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Lei nº 11.344/06, que dispõe sobre reestruturação de carreiras, em especial na parte em que reestrutura a carreira do magistério de ensino superior

Lei nº 11.344/06, que dispõe sobre reestruturação de carreiras, em especial na parte em que reestrutura a carreira do magistério de ensino superior

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A Administração tenta burlar, ainda, os princípios da paridade e da integralidade, afastando os inativos da percepção das vantagens remuneratórias então concedidas, cada vez mais, apenas aos servidores ativos.

I - A LEI Nº 11.344/04 E A CARREIRA DE MAGISTÉRIO SUPERIOR.

A Lei nº 11.344/06, do artigo 4º ao 10, traz alterações na carreira do Magistério superior. O artigo 4º apresenta uma nova forma de estruturação da carreira, especialmente com a inserção da classe de professor associado, entre as classes de professor adjunto e professor titular, esta última considerada cargo isolado cujo acesso dá-se apenas por concurso público.

O presente estudo não tem por objeto o esgotamento do tema, mas, sobretudo, o aprofundamento de algumas questões polêmicas previamente debatidas em reunião do GT MP nº 295/06, realizada em Brasília em 4.9.2006, e no Encontro Jurídico do Coletivo do ANDES, realizado nos dias 6 e 7.10.2006, tendo sido, inclusive, objeto de ações judiciais [1].

Até o advento da Lei em comento, em razão da natureza isolada do cargo de professor titular, em que pese inserto na carreira de Magistério Superior, a classe de professor adjunto era considerada o topo da carreira, ou seja, a última classe a ser alcançada pelo docente por intermédio de progressão funcional. A partir da Lei nº 11.344/06, com a ampliação da carreira e a inserção da classe de professor associado, o professor adjunto deixou de ser o último cargo da carreira.

Conforme será oportunamente explicitado, a referida alteração estrutural provocou reflexos remuneratórios prejudiciais, como a mudança do paradigma para o cálculo da vantagem prevista no artigo 192 da Lei nº 8.112/90, já revogado mas, ainda, vigente para os docentes que se aposentaram com a referida vantagem, por força do ato jurídico perfeito da aposentadoria.

De outro turno, ao promover a ampliação da carreira por intermédio de inserção de nova classe intermediária, a Lei em tela provocou distorções no reposicionamento dos docentes, especialmente a partir de sua aplicação pelas universidades.

O artigo 5º da Lei nº 11.344/06 prevê os requisitos mínimos para a progressão para a classe de professor associado, a saber: mínimo de dois anos como professor adjunto; título de doutor ou livre-docente; e aprovação em avaliação de desempenho. Acerca da avaliação de desempenho, o parágrafo único dispõe que ela deverá ser realizada no âmbito de cada instituição federal de ensino, por banca examinadora constituída especialmente para esse fim, observados os critérios gerais estabelecidos pelo Ministério da Educação.

O artigo 6º prevê o acréscimo percentual do vencimento básico do docente, a partir da titulação obtida, da seguinte forma: 75% (setenta e cinco por cento) para o título de doutor ou livre-docência; 37,5% (trinta e sete virgula cinco por cento) para o grau de mestre; 18% (dezoito por cento) no caso de especialização; e 7,5% (sete vírgula cinco por cento) para o certificado de aperfeiçoamento.

O artigo 7º remete ao anexo IV que fixa novos valores para o vencimento básico, com efeitos financeiros a partir de 1º.5.2006, dispondo seu parágrafo único que os padrões de vencimento básico do regime de dedicação exclusiva corresponderão ao regime de quarenta horas semanais acrescidos de 50% (cinqüenta por cento).

O artigo 8º prevê a revisão dos valores da Gratificação de Estímulo à Docência (GED), com efeitos financeiros a partir de 1º.6.2006. O artigo 9º, por sua vez, altera o parágrafo 1º do art. 5º da Lei nº 9.678/98, para dispor que o aposentado, no caso de impossibilidade de aferição da média dos últimos 24 meses para a percepção da GED, passará a recebê-la com base em 115 pontos, e não no percentual de 60% (sessenta por cento) do total de pontos atribuível ao docente ativo. O artigo 10 esclarece que os acréscimos de vencimentos decorrentes da titulação não serão percebidos cumulativamente.

