Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/9522
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Análise da investigação preliminar de acordo com seus possíveis titulares

Análise da investigação preliminar de acordo com seus possíveis titulares

Publicado em . Elaborado em .

Analisaremos os sistemas investigativos baseados na diversidade dos seus titulares, demonstrando as vantagens e os inconvenientes destes procedimentos, apresentando, ao final, algumas sugestões que, implementadas, certamente iriam gerar maior eficácia à investigação preliminar.

1- Considerações iniciais:

           Analisaremos os sistemas investigativos baseados na diversidade dos seus titulares, demonstrando as vantagens e os inconvenientes destes procedimentos, apresentando, ao final, algumas sugestões que, implementadas, certamente iriam gerar maior eficácia à investigação preliminar.

           Nesse sentido, será analisada a investigação criminal presidida pelo Juiz (juizado de instrução), Promotor e, por fim, pelo Delegado de Polícia.

           Antes, porém, faremos uma breve apresentação do instituto da investigação criminal, tecendo alguns comentários sobre algumas de suas características.


2- INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

           2.1Conceito

           A investigação criminal é um procedimento administrativo pré-processual, de cognição sumária, cujo objetivo imediato é averiguar o delito e sua autoria, fornecendo elementos para que o titular da ação penal proponha o processo (oferecimento da peça exordial) ou o não processo (arquivamento) (1).

           Pela definição podemos identificar a natureza jurídica, a finalidade e o grau de cognição da deste procedimento.

                     2.2 Natureza Jurídica

           Quanto à natureza jurídica, trata-se de procedimento administrativo, não obstante a possibilidade de serem praticados atos judiciais e até mesmo jurisdicionais, como no caso de uma medida constritiva de direitos fundamentais, tal qual a prisão preventiva.

           Cabe ressaltar que, quando presidida por integrante do poder judiciário sua natureza se transmuda para procedimento judicial.

           Por fim, independente do órgão que o presida, jamais esse atos vão representar uma relação processual, justamente por faltarem elementos necessários à configuração da mesma, tais como, existência de partes potencialmente contrapostas, um rito a ser seguido (2), publicidade de seus atos (3) e encerramento por uma sentença.

                     2.3 Grau de cognição

           No processo penal há três diferentes níveis de cognição, segundo se busque um juízo de possibilidade, de probabilidade ou de certeza (4).

           Para se chegar a um juízo de certeza, é necessário esgotar toda a matéria probatória, através de uma cognição plena, o que justificaria uma sentença condenatória.

           Já para o início de uma ação penal, é necessário tão somente um juízo de probabilidade, que seria o predomínio das razões positivas que afirmam a existência do delito e sua autoria.

           Quanto à investigação preliminar, para sua deflagração, basta um juízo de possibilidade (razões favoráveis forem equivalentes às contrárias).

           Por outro lado, como seu objetivo é tão somente averiguar os fatos, embasando ou não uma futura ação penal, percebe-se, desde logo, que não há razões para que se busque esgotar toda matéria probatória, o que só geraria morosidade desnecessária ao procedimento preliminar.

           Ademais, esgotando-se quase que totalmente a matéria probatória na fase preliminar, haverá um grande prejuízo à defesa, eis que além de não ter podido contar inteiramente com as garantias constitucionais naquela fase, tenderá a haver na instrução judicial somente ratificação dos atos investigativos e não propriamente produção de provas.

           Logo, a investigação no plano de cognição deverá ser sumária, limitando-se a atividade mínima de comprovação e averiguação dos fatos e da autoria, para justificar o processo ou o não processo (5).

           2.4 Finalidade

           No que tange à sua finalidade, resta claro que visa à averiguação do fato tido como criminoso, ressaltando que sua missão poderá ser alcançada, quer havendo propositura da ação penal, como requerimento de arquivamento.

           Nesse sentido, indo de encontro a grande parcela da Doutrina (6), entendemos que o objetivo do inquérito é a busca da verdade dos fatos e não somente a preparação para uma futura ação penal, pois se assim o fosse, restaria claro que este procedimento estaria voltado apenas para a acusação.

           Na verdade, os elementos colhidos durante a investigação podem servir de embasamento para a propositura da ação penal, porém, não é este o seu objetivo, mas tão-somente uma conseqüência deste procedimento.

