria exatamente a Natureza o maior sistema a que nos vemos atados.

3.1.1 Sistemas Alopoiéticos e Sistemas Autopoiéticos:

"A alopoiese é um processo pelo qual uma determinada organização produz algo diferente de sua própria organização. Um exemplo de sistema alopoiético seria uma linha de produção de uma indústria automobilística. (...) Uma linha de produção é capaz de produzir carros, mas não as máquinas usadas na própria linha de produção. (...) Por outro lado, sistemas autopoiéticos são literalmente aqueles que se auto-produzem." [139] Um organismo vivo possui células que se auto-reproduzem, a fim de manter o organismo, como um todo, vivo. Os sistemas autopoiéticos são, portanto, auto-referenciais.

A idéia de autopoiesis é a mesma que pressupõe tenham os ditos coacervados percorrido o caminho evolutivo até a condição humana, movidos pelo mero acaso e pelo caos, através de um sem-número de tentativas aleatórias, quando, como já concluímos, primu conspectu, se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. Em tais condições, portanto, o acaso não existiria, e esse rumar contra a tendência entrópica seria guindado por um princípio organizador. Anaxágoras chamava isso de ‘amor’; há quem chame ‘vida’; outros preferem o nome ‘alma’ (a fazer a matéria ‘cheia de deuses’, como pretendia a metáfora de Tales, a dizer que algo imperecível persistia); outros mais a isso denominam ‘razão’. Nós, porém, chamamos ‘princípio’ (organizador). O certo é que, como também já vimos, nomes são apenas nomes, pouco dizendo sobre os objetos por eles rotulados [140]. Todavia, a importância da conclusão acima vai além do mero interesse filológico. Seria ‘isto’, independente da indumentária vocabular que adotemos, a propugnação mesma do fim do materialismo, eis que aquilo que garantiria a união e a organização das células de um corpo (mesmo o dos primitivos coacervados), aquilo que manteria a organização de todo e qualquer sistema, por assim dizer, seria uma força, imaterial e invisível, qual é para os corpos celestes a gravitação universal [141], não sendo produto, pois, da mera soma das partes, do mero amontoado de células, nada devendo à matéria em si (ou pelo menos àquilo que chamamos de matéria). A ciência moderna tendo esquadrinhado a matéria, parcelado o todo em suas partes mais ínfimas, não logrou encontrar respostas para os sentimentos, para a vida ou mesmo para a inteligência; não na matéria, não no mero amontoado de átomos; mas naquilo que os mantém unidos sob dada conformação sistêmica, ou seja, naquilo que os faz serem – em conjunto – algo novo, algo diverso do meio que os cerca, algo diverso dos mesmos átomos, muitas vezes similares e de elementos químicos iguais, que bailam no exterior, separando-os, pois, do ambiente (enquanto categoria diversa), mas não obstaculizando, de todo, as trocas com o ‘exterior’ ou mesmo com outros sistemas.

A característica mais peculiar de um sistema autopoiético é que ele se levanta por seus próprios cordões, e se constitui como diferente do meio por sua própria dinâmica, de tal maneira que ambas as coisas são inseparáveis. (...) O que lhes é peculiar é que sua organização é tal que seu único produto são eles mesmos. Donde se conclui que não há separação entre produtor e produto. O ser e o fazer de uma unidade autopoiética são inseparáveis, e isso constitui seu modo específico de organização. [142]

O único objetivo de um sistema autopoiético seria, assim, a manutenção da organização sistêmica, ou seja, evitar a morte do sistema e a dispersão de seus elementos. Duas situações poderiam culminar com o fim de um sistema (sua morte, por assim dizer): 1° - a perda de seu princípio organizacional (seu cerne, sua alma), com a conseqüente mudança completa do sistema, seguida de sua desagregação, ou seja, quando ele permute algo mais que seus simples elementos, perdendo sua capacidade organizacional, seu princípio, aquilo que o faz diferente do ambiente em derredor; 2° - quando perca, pois, seu princípio organizador para adotar um outro, assumindo, assim, feições de uma nova ordem, tornando-se um novo e diverso sistema.

3.1.1.1 O Direito e a Sociedade como Sistemas:

Niklas Luhmann (1997) propõe sejam o Direito e a Sociedade qual sistemas autopoiéticos, modelos organizacionais cuja única função seria, em última análise, manter-se, perpetuar-se; sistemas auto-nascidos (?!), auto-mantidos e auto-organizados. Como vemos, atinge-se aqui um nível de aproximação entre as ciências naturais e as sociais nunca antes ousado ou pretendido. Nessa proposição, os elementos do sistema social não seriam mais o conjunto de indivíduos, mas a informação. Como só poderia haver noção qualquer de sociedade num grupamento de indivíduos, portanto, quando houvesse mais de um ser, o indivíduo, visto isoladamente, perderia o caráter de elemento da sociedade, eis que esta só haveria quando houvesse pelo menos dois. E, como entre dois indivíduos há troca de informações, comunicação, pois, eis então o padrão organizacional da sociedade, para Luhmann, a comunicação. [143] A moeda do Universo seria a informação, informação que pode transitar entre os sistemas. Ora, o que viria a ser o DNA que não a informação para codificar um corpo inteiro, ou seja, a informação para erigir todo o sistema de que faz parte. Seria como numa visão repensada da sabedoria oriental aos moldes ocidentais: a parte conteria o todo, exatamente como o todo a contém. Vejamos: o todo corporal contém (é composto por) células; tais células, muito embora só reproduzam a si próprias, contêm informação (genética) para edificar todo o organismo (corpo).

Pois bem, sabemos que os sistemas vivos são aqueles que assumem os contornos mais nítidos de uma caracterização autopoiética. E os sistemas vivos tendem a, tão-somente, manterem-se vivos, não importando o custo. Quando somos acometidos por uma gripe, por exemplo, nosso organismo encaminha um sem-número de anticorpos para combatê-la, os quais, ao fim, são excretados, como células mortas, dispensáveis na luta pela sobrevivência; ou seja, não importa a morte de algumas células (de alguns componentes do sistema) desde de que o corpo (sistema) permaneça e se perpetue. É imperioso inferirmos que, adotando tal visão de mundo, culminaríamos com um relegar do indivíduo a um papel, para menos dizer, de segundo plano. Os indivíduos, segundo o funcionalismo sistêmico, não passariam, pois, de ‘organelas’ do imenso sistema social "vivo", sendo perfeitamente dispensáveis, na manutenção de suas estruturas maiores. Operou-se, assim, um retorno ao organicismo proposto pelos gregos antigos, sobretudo por Aristóteles, e retomado por um considerável número de Sociólogos até Luhmann; e, todavia, agora muito mais elaborado [144], como pede o movimento pendular da evolução (dialética) meramente rascunhada no início desta nossa análise [145].

Ora, sendo a sociedade e o Direito sistemas autopoiéticos, seria perfeitamente natural o sacrifício meramente utilitário de algumas – ou várias – vidas humanas para a manutenção do status quo e, conseqüentemente da autopoiese do sistema. (...) A manutenção de uma parcela de seres humanos absolutamente marginalizada, em condições sociais miseráveis, seria perfeitamente lícita desde que não prejudicasse a autopoiese do sistema. [146]

O Direito, segundo o funcionalismo sistêmico, é um subsistema da sociedade, e sendo, portanto, ele também, um sistema autopoiético, nada mais visaria que produzir mais direito, ou seja, sua finalidade última seria manter-se – não importando, assim, o teor (moralmente justo ou injusto) das decisões obtidas pelos juízes e do cumular das jurisprudências, desde que não afetem a perpetuação do sistema. Uma idéia muito similar à proposta Kelseniana, com a ressalva de que ali se propôs o Direito como um sistema fechado, mas igualmente não afeito a quaisquer elementos sociais ou morais, tendo dado margem a propensões totalitárias (antidemocráticas, portanto). A tese que Luhmann defende dá azo a uma visão de Direito igualmente amoral. O Direito assim visto não mais visaria proteger os indivíduos e garantir o seu bem-estar, mas resguardar a sociedade e seu padrão de organização – a comunicação.

Fica evidente que, ainda que se admita a concepção sistêmica da sociedade, visto que, como seres humanos, nos encontramos em permanente acoplamento estrutural [em comunicação] com outros seres humanos, tratar-se-á de um sistema alopoiético. (...) Este metassistema formado pela agregação de unidades autônomas (indivíduos) é uma criação do homem para o homem. (...) A função do sistema social não pode ser concebida como sua própria preservação, mas como a preservação do homem enquanto homem. (...) Esta preservação do gênero humano, só pode ser alcançada com o progressivo incremento da autonomia individual, através da garantia pelo sistema social dos direitos humanos individuais (liberdade, igualdade, etc), sociais (educação, saúde, etc) e políticos (efetiva participação nas decisões da sociedade). (...) Em suma, a sociedade não pode ser concebida como uma célula que vive para manter-se viva. A sociedade deve ser concebida como uma linha de produção em benefício do homem, cuja finalidade é produzir um incremento da autonomia individual e do bem estar social de cada ser humano. [147]

A própria idéia de autopoiese parece ser inverossímil, segundo os próprios pressupostos científicos, uma vez que nada surge do nada e que todo efeito há de ter tido uma causa. Assim, usando como exemplo os coacervados enquanto primeiro sistema vivo do globo, se poderia até dizer que teria surgido ali uma organização (um sistema), mas não teríamos elementos racionais para falar em auto-organização, como pressupõe a idéia de autopoiese.


4. A UNIVERSALIDADE DOS PRINCÍPIOS CIENTÍFICOS E A UNIDADE SISTÊMICA:

Até então, falamos bastante sobre princípios, sem, contudo, minudenciar suas características, sem conceituá-lo ou defini-lo, apenas delineando os contornos mais gerais do que seja, mas não sem razão. Julgamos não podermos falar de princípios sem antes termos erigido todo o substrato supra-exposto e que serve de corolário lógico a qualquer definição que se pretenda fundada, no âmbito da matéria de que ora tratamos. Assim, cabe aqui uma palavra sobre o que venha a ser princípio. Fulcrados em toda a extensa explanação supra, temos diante de nós dois alicerces, dois pontos-chave para iniciarmos este percurso analítico: 1° – temos que: a Ciência é descoberta e não criação; e 2° – a idéia basilar de que: a Ciência tende à universalidade (ou, ao menos, à generalidade). Resta-nos, pois, a tarefa de descobrir o que é universal na Ciência. Já concluímos alhures que, se há um campo estritamente criativo para o labor científico, esse campo seria o dos modelos criados para ‘interpretar’ a realidade, o das visões de mundo, o dos paradigmas ou, para usar uma expressão nova e não menos caracterizadora do que isso seja, o dos "espíritos de época". A esfera dos objetos, em si, permaneceria inalterada. Haveria algo nos objetos analisados pelas ciências que não mudaria, ou que, pelo menos, tenderia a permanecer, sob pena de que o referido objeto deixe de ser o que é passando a ser outro diverso, e a ciência que sobre ele se debruça passe a ser outra diferente daquela que fora [148]. E, por fim, retornaríamos à mesma ordem de problemas que perturbaram desde Parmênides e Heráclito (entre outros) a Aristóteles, Kant, etc.