Nas disposições gerais, além de revogar outras normas, é assegurada a irredutibilidade dos vencimentos, proventos e pensões. Em caso de redução decorrente da aplicação da lei, a diferença será paga a título de vantagem pessoal nominalmente identificada (VPNI), sujeita exclusivamente à revisão geral de vencimentos. No parágrafo 2º do art. 10, a norma em comento prevê:

"Na hipótese prevista no § 1º, a vantagem pessoal nominalmente identificada será absorvida por ocasião da reorganização ou da reestruturação da tabela remuneratória, da concessão de reajustes, adicionais, gratificações ou vantagens de quaisquer natureza ou do desenvolvimento no cargo, conforme o caso."

O indigitado artigo, aparentemente, traz uma garantia ao determinar que a aplicação da lei não poderá redundar em redução de remuneração, proventos e pensões. Contudo, em seu parágrafo 1º, é explicitado que eventuais reduções serão remediadas, ou reparadas, mediante a transformação da diferença remuneratória em VPNI.

O legislador vai além ao determinar, no parágrafo 2º do artigo em comento, que as referidas VPNIs somente subsistirão até a futura modificação da carreira ou do padrão remuneratório do cargo, seja na forma de reestruturação, ou na forma de concessão de aumentos.

O que, à primeira vista, afigura-se como uma garantia de irredutibilidade nada mais é do que a transmutação de remuneração (vencimentos sujeitos a reajustes e aumentos) em VPNI (vantagens pessoais congeladas no tempo, sujeitas apenas a reajustes), com previsão de sua absorção (desaparecimento) no caso de alterações na carreira e em seu padrão remuneratório.


II - CONTEXTUALIZANDO A POLÍTICA REMUNERATÓRIA DA UNIÃO.

A análise da Lei nº 11.344/06 e seus reflexos não prescinde de uma breve contextualização da política remuneratória do Estado, em particular do Poder Executivo Federal, notadamente a partir da Reforma Administrativa introduzida a partir Emenda Constitucional nº 19/98.

Tomando por marco a Constituição de 1988, verifica-se que a política remuneratória do Estado, na forma concebida pelo Poder Constituinte Originário, era fulcrada na isonomia. De fato, o princípio da isonomia é pedra fundamental da Constituição de 1988, espraiando-se por todo o seu texto e desdobrando-se em diversos institutos.

No campo da política remuneratória do Estado temos a revisão geral de vencimentos (isonomia de reajuste) e a isonomia de aumentos prevista na redação original do art. 39 [2].

A revisão geral de vencimentos previa - em sua concepção original - que a remuneração dos servidores públicos federais seria revista na mesma data e no mesmo índice, de forma a manter o seu poder aquisitivo. Ocorre que a materialização do instituto da RGV encontrou barreiras de ordem econômica. Como exemplo, cite-se o caso dos 28% (vinte e oito por cento) que, em princípio, haviam sido concedidos aos militares e, por força da RVG, acabaram sendo estendidos judicialmente para todos os servidores públicos, em estrito cumprimento ao mandamento constitucional.

Ainda sob o prisma econômico-financeiro, à Administração não interessava a concessão de reajustes em cascata que acabariam por ser estendidos a todo o funcionalismo público. Assim, como um imperativo de estado, a jurisprudência mudou de forma a determinar a compensação dos 28% (vinte oito por cento) com os futuros aumentos concedidos às categorias de servidores públicos.

Mudou também a política remuneratória da União, que deixou de conceder RGV, substituindo-a pela concessão de aumentos a carreiras específicas.

Acompanhando esse movimento, dez anos depois, a Constituição Federal foi reformada pela Emenda Constitucional nº 19/98, a chamada de Reforma Administrativa. Dentre as alterações mais significativas da EC nº 19/98, para o presente estudo, podemos destacar:

  • a introdução do princípio da eficiência (caput do art. 37);
  • a fixação de periodicidade anual para a concessão de RGV (alteração do inc. X do art. 37), com o objetivo de compelir o poder executivo a recompor anualmente o poder aquisitivo da remuneração dos servidores públicos federais;
  • o fim da isonomia de aumentos para as carreiras ou cargos de atribuições assemelhadas (alteração do art. 39);
  • a instituição de sistema meritório de avaliação de desempenho (em coadunância com o princípio da eficiência, esse sistema meritório de avaliação de desempenho buscara aferir a eficiência do servidor na prestação do serviço público).