           De outra forma, se após a investigação restar claro que não houve crime, como no caso de atipicidade de conduta ou presença de causas que excluam a antijuridicidade, ainda assim estará sendo cumprida a finalidade do procedimento preliminar. (7)

           Com efeito, trazemos a colação o posicionamento de André Rovegno (8):

           ...a investigação criminal em geral e o inquérito em particular destinam-se à apuração da verdade plena, sobre fato supostamente criminoso, posto que jamais podem ser tidas como atividades preparatórias da ação penal, sob pena de se fazer dessa delicadíssima atividade estatal uma fonte vigorosa de processos penais desnecessários e equivocados. A investigação criminal, conforme o caso, embasa o processo; jamais deve deliberadamente prepará-lo.

           A investigação, por outro lado, tem também uma função mediata, indireta, qual seja, assegurar a paz e a tranqüilidade social, consubstanciada na garantia que todas as condutas tidas como delitivas serão objeto de averiguação, gerando a atuação estatal um estímulo negativo para a prática de novas infrações (9).

           Cumpre salientar que a investigação criminal possui uma finalidade mediata, de cunho eminentemente garantista, de filtro processual (10), evitando acusações infundadas.

           Nessa esteira, se a instrução definitiva busca certificar se há provas ou não para uma condenação, através da cognição plenária, a investigação criminal visa buscar se há elementos para que se proceda ao processo ou não.

           Assim, as investigações fundadas em meras probabilidades não devem prosperar, sendo seu destino o arquivamento e não uma acusação infundada, que geraria diversas cargas negativas ao réu, como por exemplo, a estigmatização social derivada do processo penal.

           Nesse diapasão, trazemos a lição de Lopes Jr (11):

           O termo estigmatizar encontra sua origem etimológica no latim stigma, que alude à marca feita com ferro candente, o sinal da infâmia, que foi, com a evolução da humanidade, sendo substituída por diferentes instrumentos de marcação. O processo penal e, geral e acusação formal em especial são hoje manifestações de infâmia, tendo sido o ferro candente substituído pela denúncia ou queixa abusiva e infundada

           A pessoa submetida ao processo penal perde sua identidade, sua posição e respeitabilidade social, passando a ser considerada desde logo como delinqüente, ainda antes mesmo da sentença e com o simples indiciamento. Em síntese, recebe uma nova identidade, degradada, que altera radicalmente sua situação social. Ademais, se o processo como um todo pode ser considerado uma cerimônia degradante, no seu interior é possível identificar determinados atos que aumentam esse grau de vexação, especialmente as medidas cautelares pessoais e a publicidade abusiva dos atos de investigação ou do processo.

           Vale ressaltar que a finalidade da investigação varia de acordo com o órgão que a presida. Desta forma, como será visto adiante, um órgão que tenha interesse (seja parte na futura ação penal), poderá vir a conduzir o procedimento preliminar de maneira que melhor lhe convenha, dando um maior enfoque na busca de elementos que embase seu desiderato final.

           Por outro lado, um órgão neutro, que não tenha pretensão em eventual e futura ação penal, tenderá a ter uma atuação imparcial na busca da elucidação dos fatos.


3- SISTEMAS DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR

           Analisaremos os modelos de investigação, de acordo com o órgão que o presida, dando enfoque para os aspectos positivos e negativos de cada um, para que possamos, no fim desta obra, propor um modelo que atenda aos anseios dos atores do Processo, sobretudo de nossa Carta Magna.

                    3.1- JUIZ INVESTIGADOR (JUIZADOS DE INSTRUÇÃO)

          Nesse sistema, o juiz instrutor é a máxima autoridade, devendo por sua própria iniciativa e sem necessidade de provocação, salvo nos delitos privados, determinar a instauração da investigação preliminar, dirigindo e/ou realizando as mesmas. Para isto, terá a Polícia judiciária para auxiliá-lo, a qual está diretamente subordinada no plano funcional.

           O juiz instrutor poderá, dentre outras medidas, interrogar o suspeito, utilizar medidas cautelares pessoais ou reais, ordenar perícias, etc.

           A iniciativa probatória esta inteiramente em suas mãos, limitando a participação da defesa e do Ministério público, em regra, a solicitar diligências, as quais serão deferidas ou não a seu critério (12).

           Atualmente, nos países que adotam esse sistema (13), o juiz que preside a instrução preliminar fica impedido de atuar como julgador no futuro processo, tendo em vista os riscos decorrentes da contaminação com o seu envolvimento direto com os elementos investigativos.

