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Estratégias regulatórias: quando e como usá-las?

Estratégias regulatórias: quando e como usá-las?

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Há um movimento crescente em defesa da autorregulação. Por outro lado, é amplamente aceito que certos tipos de comportamento empresarial ostentam elevada capacidade nociva à sociedade e acabam demandando ação interventiva do Estado.

A demanda crescente por regulação enseja a proliferação de novas normas regulatórias. Não há consenso a respeito de (des)vantagens da regulação. Para os defensores, a regulação permite melhor coordenação de esforços; as ações, normatizadas com certa previsibilidade e à luz do sistema jurídico, se revestiriam em instrumentos adequados, particularmente em tempos de crise, propiciando respostas imediatas aos desafios da pós modernidade. Para os críticos, a regulação distorce a atividade do setor privado, tendo o potencial de aumentar a ineficiência econômica, inibindo a inovação e o progresso tecnológico.

Tradicionalmente, a luta contra os excessos de regulação sempre ocupou espaço na agenda dos liberais, cabendo recordar que a teoria econômica dominante foi erigida a partir do pressuposto de que o mercado não é capaz, por si só, de coordenar a economia. Sabendo que o Estado não deixou de regular a economia, um dos fundadores da Escola de Chicago, George Stigler, adotou nova abordagem para o problema, priorizando estudos voltados à economia política da regulação, partindo do pressuposto de que existe um mercado político para a ação reguladora.

Mesmo assim, a visão convencional da regulação segue enfatizando duas condições opostas: mais regras e, portanto, sanções mais rígidas; e menos regras, ante os efeitos indesejáveis no desempenho econômico. A dicotomia entre mercados livres e mercados controlados falha em desconsiderar todas as opções regulatórias existentes que possam se encaixar entre os dois extremos.

Se, por um lado, não se pode ignorar o movimento crescente em defesa de medidas mais flexíveis, como autorregulação, por outro, é amplamente aceito que certos tipos de comportamento empresarial ostentam elevada capacidade nociva à sociedade e acabam demandando ação interventiva do Estado.

Por essas razões, Scott define a regulação como qualquer processo pelo qual as normas são estabelecidas ao lado de mecanismos aptos a manter o alinhamento do comportamento dos sujeitos aos seus preceitos. Trata-se de uma abordagem bastante ampla de regulação que vem ganhando espaço na agenda de pesquisa sobre governança regulatória e o novo perfil do Estado Regulador.

A rigor, segundo Coglianese, a governança regulatória abrange uma variedade de pressões e politicas implementadas por atores governamentais e não governamentais, tendo o propósito de moldar o comportamento dos agentes regulados, assim como identificar falhas de mercado e quaisquer problemas públicos. Em suma, para Black, trata-se de uma leitura ampla de regulação que compreende acima de tudo a complexidade dos desafios atuais, as interdependências e falhas de governo, sugerindo convivência harmônica e conciliável entre ferramentas regulatórias de comando e controle, autorregulação e meta-regulação.

Para que todo processo de harmonização seja bem sucedido ou permita até mesmo transpor antagonismos, é preciso que, de fato, se compreenda a ratio de cada ferramenta regulatória posta em questão. Muitas vezes, o sucesso da escolha da opção regulatória depende, ainda, do grau de maturidade do regulador e da coerência das estruturas de governança regulatória de determinada unidade política.

Segundo Coglianese, normas de comando e controle se referem às instruções editadas pelo regulador, geralmente obrigações de fazer ou não fazer, endereçadas aqueles que sofrerão os efeitos da incidência da norma. Em geral, os comandos devem explicitar com clareza os meios e os fins. Os padrões de meios funcionam bem quando o regulador entende e identifica bem (expertise técnica necessária) quais as ações se reputam mais necessárias ao enfretamento de dado problema social. Por outro lado, os comandos finais são delineados visando o alcance de um resultado específico; não há o detalhamento do meio para a obtenção do que se quer alcançar.