Vale lembrar que apenas em 2001, a partir da ADI nº 2.061/DF, o Poder Executivo voltou a conceder RGV, fazendo cessar a mora então declarada inconstitucional pelo STF. Diante da declaração de inconstitucionalidade de sua conduta omissiva, no precedente indicado, o Poder Executivo passou a conceder anualmente a RGV, passando a burlar o instituto mediante a concessão de índices anuais irrisórios, que, nem de longe, recompunham a perda do poder remuneratório dos vencimentos dos servidores públicos federais.

Com isso, o Executivo não podia mais ser acusado de mora, mas, mediante o cumprimento insuficiente do comando constitucional, passou a esvaziar por completo seu conteúdo, em uma deletéria mutação constitucional.

Dessa forma, a Administração viu-se livre da equiparação e vinculação de aumentos concedidos, passando a exercer uma política remuneratória baseada na criação de gratificações de desempenho e reestruturações das carreiras estratégicas do Estado.

Enquanto as reestruturações de carreira viabilizavam a concessão de reajustes a carreiras específicas (sob o simulacro de aumento e sem o indesejável efeito cascata para os demais servidores, mais uma burla à RGV), as gratificações de desempenho tinham o nefasto objetivo de burlar o princípio da paridade e integralidade. Isso porque o servidor aposentado via-se cada vez mais excluído das gratificações de desempenho criadas, sob o fundamento da impossibilidade de serem submetidos às avaliações de desempenho, de forma a aferir a nova vantagem.

É claro que, mais tarde, o próprio texto constitucional incorporou a alteração que já era materializada nas normas infraconstitucionais, e, com a EC nº 41/03, pôs-se fim à paridade e à integralidade entre os vencimentos do servidor público ativo e os proventos dos inativos.

Atrelado a esse novo quadrante constitucional, veio o fim do adicional por tempo de serviço que, até então, era uma das principais formas de reconhecimento do tempo e experiência do servidor público. Os anuênios e quinquênios eram vantagens pessoais que o servidor adquiria a partir do tempo de serviço prestado à Administração Pública como forma de reconhecimento de sua experiência e identificação com o serviço prestado.

Com o fim do adicional por tempo de serviço, a progressão funcional passou a ser uma das únicas formas de reconhecimento pecuniário do tempo de serviço e experiência do servidor, uma vez que as gratificações tinham por objetivo a aferição exclusiva do desempenho, não havendo distinção de índice entre o servidor mais antigo e o recém nomeado.

É exatamente nesse quadro fático-normativo que devem ser analisadas as reestruturações de carreira, em especial a procedida pela Lei nº 11.344/06 que, ao proceder o alongamento da carreira de professor de Magistério Superior, mediante a inserção de uma classe intermediária – a de professor associado - promoveu o reenquadramento dos docentes universitários com a total desconsideração de seu tempo de serviço e de seu direito à progressão funcional.


III - VANTAGENS REMUNERATÓRIAS E SUA PERCEPÇÃO NO TEMPO:
cálculo da vantagem do art. 192 do RJU à luz do direito adquirido e da irretroatividade da lei.

Um dos pontos mais controvertidos da Lei nº 11.344/06 em comento, diz respeito ao cálculo da vantagem do art. 192 do RJU, o que se aplica, mutatis mutantis, à vantagem do art. 184 da Lei nº 1.711/52, ambas revogadas, mas que continuam sendo percebidas por alguns docentes, por força do direito adquirido às regras de aposentadoria.

As referidas vantagens asseguravam ao servidor o direito de se aposentar com a remuneração do padrão da classe imediatamente superior àquela na qual se deu a aposentadoria. Em caso de servidor ocupante da última classe da carreira, essa vantagem corresponderia à diferença entre a remuneração e o padrão da classe imediatamente inferior.

Portanto, na carreira antiga, antes do advento da lei ora em exame, o professor adjunto se aposentava com os proventos de professor titular. Agora, segundo a interpretação que está sendo dada à Lei nº 11.344/06, com a introdução da classe de professor associado, o cargo imediatamente superior não seria mais o de professor titular, mas sim o de professor associado.

Nessa perspectiva, vale frisar que a análise dar-se-á à luz do direito intertemporal, na medida em que se tratam de vantagens já revogadas, não mais vigentes. Logo, não se trata de regime jurídico, mas sim da coexistência de um regime legal com regras de regimes jurídicos passados já revogados, mas que continuam em vigor para determinados servidores, por força de seu patrimônio jurídico subjetivo.