           3.1.2 AGUMENTOS FAVORÁVEIS AO SISTEMA DO JUIZ INVESTIGADOR

           Partindo-se do pressuposto que o juiz que instrui não é o mesmo que julgará (abandono do sistema do juiz inquisidor), a principal vantagem desse sistema é que a autoridade diretora é um órgão suprapartes, imparcial e com diversas garantias.

           Nesse sentido, um órgão imparcial irá colher as provas, mas sem pesar a linha de investigação para qualquer lado, senão ao da busca das provas de cargo e descargo, servindo o material investigativo, ao final da instrução, tanto para a acusação como para a defesa, tendo em vista sua falta de pretensão na futura ação penal.

           Por outro lado, um órgão dotado de garantias estaria livre para colher as provas, sem temer a pressão que assola certas autoridades (14), principalmente nos casos de grande repercussão.

           3.1.3 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS AO SISTEMA DO JUIZ INSTRUTOR

           O principal argumento contrário ao sistema de investigação judicial é o excesso de poderes conferidos a uma única pessoa.

           Nesse diapasão, o juiz da instrução é quem autoriza os atos investigativos tendentes a restringir direitos fundamentais (medidas cautelares reais e pessoais). Logo, como pode a mesma pessoa entender conveniente um ato de investigação e ao mesmo tempo avaliar sua legalidade? São funções incongruentes, que não podem ficar na mão de um mesmo órgão, sob pena de quebra do sistema de freios e contra pesos, mormente o equilíbrio processual.

           O juiz tem que primar em zelar sua imparcialidade, e não se confundir com a parte e contaminar-se com a investigação, pois ai estaria afastado de sua função maior durante a investigação, preservar os direitos do investigado (15).

           Por outro lado, a celeridade do feito estaria comprometida, pois o juiz da instrução, por vício da atividade jurisdicional, não se contentaria na busca da mera probabilidade, e sim chegar à certeza dos fatos, convertendo a investigação preliminar, que por sua natureza é sumária, em cognição plena.

           Ademais, esses atos, ainda que gerem um juízo de certeza, deverão ser produzidos em juízo, onde nesta fase o acusado poderá exercer plenamente seus direitos inerentes à defesa.

           Todavia, conforme já abordamos quando do estudo do grau de cognição da fase preliminar, haverá uma tendência em somente se confirmarem os atos da instrução pré-processual.

           Por fim, cabe ressaltar que as razões que levaram ao veto do sistema dos juizados de instrução, em nossa legislação, foram relativas a densidade geográfica de certas comarcas, e não ao famigerado excesso de poderes conferidos a um único órgão (16).

           3.2- PROMOTOR INVESTIGADOR

           Em certos países europeus há uma tendência em se atribuir ao promotor a figura de diretor da investigação, substituindo-se o modelo de instrução judicial (17).

           No sistema do promotor investigador, ele é o diretor da investigação, cabendo-lhe receber diretamente a notitia criminis ou indiretamente, através do auxílio da Polícia.

           Não obstante o comando da investigação preliminar, o parquet dependerá de autorização judicial para realizar as medidas constritivas de direitos fundamentais, como prisão cautelar, busca e apreensão, as quais serão analisadas pelo juiz da instrução inicial (18) e não o instrutor, tendo em vista que analisará, tão somente, a legalidade e não a conveniência dos atos investigativos.

           Os atos praticados pelo promotor, no curso da investigação, são administrativos e de limitado valor probatório, devendo os mesmos serem renovados em juízo, onde só ai haverá a plenitude do contraditório e da ampla defesa na coleta dessas provas.

                     3.2.1. VANTAGENS DO SISTEMA DO PROMOTOR INVESTIGADOR

           As vantagens levadas à cabo pela Doutrina seriam basicamente acerca da finalidade da instrução preliminar, como um fase preparatória ao processo (19).

           Nessa linha, se é o próprio parquet que irá propor a ação penal, maiores razões teria para investigar, na medida em que estaria prestigiando sua ulterior função no processo penal.

           De outra forma, seria ilógico que, sendo o promotor titular a ação penal, tivesse que ficar limitado ao material investigativo do juiz ou da polícia, para a buscar de elementos mínimos para a propositura da ação penal.