Já vimos que, em matéria científica, o conhecimento teórico é obtido antes mesmo de sua aplicabilidade técnica: a teoria precederia, portanto, a técnica. E vimos, também, que gênios do quilate de um Arquimedes, um Newton ou um Einstein tiveram de desvendar primeiro os princípios básicos do saber sobre os quais se debruçaram, para, só assim, conseguirem solucionar os problemas de ordem prática. Arquimedes teve de primeiro descobrir os princípios básicos da hidrodinâmica para, só então, conseguir solucionar o problema de averiguar a existência, ou não, de proporções de prata na coroa de ouro do rei, sem derretê-la; e igualmente foi assim com Newton e as Leis da Gravitação Universal; também assim se deu com o insight de Einstein ao perquirir o movimento curvilíneo da luz e a Teoria da Relatividade. Ora, antes descobrirem "o útil", desvendaram que, em condições iguais, não importando onde estivermos, desde de que mantenhamos as mesmas condições, os fenômenos são reproduzíveis. E são reproduzíveis porque se fundam num mesmo princípio. A repetitividade dos fenômenos só se dá porque há de haver algo de constante, algo que não mude, algo que tenda ao universal e ao eterno.

Igualmente já vimos que um sistema pode permutar partes com o todo, sem se alterar, sem deixar de ser sistema, pois. E isso exatamente por não perder sua organização, enquanto característica delimitadora das fronteiras entre si e o ambiente. E mesmo a organização, que parecer ser a característica externa mais visível de um sistema (e dele definidora mesmo, por assim dizer), mesmo esse padrão organizacional se apresenta muito mais como um resultado (efeito), que como um agente (causa). Quando utilizamos o campo gravitacional como exemplo, dissemos que aquilo que manteria estável todo o sistema, o que em última análise garantiria sua organização, seria a lei (princípio) da gravitação universal [149]. Assim, é, pois, o princípio aquilo que assume características universais em matéria de Ciência. É ele que garante a unidade sistêmica. Desde os pré-socráticos não foi outro o objeto da atenção humana que não o tentar conhecer o princípio das coisas, ora sua unidade mínima (como foi com os atomistas), ora sua característica imutável (arché), sua substância básica e primordial (physis), como se deu com as demais escolas. Aristóteles já nos teria legado que só há mudança naquilo que é acidental, nunca no que é essencial [150].

E não foi outra a nossa pretensão com toda a presente análise, desde o início até aqui, que não a de demonstrar que princípio (a arché dos gregos) não é outra coisa senão aquilo que, parcela mínima que seja, sobrevive à mudança (ao devir), e que mantém a identidade sistêmica (unidade mínima mantenedora do padrão e da estrutura) de tal ou qual sistema (in casu: de tal ou qual secção do saber ou sistema de conhecimento), a fim de que a mesmo não deixe de ser o que é passando a ser outro, por não conservar nada do que fora outrora – se é que admitimos possa haver uma mudança categórica nestes termos (uma pretensa permuta e perda da essência por uma outra) – sustendo em si a característica mínima do sistema, seu padrão de organização, persistindo mesmo quando de mudanças paradigmáticas. E isso vale para os ditos saberes sociais (como é o caso do Direito) tanto quanto para quaisquer outros.

Tema mais pertinente não há, seja em Direito ou em qualquer outra faceta do saber humanamente conhecido, que não aqueles que versem sobre aquilo que "É", sobre o que pode ser adjetivado de universal e de imutável, sobre o que tem aplicabilidade nesta ou naquela área do conhecimento (in casu: nesta ou naquela área jurídica), sobre o que se acerca de todo o (sistema) Direito e, com muito mais propriedade, o que excede e sobrevive a ele.

Princípio não seria outra coisa, senão aquilo que se opõe ao que é contingente, ao que é superficial, ao que é temporal, e, portanto, antinômico também ao que é mutável com o evolver das sociedades e de seus respectivos corpos legais. Princípio é o que permanece firme e fixo após as tempestades e furacões de mudanças [151]. E não deve — posto por demais improfícuo — voltar-se o labor racional do homem para aquilo que é contingente, antes de fazê-lo em relação ao que é absoluto ou, quando menos, geral.

Em todos os campos científicos não se perquire outra coisa senão leis (princípios) universais. Ciência nada mais seria que a descoberta de tais leis. Em matéria de Direito, não poucas foram as construções teóricas que primaram pela criação sem fundamento, abandonando a descoberta, abandonando a perquirição do que há de universal, dos princípios, que, como já vimos, consistem naquilo que mantém a unidade sistêmica. O caminho que Hans Kelsen (1991), H. L. A. Hart (1986), Niklas Luhmann (1997), entre outros mais, não quiseram percorrer, era exatamente o caminho que, como homens de ciência que eram, deveriam ter trilhado, partindo do exato ponto em que se obstaram a perquirir cientificamente, ou seja, quando se negaram a seguir em frente na tentativa de descobrir o que de fato havia sob o véu do desconhecido, respectivamente criando então uma Norma Fundamental (que de hipotética passou a ficcional) [152] ou valendo-se de uma Regra de Reconhecimento [153] (também, desprovida de conteúdo e que igualmente fundamenta a validade de conteúdos totalitários), ou ainda, furtando-se à análise dos fundamentos da validade e/ou causas de existência (princípios), apoiando-se, então, no engendrar de um sistema que cria a si próprio (autopoiético) [154] e cujo único propósito é perpetuar-se, qual se dá com os seres vivos — mesmo que isso culmine na eliminação de algumas células marginalizadas pela pobreza (que nós mesmos criamos) ou pela primazia do interesse econômico sobre os difusos, os quais abraçam a todo o globo, mas nem sempre satisfazem os ricos poucos. Como vimos, Ciência está mais relacionada à descoberta que à criação. E, com as Ciências Sociais, ou, de mais propriamente, com o Direito não se dá de forma diferente. É desse ponto que deveria partir qualquer teoria hodierna que se pretendesse sólida e científica, no sentido de descobrir e não de criar sem base ou fundamento. A Ciência perderia, assim, sua função basilar de representação do real e natural. Proposições criadoras como as de Kelsen, Hart e (em menor monta) Luhmann distanciam o Direito daquilo que ele é, enquanto forma de representar (retratar) a face reguladora da sociedade da qual se acerca, perdendo, pois, seu caráter de ciência, uma vez que não mais retrata o real (os anseios sociais), mas o cria. Eis o maior insight cientifico, o de perceber que tudo no imenso sistema universal é solidário, o de constatar que as leis que o regem se aplicam desde a pequenez dos vermes ao gigantismo das estrelas. Bem se vê que o labor científico prima por tatear os liames entre tudo o que há, perquirindo os princípios que subjazem a Natureza, intentando encontrar a racionalidade que se oculta por detrás dela. Conclusão mais que óbvia é a de que efetivamente fazemos parte da Natureza (indivíduos, subsistemas seus); somos animais; racionais, porém. E, portanto, podemos constituir igualmente objeto de estudo natural, conquanto algumas correntes de pensamento o tenham negado veementemente, invalidando, pois, a configuração de ciências humanas.


5. A POSSIBILIDADE DA CONCEPÇÃO DE EVOLUÇÃO: O SER E O SABER

Antes, porém, de enfeixarmos os dados colhidos para fundar nossa conclusão, cabe ainda uma prévia análise sobre a plausibilidade de evolução no contexto das mudanças paradigmáticas que já descortinamos. Ora, o que nos permitiria dizer que a mudança, a alteração, o devir se daria no sentido de um padrão mais aprimorado? Que elementos temos para afirmar isso? Bem, possuímos o mecanismo da visão sem que compreendamos como tal se dá; contudo, vemos. Percebemos a evolução, embora não compreendamos os mecanismos que a regem, ainda assim, intuímos que ela há, nós a "sentimos". Ora, entre dois objetos quaisquer, só podemos asseverar que sejam "iguais" (similares) ou diferentes, nada mais. Em relação a um estado anterior e outro posterior de um mesmo objeto que apresente uma mudança de estado com o decorrer do tempo, só podemos, conscienciosamente, dizer que mudou, que se tornou diferente, nada mais. Entendemos, assim, que a evolução só se daria, só seria possível de perceber, tendo como base – e sempre – três pontos distintos: os dois primeiros que seriam objeto de comparação e um terceiro, tomado como referencial, e objetivamente mais perfeito que os anteriores.

Vale dizermos logo, como base exemplificativa deste nosso raciocínio, ser errônea a concepção de que os princípios jurídicos seriam mutáveis e de que esta mutabilidade serviria de garantia à consecução e à manutenção das conquistas e ideais democráticos. Paradoxalmente, isto seria o meio mais hábil e eficaz de se fazer soçobrar as garantias, conquistas e direitos humanos e universais — cujo impagável preço foi o sangue e a vida de muitos — sob o pretexto e o engodo de, em nome destes mesmos direitos, tudo ser mutável, inclusive eles próprios. Para efeito exemplificativo, imaginemos que o único parâmetro aceito para o justo e o correto seja o que for apregoado e convencionado pela maioria, numa clara deturpação do ideal democrático, tal como ocorreu com a "proposta" Nazista. Nesse estado de coisas, em que há total ausência de parâmetros absolutos (ou pelo menos mais rígidos) para nortear o agir humano (exceto a vontade da maioria, que é fugaz e torcível ao sabor dos interesses), resta inócuo qualquer argumento ou posicionamento contra atitudes eminentemente atentatórias à liberdade, à vida, à dignidade, etc. Mormente, quando tais atitudes estejam sustentadas no dogma do relativismo e sejam secundadas pela vontade da maioria (exceto talvez a vontade geral rousseauniana). Em tais condições, tudo o que se poderia dizer de um ordenamento que adotasse essas posturas é que seria diferente dos demais, tão-somente diferente dos demais. Não haveria falar-se em justo ou injusto fora do ordenamento e nada haveria que contrariasse a vontade da maioria (dentro de cada ordenamento), ainda quando esta atentasse contra aquilo que chamamos Direitos Fundamentais. E, ressaltemos, mesmo que percebamos terem estes últimos (Direitos Fundamentais) sobrevivido ao vigor das mudanças paradigmáticas e mostrado clara validação principiológica — como verdades que se sustêm apesar das mudanças históricas — mesmo estes poderiam perfeitamente tombar ante o prisma de um relativismo absoluto. Mais objetivamente, digamos que vazio, inócuo e sem sentido seria qualquer discurso do Ocidente no sentido de combater a opressão sofrida pela mulher em muitos países (islâmicos, por exemplo), de vez que — no seio do próprio Ocidente — sempre tem imperado (ainda que veladamente) a noção de que tudo seja relativo. Noção esta fornecedora de sustentáculo ideológico ao império da vontade da maioria e, portanto, justificadora da opressão sofrida pela mulher em muitos países, já que ali se trata de padrão cultural diverso do nosso, além do que, imposto pela maioria. Ora, jamais poderíamos alcunhá-lo de melhor ou pior que quaisquer outros, apenas diferente, afinal, sob tais auspícios, tudo é relativo! Assim, com o dogma do relativismo, é que caem por terra todas as conquistas consubstanciadas nos Direitos Humanos Fundamentais. E para além da necessidade lógica da existência de princípios imutáveis, resta claro o seu imperativo social.

