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Dispensa de licitação em razão do valor fundada na nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/21)

Dispensa de licitação em razão do valor fundada na nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/21)

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Não pode o administrador apenas utilizar os novos valores de dispensa de licitação e manter os procedimentos (inclusive o contrato), fundado na lei antiga (8.666/93).

É consabido que foi publicada, recentemente, a Lei Federal nº 14.133, de 1º de abril de 2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos), em vigor desde aquela data (art. 194).

Embora a Nova Lei de Licitações tenha sido publicada e esteja em vigência desde 1º de abril de 2021, ela não revogou imediatamente a Lei Federal nº 8.666/93 e outras leis aplicáveis, que vigorarão até 2 (dois) anos contados da data de entrada em vigor da referida lei.

Conquanto a vigência de ambas as legislações, o legislador federal vedou a simbiose das legislações, isto é, a utilização de forma híbrida (combinada) da Lei nº 8.666/93 e da Lei nº 14.133/21, conforme disposto no art. 191.

Em que pese diversas dificuldades na aplicação da nova lei, que exige atos e publicações no Portal Nacional de Contratações Públicas - PNCP, que ainda está em fase de implantação, e ainda prevê hipóteses que dependem de regulamentação, a questão que se impõe a apreciação diz respeito à possibilidade de utilização do novo valor definido para contratações céleres, diretas, com dispensa de licitação.

É que com o advento da Nova Lei de Licitações, o art. 75, nos incisos I e II, definiu os seguintes valores para contratação com dispensa de licitação:

I - para contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores;

II - para contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), no caso de outros serviços e compras;

Os valores foram atualizados e são superiores àqueles definidos no art. 24 da Lei nº 8.666/93 c/c Decreto nº 9.412/18, se mostrando vantajosos para a Administração Pública que poderá contratar até esse limite, com menos burocracia e procedimentos, que seriam exigidos em uma licitação.

A priori, pode-se afirmar que é possível a utilização dos novos valores para realização da compra com dispensa de licitação, pelo pequeno valor, tendo em vista que a lei foi publicada e se encontra vigente, conforme dispositivo citado anteriormente.

Também, não vislumbramos qualquer norma relacionada à dispensa de licitação que dependa de regulamentação, de modo a impedir a utilização dos novos valores e da nova lei.

É importante frisar apenas, como já mencionado, que o art. 191 da Lei nº 14.133/21 vedou a simbiose das legislações, isto é, a utilização de forma híbrida ou combinada das leis no mesmo procedimento.

Isso significa que não pode o administrador apenas utilizar os novos valores de dispensa de licitação e manter os procedimentos (inclusive o contrato), fundado na lei antiga (8.666/93). Utilizando-se o novo valor para dispensa de licitação, então, deverá ser utilizado os novos procedimentos constantes no novo regramento legal.

Portanto, pode-se realizar a contratação por dispensa de licitação, em razão do valor, utilizando-se os novos valores da Lei nº 14.133/21, desde que sejam observados os novos parâmetros e procedimentos aplicáveis ao processo de contratação direta, especialmente aqueles referidos no art. 72.

Ainda, em relação ao procedimento, recomendamos que seja designado servidor titular de cargo efetivo como Agente de Contratação, nos termos do art. 8º do novo Estatuto de Licitações, para acompanhar e tomar eventuais decisões relativas ao trâmite da contratação, dar impulso ao procedimento competitivo exigido pela lei e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.

A exigência dessa designação não é clara na Nova Lei de Licitação para o procedimento de dispensa, mas, para dar lisura ao procedimento e atender à segregação de funções previstas no art. 5º e § 1º do art. 7º, entendemos e recomendamos o ato administrativo.

Quanto ao procedimento de compra direta, previsto no art. 72 e 75 da referida lei, recomendamos as seguintes etapas:

1. requisição

2. TR Termo de Referência (justificativa de compra, objeto e condições de participação)

3. pesquisa de mercado (justificativa da escolha de fornecedores)

4. publicação no site (mínimo de 3 dias úteis) publicar TR e data máxima para envio de orçamento

5. mapa de preços

6. dotação orçamentária

7. documentos e certidões da empresa que ofereceu o melhor preço

8. minuta contratual (que pode ser substituída - art. 95)

9. parecer jurídico

10. autorização de contratação

11. contrato (que pode ser substituído - art. 95)

12. publicação do extrato do contrato/compra

Há na lei 6 (seis) importantes diferenças que merecem a atenção dos órgãos públicos, em relação ao procedimento costumeiro que era adotado com fundamento da lei de licitações anterior (8.666).