           Corroborando esses argumentos, trazemos a lição de Lopes JR (20),

           ... melhor acusa quem por si mesmo investiga e melhor investiga quem vai em, juízo, acusar

           ... é um paradoxo que o juiz instrua (ou a polícia) para o promotor acusar

           Assim, resta evidente que a figura do promotor na presidência da investigação tende a fortalecer sua atuação em um futuro processo penal.

           Por outro lado, a celeridade da investigação tenderia a ser assegurada, na medida em que órgão ministerial se reservaria a não esgotar o grau de conhecimento (21) da matéria probatória, mas tão somente averiguar os mínimos elementos necessários para que se possa propor a ação penal.

           Finalmente, há uma tendência mundial em atribuir a direção das investigações na mão do promotor, contudo, no plano da efetividade esta medida é falha, eis que, não obstante sua direção, na prática a polícia continua conduzindo as investigações, só remetendo suas conclusões ao parquet ao fianl do procedimento.

                     3.2.2 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS AO SISTEMA DO PROMOTOR INVESTIGADOR

           Remetemos o leitor ao ítem 7 da primeira parte deste livro, onde apresentamos as desvantagens da investigação direta pelo parquet.

           3.3 POLÍCIA INVESTIGADORA

           Neste sistema, a Polícia Judiciária está encarregada do poder de direção da fase preliminar, decidindo qual linha de investigação será seguida. Praticará ela as provas técnicas que julgar necessárias, decidindo de acordo com sua conveniência.

           Assim, a polícia não seria um mero auxiliar do juiz ou do promotor, mas sim titular (22) de todo o procedimento, só devendo pedir autorização para praticar certos atos quando se tratar de restrição a Direitos Fundamentais.

           Cabe acrescentar que apesar do inquérito policial existir em outros ordenamentos, a figura do delegado de polícia, bacharel em Direito, comandante das investigações, é exclusividade do procedimento preliminar brasileiro (23).

           3.3.1 VANTAGENS DO SISTEMA DE INVESTIGAÇÃO POLICIAL.

           A Doutrina costuma apontar como vantagens do sistema de investigação policial a amplitude de seu atendimento, tendo em vista que a mesma pode atuar em qualquer lugar do país, desde os grandes centros até os vilarejos mais afastados (24).

           Esse, inclusive, foi o argumento utilizado pelo legislador brasileiro de 1941 (25), para ratificar a permanência do inquérito policial.

           Contudo, podemos vislumbrar uma função mais nobre para a sua manutenção, qual seja, a neutralidade do diretor da investigação, eis que o mesmo é uma autoridade estranha ao futuro processo penal.

           Nesse sentido, o delegado de polícia é um agente imparcial, pois não age só para fornecer elementos para a acusação, mas sim buscar a verdade dos fatos. Desse modo, menores serão as chances do mesmo se contaminar com o ímpeto acusador, tendo melhores condições de se controlar, na medida em que não terá a perspectiva de um futuro embate em juízo (26).

           Essa neutralidade na presidência da investigação fortalecerá mais a igualdade processual, na medida em que o acusador não se confundiria com o investigador, só colhendo elementos que lhe conviesse.

           Com efeito, o delegado de polícia na condução das investigações tende a implementar a principal finalidade deste procedimento, qual seja, a busca da verdade, e não somente a colheita de provas para uma futura ação penal.

           Defendendo a manutenção do inquérito policial, Orlando Miranda Ferreira (27) aduz que,

           Ao contrário do que pregam seus detratores, é o inquérito policial instrumento de caráter eminentemente garantista, já que essencial ao processo penal democrático. Instaurado e presidido por Delegado de Polícia, à luz da legalidade, busca a minuciosa restauração da verdade sobre um determinado fato criminoso, evitando que acusações levianas arrastem inocentes as barras dos tribunais e possibilitando a exata e justa aplicação do Direito àqueles que transgridem as leis penais.

           Cumpre salientar que, atualmente, os países que adotam o sistema do promotor investigativo, os fizeram em substituição ao ultrapassado modelo do juizado de instrução (28), não tendo ao menos podido vislumbrar a direção da investigação nas mãos da polícia, tendo em vista a inexistência da figura do delegado de polícia, agente bacharelado em Direito, com vasto conhecimento jurídico e formação técnica voltada à apuração de crimes (29).