De asseverarmos, ainda, por clamor de razão mais perspicaz, que "se tudo é mutável", a mutabilidade é lei universal, absoluta e, paradoxalmente, "imutável". Isto, de pronto, já é prova de haver coisa outra que seja imutável e absoluta, mesmo que seja esta lei que prediz que "tudo é relativo", fazendo a si mesma algo absoluto; e, portanto, contrário a si.

O simples fato de desconhecermos os extremos, o princípio e o fim da caminhada, e de enxergarmos apenas uma fração de um processo maior, poderia parecer elemento suficiente a não podermos afirmar qual dado (informação) estaria mais próximo do início da trilha ou que outro estaria mais perto do fim a que visam alcançar (mais perfeita, pois); e, portanto, qual dado estaria mais próximo do terceiro ponto (um paradigma mais perfeito), da desanuviada visão do real. Tal seria como se estivéssemos no espaço distante, onde nenhuma estrela ou astro se interpusesse diante de nossos olhos a poder servir de parâmetro. Aí, sequer poderíamos afirmar o que é para cima ou para baixo; o que é direita ou esquerda, posto não haver referenciais precisos para nos dotar de parâmetros à caracterização. Todavia, quanto ao progresso, podemos, sim, determinar que certos dados estão mais próximos de um pretenso paradigma maior, o qual sequer conhecemos, mas que em nós repousaria uma tênue ‘intuição’ (imperfeita apreensão da Lei Eterna, para usar a expressão de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino) de que Ele há e para onde eventualmente ruma.

Para o pensamento científico, o progresso demonstra-se, é demonstrável, sua demonstração mesmo um elemento pedagógico indispensável para o desenvolvimento da cultura científica. Por outras palavras, o progresso é a própria dinâmica da cultura científica, e é essa dinâmica que a história das ciências deve descrever. Deve descrever julgando-a, valorizando-a, eliminando todas as possibilidades de um regresso a noções erradas. A história das ciências só pode insistir nos erros do passado a título de elemento de comparação. Reencontramos, assim, a dialéctica dos obstáculos epistemológicos e dos actos epistemológicos. [155] (sic)


6. DIREITOS DE QUARTA GERAÇÃO – DIREITOS DE SOLIDARIEDADE:

O homem primitivo teria tomado por Deus a Terra (Gaia), a qual lhe devolvia farta colheita ao rasgo que o homem lhe fazia no seio, retribuindo — estranhamente (?!) — obem com o mal, numa concepção que poderíamos julgar bastante similar à moral. Situação igualmente inusitada se teria dado com as mitocôndrias, organelas que em nosso corpo são as responsáveis pela respiração a nível celular; e que, outrora, não teriam passado de bactérias em "associação" com as células de organismos pluricelulares, a fim de garantirem subsistência mútua, num agir que poderíamos dizer qual uma apreensão rudimentar do que entendemos por solidariedade. As plantas a liberarem oxigênio e consumirem gás carbônico nos ofertariam o combustível da vida, numa clara confirmação da idéia de interdependência entre os sistemas. E, como vemos, não é à toa que os chamados Direitos de Quarta Geração, no seio dos quais se enquadra o Direito Ambiental, são também denominados Direitos de Solidariedade. O homem primitivo chamou também Deus ao sol, por sua grandiosidade, beleza e intangibilidade. Viu também as feições de Deus nas plantas que voltavam frutos tanto a bons como a maus, sem exceção, traduzindo esta mesma natureza uma racionalidade superior e sábia, como bem apregoavam Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Sabedoria esta já observada pelos grandes mestres da humanidade. Cristo já dissera: ‘Deus faz chover sobre justo e injustos’. E não podemos conceber conduta mais justa que esta. É o que nos aclara Sócrates, em diálogo com Críton, conforme o relato de Platão. Para Sócrates, a Justiça consistiria em fazer o bem a todos. Críton, por sua vez, afirmava que a Justiça consistia em fazer o bem somente aos bons e ao mal aos maus. Com escopo de refutar tal pensamento, Sócrates demonstrou que, se fizermos o bem aos bons, eles se tornarão melhores; e ao fazermos o mal aos maus, eles se tornam piores ainda. Então, que "justiça" seria essa que, tendendo a manter a estrutura (segurança) social, prima por tornar bons melhores e maus piores, ampliando, pois, a esfera dos problemas que visa inibir, eis que torna os maus piores e passíveis de cometerem mais ilegalidade (quando não, injustiças)? Assim, em conformidade com Sócrates, a Justiça consistiria em fazer o bem, não somente aos bons como aos maus também, tornando a ambos cada vez melhores e que isso seria justo (Justiça), uma vez que, paulatinamente, erradicaria a prática de ilegalidades e injustiças.Nada muito diverso de ‘dar a chuva a justos e injustos’ ou ‘conceder a árvore frutos a bons e maus’. Com Moisés teria vindo a compreensão de que Deus consubstanciaria Leis, rudimentos da compreensão hodierna de leis eternas e imutáveis que regem o Cosmos. Tudo teria sido engendrado em conformidade com Leis uniformes, perfeitas e universais. Lembrando Santo Tomás e Santo Agostinho, até mesmo o humano ente teria sido cunhado em consonância com tais Leis. E poderíamos descobrir tais Leis impressas no cerne do que define o Homem como tal, bem como em tudo o quanto há, segundo pressupunha Sócrates com o seu "conhece-te a ti mesmo". Jesus, por sua vez, veio alargar as percepções de Deus para o Mundo Ocidental, mostrando que o "Criador" também seria Amor e Perdão. Newton e Einstein trouxeram à tona a idéia de que Deus também é Razão; e, portanto, Ciência. Já vimos que a idéia de que sempre houve um "Criador" sempre esteve com o Homem, muito embora, como ora constatamos, as percepções que tivemos dessa idéia tenham progredindo, sem que nada altere o que esse pretenso "Criador" seja. Tudo, porém, estaria interligado por um mesmo destino cósmico, com base nos mesmos princípios.

E não precisamos buscar no complexo uma analogia possível para justificar e/ou fundamentar tais afirmações. A lei da gravidade, por exemplo, imprime a corpos de massas diversas a mesma aceleração, qual seja, a aceleração da gravidade. Isto revela uma ordenação principiológica prévia e muito similar ao que concebemos seja justo. Ora, figura dentre as mais primitivas noções do justo a de que ‘se deve igualar os desiguais, eqüalizando-os, dando-lhes igualdade de condições e oportunidades’. Não é senão o que a gravidade faz, tornando iguais os desiguais, conforme, é claro, suas peculiaridades próprias. Isto é mais que simplesmente tratar os desiguais com igualdade, o que seria uma propugnação das mais injustas, eis que são, de fato, desiguais. Em consonância com as noções mais íntimas que trazemos acerca do justo, ela (a gravidade), efetivamente, atua conferindo a corpos de massas diferentes o mesmo trato, tratando-lhes em igualdade de condições, eqüalizando-os. Donde cabe aventar, ainda, da semelhança entre a Lei de Ação e Reação, de aplicabilidade material, e a moral cristã. Ora, dizermos ‘tudo o que plantardes, colhereis’ e afirmarmos ‘se fizerdes o bem ao próximo, ele retornará para vós; e se fizerdes o mal, ele igualmente retornará’, nada mais seria que a ação e reação vista newtoniana sob a ótica moral (humana, pois). Tomemos, então, a ação e reação de Newton — lei que, pretensamente, seria válida apenas para o âmbito da matéria — apliquemo-la à vida moral, como no exemplo acima dado, e saberemos que não há grandes diferenças entre o que Newton percebeu e o que Cristo professou, exceto quanto ao campo de atuação em que se debruçavam. Poderíamos dizer que, muita vez, o Homem age na vida moral, como quem ousa querer dar um soco na parede e não sentir a dor co-respectiva ou a força em sentido contrário.

Parece haver, de fato, um princípio de solidariedade universal adstrito à natureza, apesar de observações apressadas verem somente a "lei da selva". Inobstante a entropia rumar no sentido da desagregação, observamos, contra todos os prognósticos, a vida e sua evolução. E o homem, conquanto se perceba e se enxergue diverso e destacado da natureza, é congenitamente parte dela (natureza humana – subsistema do ambiente natural). Por meio das características presentes nas leis principiológicas (universais e necessárias), percebemos que tudo no universo é solidário, que tudo está interligado. Em última análise, atentar contra a Natureza é atentar contra toda a vida humana na Terra. Eis o fundamento de validade da proteção ambiental: a interdependência solidária de todos os subsistemas ao sistema maior (ambiente) com o qual interagimos (Natureza), sob pena de fazer ruir todo o intricado edifício de relações que nos mantém vivos, muito embora as construções legais apregoem a proteção ambiental com base num vago ‘direito das gerações futuras’, novamente focando apenas o Homem, por vezes, reduzindo o bem ambiental à co-respectiva punição de âmbito econômico, como se tal se pudesse equiparar.

