SENTENÇA
Processo n.º 1999.016.00113-1
Vistos.
Maria Ana Lúcia de Menezes Almeida, devidamente qualificada na inicial, aforou a presente AÇÃO DE COBRANÇA CUMULADA COM PERDAS E DANOS contra Sul América Companhia Nacional de Seguros, igualmente qualificada, alegando, em síntese:
a) que firmou contrato de seguro com a empresa ré, tendo por objeto o veículo marca GM Vectra, de chassis 9BGJK19BVVB587796, de placas HVK 7095, em 12.08.98, com ampla cobertura, inclusive para os casos de roubo, furto e de danos materiais.
b) que o referido veículo foi roubado da autora em datação de 09.12.98, vindo esta a proceder, no dia seguinte, a "comunicação de ocorrência" junto à autoridade policial e a "comunicação do sinistro" junto ao representante da empresa ré, para providenciar a recuperação do automóvel ou pagar o valor do seguro, no prazo estipulado no contrato, sub-rogando-se na propriedade do mesmo.
c) No mais, pede seja indenizada no valor do risco mais lucros cessantes e, ainda, em danos morais por descumprimento do contrato.
Com inicial juntou os documentos de fls. 05 usque 14.
Regularmente citada, a empresa ré apresentou contestação (fls. 19/25), onde aduz, preliminarmente, que há erro na forma processual, pois a autora elegeu o procedimento ordinário para receber os valores pleiteados, quando deveria ter valido-se do processo de execução, vez que as apólices são consideradas títulos executivos extrajudiciais.
No mérito, argumenta a contestante que a autora não providenciou a documentação exigia no Manual do Segurado em tempo hábil. Ademais, afirma a seguradora ré que recuperou o veículo antes de receber a referida documentação da autora, quando sequer havia iniciado o prazo de 05 (cinco) dias para o pagamento do seguro, e que o dito veículo está apto a ser devolvido à requerente.
Alega, ainda, a empresa ré, que os alegados lucros cessantes e danos morais não são devidos, pois sua responsabilidade limita-se, no máximo, ao valor contratado na apólice.
Com inicial vieram os documentos dormentes às fls. 26 usque 38.
Instada a manifestar-se, a autora apresentou réplica às fls. 40, aduzindo preliminarmente a intempestividade da contestação, e no mérito rechaçando as alegações da contestação.
É o relatório.
Decido.
Seguro na convicção de que a hipótese é de julgamento conforme o estado do processo, antecipo a decisão do feito com esteio no art. 330, I, do Código de Processo Civil, já que a matéria é unicamente de direito e não há a necessidade de prova em audiência.
Cabe em primeiro momento, rechaçar a preliminar arguida pela autora em sua réplica de fls. 40, onde prega a intempestividade da contestação, pois citada a ré em dada de 09.03.99 somente veio a apresentar resposta em 25.03.99, um dia após o último dia para fazê-lo.
Conforme se depreende pela certidão dormente às fls. 45 destes autos, constata-se que o dia 24 de março do corrente, em princípio o dia final para entrega da peça contestatória, caiu em feriado, estendendo-se o prazo derradeiro então para o dia seguinte, ou seja, 25.03.99, data em que efetivamente foi apresentada a resposta da ré. Tempestiva, pois, a contestação.
Levantou a empresa-ré, em sua contestação, preliminar arguindo erro de forma processual, por entender que a autora deveria ter-se valido de ação de execução para o recebimento de seu crédito, vez que é portadora de apólice de seguro e, portanto, de titulo executivo extrajudicial, ao invés de intentar a presente demanda com esteio nos arts. 159, 1452 e seguintes do CCB.
A questão prejudicial de mérito aventada não merece prosperar.
Com efeito, a autora pretende receber não apenas a importância pactuada no contrato de seguro, mas, também, verbas outras oriundas do descumprimento das condições contratadas, importâncias estas que não poderiam ser objeto da alegada ação executiva.