Delimitado o prisma, o primeiro dado que deverá ser levado em consideração, é a análise caso a caso de cada ato de aposentação. Portanto, a despeito de não prescindir de um enfrentamento coletivo, as situações individuais deverão ser apreciadas, de forma a verificar se o ato de aposentação faz menção à percepção de proventos da classe imediatamente superior, ou, conforme verificou-se em alguns casos, proventos do cargo de professor titular.

Nos casos em que as portarias de aposentação fazem expressa menção à percepção da remuneração de professor titular, deverão ser ajuizadas ações individuais, fundamentadas no direito adquirido às regras de aposentadoria e, especialmente, no ato jurídico perfeito que é a portaria de aposentação.

Os demais casos, deverão ser enfrentados em ações coletivas, nas quais o principal fundamento será o direito adquirido. Entretanto, segundo a remansosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não existe direito adquirido à forma de cálculo de gratificação ou vantagem, muito menos à posição hierárquica na carreira.

Infelizmente, o Poder Judiciário, por intermédio de sua jurisprudência, tem se posicionado no sentido de que a remuneração e proventos do servidor são protegidos apenas no limite de sua irredutibilidade. As questões referentes á composição da remuneração dizem respeito à política remuneratória, cujo exame de juridicidade é vedado ao Poder Judiciário por compor o âmbito de discricionariedade da Administração (conveniência e oportunidade), tudo em atenção à separação de poderes.

Logo, protege-se o todo, o valor total dos proventos, sendo vedada a sua redução e não a redução de parcela individualmente considerada, inexistindo direito adquirido a forma de cálculo da gratificação, salvo em caso de decesso remuneratório. Nesse sentido, observe-se o RE-AgR nº 249.415/SC, Rel Min. Néri da Silveira, DJ de 18.5.2001:

"EMENTA: Recurso extraordinário provido. 2. Estabilidade financeira de servidor público do Estado de Santa Catarina. 3. Inexistência de ofensa aos princípios constitucionais da vedação de vinculação ou equiparação de vencimentos, e da irredutibilidade de vencimentos. Precedentes. 4. Inexistência de direito adquirido a forma de cálculo de parcelas da remuneração. RE n.º 226.462/SC, Pleno, 13.5.1998. 5. Agravo regimental a que se nega provimento." (destaques atuais)

Nesse sentido, a própria Lei nº 11.344/06, em seu art. 41, procurou ajustar-se à orientação jurisprudencial dominante, ao trazer disposição geral que veda a redução de proventos ou vencimentos decorrente da aplicação da lei, prevendo, inclusive, o pagamento da diferença título de vantagem pessoal nominalmente identificada (em que pese mais adiante prever a incorporação dessa vantagem pelas futuras reestruturações, também em entendimento referendado pela jurisprudência que admite a compensação entre reajustes e aumentos).

Entretanto, a despeito da orientação jurisprudencial, deverá ser feito o enfrentamento judicial da questão, a exemplo de ações já ajuizadas, com fundamento no direito adquirido às regras de aposentadoria, sendo consideradas essas regras na forma e no ordenamento jurídico vigente quando da aposentação.

Se, ao se aposentar, a base de cálculo da gratificação era o vencimento de professor titular, a legislação superveniente não pode alterar essa base de cálculo, sob pena de configurar-se a sua aplicação retroativa, em detrimento do direito adquirido do servidor aposentado.

É o que se depreende do RE-AgR nº 275.076, Rel Min. Maurício Corrêa, STF, DJ 6.4.2001:

"EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. GRATIFICAÇÃO INCORPORADA AOS PROVENTOS DO SERVIDOR INATIVO. NORMA SUPERVENIENTE. ALTERAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DA PARCELA REMUNERATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Base de cálculo de parcelas remuneratórias. Legislação superveniente, que venha dar nova disciplina à forma de cálculo das parcelas que compõem os vencimentos ou proventos do servidor, há de respeitar as situações jurídicas constituídas sob a proteção da ordem política anterior. Agravo regimental a que se nega provimento." (destaques atuais)

Nessa mesma linha, destaque-se a ADI nº 1.443-9/CE, Rel. Min. Marco Aurélio:

"LIMINAR - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. (...) GRATIFICAÇÕES - VANTAGENS PECUNIÁRIAS - BASE DE CÁLCULO. Ao primeiro exame, a Carta Política da República não impõe o cálculo de parcelas remuneratórias a partir do vencimento-base ou do soldo. GRATIFICAÇÕES - VANTAGENS PECUNIÁRIAS - BASE DE CÁLCULO - LEI LOCAL - CARTA DA REPÚBLICA. A legislação local, do Estado ou do Município, pode disciplinar, sem infringência à Constituição Federal, a base de cálculo de parcelas remuneratórias, indicando-a como sendo o vencimento-base ou o soldo. GRATIFICAÇÕES - VANTAGENS PECUNIÁRIAS - BASE DE CÁLCULO - ALTERAÇÃO NORMATIVA - SITUAÇÕES CONSTITUÍDAS. A nova disciplina do cálculo das parcelas remuneratórias, ainda que envolvida relação jurídica Estado-servidor, há de respeitar, sob pena de atrair a pecha de inconstitucional, as situações jurídicas constituídas sob a proteção do regramento anterior. (...)" (destaques atuais)

Nesse sentido, se quando de sua aposentadoria, o professor tinha como padrão imediatamente superior do de professor titular, mesmo com alteração da estrutura da carreira, o paradigma deverá continuar sendo o de professor titular, sob pena de violação do direito adquirido. Tal entendimento advém do princípio segundo o qual o direito intertemporal deverá ser interpretado à luz da normativa vigente à época de sua aquisição, não se aplicando modificação futura prejudicial, sob pena de aplicação retroativa da lei, o que é vedado pelo inciso XXXVI do art. 5º da Constituição.


IV - PROGRESSÃO FUNCIONAL:
correto enquadramento do professor adjunto situado no topo da carreira.

A partir do panorama macro acima delineado, a questão central da presente análise, diz respeito à licitude de o legislador conceder aumentos remuneratórios mediante a ampliação de carreiras com a inserção de classes intermediárias, e não iniciais, de forma a provocar, na prática, um achatamento ou até mesmo retrocesso funcional para os servidores aposentados. Referimo-nos aqui aos servidores aposentados porque, do ponto de vista do servidor ativo, ampliam-se as possibilidades de progressão, característica essa que não poderá ser compartilhada pelo servidor inativo, salvo mediante o correto reenquadramento, conforme se passará a expor.

A carreira de magistério superior, antes das alterações introduzidas pela Lei nº 11.344/06, era estruturada de acordo com a tabela abaixo:

CARREIRA

CLASSE

NÍVEL

MAGISTÉRIO SUPERIOR

TITULAR

1

ADJUNTO

4

3

2

1

ASSISTENTE

4

3

2

1

AUXILIAR

4

3

2

1

Após o advento da Lei, a carreira passou a ter a seguinte estrutura:

CARREIRA

CLASSE

NÍVEL

MAGISTÉRIO SUPERIOR

TITULAR

1

ASSOCIADO

4

3

2

1

ADJUNTO

4

3

2

1

ASSISTENTE

4

3

2

1

AUXILIAR

4

3

2

1

De acordo com o art. 5º da Lei nº 11.344/06, para progredir para a classe de professor associado, o professor deve estar há pelo menos dois anos no último nível da classe de professor adjunto, dentre outros requisitos. Ocorre que a norma nada diz acerca dos docentes que estão há muito mais de dois anos no topo da carreira, levando à errônea interpretação de que o tempo de serviço poderá ser desconsiderado para efeitos de progressão funcional, o que seria completamente inconstitucional.

Ora, ao exigir que o professor esteja há pelo menos dois anos no último padrão da classe de professor adjunto, a norma nada mais faz do que dar concreção ao princípio do interstício mínimo para a promoção, ou progressão funcional (vale frisar que situa-se, de igual modo, no âmbito da discricionariedade administrativa a exigência de interstício mínimo para a progressão na carreira, sendo comumente evitada a progressão automática).

O que precisa ser esclarecido é que o fato de o legislador não determinar expressamente a contagem de todo o tempo no qual o servidor esteve situado no topo da carreira, com vistas ao devido reenquadramento na nova classe de professor associado, não significa uma autorização legislava de desconsideração de tempo de serviço para efeitos de progressão funcional, independentemente da avaliação de desempenho específica que não pode ser considerada óbice para o correto reenquadramento.