           Ademais, em grande parte de onde se adota a figura do promotor diretor do procedimento preliminar, o que ocorre na prática é o fenômeno da policização integral da investigação, num quadro em que o parquet só tomará contato com a investigação quando a polícia o considerar concluído (30).

           3.3.2. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS AO SISTEMA DE INVESTIGAÇÃO POLICIAL

           Parte considerável da Doutrina entende que o inquérito policial é um procedimento ultrapassado, em descompasso com Carta Magna, provocando descontentamento em todos os atores do processo penal (31).

           Nesse diapasão, o futuro órgão acusador entende que fica refém da atuação policial, na medida que esta investiga o que lhe convém, tendendo a prejudicar uma futura propositura da ação penal. Já o Judiciário assevera a demorada e pouco confiável prova produzida no inquérito. A defesa, por sua vez, alega que as mínimas garantias constitucionais não estão sendo respeitadas nesta fase, o que pode acarretar desigualdades em uma futura relação processual.


4- SUGESTÕES PARA UM SISTEMA COMPATÍVEL COM A NOSSA CARTA MAGNA.

           Conforme já abordado, a Carta Magna adotou o sistema acusatório. Aliás, a postura constitucional em face do processo penal não poderia ser outra, eis que o sistema acusatório é a expressão da democracia, que, por sua vez, se revela presente no Estado Democrático de Direito (32).

           Por outro lado, por mais que a noção de sistema inquisitivo ou acusatório esteja atrelada a noção de processo judicial, e não a de outros expedientes jurídicos de natureza diversa, entendemos que o inquérito policial é o sistema investigativo que mais se coaduna com o formato acusatório, tendo em vista a desconcentração de poderes.

           Nesse diapasão, teríamos a atuação de três sujeitos, quais sejam, autoridade policial imparcial, titular do direito potencial de acusar e o investigado (33).

           De igual maneira, não obstante defendermos reformas pontuais em nossa legislação processual, sobretudo na fase preliminar, entendemos que o problema que assola a investigação não é somente de cunho normativo, mas sim no plano da efetividade (34) das normas.

           O atual modelo investigativo pátrio não precisaria passar por uma grande reformulação legislativa, mas tão somente por uma real implementação das legítimas funções de seus atores.

           A condução da investigação pode perfeitamente continuar nas mãos dos delegados de polícia, pois estes, como os juizes e promotores, são bacharéis em Direito e submetem a uma difícil prova para ingresso na carreira. Ressalta-se, porém que maior eficiência (35) teria sua atuação se o mesmo tivesse garantias constitucionais, mormente a inamovibilidade (36).

           No que tange ao promotor, no plano normativo, entendemos que suas funções durante as fases da persecução penal já estão bem delineadas pela Magna Carta, quais sejam, exercer o controle externo da atividade policial e promover ação penal.

           De outra parte, resta claro que sua simples designação como titular da investigação preliminar não iria resolver os problemas desse procedimento, podendo, quiçá, criar outros de natureza vultuosa, como, por exemplo, o comprometimento e desequilíbrio do sistema processual.

           Logo, o que se propõe é uma atuação mais integrada entre a instituição policial e o promotor, devendo este implementar as atividades discriminadas na Lei Complementar 75 (37) concernentes ao acompanhamento efetivo da investigação criminal (38), e não a uma simples revisão ao final deste procedimento.

           Para que ocorra esse desiderato, deverá haver um entrosamento perfeito entre essas instituições, como, por exemplo, disponibilidade dos registros de fatos criminosos por parte da autoridade policial ao promotor, podendo este requisitá-los de acordo com sua conveniência.

           Cabe ressaltar que no processo penal constitucional brasileiro, o parquet afastado da direção da investigação, terá melhores condições de analisar a conveniência e a legalidade da mesma, podendo, para isso, provocar a atuação do judiciário em caso de vícios.

           No que tange ao juiz, preservando sua imparcialidade, estaria vedada sua interferência na fase da investigação, só devendo agir, mediante provocação, quando houver medidas constritivas de direitos fundamentais, tais como, prisão cautelar, arresto ou, ainda, por ocasião do arbitramento de uma fiança.

           Por fim, não poderíamos deixar de lado a defesa, que, por mais que não tenha uma atuação considerável na primeira fase da persecução, não é de toda afastada sua atuação.

           Com efeito, por mais que o inquérito policial não possa gerar um juízo de condenação, e tão-somente embasar uma futura ação penal, vários aspectos negativos podem advir desta fase, como, por exemplo, a já citada estigmatização social e jurídica geradas.