Por sua vez, a autorregulação se coaduna a qualquer sistema de regulação onde o alvo regulatório (setor regulado, associações do setor regulado) impõe comandos regulatórios e respectivas consequências, as quais incidirão sobre si mesmo. A impossibilidade material de controlar uma gama de sujeitos c/c complexidade de determinadas matérias é um fator importante do exercício da autorregulação. A experiência técnica dos regulados, atrelada a variedade de recursos materiais, tecnológicos e humanos que podem ser empregados para fins de controle, tende a ser um diferencial importante ao alcance de determinados níveis de eficiência e qualidade. Para ilustrar, Coglianese destaca um exemplo bem familiar: Como todos sabem, é comum aos alunos, em idade escolar, se valerem de ferramentas coletivas para evitar o conhecido e malsinado problema trapaças escolares. Eles, por si só, podem separar as carteiras e monitorar condutas em dias de prova. A rigor, esta atuação, por conta própria, é bom exemplo de autorregulação.

A metarregulação foca a ação de reguladores externos, sem perder de vista os insights da autorregulação. Para efeitos práticos, são mecanismos pelos quais se valem deliberadamente os reguladores externos, com intuito de induzir o alvo regulatório ao desenvolvimento de suas próprias respostas internas, viabilizando assim o exercício da autorregulação. Tomando-se o exemplo retromencionado, o diretor da escola e o corpo docente podem, a partir de determinadas estratégias, encorajar os alunos a criar suas próprias regras. Pode-se dizer que esse processo é dividido em camadas; inicia-se com os esforços explícitos do diretor e corpo docente, e, na sequência, com as ações desenvolvidas pelos alunos.

Ao que se vê, são claras, portanto, as consequências que estão por trás de cada ferramenta regulatória. Por óbvio, a depender do comprometimento das estruturas de governança regulatória, as consequências podem variar em termos de tamanho e certeza, sem contar a proliferação de efeitos preponderantemente negativos ou positivos e seus respectivos impactos na economia.

Para Beales, a escolha correta da abordagem regulatória reforça o papel das regulações sensatas. Via de regra, são baseadas em evidências que respeitam a finalidade da livre concorrência; benefícios na inovação, crescimento econômico, aumento da produtividade, desenvolvimento sustentável; além de retroalimentar a confiança coletiva nas instituições públicas.

Nem sempre a alimentação da carga regulatória normativa é o melhor a ser feito. É preciso um olhar atento às opções possíveis ou até mesmo rever o estoque regulatório já existente, tendo sempre em mente que a regulação de comando e controle, em menor grau, acaba interferindo nas decisões de mercado e nem sempre reforça a eficiência.

Os tempos atuais permeados pela proliferação de riscos nos obrigam a rememorar os fundamentos de intervenção do Estado Regulador na economia, precipuamente correção de falhas de mercado ou imperfeições tendentes a mitigar a eficiência e concorrência. Vale lembrar, o objetivo da regulação é aumentar o bem-estar social e não enfraquecê-lo.

Referências bibliográficas

BLACK, Julia. Critical reflection on regulation. The London School of Economics and Political Science. 2002.

CARY, Coglianese; Evan, Mendelson. Meta-Regulation and Self Regulation. The Oxford Handbook of Regulation. Disponível em <https://www.oxfordhandbooks.com/view/10.1093/oxfordhb/9780199560219.001.0001/oxfordhb-9780199560219>. Acesso em 31 de outubro de 2021.

H. Beales, et al., Government Regulation: The Good, The Bad & The Ugly, released by the Regulatory Transparency Project of Federalist Society, June 12, 2017.<https://(https://regproject.org/wp-content/uploads/RTP-Regulatory-Process-Working-Group-Paper.pdf).

SCOTT C. Private Regulation of the Public Sector: A Neglected Facet of Contemporary Governance. Journal of Law and Society 23 (1), 56-76. 2002.


Autor

  • Flavine Meghy Metne Mendes

    Advogada, escritora, palestrante, mestre em Direito Público, doutoranda em Políticas Públicas pela UFRJ, autora da obra: Processo Normativo das Agências Reguladoras: Atributos específicos à governança regulatória, bem como de artigos científicos. Foi Procuradora-Geral da Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Rio de Janeiro.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES, Flavine Meghy Metne. Estratégias regulatórias: quando e como usá-las?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6702, 6 nov. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/94561. Acesso em: 23 abr. 2024.