O antropocentrismo superlativo defende a proteção ambiental em nome do vago conceito de "gerações futuras". A Lei n.º 9.433/97 indica como objetivo da política nacional de recursos hídricos assegurar-se à atual e às "futuras gerações" a necessária disponibilidade de água. O artigo 225 da Constituição Federal de 1988 propõe o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado às presentes e "futuras gerações". Defende-se a educação ambiental como um necessário e efetivo compromisso político dos administradores com as "futuras gerações". A preocupação com as "futuras gerações" é típica do pós-guerra. Freqüenta a Convenção Internacional de Regulamentação da Pesca da Baleia (1946), a Declaração de Estocolmo (1972) e a Declaração do Rio, princípio 3 (1992). Alexander Gillespie imagina um ombusdman para as "futuras gerações". O mote traduz auto-transcendência, atemporalidade. Gerações do passado teriam feito sacrifícios para as presentes e futuras. Porém nada sabemos a propósito das necessidades do amanhã. Há pouco mais de dois séculos não se pensava dos valores do petróleo e do plutônio. A preocupação com as "futuras gerações" tem certo sabor freudiano e consubstancia eloqüentemente mais uma face do antropocentrismo dominante. [156]

Não que defendamos aqui que a postura Antropocêntrica seja um exclusivo "privilégio" (?!) do Ocidente e uma "criação" sua, como também descremos que o Mundo da Cultura, sobretudo como visto pela ótica ocidental, todo esse arcabouço de convenções humanas tenha um tal poder de demover o que as coisas, de fato, são, para só valerem, prima facie, segundo – e subordinadamente – ao olhar e às denominações e terminologias humanas [157]. Ora, não bastou — e jamais bastará — que o homem cresse ter o planeta a forma achatada para que ele passasse a sê-lo, como não bastou apregoar que a terra se postasse fixamente no centro do universo para que lá ela se pusesse. O homem não demoveu um só milímetro a posição do sol quando o um dia creu estivesse ele no centro do universo. Como se vê, as conjecturas humanas, suas teorias e terminologias em nada afetam o que, de fato, há. [158] O fato de darmos os nomes de Fobos [159] (medo) e Deimos [160] (terror) a dois satélites de um planeta longínquo, nada acresce ou diminui ao que eles, de fato, são; tampouco revela que conheçamos algo a mais deles do que antes de os havermos denominado como tais. E tal se dá também no campo das Ciências Sociais. Como é de sabença geral, também não bastou que Adam Smith apregoasse haver uma "mão invisível" a regular todo o mundo econômico no sentido do bem da sociedade como um todo, para que lá ela houvesse e atuasse efetivamente [161]. Que o digam os exemplos históricos, a se imporem com a força irrefragável da evidência fática, qual o que se deu com o ‘Crack’ da Bolsa de Nova York em 1922, onde mão invisível alguma se viu atuar para amainar os prejuízos incalculáveis que se abateram sobre todo o mundo. Mas essa não foi a maior virtude das conclusões possibilitadas pelo fato acima referido.

Como já dissemos em linhas supra, a parte contem o todo, como o todo a contem. A crise econômica americana de 22 abalou o mundo inteiro, provando, com um tal peso e vigor, haver uma interdependência entre os elementos do campo social-humano, qual a que, há muito, se apregoava haver entre os elementos do campo natural.

Há, sim, — reconhecemos — um abismo entre o cultural e o real, é fato. E as dificuldades em transpô-lo não são poucas, a ponto de terem motivado um Kant a dedicar o labor de uma vida inteira na perquirição da simples possibilidade de conhecimento do real.

O contato com o contorno, com o universo que nos cerca, é extraordinariamente complexo e complicado. Somos, em todos os momentos, sem descanso, afetados por meio de radiações, sons, ondas de calor e de inúmeras outras maneiras. Nossos órgãos sensoriais recebem, filtram e processam essa quantidade espantosa de efeitos, eliminando os que não nos interessam imediatamente e interpretando, com auxílio das categorias cognitivas, as mensagens de nosso exterior e de nosso próprio interior. (...) A interconexão entre o homem e o universo está em grande parte balizada pela natureza de seus sentidos. Se ele dispusesse de ouvido diferente, poderia ser afetado por sons que lhe são inaudíveis; teria, por exemplo, a acuidade auditiva do cão. Analogamente, se seu olfato fosse mais potente, aproximar-se-ia, neste sentido, de outros mamíferos em cujas vidas o olfato desempenha papel preponderante. (...) A visão, também, poderia ser diversa; assim, imagine-se o que seria de nós se nos fossem acessíveis radiações eletromagnéticas situadas fora do espectro visível. Se possuíssemos visão de raios-X, sem dúvida, o mundo exterior se apresentaria a nós de outra forma: nossas imagens visuais se assemelhariam a chapas de raios-X. (...) O espaço-tempo, como o percebemos ou elaboramos, acha-se vinculado à nossa capacidade sensorial e à articulação dos sistemas nervoso e cerebral. Pequenas mudanças nesses sistemas produziriam, seguramente, enormes alterações no conteúdo intuitivo do contorno espaço-temporal. (...) Mas o aparelho sensorial não é o único fator de condicionamento do mundo que nos rodeia. Outro é constituído pelo modo como pensamos. As categorias a que recorremos para descrever o universo também o condicionam. Através de conceitos que criamos, em boa medida motivados pelo próprio mundo, é que o conhecemos, o dominamos e fazemos previsões que se mostram essenciais para nossa subsistência. (...) Por conseguinte, a compreensão do universo depende dele mesmo, mas, além disso, de nossa configuração sensorial e das peculiaridades de nosso pensamento. Seres fisiologicamente distintos de nós talvez chegassem a concepções do universo bem afastadas da nossa. [162]

Complementaríamos isso, com a obviedade de que as apreensões que temos do real, (com o evoluir de nossos sentidos, ou obtidas por seres com sentidos outros mais apurados que os nossos) seriam logicamente mais perfeitas e precisas.


À guisa de conclusão

Se o conhecimento sobre dado objeto (enquanto parte do repositório da Natureza) é mera criação (convenção) humana, se o saber humano até então erigido se consubstancia no mero rotular o Mundo Natural, então, conhecer é impossível e nada sabemos sobre cousa alguma, tampouco sobre a Natureza como um todo, tornando ilegítimo até mesmo qualquer elucubração no sentido de sustentar o viver e o existir humanos sobre este solo rude e frágil em que parcamente nos movemos, que se dirá da presente tentativa de perquirir um fundamento principiológico para a proteção ambiental. Eis o que perturbou o gênio de um Kant a ponto de dedicar vida inteira a perquirir uma única pergunta: "É possível conhecer?" — e entendamos o conhecer por ele preconizado como o saber a verdade sobre as coisas, perscrutar sua essência, saber o que verdadeiramente é, não apenas meramente nomear e rotular.

A constatação das incertezas de que é prenhe o Universo fez, senão ruir todo o modo de conceber o real sustentado pela ciência moderna, ao menos o demoveu de sua posição irredutível. "O último deus" teria perecido, conforme a metáfora nietzscheana. A proposta Funcionalista Sistêmica apregoa a verdade enquanto relação, a verdade como mera interpretação, como comunicação, ao sabor de um relativismo similar a tantas outras mais de suas facetas. Ora, Nietzsche, por exemplo, era filólogo. E não seria nada incomum que defendesse (como, de fato, defendia) uma proposta de verdade que exaltasse a Filosofia da Linguagem. Há quem diga – e já nos reportamos a isso em linhas supra – que o pensamento de Sócrates foi, de certo modo, uma antítese ao sofismo; e que o fato de Aristóteles julgar que os escravos não teriam alma – sendo ele próprio, Aristóteles, um meteco (estrangeiro), desprovido, ele também, de todos os direitos a que somente teria um cidadão ateniense – só corrobora tal visão: a de que mesmo os homens de gênio não escapam, de todo, à influência do meio em que vivem ou às pré-concepções viciosas a que sejam afeitos. Cai, assim, o mito da objetividade e da neutralidade em matéria de Ciência. E com ele o dogma de que somente a ciência moderna seria apta a perquirir a verdade, abrindo margem para outras verdades (a verdade social, a verdade jurídica, a verdade psicológica, etc), outras visões firmadas em outros ângulos, frações de um mesmo objeto: este imenso todo, que tem como repositório primário mais próximo do ente humano a Natureza.

O poeta Kahlil Gibran (1989) concluiria, dizendo que as doutrinas e sistemas seriam como vidraças, permitindo-nos ver o objeto de nossa procura, mas, a um só tempo, privando-nos de tocá-lo [163]. Ora, a visão da realidade a que uma ciência ou ramo do saber nos fornece é a visão restrita do — digamos — campo visual que a ela é dado abarcar de relance. E a verdade a que a ciência hodierna vem paulatinamente descortinando é que uma visão mais precisa da realidade não pode prescindir da ótica dos demais sistemas, sejam eles científicos, filosóficos, religiosos, morais, etc. O Direito, a contrário senso, foi até vanguardista nessa conclusão, ao constatar a visão multifacetária de seu objeto. Todavia, parou-se por aí, vez que não se estabeleceu, a contento, relação entre as facetas de seu objeto, antes gerando um digladiar dos orgulhos intelectuais dos pesquisadores da matéria, cada qual querendo sustentar seja a faceta por ele abraçada a mais importante, aquela que constituiria quintessência do Direito.

Se os rótulos caem diante de uma apreensão mais apurada dos objetos, e se os deuses (paradigmáticos) morrem para que outros surjam, Nietszche teria desconsiderado nisso uma clara externalização de um processo evolutivo, rumando as novas apreensões de mundo para um ideal paradigmático de maior perfeição. Paradigmas, modelos e sistemas (científicos ou não) são visões, apenas visões de mundo e não a realidade em si. E visões são quase sempre parciais, revelam apenas o campo visual de quem vê, não mostram a tridimensionalidade do objeto analisado, não o penetram conscienciosamente, nem vêem o quadro geral e complexo, reduzindo-o, por vezes, ao que de simples nele se pode observar. E freqüentemente se sujeitam ao vergar das ideologias e dos interesses de quem vê (interesses dominantes), ora reduzindo o objeto a suas múltiplas partes minúsculas e indecifráveis, que quase nunca informam o suficiente sobre o que ele seja, pois o todo acaba produzindo algo mais que a mera soma das partes, ora mostrando apenas uma de suas dimensões externas como sendo a verdade absoluta e irrefutável, desconsiderando todas as demais, ora descortinando uma visão em perspectiva, divisando ao longe as suas faces todas, mas sem nunca ousar tocá-las.Portanto, perguntamos, depois de tudo o que se explanou nas linhas supra: a quem interessaria uma visão antropocêntrica do trato do Homem com a Natureza? Grosso modo, em nosso Mundo Capitalista, tal visão é de estrito interesse de quem lucra com isso. Não raro o bem ambiental é barganhado e medido em valores econômicos, com multas que, por vultosas que venham a ser, não podem traduzem a perda que se tem: eis que atentar contra a Natureza, segundo todo o argumento supra-exposto, é atentar contra toda a vida humana no orbe terreno. O ambiente é, pois, o mais amplo sistema com o qual interagimos, seja a nível coletivo ou individual; a idéia de ambiente tem mais a ver com um supra-sistema cósmico, no qual nos inserimos, que com uma criação cultural e terminológica humana, mero rótulo (polissêmico) afeito a atender interesses e necessidades humanos, como pretensamente erigido para a satisfação dos homens, sendo bem mais lógico crer no contrário. E isso consiste exatamente no fundamento principiológico de validade para a proteção ambiental, mormente (e apesar de) que as leis humanas apregoem o esdrúxulo termo "gerações futuras", como se tivéssemos a pretensão de sondar as necessidades do amanhã e nos sacrificarmos por elas. Erro bastante similar ao que teria cometido Thomas Malthus [164], quando apregoou o crescimento das populações em progressão geométrica e o crescimento da produção em progressão aritmética e, com isso, a falência do sistema natural terreno, tendo desconsiderado, porém, o decisivo papel da tecnologia.