           Logo, se o jus libertatis está protegido inteiramente na fase processual, não pode ser completamente desprezado durante a primeira etapa da persecução penal (39).

           Assim, a partir do momento que alguém figure como indiciado, terá a seu alcance as prerrogativas da ampla defesa, inerentes ao "acusados em geral", conforme alude o art. 5º, inciso LV da Carta Magna (40).


NOTAS

  1. Ao contrário do que muitos pensam, a investigação não visa tão somente obter indícios para a acusação, mas sim apurar a verdade, seja ela a favor da acusação ou da defesa. (CABETTE, Eduardo Luiz Santos. O papel do inquérito policial no sistema acusatório – O modelo brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, 2003, p. 197).
  2. Por ter caráter discricionário, a investigação não segue um procedimento onde seus atos tendem a ter uma seqüência pré-fixada pela lei.
  3. Ao contrário do processo que a regra é a publicidade, no inquérito o que impera é o sigilo de seus atos.
  4. LOPES JR, Aury. Sistema de investigação preliminar no processo penal, 2ª. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 100-101.
  5. Ibid. p. 109
  6. Neste sentido, Tourinho Filho, sobre o inquérito policial, que é uma das espécies de procedimento investigativo, aduz que o mesmo visa à apuração da existência de infração penal e à respectiva autoria, a fim de que o titular da ação penal disponha de elementos que o autorizem a promovê-la. (Processo Penal, v. I, 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000). Na mesma linha, José Frederico Marques, asseverando acerca do inquérito como um procedimento administrativo-persecutório de instrução provisória, destinado a preparar a ação penal (grifou-se) ( Elementos de Processo Penal, V. I, Campinas: Bookseller, 1997, p. 148-149)
  7. ROVEGNO, André. O Inquérito Policial e os Princípios Constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa, Campinas: Bookseller, 2005, p. 139.
  8. Ibid . p. 135.
  9. LOPES JR, Aury ,Op.cit.,p. 50.
  10. Ibid p.51-52
  11. Ibid p. 56
  12. Ibid.,p.72
  13. França e Espanha, dentre outros adotam os Juizados de Instrução.
  14. A autoridade policial, em regra, é carente de diversas garantias, tais como, inamovibilidade e prerrogativa de foro.
  15. GOMES, Luiz Flávio Juizes não devem investigar crimes. Publicado em http://www.mundolegal.com.br/?FuseAction=Artigo_Detalhar&did=16115, acessado em 25 de Novembro de 2005.
  16. Item IV da exposição de motivos do nosso Código de Processo Penal "O preconizado juizado de instrução, que importaria limitar a função da Autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, só é possível sob a condição de que as distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fácil e rapidamente superáveis. Para atuar proficuamente em comarcas extensas e posto que deva ser excluída a hipótese de criação de juizados de instrução em cada distrito, seria preciso que o Juiz instrutor possuísse o dom da ubiqüidade".
  17. Nesse sentido, podemos verificar essa atuação na Itália, Alemanha e em Portugal (RANGEL, Paulo, Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público - visão crítica, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 147-156).
  18. Esse magistrado atua como um verdadeiro órgão suprapartes, e é também denominado de juiz garante (Lopes Jr, Op. cit. p. 86)
  19. Já manifestamos nosso entendimento que a finalidade da investigação preliminar é a averiguação do fato tido como delituoso e não simplesmente preparar a ação penal.
  20. LOPES JR, Aury, Op.cit., p.89
  21. Sobre os graus de cognição, consultar item 2.3 desta obra.
  22. Nessa esteira, não se pode afirmar que exista uma subordinação funcional em relação aos juizes e promotores (LOPES JR, Aury, Op.cit., p. 63).
  23. Discorrendo sobre a figura desta autoridade, Eduardo dos Santos Cabette assevera que Nesse contexto, destaca-se a figura do Delegado de Polícia como bacharel em Direito, constituindo-se uma vantagem qualitativa da polícia brasileira em relação às alienígenas (Op. cit. p. 198).
  24. LOPES JR, Aury, Op.cit., p. 64-65.
  25. Exposição de motivos do Código de Processo Penal "Para atuar proficuamente em comarcas extensas e posto que deva ser excluída a hipótese de criação de juizado de instrução em cada distrito, seria preciso que o Juiz instrutor possuísse o dom da ubiqüidade".
  26.  
  27. FERREIRA, Orlando Miranda. Inquérito Policial e o ato normativo 314 - PGJ/CPJ, Revista Brasileira de Ciências Criminais, V.45, 2004, p. 259.
  28. Nesse sentido, a Itália rompeu com o juizado de instrução em 1988, assim como Portugal o fez em 1987.
  29. No Brasil, em grande parte dos estados, a disciplina Medicina Legal consta como matéria obrigatória ao concurso ao cargo de delegado de polícia, o que não ocorre nos certames às carreiras de promotor e juiz.
  30. ROVÉGNO, André. Op. cit. p. 117.
  31. LOPES JR, Aury, A Crise do Inquérito Policial: breve análise dos sistemas de investigação preliminar no Processo Penal disponível em http://www.aurylopes.com.br/art0006.html, acesso em 29 de novembro de 2005.
  32. PRADO, Geraldo, Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais, 2ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 152.
  33. ROVÉGNO, André, Op. Cit. p. 240
  34. Sobre efetividade das normas, ver Luis Roberto Barroso, O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas, Rio de Janeiro; Renovar, 7ª. ed, 2003.
  35. Nesse sentido, ROVEGNO, André, Op. Cit, p. 146, nota n. 214, A falta de instrumentos de garantias da independência funcional tem conduzido, algumas vezes, à distorção de fazer-se de um órgão vocacionado a servir inflexivelmente à verdade – o que se maximamente salutar para os interesses de um Estado Democrático de Direito – um agente comprometido com a indicação de "culpados" com os riscos que todos nós conhecemos e que a imprensa não tem hesitado em demonstrar, produzindo máculas indesejáveis aos direitos individuais.
  36. Cabe ressaltar que a falta desta garantia não é motivo suficiente para a mudança na direção da investigação, conforme já aduzido.
  37. "Art. 9º- O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais, podendo:
  1. ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais
  2. ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial
  3. representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder.
  4. requisitar à autoridade competente a instrução de inquérito policial sobre a omissão ou o fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial.
  5. promover a ação penal por abuso de poder".
  1. Indo ao encontro desse pensamento, dando mais efetividade ao controle externo da atividade policial, está o artigo 5º, §6º do projeto de reforma do Código de Processo Penal, explicitando uma das medidas que a o delegado deve tomar diante da notícia de um fato criminoso."Tomando conhecimento da ocorrência, a autoridade policial fará, imediatamente, o seu registro, que ficará à disposição do Ministério Público, podendo este requisitá-lo periódica ou especificamente".
  2. ROVEGNO, André. Op. Cit, p. 59
  3. Esse, inclusive, é o que propaga o atual projeto de reforma de nosso Código de Processo Penal em sua exposição de motivos. "A defesa é assegurada a partir do momento em que o investigado passa à condição de indiciado".

