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Juiz nega indenização a atriz que teve fotos de filme erótico publicadas em jornal

01/02/2001 às 00:00
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Jornal sensacionalista publica fotos de atriz de novela de televisão, em filme erótico protagonizado no início de sua carreira. A atriz requereu indenização por danos morais, que foi negada pelo juiz de primeira instância, sob o fundamento de que a matéria do jornal somente levou ao conhecimento dos leitores um fato verdadeiro

PODER JUDICIÁRIO

            Proc.: **.****.******-*

Autora: **** ****** *********** ******

Ré: ******** ******** ********** **

Juiz: DR. ANDRÉ CÔRTES VIEIRA LOPES


SENTENÇA

VISTOS ETC...

**** ***** ********** ****** propôs em face da ******* ******* *********** ** a presente ação, de rito ordinário, pedindo seja esta condenada ao pagamento de indenização pelos danos morais e à imagem lhe causados em razão da publicação, sem autorização, em **/**/**, de fotos suas na primeira página do periódico ******* *********, onde aparece nua, extraídas todas as fotos de um filme concebido para exibição caseira, que classifica como "pornô".

Disse a autora que é artista conhecida, jovem, emergente no cenário nacional, compondo o staff da **** ***** de Televisão, onde vem consolidando uma carreira iniciada em 19**, carreira essa que, senão contida, teria sido no mínimo retardada pela referida publicação na reportagem produzida nos termos que transcreve:

"GATA DA NOVELA FAZ FILME PORNÔ. VEJA **** NO RALA-E-ROLA. ELA ACHOU QUE O ** NÃO IA DESCOBRIR" (primeira página) "É A **** DE******* *******. ATRIZ DE NOVELA FAZ FILME PORNÔ (...) As atrizes ***** **********, que faz a **** em ******** ******** e ******** ******, a *********** de "****** *******", querem processar os produtores do filme ******** ** *, em que elas aparecem fazendo cenas quentes de sexo (...) A loiraça ****** *********** aparece fazendo sadomasoquismo..." (página nove).

Entende a autora que a ré, com essa sua reportagem, feriu não só sua imagem, como também sua honra, sua reputação, sua dignidade pessoal, atingindo, de forma ampla, igualmente a sua moral.

Conceitua o direito à imagem como aquele que a pessoa tem sobre a sua forma plástica que a individualizam no seio da coletividade, para sustentar que toda e qualquer reprodução da imagem de uma pessoa deve ser consentida.

Ainda na inicial, enfatiza a autora que a ré publicou, sem seu consentimento e de forma detestável, porque despida, fotos suas de cenas de filme que fez, erótico mas não pornográfico, e, se houvesse de revelar-se despida no periódico da ré, exigiria, como procedeu com a revista "******", remuneração condigna e padrão de qualidade.

Vê a autora o dano à imagem pelo seu aspecto eminentemente patrimonial e o dano moral, traduzido na dor e na vergonha impostas pela tantas vezes mencionada publicação, violadora de sua intimidade e privacidade.

Instruem a inicial os documentos de fls.20/83, estando as custas recolhidas conforme guias de fls.17/19.

Citada, a ré opôs exceção de incompetência do foro (fls.93) e ofereceu resposta à reivindicação da autora (fls.94/121).

A exceção veio a ser rejeitada por decisão deste Juízo, mantida pela Eg. 3ª CCTJRJ (em apenso)

Em sua resposta, a ré sustenta, de início, a preliminar de inépcia da inicial por faltar, no seu entendimento, certeza e determinação ao pedido que, genérico e impreciso, como formulado, - não deixando entrever sua extensão -, obsta ao exercício do direito de ampla defesa, e, no mérito, a decadência do direito de haver o ressarcimento pelo transcurso do prazo, na forma do que dispõe o art. 56 da Lei de Imprensa, aplicável à espécie; a inexistência de ilicitude por não ter infringido a um dever legal, limitando-se a publicar fato que já era de domínio público, qual seja a participação da autora no filme classificado pelas próprias locadoras dele como pornográfico; a inexistência de danos morais e materiais, pois a publicação das fotos apenas ilustrou matéria jornalística, com animus narrandi, divulgando a atividade profissional da autora, sem imiscuir-se em sua vida particular atribuindo-lhe conduta desabonadora ou revelando detalhe de sua intimidade, sendo certo que a autora mesma reconhece que as fotos se originaram de filme que consubstanciou produção norte-americana bem cuidada e estritamente profissional (in20), não podendo portanto trazer-lhe danos à sua honra ou à sua imagem e tanto isso é verdade que sua caminhada em direção ao sucesso prosseguiu, não deixando por isso de assinar contratos; e, na hipótese de reconhecimento da procedência do pedido da autora, a fixação do valor a indenizar com base na Lei de Imprensa.