A primeira é relativa à escolha dos fornecedores/prestadores de serviço, posto que a Administração deverá justificá-la. Parece-nos que a intenção do legislador é evitar que sejam selecionadas empresas em que o agente público tenha mais simpatia ou familiaridade, em detrimento de outras que poderiam oferecer propostas mais vantajosas à Administração.

Portanto, deve-se atentar ao objeto e às condições de participação, buscando-se no mercado empresas/fornecedores que possam oferecer as melhores propostas, observando-se, sempre, o princípio da isonomia e a competitividade.

A segunda diferenciação é tratada no § 3º do art. 75, que demonstra a preferência da lei pela publicação, no site oficial do órgão público, da divulgação da intenção de compra/contratação, para que interessados tenham a oportunidade de enviar suas propostas. Nesse sentido, recomendamos que seja disponibilizado no site oficial o Termo de Referência, com a justificava da compra, o objeto pretendido e as condições de participação, no prazo mínimo exigido pela lei (três dias úteis).

Também é importante esclarecer que mesmo que a lei utilize a expressão preferencialmente, não há uma discricionariedade do Administrador em divulgar o objeto e intenção de compra, sendo que a não publicação só poderá ocorrer em situações devidamente justificadas.

Em terceiro, o inciso III do art. 72 exige, no mínimo, parecer jurídico que demonstre o atendimento dos requisitos exigidos para a contratação. Desta forma, ao responsável jurídico caberá, não só a análise da minuta contratual (como ocorria na Lei Federal nº 8.666/93, por força do parágrafo único do art. 38), mas, a análise de todo o procedimento e a avaliação legal dos atos praticados.

Destacamos, como quarta diferença, a exigência de que a empresa selecionada, com a proposta mais vantajosa, apresente, antes da contratação (e, da mesma forma, em eventuais prorrogações contratuais), os documentos exigidos no § 4º do art. 91, especificamente quanto às certidões de regularidades fiscais (débitos federais, estaduais, municipais, FGTS), a certidão negativa de débitos trabalhistas e as certidões nacionais (Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis), Cadastro Nacional de Empresas Punidas (Cnep), Negativas de Inidoneidade e/ou de Impedimento) que foram consolidadas na Certidão Negativa Correcional (CGU-PJ, CEIS, CNEP e CEPIM), que pode ser obtida no site: https://certidoes.cgu.gov.br.

Em quinto, ante a preferência constante no § 4º do art. 75 da referida lei, quanto ao pagamento dos fornecedores com o cartão de pagamento e a divulgação do extrato no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), sugerimos a publicação do extrato do contrato ou da Nota de Empenho, acompanhada da publicação do ato da autoridade que autorizou a contratação (consoante exigência do parágrafo único do art. 72), justificando a não utilização do cartão de pagamento e a impossibilidade de publicação no PNCP, enquanto os sistemas não se adequarem a ele.

Vale mencionar que o Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU), ao responder à consulta formulada no TC 008.967/2021-0[1], entendeu ser possível a utilização da dispensa de licitação, com os novos valores da Lei nº 14.133/2021, em caráter transitório e excepcional, mesmo sem a publicação no PNCP.

Por fim, destacamos que os contratos firmados com fundamento na nova lei deveriam ser publicados no PNCP por força do art. 94, mas, conforme a própria resposta do TCU, na consulta citada acima, a publicação no portal pode ser substituída pela publicação em site e/ou impressa oficial, provisoriamente.

Outra medida possível é fundada no art. 95 da Nova Lei de Licitações que permite a substituição do contrato por outro instrumento hábil, como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço, não havendo na lei exigência expressa de publicação desses instrumentos.

Assim, desde que sejam observados os novos parâmetros e procedimentos aplicáveis, especialmente aqueles referidos nos arts. 72 e 75, concluímos pela possibilidade de realização da contratação direta, por dispensa de licitação, em razão do valor, utilizando-se os novos valores estabelecidos pela Lei Federal nº 14.133/21.

Importante frisar que tanto o procedimento como o novo contrato serão deverão ser regidos e formalizados com fundamento na nova lei. 


[1] https://portal.tcu.gov.br/data/files/84/92/E7/19/D3E9C710C74E7EB7E18818A8/008.967-2021-0%20-%20AN%20-%20aplicacao%20imediata%20contratacao%20direta.pdf


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIGUEIREDO, Douglas Tanus Amari Farias de. Dispensa de licitação em razão do valor fundada na nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/21). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6690, 25 out. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/94312. Acesso em: 23 abr. 2024.