Como vimos, falta ao homem certa percepção da unidade dos saberes, sendo assim, uma igual falta da noção de unidade na multiplicidade no Mundo Natural, enquanto repositório dos objetos destes mesmos saberes. Divisão há de fato, mas, sem sombra de dúvida, meramente didática, simples divisão de campos de estudo, tomadas, ainda hoje, sob egoísticos ares de divisão efetiva. Por ainda não nos ser possível vermos o todo, dividimos em secções os saberes a que temos acesso, para que melhor possamos visualizá-los. A cada uma dessas secções chamamos ciências, qual fossem elas saberes isolados. Agimos, então, como exploradores que, no intuito de conhecer uma floresta por inteiro, dividem-na para melhor explorá-la. Contudo, após cada um conhecer o trecho por si desbravado, julga-o mais importante que os demais, olvidando que todas as ciências estejam interligadas umas às outras numa relação de interdependência, tanto mais seus objetos, advindos da Natureza prenhe de uma noção rudimentar daquilo que concebemos por solidariedade. Bem assim, muitos supõem ser a ciência com que lidam superior às demais, ou pior, julgam ser o que há de mais importante na face deste orbe. Mal sabem estes que nenhum saber subsiste sem os demais, posto estarem todos interligados em sua origem, não havendo como um suster-se sem o Todo.

Vale-nos, então, o sábio ensinamento de Descartes que, percebendo-se cego, na imensa floresta do conhecimento, optou por seguir em frente, a fim de que, se a direção seguida não o levasse aonde tinha desejado ir, pudesse voltar ao ponto inicial, seguindo a mesma linha reta em sentido oposto, e, assim, optar livremente por nova direção, na esperança de que esta possa levá-lo ao alvo tão almejado. [165]


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Notas

01 SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso Sobre as Ciências. Colecção: Histórias e Ideias / 1 Nº. de edição: 280. 12ª edição. Porto: Edições AFRONTAMENTO. 2001. ISBN: 972-36-0174-5. pp. 09 e 10.

02 ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris. 2000. ISBN 85-7387-096-6, p. 123.

03 ANTUNES, Paulo de Bessa. Cit. Apud. MCKIBBEN, Bill. O Fim da Natureza. (tradução de A. B. Pinheiro Lemos). Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, p. 55

04 GOODE, William J. & HATT, Paul K. Métodos em pesquisa social. 3ª ed. São Paulo: Nacional, 1969, p. 55.

05 SHAKESPEARE, William. Romeu e Julieta. Editora Virtual Books On-line M&M Editores Ltda. 2000.

06 "As definições buscadas pelo conhecimento científico não devem ser simples esclarecimentos sobre o significado das palavras, mas sim enunciar a constituição essencial dos seres." In: Aristóteles: Vida e Obra. Coleção: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. ISBN 85-13-00847-8. p. 19.

07 Sem termos qualquer pretensão de que o simples raciocínio indutivo possa conferir critério suficiente e garantidor da verdade do que ora afirmamos, e não poucos exemplos nos faltariam para firmar o segregacionismo dos povos uns em relação aos demais – há pouco mais de 60 anos o Nazismo esteve aí, para não nos desmentir – vejamos, pois, o exemplo isolado do que os membros da tribo Araweté pensam de si próprios e de todo o gênero humano. Para eles: "O único termo que poderia ser considerado uma autodenominação é bïde, que significa ‘nós’, ‘a gente’, ‘os seres humanos’. Todos os humanos são bïde, mas os humanos por excelência são os Araweté: os outros povos indígenas e os brancos (kamarã) são awi, ‘estrangeiros’, ‘inimigos’." ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris. ISBN 85-7387-096-6, p. 132, apud. CASTRO, Eduardo Viveros de. Araweté – O povo do Ipixuna. São Paulo: Centro Ecumênico de Documentação e Informação – CEDI, 1992, p. 18.

08 ANDRADE, Hernani Guimarães. Parapsicologia: Uma Visão Panorâmica. São Paulo: Editora jornalística FE, 2002. pp. 336 a 343

09 DEEM, Richard. Tradução: Emerson de Oliveira. Citações de Cientistas Relativas ao Desígnio do Universo. Disponível em: http://www.logoshp.hpg.ig.com.br/cit1.htm#03. Acesso em: 30 de junho de 2001.

10 Idem. Ibidem.

11 Idem. Ibidem.

12 Idem. Ibidem.

13 Idem. Ibidem.

14 Idem. Ibidem.

15 Idem. Ibidem.

16 ANDREETA, José & ANDREETA, Maria de Lourdes B. Apresentação. Disponível em: http://www.geocities.com/capecanaveral/lab/5328/filosofia.html Acesso em: 30 de junho de 2001. Apud. Albert Einstein, [s.n.], [s.d.].

17 "O termo ‘dialética’ e, mais apropriadamente, a expressão ‘arte dialética’,??esteve em estreita ligação com a palavra ‘diálogo’: ‘arte dialética’ pode definir-se primariamente como ‘arte do diálogo’. Como no diálogo há pelo menos dois logoi que se contrapõem entre si, também na dialética há dois logoi, duas ‘razões’ ou ‘posições’ entre as quais se estabelece precisamente um diálogo, ou seja, um confronto no qual se verifica uma espécie de acordo na discordância – sem o que não haveria diálogo – mas também uma espécie de sucessivas mudanças de posições, induzidas pelas posições ‘contrárias’." In: MORA, José Ferrater; (tradução de Roberto Leal Ferreira e Álvaro Cabral). Dicionário de Filosofia. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes. 1998. ISBN 85-336-0846-2. pp. 182 a 187.

18 Thomas S. Kuhn define paradigmas como: "as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência." In: A Estrutura das Revoluções Científicas. 3ª ed., São Paulo: Ed. Perspectiva. P. 13.

19 Santos, Boaventura de Sousa. Op. Cit. p. 6.

20 Com muita propriedade, e firmando-se em Sócrates e Kant, é que nos exorta acerca do conhecimento e da possibilidade do conhecer o economista e escritor, Eduardo Giannetti, ao dizer: "Não importa o que seja: pergunte a si mesmo se você conhece algo e você terá sérias razões para começar a duvidar. Antes de tudo, cabe indagar: o que é conhecer? Depende, é claro, do nosso grau de exigência. Se você passar, por exemplo, uma tarde visitando uma cidade histórica, poderá voltar para casa e dizer que a conhece. Se você passar vários meses na mesma cidade, perceberá que as mudanças do clima, as alterações do seu próprio ânimo e as pequenas surpresas de cada dia têm o dom de revelar ângulos e facetas até então desconhecidos. Mas, se você passar alguns anos na tal cidade, estudando o seu passado, pesquisando a evolução de seus prédios e de seu traçado, e buscando entender o significado histórico do que se passou nela, você ficará assombrado com a vastidão do que falta saber. Com o avanço do conhecimento, alarga-se o desconhecido." In: FONSECA, Eduardo Giannetti da. Auto-Engano. São Paulo: Companhia das Letras. 1997. p. 70.

21 Santos, Boaventura de Sousa. Op. Cit. p. 48.

22 VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. Ética. Tradução de João Dell’Ana 18ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, passim.

23 VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. Op. Cit, passim.

24 MORIN, Edgar. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. (tradução de Catarina Eleanora F. da Silva e Jeanne Sawaya). São Paulo: Cortez. Brasília – DF: UNESCO, 2000. ISBN 84-249-0741-X (Cortez) p. 63 e 75.

25 Idem. Ibidem.

26 Pareceu-nos despretensioso mutilar qualquer parte de um texto lapidar como este do Doutor em Física, José Andreeta, e de sua esposa, a advogada, Maria de Lourdes B. Andreeta, os quais nos presenteiam com a noção exata que percebemos da condição humana em meio ao Cosmos infinito. Portanto, resolvemos citá-lo com pouquíssima supressão, a despeito do tamanho e dos fins da presente análise. Ei-lo, então: "Toda conquista nova de natureza cientifica ou espiritual nos dá e nos tira ao mesmo tempo. Quando Adão comeu pela primeira vez o fruto da árvore do conhecimento, seus olhos se abriram e ele tomou conhecimento que estava nu, mas perdeu o paraíso. Esta história também vale para os conhecimentos da astronomia moderna. Através dela, tomamos conhecimento de que estamos em um universo imenso e ilimitado. Mas o preço desse conhecimento é grande. Segundo esses conhecimentos nós estamos em um espaço infinito, sobre uma esferinha rodopiante, como um pequeno inseto sobre um coco que flutua no oceano. Nós, portanto, nos encontramos sobre um grãozinho de pó tão diminuto que o universo não sofreria o mínimo abalo se ele fosse arrastado por um sol e desaparecesse repentinamente. É como o viajante de automóvel que vai de uma cidade a outra, sem tomar conhecimento da formiga que a roda de seu carro esmaga na estrada. (...) Bem, se estamos inseguros na Terra, podemos nos apoiar no Sol. O grandioso Sol, belo e radioso, pai zeloso dos planetas. Ele é de tal maneira resplandecente que o olho humano, a 150 milhões de quilômetros de distância, nem sequer suporta olhar por alguns segundos sem cegar! Que grandeza incomensurável possui o nosso Sol! (...) "Mas ele não é nada mais", diz-nos o astrônomo moderno, "do que uma faísca que brilha no oceano universal como um pontinho fosforescente de um micro organismo no mar"! Que diferença faz para nós, quando o nosso navio viaja durante noites através da fosforescência do mar, se lá em baixo há um infusório mais ou infusório menos? (...) Nós, a princípio, não acreditamos, mas ele insiste e nos mostra uma daquelas fotografias sobre as quais os sóis aparecem espalhados nas vias – lácteas como farinha em um papel preto e nos desafia: ‘Mostra-me como é o teu Sol’! E nós ficamos boquiabertos, tentando articular algo acerca da grandeza do universo! Nessa única fotografia podemos ver perto 20.000 sóis dos 200 bilhões que estão reunidos na Via – Láctea. ‘Faça a cálculo de quantas dessas fotografias seriam necessárias’, desafia ele novamente, "para conter todos os sóis da Via – Láctea"! (...) Enquanto nos mostramos tão ingênuos a ponto de começar a calcular, o astrônomo surge com um nova fotografia. Nela estão contidas manchas desbotadas como um mata-borrão velho: são tantas que não conseguimos contar. ‘Cada uma dessas manchas é uma via-láctea’, declara ele sorrindo. ‘Quantas são, não sabemos’, conclui ele, ‘mas existem 100 milhões só nos dois pólos do firmamento que podemos fotografar. A maioria continua encoberta pela nossa Via – Láctea. No mínimo deve existir um bilhão de vias – lácteas’! (...) Se tivermos espírito científico, raramente nos sentiremos tão perdidos como nesse momento. A astronomia nos deu conhecimentos, mas tirou a segurança do paraíso ilusório em que vivíamos! (...) Todas as manhãs, no entanto, acordamos invadidos pela luz do Sol e deparamos com um mundo diante de nós, o mundo da Terra. Por cima dela brilha o Sol, o grande Sol. Que importância tem para nós agora a fotografia do astrônomo? Se o Sol não é tão importante para o universo, ele o é para nós que vivemos na Terra. A nossa vida depende de sua luz! (...) Para além da curva do horizonte, a sua luz nos permite ver as montanhas que se erguem ao longe os seus cumes brancos e olhando para cima, no azul do firmamento, passam as nuvens sempre renovadas. Os nossos olhos não se fartam de ver em sua luz esses burgos celestes, essas florestas de fadas, essas ilhas em fugas, habitadas certamente pela felicidade. (...) Diante de nós vemos o vale e, no fundo está o pântano, que regurgita de vida. Podemos retirar dele milhões de gotas, e em cada uma encontramos, como sóis nas chapas fotográficas, milhares de seres vivos e a vida de cada um desses pequenos sóis depende da luz solar. Eles vivem e são pequenos sóis do pântano que criam vida! Que importa o seu tamanho perante as vias-lácteas?" ANDREETA, José & ANDREETA, Maria de Lourdes B. Os Dois Aspectos de Nossa Realidade. Disponível em: http://www.geocities.com/capecanaveral/lab/5328/filosofia.html Acesso em: 30 de junho de 2001.