Ademais, mesmo que se admitisse, ad argumentandum, que o rito adequado às pretensões autorais fosse aquele apontado pela ré, a adoção do procedimento ordinário não lhe acarretaria (à ré) quaisquer prejuízos, ao revés, pois torna-lhe bem mais ampla a oportunidade de defesa, vez que a via ordinária se traduz no procedimento onde a cognição dos fatos e do direito se produz de maneira mais ampla e segura. Tal entendimento emana invariavelmente de nossas Cortes:
2º TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL DE SÃO PAULO - MG 369/1.132PROCEDIMENTO ESPECIAL - OPÇÃO PELO RITO ORDINÁRIO - AUSÊNCIA DE LESIVIDADE - ADMISSIBILIDADE - APLICAÇÃO DO ART. 250 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Adotado o procedimento ordinário que é o mais amplo possível e não causando nenhum prejuízo ao réu, aplica-se o disposto no art. 250 do CPC, se coexistentes na propositura os requisitos de procedimento adequado. Ap. c/ Rev. 273.470 - 1ª Câm. - Rel. Juiz ALBERTO TEDESCO (subst.) - J. 6.8.90, "in" JTA (RT) 129/277 Referências: HÉLIO TORNAGHI - "Comentários ao CPC", Ed. RT, 1975, vol. II, pág. 243. RT 494/99; JTA (RT) 88/138, 87/368; JTA (Saraiva) 81/189.
Em face dessas razões, não merece acolhida a preliminar.
Quanto ao mérito:
Alega a autora que teve o seu veículo roubado em datação de 09.12.1998, por volta das 20:45 horas e que, no dia seguinte, ou seja, em 10.12.98, providenciou a comunicação do sinistro à autoridade policial, bem assim como ao representante e corretor local da ré, "a fim de que a acionada pudesse adotar a providência para a recuperação do automóvel, ou então, pagar o valor do seguro e sub-rogar-se na propriedade".
Insurgiu-se a demandada contra as alegações autorais, aduzindo que a comunicação acerca do sinistro realmente fora feita na data apontada, vale dizer, em 10.12.98, e que, através de seu escritório de corretagem, foi enviado memorando onde anexos estavam o boletim de ocorrência policial, a RG e CNH da autora, recebidos estes pela ré em 14.12.98 . Entrementes, a documentação enviada era insuficiente, pelo que requisitou a ré à sua corretora nesta urbe, que enviassem, ainda, procuração para a Sul América Cia Nacional de Seguros, outorgando-lhe amplos poderes sobre o veículo, quando este fosse recuperado; certidão de quitação do IPVA junto à SEFAZ; certidão policial da Delegacia Especializada dando conta de que o veículo não tinha sido recuperado até a data de envio daquela comunicação. Que a comunicação à delegacia de furtos e roubos de veículos foi feita pela autora somente em 16.12.1998, tendo a ré logrado êxito em recuperar o veículo antes de ter início o prazo de 05 (cinco) dias para pagamento do seguro.
Sobre o tema em comento a razão reside com a autora.
Por primeiro, a comunicação do sinistro foi feito ao representante da ré em menos de 24 horas do ocorrido. Se o dito representante (TJ Seguros) levou três dias para enviar-lhe o memorando com a mencionada comunicação, conforme narra a própria requerida, apontando ainda para a data constante no carimbo 14.12.1998- , tal desídia não pode ser apontada à autora, que prontamente adotou a providência que lhe competia.
A empresa ré repristina a alegação de que o sinistro só foi comunicado após o prazo de cinco dias. Não lhe assiste razão. A uma, houve a comunicação imediata à TJ Seguros, credenciada, para tanto, pela própria suplicada. Por outro lado, a autora comunicou imediatamente o fato à autoridade policial. Assim, se a sociedade anônima ré admitiu e credenciou a corretora para intermediar suas relações com os segurados, não pode desconsiderar o aviso formalizado àquela para eximir-se da obrigação de ressarcir os prejuízos. O prazo contratual foi respeitado. O roubo foi imediatamente comunicado à autoridade policial - e entendo que tal fato, por si só, é suficiente a afastar a pretensão da ré.. Se a Sul América Companhia Nacional de Seguros entende que a comunicação ocorreu a destempo, que responsabilize a corretora e não o segurado, que sempre cumpriu suas obrigações e tem todo o direito à composição dos prejuízos. A pretensão da ré é absurda e não pode ser agasalhada pela ordem jurídica.
É oportuno lembrar a lição de Pedro Alvim ("O Contrato de Seguro", nº 337, pp. 398/399, 2ª ed., Rio de Janeiro, 1986):
"O inadimplemento do segurado, omitindo o aviso do sinistro, e mesmo que fique comprovada sua má-fé, não deve ser pretexto para que o segurador deixe de cumprir sua obrigação.
"Se provar que avisado, oportunamente, teria tomado medidas que redundariam em prejuízos menores, é justo que desconte esses prejuízos do que vai pagar ao segurado, como dispõem algumas legislações.
"Deve-se entender como omissão injustificada, a que se refere nosso Código Civil, somente aquela que denuncia a fraude ou a má-fé do segurado. A mesma interpretação deverá prevalecer para os contratos que contenham cláusula de exoneração do segurador, para que não se torne uma porta aberta para sua inadimplência."