Réplica às fls.126/162.

Designada audiência de conciliação, esta restou frustrada (fls.181).

Saneador irrecorrido ãs fls.186, afastando a preliminar e a prejudicial de mérito levantadas pela ré em sua contestação, deferindo provas e designando data para a AIJ.

AIJ consoante termo de fls.196/198.

Designada audiência especial às fls.250, esta se fez conforme fls.252.

Com a juntada da carta precatória para inquirição de testemunhas arroladas pela ré (fls.265/372), foi determinado que as partes se manifestassem (fls.373), dizendo a autora às fls.376/377 e a ré às fls.380, esta última reservando-se para pronunciar-se em audiência, cuja realização não cabe.


É o relatório do necessário. DECIDO.

A autora se volta contra a ré por haver esta publicado, sem sua autorização, fotos suas, onde aparece nua, extraídas de um filme concebido para exibição caseira, que qualificou de "pornô" na edição de **/**/** do periódico ******** **********, o que lhe teria causado danos morais e à imagem, enquanto que a ré se defende garantindo que se limitou a publicar fato de domínio público, com animus narrandi, divulgando a atividade profissional da autora sem imiscuir-se em sua vida particular, revelando detalhes de sua intimidade, e, se classificou o filme, do qual foram obtidas as fotos, como pornográfico, isso se deve à classificação feita pelas próprias locadoras do mesmo filme.

São detalhes incontroversos: a autenticidade das fotos e a publicação sem o consentimento expresso da autora. É verdade também que a autora não provou a interrupção de sua carreira artística, motivada pela reportagem aludida, nem o proveito obtido pela ré com a divulgação de sua imagem.

A primeira questão consiste em saber se a ré, para publicar as fotos da autora, extraídas de um filme encontrado no mercado, precisava, ou não, de autorização expressa da retratada. A questão seguinte refere-se ao conteúdo da reportagem, para definir se houve, ou não, menosprezo ou ultraje à imagem da autora.

Para o Direito, imagem é toda expressão formal e sensível da personalidade, não se restringindo à representação visual da pessoa, mas alcançando tudo o que traduz o ser imaterial desta. É bem jurídico essencial à pessoa humana, inato, absoluto e inalienável, conquanto se possa ceder a outrem o seu exercício.

A proteção jurídica da imagem está hoje garantida pela CF/88, em seu art. 5º, X, que grava como invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Com a proteção jurídica da imagem convive a liberdade de imprensa, igualmente amparada pela CF/88 (art. 220,§ 1º), através da qual se reconhece o direito de a empresa jornalística informar ao público com exatidão os acontecimentos ocorridos. Mas justamente por conviver aquele direito com essa liberdade, limites são impostos a ambos, observado o princípio da razoabilidade, de forma a que um não venha a se sobrepor ao outro, causando com o excesso de seu exercício danos aos titulares.

Respondendo à primeira questão, penso que, para publicar-se a foto de uma pessoa, nem sempre é necessária a autorização do retratado. A regra é a de que qualquer pessoa, seja humilde ou da alta sociedade, seja bela ou feia, famosa ou desconhecida, tem o direito de não querer que lhe divulguem a imagem, auferindo ou não o agente divulgador vantagem econômica, considerando-se a violação dessa regra ofensa ao direito da personalidade de seu titular, trazendo em consequência ao infrator o dever de indenizar os danos causados. É que, em princípio, a imagem de uma pessoa não pode ser usada contra a vontade desta.

Casos há, entretanto, em que a pessoa, pela sua atividade profissional ou pela maneira com que se expõe na sociedade, assume o risco de ser fotografada e sua fotografia depois exibida em revistas e jornais, sem possibilidade de alegar violação de sua privacidade, salvo se usada a imagem por estes com o propósito de extrair vantagens comerciais. Assim é a situação, entre outras, do torcedor numa explosão de alegria (no segundo caso) e a do artista (no primeiro caso).

Todo artista concentra sobre si o interesse popular e não fosse a difusão de sua imagem, através dos órgãos da imprensa, notória não seria a sua arte. A própria notoriedade de sua arte gera, por outro lado, o direito de informação, acompanhada, às vezes, de crítica, como consequência da liberdade de pensamento.

O direito de informação, no campo da arte, dentro do objetivo jornalístico, compreensível e aceitável, tem um detalhe a mais: resulta sempre em proveito indireto do artista, ainda que a crítica lhe seja desfavorável.

O artista, como as pessoas célebres, pertence literalmente ao público e não pode reclamar ao ver reproduzida a sua imagem colhida em sua plena atividade artística, por ser ônus natural da profissão por ele abraçada.

