Redução de jornada - Servidor com filho PcD - Tema 1097 do STF -2024

11/06/2024 às 17:26

Resumo:


  • O Tribunal de Justiça de São Paulo julgou um recurso de apelação referente à redução de jornada de trabalho de uma servidora pública estadual para cuidar de seu filho com TEA.

  • O STF estabeleceu que aos servidores públicos estaduais é aplicado o art. 98 da Lei 8.112/1990, definindo que a redução de jornada para servidores com filhos com deficiência não é um direito subjetivo previsto em lei, mas uma extensão de direitos fixada em jurisprudência vinculante.

  • A decisão reconheceu o direito da servidora à redução da jornada de trabalho, porém resguardou a competência exclusiva da Administração para verificar os requisitos, a deficiência e o grau, bem como determinar a medida da redução, evitando a imposição de excessiva oneração financeira ao Estado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

PROCESSO ELETRÔNICO – REDUÇÃO DE JORNADA

APELAÇÃO: 1002624-11.2023.8.26.0483

APELANTE: FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

APELADA: M. C. D. S. B.

Juiz(a) de 1º Grau: Gabriel Medeiros

DIVERGÊNCIA PARCIAL VOTO 40930

Julgado em 21.05.2024

APELAÇÃO. AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM. CONCESSÃO DE JORNADA ESPECIAL DE TRABALHO. SERVIDOR ESTADUAL COM FILHO COM DEFICIÊNCIA.

Autora alega alegando ser servidora pública estadual, ocupando o cargo de Agente de Segurança Penitenciário Classe IV, com carga horária de 40 horas semanais, trabalhando em dias alternados, exigindo uma carga diária de 12 horas contínuas junto ao setor penitenciário. Pleiteia a redução de sua jornada de trabalho em 50%, a fim de que possa dedicar-se a seu filho e atender suas demandas terapêuticas e necessidades básicas, uma vez que este foi diagnosticado com TEA (Transtorno do Espectro Autista - CID. F84.1 + F90).

Sentença de procedência do pedido.

TEMA 1097. RE 1237867 Repercussão Geral do STF. “Aos servidores públicos estaduais e municipais é aplicado, para todos os efeitos, o art. 98, § 2° e § 3°, da Lei 8.112/1990, nos termos do voto do Relator.”.

Verificação do preenchimento dos requisitos para o exercício do direito de competência da Administração bem como a adequação da redução e de seu “quantum”.

O deferimento do direito de redução de jornada ao servidor com filho ou dependente com deficiência não deve ser quantificado pelo Poder Judiciário, mas sim examinado pela Administração, caso a caso, para determinar de maneira razoável e proporcional a minoração das horas diárias de trabalho.

Deve ser preservada a competência administrativa para verificar a existência e grau de deficiência e a avaliação da necessidade e proporcionalidade da redução de jornada, atendendo à conveniência do serviço público.

Eventual determinação pelo Judiciário do “quantum” a ser reduzido na jornada de trabalho do servidor fere os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na pretensão, sem base legal, de redução da jornada e “ad aeternum”, constituindo-se em imposição de excessiva oneração financeira e à continuidade da prestação do serviço público pelo Estado.

Somente cabe ao Judiciário o reconhecimento do direito, mas sem prejuízo da atribuição da Administração Pública de aferição a presença dos requisitos ou pressupostos para o seu exercício, incluindo-se a verificação administrativa por junta médica da deficiência e de seu grau, bem como atender aos critérios de conveniência e oportunidade, com prevalência do interesse público, na verificação de alternativas de alteração de horário de jornada de trabalho, local de sua prestação e mensuração da mais adequada redução de jornada.

Sentença de procedência do pedido reformada.

Recurso parcialmente provido para declarar o direito da parte autora em ter reduzida a sua jornada de trabalho em razão dos cuidados para com o filho diagnosticado no TEA, resguardada a competência exclusiva da Administração de verificar o preenchimento dos requisitos, deficiência, seu grau e a medida da redução.

Vistos.

Trata-se de AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM ajuizada por M. C. D. S. B. contra FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, alegando ser servidora pública estadual, ocupando o cargo de Agente de Segurança Penitenciário Classe IV, lotada na Penitenciária Maurício Henrique Guimarães Pereira, com carga horária de 40 horas semanais, trabalhando em dias alternados, exigindo uma carga diária de 12 horas contínuas junto ao setor penitenciário, objetivando a redução de sua jornada de trabalho da autora em 50%, a fim de que possa dedicar-se a seu filho e atender suas demandas terapêuticas e necessidades básicas, uma vez que este foi diagnosticado com TEA (Transtorno do Espectro Autista - CID. F84.1 + F90).

Tutela antecipada foi deferida às fls. 61/64.

A sentença de fls. 167/177 julgou procedente o pedido, nos termos do art. 487, inciso I do CPC, confirmando tutela antecipada outrora deferida, para condenar a FAZENDA requerida a reduzir a jornada de trabalho da autora em 50%, sem redução dos seus vencimentos e sem compensação. Condenada a FAZENDA ao pagamento de custas e despesas processuais, além de verba honorária fixada em R$ 1.000,00, nos termos do art. 85, § 8º do CPC.