27 Exatamente como "nas disputas entre Sócrates e os sofistas, houve a distinção entre o que se denomina physis (o que é por natureza) e thésis (o que seja disposto, por convenção, entre e pelos homens)." ROCHA, Paulo Santos. Clássicos – Platão-Aristóteles e Geral Referência. Revista do TRT da 22ª Região, Teresina, v. 3, n.° 1, dez. 2000/dez. 2002, p. 47.

28 "A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e dispensa esforço mental – mas não é aceitável em nível de cultura superior, porque deturpa o pensamento. (...) Crear é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a transição de uma existência para outra existência. (...) O Poder Infinito é o creador do Universo – um fazendeiro é um criador de gado. (...) Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores. (...) A conhecida lei de Lavoisier diz que ‘nada se crea, nada se aniquila, tudo se transforma’, se grafarmos ‘nada se crea’, esta lei está certa, mas se escrevermos ‘nada se cria’, ela resulta totalmente falsa. (...) Por isso preferimos a verdade e a clareza do pensamento a quaisquer convenções acadêmicas." ROHDEN, Humberto. Mahatma Gandhi – O Apóstolo da Não-Violência. São Paulo: Martin Claret. 2004. p. 11.

29 "...como defendia Crátilo, bem baseado nas firmes idéias de Heráclito de Éfeso, não há possibilidade de qualquer conhecimento estável no mundo, posto que mesmo os dados dos sentidos terão validade instantânea a fugaz, tornando inútil qualquer tentativa, sempre ilegítima, de se praticar qualquer afirmativa sobre a realidade?" ROCHA, Paulo Santos. Clássicos – Platão-Aristóteles e Geral Referência. Revista do TRT da 22ª Região, Teresina, v. 3, n.° 1, p. 38, dez. 2000/dez. 2002. Crátilo, porém, teria desconsiderado que as visões sucessivas, ainda que fugazes, eram cada vez mais precisas que as anteriores, tendendo, assim, a um maior grau de perfeição.

30 Sobre o papel da intuição e a plausibilidade de uma proposta evolutiva vide tópicos: 2.3.1.1 e 5.

31 CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 4ª Ed. São Paulo: Ática, 1995, passim.

32 Marilena Chauí nos reporta que "a Filosofia possui conteúdo preciso ao nascer: é uma cosmologia. A palavra cosmologia é composta de duas outras: cosmos, que significa mundo ordenado e organizado, e logia, que significa pensamento racional, discurso racional, conhecimento. Assim, a Filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da Natureza." In: Op. Cit. Passim.

33 HOOYKAAS, R. A religião e o desenvolvimento da ciência moderna. Editora Universidade de Brasília: Brasília. 1988. pág. 13.

34 DESCARTES, René. Discurso do Método. In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. ISBN 85-13-00851-6. pp. 62 e 63.

35 Cf. Pré-Socráticos. Coleção: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. ISBN 85-13-00901-6. p. 14. E, como muito bem se expressou o juiz federal do trabalho, professor e doutor, Paulo Santos Rocha, em sua dissertação de mestrado, "Creta, apenas a maior ilha do mar Egeu que, após a invasão dos aqueus, iniciou a chamada civilização creto-micênica, sendo que depois os creto-micênicos invadiram a região sul da Grécia, posteriormente colonizada pelos eólios, jônios e dórios. Parece paradoxal falar de ilhas que afinal sintetizaram o pensamento universal, como às vezes parece estranho que, em um só século, ou em um simples governo, como o de Péricles (443 a 429 a.C.), de apenas 14 anos, haja tanta referência inesgotável e universal." In: ROCHA, Paulo Santos. Clássicos – Platão-Aristóteles e Geral Referência. Revista do TRT da 22ª Região, Teresina, v. 3, n.° 1, pp. 37 e 38, dez. 2000/dez. 2002.

36 GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras. 25ª impressão. 1997. pp. 43 e 44.

37 GILES, Thomas Ransom. Introdução à Filosofia. 3ª ed. rev. ampl. São Paulo: E.P.U. (Ed. Pedagógica e Universitária) - Editora da Universidade de São Paulo, 1979, p. 41.

38 Cf. FRANCA, Leonel. Noções de história da Filosofia. 24ª ed., Rio de Janeiro: ed. AGIR, 1990, p. 40.

39 "A água seria a physis, que, no vocabulário da época, abrangia tanto a acepção de ‘fonte originária’, quanto a de ‘processo de surgimento e de desenvolvimento’, correspondendo perfeitamente a gênese." In: Pré-Socráticos. Coleção: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. ISBN 85-13-00901-6. p. 15. – Vide ainda nota 24

40 Cf. GAARDER, Jostein. Op. Cit., p. 45.

41 Pré-Socráticos. Coleção: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. ISBN 85-13-00901-6. p. 16.

42 Idem. p. 18

43 Cf. Aristóteles: Vida e Obra. Coleção: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. ISBN 85-13-00847-8. p. 23.

44 Cf. Pré-Socráticos. Coleção: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. ISBN 85-13-00901-6. p. 24.

45 Idem. Ibidem.

46 devir significa, em visão muito simplificada e reduzida, mudança, movimento. A mudança e o movimento dão-se na passagem de um estado a seu contrário (dia e noite, claro e escuro, novo e velho, quente e frio, etc), não sem perpassar, porém, estágios intermediários. A Natureza é marcada pela mudança e pelo movimento e é a essa mudança e a esse movimento que se dá o nome devir. Ele segue, todavia, leis rigorosas impostas pela physis.

47 Cf. GAARDER, Jostein. Op. Cit., p. 47.

48 GAARDER, Jostein. Op. Cit., p. 49.

49 COELHO, Luís Fernando. Introdução à História da Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1977, p. 55.

50 Cf. COELHO, Luís Fernando. Op. Cit., p. 56.

51 Cf. Sócrates. Coleção: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. ISBN 85-13-00845-1. passim.

52 Idem. Ibidem.

53 Cf. GAARDER, Jostein. Op. Cit.. pp. 98, 99 e 100.

54 Aristóteles: Vida e Obra. Coleção: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. ISBN 85-13-00847-8. p. 6.

55 "Com Aristóteles tem início o esforço sistemático de exame da estrutura do pensamento enquanto capaz de forjar provas racionais." Aristóteles: Vida e Obra. Cit. p. 20.

56 Conquanto Tales, em 600 a.C., já tenha percebido a esfericidade da Terra.

57 Idem. Ibidem. p. 119.

58 Aristóteles: Vida e Obra. Coleção: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. ISBN 85-13-00847-8. pp. 8 e 9.

59 Aristóteles: Vida e Obra. Cit. p. 10.

60 Aristóteles: Vida e Obra. Cit. p. 25.

61 Idem. Ibidem.

62 Idem. P. 11.

63 Cf. Idem. P. 11.

64 Aristóteles: Vida e Obra. Cit. p. 12.

65 Idem. p. 13.

66 Idem. p. 14.

67 Idem. p. 12.

68 Aristóteles - Vida e Obra. Cit. p. 17, 19, 20, 21 e 22.

69 HOOYKAAS, R. Op. Cit. pág. 31.

70 Cf. CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Filosofia do Direito. 5ª ed., rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 116.

71 Cf. BONI, Luís Alberto De. Idade Média: ética e política. 2ªed. Porto Alegre: Edipucrs, 1996. Coleção Filosofia, 3°v, passim; Cf. COELHO, Luís Fernando. Introdução histórica à filosofia do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1977, passim; Cf. CRETELA Júnior, José. Curso de Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1993, passim; Cf. DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de Filosofia do Direito. Trad. Antônio José Brandão. 5ª ed. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1979, passim; Cf. FRANCA, Leonel. Noções de História da Filosofia. 24ª ed. Rio de Janeiro: Ed. AGIR, 1990, passim; Cf. GAARDER, Jostein. Op. Cit., passim; Cf. GILES, Thomas Ransom. Op. Cit., passim; Cf. GUIMARÃES, Ylves José de Miranda. Direito natural: visão metafísica e antropológica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, passim; Cf. NADER, Paulo. Filosofia do Direito. 7ªed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, passim; Cf. POPPER, Karl Raimund. A Sociedade Aberta e Seus Inimigos. Trad. Milton Amado. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1971. 2°v, passim; Cf. RUSSELL, Bertrand. História da Filosofia Ocidental. 9ªed. Portugal-Brasil: Livros Horizonte, 1961. 2º v, passim.