Sobre o ônus natural da atividade artística, oportuno transcrever aqui a decisão da 4ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, publicada na JTJ-LEX 153/196, igualmente transcrita pela ré em sua resposta à reivindicação da autora:

"A notoriedade do artista, granjeada particularmente em telenovela de receptividade popular acentuada, opera por forma a limitar sua intimidade pessoal, erigindo-a em personalidade de projeção pública, ao menos num determinado momento. Nessa linha de pensamento, inocorre iliciedade ou propósito de locupletamento para, enriquecendo o texto, incrementar a venda da revista. Cuida-se de ônus natural que suportam quantos, em seu desempenho exposto ao público, vêm a sofrer na área de sua privacidade, sem que se aviste, no fato, um gravame à reserva pessoal do reclamante"

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As fotos, objeto do debate, traduzem, na verdade, a pura expressão da arte da autora em determinada fase de sua carreira. Foram extraídas de um filme pela autora feito, quando iniciava sua caminhada no mundo artístico. São autênticas, como ela mesma reconhece. E o filme, do qual colheu a ré as cenas, estava no mercado, para ser visto por qualquer um.

Não houve alteração das fotos, nem há prova de que a ré obteve proveito com a divulgação delas.

Quanto à segunda indagação, agora analisando a reportagem em seu todo, para definir se existiu, ou não, menosprezo ou ultraje à imagem da autora, devo partir das afirmações na reportagem contidas. A reportagem afirma que: (1) a autora fez o filme "******* ** *"; (2) o filme é pornô; (3) nele a autora aparece fazendo cenas quentes de sexo e sadomasoquismo.

A autora protagonizou, como reconhece, o filme "* ******** ** *", chegando a dizer que o referido filme consubstancia produção norte-americana bem cuidada e estritamente profissional, embora sustente desde a propositura que o filme é erótico e não - pornô. A classificação pornô foi, entretanto, justificada pela ré ao argumento de que essa era a classificação dada pelas locadoras do próprio filme. Cabia, então, à autora provar, seguindo o critério da distribuição do ônus da prova, eis que a circunstância serve de fundamento à relação jurídica litigiosa, a classificação do filme "* ******* ** *" no mercado de filmes, para demonstrar o alegado ultraje a sua imagem com a possível classifcação defeituosa dele por parte da ré, mas conscientemente quedou-se inerte, não permitindo que de posse da certeza formasse meu convencimento a respeito da conduta censurada.

De resto, a reportagem interpreta a foto da autora usando traje adequado para cenas de sexo masoquista, concluindo pelo que de ordinário acontece. O filme pode até não oferecer cenas de sexo explícito, contudo a cena representada com exatidão pela fotografia aludida sugere a prática de sexo pervertido. E nesse campo impreciso, seja de perversão sugerida, seja de sensualidade, como quer a autora, é admissível o erro do intérprete.

A teoria do erro escusável na imprensa tem sido acolhida pelos Tribunais dos países desenvolvidos, a tal ponto de a U.S. Supreme Court aceitar o direito de o jornalista mentir um pouco, desde que aja sem malícia (dolo), de que é exemplo a decisão lançada no processo M.MASSON v. NEWYORKER MAGAZINE INC, ALFRED A. KNOPF INC and JANET MALCOLM, em 20/06/91,

"(...) The falsehood, apparently, must be substantial; the reporter may lie a little, but not too much (…) The Court suggests that misquotations that do not materially alter the meaning inflict no injury to reputation that is compensable as defamation (…)"

Ainda que não agrade à autora, a reportagem atacada buscou levar ao conhecimento de seus leitores fato verdadeiro, ao menos tido como verdadeiro para o observador comum, não ofensivo à imagem ou à honra, subjetiva ou objetiva, daquela até porque por ela experimentado com a respeitabilidade que o artista exerce na sua vida profissional pois, se assim não fosse, as cenas expostas não as teria realizado.

Dignidade e decoro, embora variem de acordo com o ambiente social, com a posição do indivíduo na sociedade e bem assim de indivíduo para indivíduo, são sentimentos que acompanham a pessoa e não se alteram com o crescimento desta.

POR ESTES FUNDAMENTOS, E POR TUDO MAIS QUE DOS AUTOS CONSTA, JULGO IMPROCEDENTE A PRETENSÃO AUTORAL. CUSTAS E HONORÁRIOS DO ADVOGADO DA RÉ, QUE FIXO EM DEZ POR CENTO (10%) SOBRE O VALOR ATRIBUÍDO À CAUSA, POR CONTA DA VENCIDA.

P.R.I.

RIO DE JANEIRO, 17 DE MAIO DE 2000

Juiz de Direito
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Juiz nega indenização a atriz que teve fotos de filme erótico publicadas em jornal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16304. Acesso em: 25 abr. 2024.

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