Inconformada com o supramencionado decisum, apela a FAZENDA, com razões recursais às fls. 182/194. Conforme constou do voto do Exmo. Des. Relator, sustenta a apelante “ser inviável a aplicação por analogia da legislação que rege o funcionalismo federal. Afirma inexistir lei que autorize a redução da jornada laboral na hipótese dos autos, e violação à Súmula Vinculante nº 37.

Assevera que o artigo 24, § 2º, “1” e “4”, da Constituição Estadual está em perfeita simetria com o que dispõe o art. 61, §1º, II, "a" e "c" da Constituição Federal, ao conferir exclusivamente ao Governador a iniciativa para projetos de lei que disponham sobre o regime jurídico dos servidores públicos.

Destaca que embora não haja previsão de redução de jornada de trabalho, a legislação estadual confere aos servidores licença por motivo de doença do cônjuge e de parentes até o segundo grau, abrangendo, portanto, os filhos, assim, a parte demandante pode valer-se desse direito, submetendo-se a inspeção médica a ser realizada pelo DPME.

Pontua que a Secretaria de Administração Penitenciária dispõe de legislação própria de jornada de trabalho, no regime 12 por 36, o que não é desfavorável ao autor, pois se supõe que acompanhou seu filho nas terapias desde que detectado o diagnóstico do TEA, em 27 de agosto de 2020, segundo consta na própria exordial.

O requerimento final restou vazado nos seguintes termos: “Diante do exposto, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo requer que seja dado provimento a este recurso, reformando-se a r. sentença para julgar as pretensões autorais inteiramente improcedentes. Em atenção ao princípio da eventualidade, subsidiariamente, requer-se o provimento do recurso para que: i) seja mantido o valor-hora da remuneração do autor, proporcionalizando-se nominalmente o pagamento à mesma taxa da redução da carga horária; e ii) seja determinada a realização de perícia oficial, para aferir a real necessidade de afastamento e a extensão de eventual redução da jornada laboral.” (fls. 194).”

Recurso tempestivo, isento de preparo e respondido (fls. 229/239).

É o relato do necessário.

VOTO.

Entendo ser caso de dar provimento parcial provimento ao recurso de apelação, divergindo parcialmente do voto do exmo. Des. Relator, nos termos da fundamentação abaixo.

Cinge-se a controvérsia quanto à possibilidade de redução de jornada de servidora em razão de seu filho necessitar de cuidados especiais por ser pessoa com deficiência (transtorno do espectro autista).

Pois bem.

Em recente julgamento, o STF ao analisar o RE 1237867 – Tema 1097 de Repercussão Geral – fixou a seguinte tese: “Aos servidores públicos estaduais e municipais é aplicado, para todos os efeitos, o art. 98, § 2° e § 3° da Lei 8.112/1990, nos termos do voto do Relator.”.

A redução da jornada de trabalho do servidor com filho com deficiência não é direito subjetivo previsto na legislação, mas sim extensão de direitos fixada em sede de jurisprudência vinculante.

O art. 98 da Lei 8112/90 prevê horário especial de estudante (art. 98, “caput”, da Lei 8.112/1990) e, posteriormente, recebeu a inclusão do § 3º para estender ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência o direito ao horário especial, com compensação de horário e perda de parcela de remuneração proporcional (art. 44, II da Lei 8.112/1990). Apenas com a nova Lei 13.370/2016 é que houve alteração do referido §3º do art. 98 da Lei 8.112/1990, para isentar o servidor de compensação do horário, mas com ênfase na necessidade comprovada por junta médica oficial.

Assim, não há estabelecimento de percentual da redução de jornada, cujo dimensionamento fica ao critério da Administração.

Importante se faz ressaltar que o deferimento do direito de redução de jornada ao servidor com filho ou dependente com deficiência não deve ser quantificado pelo Poder Judiciário, mas sim examinado pela Administração, caso a caso, para determinar de maneira razoável e proporcional a minoração das horas diárias de trabalho.

Exemplificativamente, em Nota Técnica 6218-2017 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (Departamento de Normas e Benefícios do Servidor), ao ensejo do benefício de horário especial ao servidor portador de deficiência ou parente portador (Lei 8.112/90, art. 98, §2º), em atendimento, ainda, a uma ação civil pública (ACP 022600.15.2012.4.01.3400, 21. Vara Federal/DF), no intento de compatibilizar a jornada normal de 40h semanais do servidor federal em cargo de confiança e aquele de 30h semanais indicado por junta médica (redução de 2h diárias ou de 25%), resolveu-se pela necessidade de se abrir oportunidade para a análise de compatibilidade entre a jornada especial do servidor com deficiência e a respectiva função, e a manutenção da obrigatoriedade da jornada normal de 40 horas semanais para o exercício do cargo de comissionado ou de função de confiança (processo 58000.012061/2016-75).

No mesmo compasso do raciocínio de que deve competir à autoridade administrativa a verificação da proporção de algum benefício ao servidor com filho com deficiência, fugindo-se da subjetividade judicial, temos que o próprio Senado Federal, em dois Projetos de Lei (PL 591/2015 e PL 110/2016) pretenderam estender o benefício de redução de jornada ao trabalhador celetista, primeiramente, em 50% e, depois, em 10%, respectivamente.