Isso porque, conforme já exposto, com o fim dos adicionais por tempo de serviço (anuênios e qüinqüênios) a progressão funcional passou a ser a única forma de reconhecimento do tempo de serviço do servidor e de valorização de sua experiência na Administração Pública.

A lei que, supostamente, despreza tempo de serviço para efeitos de progressão funcional deverá ser declarada inconstitucional. Nesse sentido, cite-se a ADI nº 1.955, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 14.12.2001, na qual o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da norma que desconsiderava de um ano de serviço para efeitos de progressão funcional, ainda que, no caso em análise, sob o fundamento da isonomia.

Logo, todo o tempo no qual o professor adjunto permaneceu situado no topo da carreira (último padrão da classe) deverá ser levado em consideração para efeitos do correto posicionamento na nova carreira, respeitado o interstício mínimo de dois anos.


V - CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, pode-se concluir que:

  1. A Lei nº 11.344/06 insere-se em um contexto maior, no qual a Administração Pública fundamenta a sua política remuneratória na reestruturação de carreiras e na instituição de gratificações de desempenho como forma de concessão de aumento remuneratório, em burla ao princípio da revisão geral de vencimentos.
  2. Ao assim proceder, a Administração tenta burlar, ainda, os princípios da paridade e da integralidade, afastando os inativos da percepção das vantagens remuneratórias então concedidas, cada vez mais, apenas aos servidores ativos;
  3. O exame da licitude e constitucionalidade do modelo de política remuneratória adotado pela União ainda não foi feito pelo Poder Judiciário que, em sua jurisprudência dominante, limita-se a assegurar a irredutibilidade dos vencimentos e dos proventos, não havendo direito adquirido à forma de cálculo das vantagens.
  4. Segundo a jurisprudência dominante, não existe direito adquirido à forma de cálculo de gratificações, salvo se a modificação redundar ma redução de proventos ou remuneração, para tanto considerado o seu valor integral [3].
  5. Contudo, sob o prisma do direito intertemporal, a percepção e o cálculo das gratificações previstas nos art. 184 da Lei nº 1.711/52 e do art. 192 da Lei nº 8.112/90 deverão ser analisados à luz do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, haja vista a revogação da vantagem e a sua percepção apenas pelos professores que se aposentaram durante a vigência dos dispositivos legais em comento [4].
  6. Todo o tempo de serviço do professor situado no todo da carreira (professor adjunto 4), antes de sua reestruturação, deverá ser levado em consideração para efeitos do correto reposicionamento na nova classe de professor associado.

NOTAS

  1. Nesse ponto, destaque-se o excelente trabalho realizado pelos advogados Francis Bordas e Sayonara Grillo Coutinho, ao impugnarem judicialmente a questão acerca do cálculo da vantagem do art. 192 do RJU e da desconsideração do tempo de serviço para efeitos de posicionamento na nova carreira, respectivamente.
  2. Redação original do art. 39 da CF/88: "A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. § 1º - A lei assegurará, aos servidores da administração direta, isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho. § 2º - Aplica-se a esses servidores o disposto no art. 7º, IV, VI, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII, XXIII e XXX." Do ponto de vista da Administração Pública, a isonomia de reajustes (recomposição do poder aquisitivo da remuneração) e aumentos (aumento remuneratório além da mera reposição das perdas inflacionárias) acabou por ocasionar reajustes em cascatas e diversas ações judiciais, como os 28% (vinte e oito por cento) decorrentes, sobretudo, da isonomia de reajustes que acabava por vincular todas as carreiras. Apesar de ter sido concebido como uma garantia para o servidor, acabou virando uma amarra para a Administração que, como solução inconstitucional, ficou anos sem proceder à revisão geral de vencimentos e, depois de decretada a inconstitucionalidade da mora, passou a conceder índices ínfimos e irrisórios de reajuste. Paralelamente, as revisões gerias eram concedidas sob o simulacro de aumentos, reestruturações de carreiras.
  3. Nesse sentido, observe-se os seguintes precedentes: STF – RE-AgR ns. 355.130, 491.923 e 502.389.
  4. STF – RE-AgR nº 275.076.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDINA, Damares. Lei nº 11.344/06, que dispõe sobre reestruturação de carreiras, em especial na parte em que reestrutura a carreira do magistério de ensino superior. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1292, 14 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9387. Acesso em: 23 abr. 2024.