Os nossos pretórios, por sua vez, pronunciam-se de maneira idêntica, senão vejamos:
"Apelação Cível nº 597197425 - 5ª Câmara Cível - Criciumal - TJRGS - 1997.
CIVIL. SEGURO DE DANO. FURTO DE TRATOR. AVISO INTEMPESTIVO. IRRELEVÂNCIA.
1. A finalidade do aviso à seguradora da ocorrência do sinistro, previsto nas cláusulas contratuais e no art. 1.457, caput, do CC, relaciona-se com a possibilidade de esta evitar ou atenuar suas conseqüências. A sanção da perda da indenização só ocorrerá mercê de prova de que o aviso intempestivo impediu semelhante finalidade. Caso em que, furtado o trator, tocava à autoridade policial proceder às investigações. 2. Apelação provida". (In RJTJRGS - Vol. 186 - Fevereiro de 1998 - Ano XXXIII - p. 385).
E mais:
APC - Apelação Cível Nº 41.531/96 - Brasília - DF -Primeira Turma Cível - TJDF - 1997
EMENTA
CIVIL. CONTRATO SEGURO. COMUNICAÇÃO DO SINISTRO A AGENTE DA SEGURANÇA.
Tendo o segurado dado ciência do sinistro ao agente da própria seguradora no prazo legal não pode ser penalizado por uma eventual desídia deste, ainda mais quando restou pacífica a ocorrência da causa geradora do direito à indenização contratada e nenhum fato em seu desabono foi demonstrado.
Apelo improvido. Unânime.
O contrato de seguro é, nitidamente, de adesão ("o que caracteriza o contrato de adesão propriamente dito é a circunstância de que aquele a quem é proposto não pode deixar de contratar, porque tem necessidade de satisfazer a um interesse que, por outro modo, não pode ser atendido" - ORLANDO GOMES, "Contratos", Editora Forense, 11ª ed., 1986, pág. 131).
Ele tem peculiaridades, sendo que "a imposição da vontade de um dos contratantes à do outro seria o traço distintivo do contrato de adesão, mas essa caracterização importa reconhecer, na figura do contrato de adesão, uma deformação da estrutura do contrato" (ORLANDO GOMES, op. cit., pág. 118).
Por isso, "é de se aceitar, como diretriz hermenêutica, a regra segundo a qual, em caso de dúvida, as cláusulas do contrato de adesão devem ser interpretadas contra a parte que as ditou" (ORLANDO GOMES, op. cit., pág. 138).
Por isso, a jurisprudência de nossos Tribunais vinha se posicionando no sentido de não aceitar cláusulas, em contrato de adesão, que traziam benefícios apenas à parte elaboradora de dito contrato.
Tal posicionamento foi fixado, agora legislativamente, pelo artigo 47 da Lei n. 8.078, de 11.9.90, que diz que "as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor".
Note-se que, agora, não se fala em contrato de adesão, mas de qualquer contrato.
Corre em favor da autora a sistemática de direito público inserta no Código de Proteção ao Consumidor, mormente a inversão do ônus da prova, sendo parte mais fraca na relação de consumo, como sói acontecer nos ajustes de contrato de seguro facultativo de veículos. Na verdade, culpa alguma pode ser atribuída à autora pela mora da corretora em comunicar à seguradora o sinistro, máxime quando atende prontamente as determinações do agente da seguradora, tendo comunicado o fato no dia seguinte após o roubo. Bem assim culpa alguma pode ser imposta à requerente por não ter a representante da ré indicado-lhe o completo rol de documentos exigidos pela requerida. A desídia da parceria comercial é estranha ao consumidor. Demais, não bastasse, o prazo de 5 (cinco) dias previsto no contrato para a comunicação do sinistro é aviltante e abusivo, ao favorecer a seguradora, fazendo presunção de má-fé do segurado. Ao contrário, com evidente má-fé age seguradora desta estirpe, com a conivência do Poder Público, ao estabelecer sérias dificuldades ao segurado para haver o seu prêmio, restando por inviabilizá-lo, tanta a burocracia e desigualdade contratual, fomentando enriquecimento ilícito abundante para as seguradoras, em detrimento do patrimônio dos indefesos segurados. Numa relação contratual fiscalizada, em princípio, pelo Poder Público, presumir-se de má-fé o consumidor e, no mor das vezes, contribuinte do erário (...) é fazer tábula rasa ao direito natural do dever-ser, invertendo-se os valores comuns da sociedade, privilegiando muito poucos em detrimento da maioria desvalida.