72 ARANHA, Maria de Lúcia Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna. 1986. p. 133.

73 Cf. CRETELLA JÚNIOR, José. Cit. pp. 28 e 116 a 121; Cf. BONI, Luís Alberto De. Idade Média: ética e política. 2ªed. Porto Alegre: Edipucrs, 1996. Coleção Filosofia, 3°v; passim, Cf. COELHO, Luís Fernando. Introdução histórica à filosofia do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1977, passim; Cf. DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de Filosofia do Direito. Trad. Antônio José Brandão. 5ª ed. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1979, passim; Cf. FRANCA, Leonel. Noções de História da Filosofia. 24ª ed. Rio de Janeiro, AGIR, 1990, passim; Cf. GAARDER, Jostein. Op. Cit., passim; Cf. GILES, Thomas Ransom. Op. Cit., passim; Cf. GUIMARÃES, Ylves José de Miranda. Direito natural: visão metafísica e antropológica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, passim; Cf. NADER, Paulo. Filosofia do Direito. 7ªed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, passim; Cf. POPPER, Karl Raimund. A Sociedade Aberta e Seus Inimigos. Trad. Milton Amado. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1971. 2°v, passim; Cf. RUSSELL, Bertrand. História da Filosofia Ocidental. 9ªed. Portugal-Brasil: Livros Horizonte, 1961. 2º v, passim.

74 Cf. Santo Agostinho. Coleção: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. ISBN 85-13-00848-6. p. 14.

75 Cf. CRETELLA JÚNIOR, José. Op. Cit. P. 121.

76 Cf. CRETELLA JÚNIOR, José. Op. Cit. passim; e Cf. GUIMARÃES, Ylves José de Miranda. Direito natural: visão metafísica e antropológica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 226 e passim.

77 Cf. GUIMARÃES, Ylves José de Miranda. Direito natural: visão metafísica e antropológica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 226 e passim.

78 Kant considerava que toda a tarefa da filosofia até ele tivera pretensão irrealizável: a de que nossa razão pudesse conhecer as coisas tal qual elas realmente são. Kant negou à razão humana tal poder de conhecimento, afirmando que só conhecemos as coisas tais como são organizadas pela estrutura interna e universal da nossa razão, mas nunca saberemos se tal organização corresponde ou não a organização da realidade em si. Cf. Marilena Chauí. Convite à Filosofia. 4ª Ed. São Paulo: Ática, 1995, p. 54.

79 devir significa, em visão simplificada e reduzida, mudança, movimento. A mudança e o movimento dão-se na passagem de um estado a seu contrário (dia e noite, claro e escuro, novo e velho, quente e frio, etc), não sem perpassar, porém, estágios intermediários. A natureza é marcada pela mudança e pelo movimento e é a essa mudança e a esse movimento que se dá o nome devir. Ele segue, todavia, leis rigorosas impostas pela physis.

80 vide nota 26.

81 Santos, Boaventura de Sousa. Op. Cit. p. 52.

82 DAVIES, P. Deus e a Nova Física. Lisboa: Edições 70, 1986. p. 157.

83 DAVIES, P. O que é a ciência? Disponível em: http://critica.no.sapo.pt/filos_cien.html. Acesso em: 30 de junho de 2001.

84 Gregor Mendel. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Gregor_Mendel. Acesso em: 27 de Agosto de 2006.

85 vide notas 27 e 65.

86 De forma muito pueril e simplificada diríamos que Epistemologia consiste no estudo crítico dos princípios, hipóteses, história e resultados das ciências.

87 JUPIASSU, Hilton. Questões Epistemológicas. Série logoteca. Rio de Janeiro: IMAGO, 1981. pág. 63.

88 DAVIES, P. Op. Cit. Disponível em: http://critica.no.sapo.pt/filos_cien.html. Acesso em: 30 de junho de 2001.

89 JUPIASSU, Hilton. Op. Cit. pág. 63, 64.

90 ARANHA, Maria de Lúcia Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Op. Cit. p. 125.

91 CAPRA, Fritjof. O Tao da Física: Um paralelo entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental. Ed. Cultrix: São Paulo. 1995. p. 228 e 241.

92 deixe fazer, deixe passar – lema do Liberalismo, forma inicial de manifestação do capitalismo ascendente.

93 MARICONDA, Pablo Rubén. In: introdução ao livro: Duas Novas Ciências. Galileu Galilei. 1ª edição. Nova Stella. Pág. XV.

94 SANTOS, Boaventura de Sousa. Cit. p. 12.

95 BRONOWSKI, Jacob. A Escalada do Homem. Editora Universidade de Brasília: Brasília. 2ª edição, 1983. pág. 209. Apud. Galileu Galilei.

96 BACON, Francis. Novum Organum ou Verdadeiras Indicações Acerca da Interpretação da Natureza. In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 33.

97 POPPER, K. R., O realismo e o objetivo da ciência: acerca da inexistência do método científico. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1987. passim.

98 ANDREETA, José & ANDREETA, Maria de Lourdes B. Enigma do Átomo. Disponível em: http://www.geocities.com/capecanaveral/lab/5328/filosofia.html Acesso em: 30 de junho de 2001.

99 ARANHA, Maria de Lúcia Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Op. Cit., p. 149.

100 ANDERY, Maria Amália e outros. Para compreender a ciência. [s.l.]: EDUC, 1988. pág. 16.

101 LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina de Andrade. MetodologiaCientífica. 1ª edição.São Paulo: Atlas. 1985. pág. 41.

102 Idem. Ibidem.

103 A ciência moderna "é um conhecimento causal que aspira à formulação (sic!) de leis, à luz de regularidades observadas, com vista a prever o comportamento futuro dos fenómenos. (...) um conhecimento baseado na formulação (sic!) de leis tem como pressuposto metateórico a ideia de ordem e de estabilidade do mundo, a ideia de que o passado se repete no futuro. (...) O determinismo mecanicista é o horizonte certo de uma forma de conhecimento que se pretende utilitário e funcional, reconhecido menos pela capacidade de compreender profundamente o real do que pela capacidade de o dominar e transformar." SANTOS, Boaventura Sousa. Cit. pp. 16 e 17.

104 DESCARTES, René. Discurso do Método. In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. ISBN 85-13-00851-6. p. 93.

105 "Por desejar então dedicar-me apenas à pesquisa da verdade, achei que deveria agir exatamente ao contrário, e rejeitar como falso tudo aquilo em que se pudesse supor a menor dúvida, com o intuito de ver se, depois disso, algo restasse em meu crédito que fosse completamente incontestável. (...) Porém, logo em seguida, percebi que, ao mesmo tempo que eu queria pensar que tudo era falso, fazia-se necessário que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, ao notar que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão sólida e tão correta que as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de lhe causar abalo, julguei que podia considerá-la, sem escrúpulo algum, como o primeiro princípio da filosofia que eu procurava." DESCARTES, René. Cit. pp. 61 e 62. [destaque nosso]

106 POPPER, Karl. Ibidem.

107 DESCARTES, René. Cit. pp. 49, 50, 88.

108 Idem. Ibidem.

109 Idem. Ibidem.

110 SANTOS, Boaventura Sousa. Op. Cit. pp. 10 e 11.

111 Idem. P. 14.

112 FEYERABEND, Paul K. Contra o Método. 3ª ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1989. p. 318

113 GOODE, William & HATT Paul K. Cit., p. 55.

114 COSTA, Newton Carneiro Affonso da. O Conhecimento Científico. São Paulo: Discurso Editorial. 1997. apud. EINSTEIN, Albert e INFIELD, L. A Evolução da Física. [s.l.]: Companhia Editora Nacional, 1943. passim. pág. 37 e 38.

115 FLAMMARION, Camille. Urânia. Tradução de Almerindo Martins de Castro. 8ª ed., São Paulo: FEB, 1998 p. 63 e 64, 159, 160 e 196.

116 GUIMARÃES, Carlos Antônio Fragoso. Fritjof Capra. Disponível em: http://geocities.yahoo.com.br/carlos.guimaraes/espiritual.html. Acesso em: 30 de junho de 2001.

117 Cf. Laplace. Wikipedia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Pierre_Simon_Laplace. Acesso em: 26 de Agosto de 2006.

118 JUPIASSU, Hilton. Op. Cit. Pág. 70 e 71.

119 Basta dizer, por hora, que autopoiético significa auto-sustentável, auto-reproduzível, auto-gerador.

120 MORIN, Edgar. Cit. p. 22.

121 CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 16.

122 Cf. CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. Cit. p. 113.

123 SANTOS, Boaventura de Sousa. Cit. p. 13.

124 Idem. pp. 15 e 17.

125 GUIMARÃES, Carlos Antônio Fragoso. Holismo ‘versus’ Mecanicismo: O que é a vida? Disponível em: http://geocities.yahoo.com.br/carlos.guimaraes/carlos.html. Acesso em: 26 de Agosto de 2006.

126 "Arthur Koestler (1905-1983),escritor búlgaro de romances de ficção de reconhecido sucesso mundiale de profundos ensaios políticos, perdeu o interesse por esses gêneros da literatura, atraído que foi por um romance bem mais real e misterioso – a magnífica epopéia da evolução da vida e do homem. Koestler foi um fenômeno porque mergulhou num campo que não era o seu e, surpreendentemente, conquistou respeito e admiração da comunidade científica, desenvolvendo teorias revolucionarias que receberam a atenção e aceitação dos mais destacados físicos, geneticistas, psicólogos, neurofisiologistas e outros pesquisadores da atualidade. (...)Para aqueles que venham a se mostrar preconceituosos em relação a Koestler por ser ele originalmente um escritor de romances, a título de ilustração vale lembrar que o famoso "paradoxo de Olbers", ou seja, do porquê o céu à noite ser escuro, que durante três séculos e meio desafiou astrônomos do porte de Kepler, Halley, Olbers e outros, foi finalmente explicado por Edgar Allan Poe em um de seus ensaios (Eureka, 1848). Como se vê, há precedentes, embora raros. (...)Um deus romano possuidor de dois rostos opostos. Esta é a representação simbólica de um hólon, conceito básico de toda a teoria de Koestler, que "se destina a conciliar os enfoques atomista e holista". E é ele quem explica: "os hólons biológicos são sistemas abertos auto-reguladores que possuem tanto propriedades autônomas de todos, como propriedades dependentes de partes. Essa dicotomia está presente em cada nível de cada tipo de organização hierárquica e recebe a denominação de "fenômeno de Jano". De modo mais geral, o termo hólon pode ser aplicado a qualquer subtodo biológico ou social estável que apresenta comportamento governado por regras e/ou constância gestáltica estrutural". Exemplos de hólons seriam a palavra, que se comporta como um todo em relação às sílabas e como parte em relação à frase (as duas faces de Jano) ou uma célula que é o todo em relação às suas organelas e parte em relação ao tecido que ajuda a formar. O tecido, por sua vez, é o todo em relação às células que o compõem e parte em relação a um órgão (...)" In: Jano. Disponível em: www.xenia.com.br/jano.htm. Acesso em 12 de agosto de 2006. [destaques, itálicos e grifos originais].