Referências bibliográficas:

          CABETTE, Eduardo Luiz Santos. O papel do inquérito policial no sistema acusatório – O modelo brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, 2003.

          FERREIRA, Orlando Miranda. Inquérito Policial e o ato normativo 314 - PGJ/CPJ, Revista Brasileira de Ciências Criminais, V.45, 2004.

          FILHO, Tourinho, Processo Penal, v. I, 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

          GOMES, Luiz Flávio Juizes não devem investigar crimes. Publicado em http://www.mundolegal.com.br/?FuseAction=Artigo_Detalhar&did=16115, acessado em 25 de Novembro de 2005.

          LOPES JR, Aury. Sistema de investigação preliminar no processo penal, 2ª. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

          ________ A Crise do Inquérito Policial: breve análise dos sistemas de investigação preliminar no Processo Penal disponível em http://www.aurylopes.com.br/art0006.html, acesso em 29 de novembro de 2005.

          MARQUES, José Frederico, Elementos de Processo Penal, V. I, Campinas: Bookseller, 1997.

          PRADO, Geraldo, Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais, 2ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

          RANGEL, Paulo, Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público - visão crítica, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

          ROVEGNO, André. O Inquérito Policial e os Princípios Constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa, Campinas: Bookseller, 2005.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRANZOTTO, Claudio Geoffroy. Análise da investigação preliminar de acordo com seus possíveis titulares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1331, 22 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9522. Acesso em: 24 abr. 2024.