O segurado providenciou a comunicação do sinistro tempestivamente ao agente da própria seguradora. Fato este incontroverso. Não cabia ao consumidor, no caso, adotar medidas outras senão aquelas que o agente da seguradora lhe indicou. Evidentemente que não pode ser penalizado, ainda mais quando restou pacífica a ocorrência da causa geradora do direito à indenização, como previsto no contrato, e nenhum fato em desabono da autora foi demonstrado pela ré.
A seguradora ré, não obstante ter recuperado o veículo sinistrado, deixando-o em perfeitas condições de uso, não pode querer obrigar ao segurado receber o dito veículo se tal recuperação se deu após o prazo pactuado de 05 (cinco) dias, conforme estabelece o manual do segurado, sendo considerada, nesta caso, hipótese de perda total do veículo, pelo que deve a seguradora pagar o seguro estipulado, sub-rogando-se a ré na propriedade automóvel.
A inadimplência da seguradora ré faz surgir obrigações outras, igualmente pactuadas, que se traduzem em lucros cessantes devidos à autora, a teor do contido no Manual do Segurado, pag. 12, sob o título de Garantia Adcional (25) Carro Reserva, que dispõe: "Garante ao segurado a locação de um veículo popular, modelo básico, com seguro e quilometragem livre, em caso de sinistro decorrente de evento coberto pela(s) Garantia(s) Básica(s) contratada(s), que coloque em indisponibilidade o veículo segurado...".
Desta forma, além do pagamento do seguro, impõe-se à empresa ré o pagamento à autora do valor correspondente à locação de um veículo, conforme previsto no aludido Manual do Segurado, a contar de 18.12.1998, data em que tornou-se inadimplente, devendo-se acolher o valor diário apontado pela autora, vale dizer, R$ 120,00 (cento e vinte reais), vez que este não foi contrariado pela empresa ré, exurgindo quanto ao mesmo os efeitos do art. 302 do CPC.
Quanto aos danos morais alegados pela autora, entendo não serem cabíveis.
O que se busca com a indenização pelo dano moral, como alude Wilson Melo da Silva, não é colocar-se o dinheiro ao lado da angústia e da dor, mas comente propiciar-se ao lesado uma situação, positiva, de euforia e de prazer, capaz de amenizar, de atenuar ou até mesmo, se possível, de extinguir nele, a negativa sensação da dor ("Da Responsabilidade Civil Automobilística", ed. Saraiva, 1974, p. 306).
Não se trata, como diria Minozzi, "di riffare al danneggiato gli identici beni che ha perduti, ma de far nascere in lui una nuova sorgente di felicità e di benesse, capace di alleviare le conseguenze del dolore, de male, che ha ricevuto", isto é, o que se objetiva não é a tarifação do preço da dor (ob. cit., p. 307).
Implica sua indenização, a privação da pessoa da plenitude do potencial de sua capacidade ("Julgados do TARGS", 75/169), mas no plano moral não basta o fator em si do acontecimento, mas, sim, a prova de sua repercussão, prejudicialmente moral (TJSP, "Lex", 143/89), que exige que o dano moral esteja cumpridamente demonstrado ("Julgados do TARGS", 79/318).
A peça inicial não identifica qual a espécie de dano moral sofrido (aflição, vergonha, dor?). Não há demonstração de que a autora tenha passado por constrangimentos ou vicissitudes maiores do que passam as pessoas que se envolvem em fatos semelhantes, conseqüência normal da vida atribulada do mundo moderno, eis que nem tudo que causa dissabor é indenizável.
Aponte-se, até, que não se vexou de movimentar o veículo recuperado, embora que ainda em situação sub judice, mesmo que até outro pudesse locar, o que indica, além de forte personalidade, que os danos não lhe causam transtornos, pois, como natural, ninguém se submete, voluntariamente, a envergonhar-se.
Por todo o exposto, entendendo ser indevida a indenização por danos morais, julgo parcialmente procedente o pedido, condenando a empresa ré a pagar o valor segurado (CC, art. 1.462), com os devidos acréscimos, bem ainda lucros cessantes (CC, art. 1.060), ambos nos valores e critérios apontados na inicial, posto que não contestados, e honorários advocatícios que arbitro, frente a menor complexidade da matéria, em 10% sobre o valor da condenação.
Condeno, ainda, a ré, a pagar as custas e despesas processuais.
P.R.I.
Juazeiro do Norte, 17 de junho de 1999
Juiz Francisco Jaime Medeiros Neto