127 Referimo-nos aqui à, tão mal-interpretada quanto polêmica, frase de Friedrich Nietszche, ao afirmar categoricamente: "Deus está morto", donde compreendemos que ele se refere, em verdade, ao paradigma moderno que definhava – e ainda definha –, ao modo de ver o mundo calcado nas certezas de um racionalismo que se alicerça numa crença quase dogmática, similar aos piores exemplos já oferecidos pelas manifestações religiosas, e que "morria", ao se deparar com um universo prenhe de incertezas gritantes. E não foi outro, por exemplo, o resultado do choque entre o paradigma newtoniano-cartesiano e as conclusões da Teoria da Relatividade de Einstein e mesmo diante do Princípio da Incerteza de Heisenberg, ambos pondo por terra a maioria das conclusões "certas" do paradigma de mundo anterior.

128 Cf. GUIMARÃES, Carlos Antônio Fragoso. Holismo ‘versus’ Mecanicismo: O que é a vida? Disponível em: http://geocities.yahoo.com.br/carlos.guimaraes/carlos.html. Acesso em: 26 de Agosto de 2006.

129 GUIMARÃES, Carlos Antônio Fragoso. Op. Cit.

130 FLAMMARION, Camille. Cit., pp. 67 e 68.

131 FLAMMARION, Camille. Op. Cit.. pág. 32.

132 VIANNA, Túlio Lima. Da Ditadura dos Sistemas Sociais: uma crítica à concepção de Direito como sistema autopoiético. Revista Crítica Jurídica, n.° 22, p. 67-78, jul./dez. 2003.

133 Cf. SACCONI, Luís Antônio. Minidicionário Sacconi da Língua Portuguesa. São Paulo: Atual. 1996. ISBN 85-7056-840-1, p. 613.

134 VIANNA, Túlio Lima. Op. Cit.

135 LINS, Charles de Andrade. Direito Constitucional do Meio Ambiente. Disponível em: http://www.faroljuridico.com.br/art-direitomeioambiente.htm. Acesso em: 29 de Agosto de 2006.

136 Cf. LUHMANN, Niklas. A Nova Teoria dos Sistemas. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, Goethe-Institut./ICBA, 1997, passim.

137 "Os sistemas biológicos recebem a todo momento elementos novos que serão utilizados pela organização interna do sistema (ar, alimentos, bebidas, etc), da mesma forma que excreta uma série de substâncias (gás carbônico, fezes, urina, etc), mas a troca de elementos do sistema com seu ambiente não altera necessariamente sua organização." VIANNA, Túlio Lima. Op. Cit.

138 Jano: Arthur Koestler. Disponível em: www.xenia.com.br/jano.htm. Acesso em 12 de agosto de 2006.

139 VIANNA, Túlio Lima. Op. Cit.

140 De lembrarmos que "as definições buscadas pelo conhecimento científico não devem ser simples esclarecimentos sobre o significado das palavras, mas sim enunciar a constituição essencial dos seres." Aristóteles – Vida e Obra. Cit. p. 17.

141 Vide nota 130.

142 VIANNA, Túlio Lima. Op. Cit. Apud. MATURANA, Humberto R. e VARELA, Francisco J., A Árvore do Conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athena, 2002, pp. 55 e 57.

143 Cf. LUHMANN, Niklas. Op. Cit., passim.

144 Vide notas 33 e 59.

145 Vide tópico 1.

146 VIANNA, Túlio Lima. Op. Cit.

147 Idem. Ibidem.

148 Vide nota 28 e as explanações que se seguem.

149 Vide nota 130 e a explanação antecedente e associada à nota 138.

150 "se uma folha verde torna-se amarela é porque verde e amarelo são acidentes da substância folha (que é sempre folha independente de sua coloração)" Aristóteles – Vida e Obra. Cit. p. 23.

151 Se impera a necessidade de fulcrarmos tal pretensão, a de demarcar lindes tão amplos para aquilo que venha a ser princípio, o fazemos com base em não menos que aquele tido como um dos pais da própria lógica como a concebemos: Aristóteles. Ele se expressa de forma lapidar a esse respeito, ao dizer: "pois tudo ou é princípio ou procede de um princípio (...) sendo princípio, deve também ser não-engendrado e o indestrutível, porque o que foi gerado necessariamente tem um fim e há um término para toda destruição. Por isso, assim dizemos: não tem princípio, mas parece ser princípio das demais coisas e a todas envolver e a todas governar..." Aristóteles. Física, III, 4. 203 b 6 (DK 12 a 15). In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 48.

152 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

153 HART, Herbert L. A. O Conceito de Direito. Lisboa: Calouste Gulbelkian, 1986.

154 LUHMANN, Niklas. Op. Cit.

155 BACHELARD, Gaston. A Epistemologia. Coleção: o sabor da filosofia. EDIÇÕES 70: Lisboa, 1981. p. 205 e 206.

156 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Fundamentos filosóficos do Direito Ambiental. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 466, 16 out. 2004. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/5795. Acesso em: 30 de Agosto de 2006.

157 O professor, Doutor, Paulo de Bessa Antunes, expressa opinião contrária, segundo a qual "a Natureza é uma construção cultural" (...) Para ele, a Natureza "sempre foi utilizada como paradigma apto a servir de modelo para a organização da sociedade. Ao inventar a Natureza, o Homem estava buscando soluções para a vida social. Assim foi com os Gregos e, também, assim foi ao longo de toda a longa caminhada do pensamento ocidental (...) a Natureza sempre foi concebida como o local em que o ser humano se insere com posição de destaque e proeminência. (...) A invenção do conceito de Natureza foi o que possibilitou a construção da Filosofia e, portanto, da reflexão organizada e sistemática sobre o mundo. (...) o conceito de Natureza é fruto do desenvolvimento da inteligência humana... nas diferentes etapas de nossa aventura tal conceito sempre foi subordinado ao Ser Humano". In: ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris. ISBN 85-7387-096-6, pp. xvi, 1 e 121. Todavia, a par do entendimento supra-esposado, não podemos admitir se reduza o conhecimento ao mero "dar nomes", sob pena de tomar como infrutífera toda a caminhada evolutiva e toda ascensão humana em busca do conhecimento até então, se o restringimos ao mero rotular – eis o que, grosso modo, apregoa a chamada Filosofia da Linguagem. Ora, o Homem atingiu certo grau de conhecimento sobre as coisas, não porque simplesmente as tenha "nomeado" – fosse assim, não importaria que nomes déssemos a tal ou qual objeto, continuaríamos a nada saber sobre o que ele é – mas porque o Homem se debruçou sobre o mesmo, porque perquiriu sua natureza, porque viu nele (no objeto pesquisado) um reflexo da mesma racionalidade que há em si, racionalidade esta similar (para nos fulcrarmos no pensamento do filósofo pré-socrático, Anaximandro), eis que ambos, homem e objeto, são partícipes da mesma experiência cósmica, são frutos do mesmo processo evolutivo. Um processo, diga-se de passagem, que ainda não findou, mas que segue a cada dia – e as discussões sobre o mal estar da modernidade, ou a pós, ou ainda hipermodernidade, como queiram, já o dizem –, não podendo o Homem atual dizer-se o topo da cadeia, ou seu produto final e acabado, porque se lhe impõem incertezas irrefragáveis. Edgar Morin, em seu, Os Sete Saberes Necessários à educação do Futuro, diria que "navegamos em um Oceano de incertezas em meio a Arquipélagos de certezas", In: MORIN, Edgar. Cit. p 16.

158 "Todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão. (...) O maior erro seria subestimar o problema do erro; a maior ilusão seria subestimar o problema da ilusão. O reconhecimento do erro e da ilusão é ainda mais difícil, porque o erro e a ilusão não se reconhecem, em absoluto, como tais. (...) a racionalidade corre o risco constante, caso não mantenha vigilante autocrítica quanto ao risco de cair na ilusão racionalizadora. Isso significa que a verdadeira racionalidade não é apenas teórica, apenas crítica, mas também autocrítica." MORIN, Edgar. Op. Cit. p. 19 e 24.

159 Fobos. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fobos. Acesso em: 30 de agosto de 2006.

160 Deimos. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Deimos. Acesso em: 30 de agosto de 2006.

161 Eis o literal modo com que se expressa Adam Smith, em seu A Riqueza das Nações: "Portanto, já que cada indivíduo procura, na medida do possível, empregar seu capital em fomentar a atividade nacional e dirigir de tal maneira essa atividade que seu produto tenha o máximo valor possível, cada indivíduo necessariamente se esforça por aumentar ao máximo possível a renda anual da sociedade. Geralmente, na realidade, ele não tenciona promover o interesse público nem sabe até que ponto o está promovendo. Ao preferir fomentar a atividade do país e não de outros países ele tem em vista apenas sua própria segurança; e orientando sua atividade de tal maneira que sua produção possa ser de maior valor, visa apenas a seu próprio ganho e, neste, como em muitos outros casos, é levado como que por mão invisível a promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções. Aliás, nem sempre é pior para a sociedade que esse objetivo não faça parte das intenções do indivíduo. Ao perseguir seus próprios interesses, o indivíduo muitas vezes promove o interesse da sociedade muito mais eficazmente do que quando tenciona realmente promovê-lo. Nunca ouvi dizer que tenham realizado grandes coisas para o país aqueles que simulam exercer o comércio visando ao bem público. Efetivamente, é um artifício não muito comum entre os comerciantes, e não são necessárias muitas palavras para dissuadi-los disso." In: SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. Tradução de Luiz João Baraúna São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda. Vol. I, ISBN 85-351-0827-0, p. 438.

162 COSTA, Newton Carneiro Affonso da. O Conhecimento Científico. São Paulo: Discurso Editorial. 1997. passim.

163 "Muitas doutrinas são como uma vidraça

Nós vemos a verdade através dela, no

entanto, a mesma nos separa da verdade."

GIBRAN, Kahlil Gibran. As Últimas Horas de Gibran.. Global Editora: Rio de Janeiro, 1989. ISBN: 85-260-0388-7. p. 112.

164 Thomas Malthus, Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Malthus. Acesso em: 30 de Agosto de 2006.

165 Cf. DESCARTES, René. Cit. p. 55.


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VIEIRA FILHO, Francisco de Sousa. Rudimentos de uma fundamentação principiológica para a proteção ambiental: a natureza como o sistema primordial com o qual o homem interage (entorno). Por uma visão de mundo não-superlativamente-antropocêntrica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1277, 30 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9340. Acesso em: 18 abr. 2024.