Assim, totalmente razoável que uma junta médica avalie e determine à Administração a proporção ou o “quantum” de alguma redução do horário especial adequado ao servidor com deficiência ou com filho nessa condição. Não se entrevê espaço para a arbitrariedade judicial, substituindo-se à autoridade administrativa e sem base em laudo adequado de junta médica oficial.

A competência administrativa na verificação, por meio de junta médica, da deficiência e seu grau, da necessidade da redução e do seu “quantum”, também é reconhecida pelo próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio da Portaria 10.263/23, que regulamentou a questão do teletrabalho dos seus servidores e magistrados com deficiência ou com dependentes com deficiência, independentemente do direito à redução legal da jornada:

Art. 1º - A DAPS terá acesso à justificativa do parecer da Junta Oficial (SGP5), nos casos em que houver pedido de teletrabalho ou de revogação, por condições especiais, nos termos do parágrafo 2º do artigo 28, da Resolução nº 850/2021, depois do parecer da Coordenadoria da Secretaria de Gestão de Pessoas e antes da decisão.

Parágrafo único - O acesso de que trata este artigo será autorizado exclusivamente nas hipóteses previstas no Capítulo IV, artigo 28, da Resolução nº 850/2021 e para o fiel exercício das atribuições conferidas à DAPS, pelo Provimento CSM nº 2.689/2023 e pela Portaria nº 10.176/2022 (conforme alterados).

Art. 2º - Nos termos do art. 23, I, da Lei nº 13.709/2018, fica dispensado o consentimento do interessado para o tratamento de dados previsto neste artigo.

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De forma análoga, o Regulamento dos Servidores Públicos do Tribunal de Justiça de São Paulo também regulamenta horário especial de estudante consiste, apenas para os dias de comparecimento às aulas, na concessão de até uma 1 (uma) hora depois do início da jornada ou antes do seu término, considerando o horário do expediente da unidade e, a critério da Administração, de requerimento prévio devidamente acompanhando de prova documental, cabendo descontos remuneratórios em caso de verificação de irregularidade (arts. 100/106).

O que se quer evidenciar com isso é o ferimento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na pretensão, sem base legal, de redução da jornada e “ad aeternum”, constituindo-se em imposição de excessiva oneração financeira e à continuidade da prestação do serviço público pelo Estado.

Essa seria uma diferenciação extravagante no regime jurídico dos servidores, que teria o potencial para provocar indignação do funcionalismo, com prejuízo à moderna noção que se quer afirmar perante a sociedade da necessidade de tutela especial da pessoa com deficiência bem como prejuízo à imagem do funcionalismo público, já entrevisto por muitos como classe detentora de inúmeros privilégios que o trabalhador da iniciativa privada não tem.

E alimenta o folclore nacional de que o serviço público é uma “mãe generosa”, com os recursos do contribuinte, notícias públicas de decisões polêmicas, que atraem comentários que refletem o senso comum daquilo que não é razoável e tem contornos de regalia.

A proporcionalidade encerra conceitos de censura à adequação, necessidade e proibição do excesso do ato legislativo, judicial ou administrativo:

“Cuida-se de aferir a compatibilidade da lei com os fins constitucionalmente previstos ou de constatar a observância do princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeitsprinzip), isto é, de se proceder à censura sobre a adequação (Geeignetheit) e a necessidade (Erforderlichkeit) do ato legislativo.

(...) A violação ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso (Verhältnismässigkeitsprinzip; Übermassverbot), que se revela mediante contraditoriedade, incongruência, e irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins.”(in Ferreira Mendes, Gilmar. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: novas leituras, p.1-2)

Por derradeiro, portanto, somente cabe ao Judiciário a afirmação do direito, mas sem prejuízo de cometer à Administração Pública a aferição da presença dos requisitos ou pressupostos para o seu exercício, incluindo-se a verificação administrativa por junta médica da deficiência e de seu grau bem como atender aos critérios de conveniência e oportunidade, com prevalência do interesse público, na verificação de alternativas de alteração de horário de jornada de trabalho, local de sua prestação e mensuração da mais adequada redução de jornada.

É necessária a observância da adequação da função judicial à sua conformação constitucional, sem usurpação da função administrativa, mantendo-se o equilíbrio e a repartição de funções estatais na República.

Desta feita, entendo pelo direito da parte autora em ter reduzida a sua jornada de trabalho em razão dos cuidados para com o filho com autismo; porém, a verificação do preenchimento dos requisitos, verificação da deficiência e mensuração da redução da jornada devem ser analisadas e determinadas pela Administração, após aferição por meios técnicos.

Diante do exposto, voto para dar parcial provimento ao recurso.

Leonel Costa

2o. Desembargador

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Sobre o autor
Leonel Costa

Desembargador do TJSP de carreira, ingresso em 1987. Foi Promotor de Justiça do MPSP de carreira e professor universitário de Direito. Graduado pela USP em 1985. LLMM em Direito Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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