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Sentença em ação revisional de leasing, para recálculo dos encargos financeiros

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01/08/2000 às 00:00
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A LESÃO ENORME

          "Várias são as razões que justificam a necessidade do Instituto da Lesão, como proteção aos que se encontram em situação de inferioridade. Em determinados momentos, dadas certas premências materiais, a pessoa perde a noção do justo e do consentâneo com a realidade. É conduzida a praticar verdadeiros disparates econômicos. Evidentemente, sua vontade está contaminada por uma pressão muito forte, não agindo livremente. 0 direito não pode caminhar divorciado dos princípios morais que imperam na sociedade e que norteiam as consciências a conceberem os relacionamentos dentro de um mínimo de decência e pudor econômico, sob pena de se converterem estes em instrumentos de pura especulação e destruição, ao invés de se tomarem fatores construtivos da riqueza nacional. Numa época em que a desigualdade econômica toma-se cada vez mais acentuada, apresentasse de inestimável importância a reintrodução, em nosso direito, do instituto da lesão. A desproporcionalidade das prestações constitui um sintoma gritante da exploração de um contratante pelo outro, agravando as diferenças de níveis sociais. A odiosa exploração do próximo é contrária à moral, que ensina a tratar os homens como irmãos. A Justiça deve inspirar as intenções e reinar nos contratos. A obrigação de não prejudicar os outros é fundamento da responsabilidade civil. " (ARNALDO RIZZARDO, in Da Ineficácia dos Atos Jurídicos e da Lesão no Direito, Forense, 1983, p. 96)

A Lei 1.521, de 26112151 admitiu o instituto da lesão no direito brasileiro, e comentando o art. 40 deste diploma, afirma o doutrinador.

          "No § 30 do dispositivo transcrito, assinala-se que a estipulação, de juros ou lucros usurários será nula, devendo o Juiz ajustá-los à medida legal ou, caso já tenha sido cumprida, ordenar a restituição da quantia paga em excesso, com juros legais a contar da data do pagamento indevido. Evidentemente, se os contratos desta espécie constituem delitos, desprovidos de valor jurídico se encontram. Não se trata de mera analogia de contratos de direito civil. Há uma incidência direta da lei, caracterizando de ilegais negócios com lucros ou proveito econômico excedente a um quinto do valor patrimonial da coisa envolvida na transação." (ob. cit., p. 102)

Com efeito, a teor do estabelecido no diploma legislativo sob comento, a vantagem desmedida, exagerada, é proibida, enquanto, de seu lado, o art. 145, inc. li, do CC, comina de nulidade o ato jurídico quando ilícito seu objeto:

          "A Lei Penal - Lei 1.521151 - contempla como crime a ação vulneradora da norma, e a Lei Civil comina de nulidade o ato. De forma que não é desarrazoado afirmar-se perdurar o instituto em exame vigorando no nosso ordenamento jurídico. Tudo que uma Lei Penal Comum ou extravagante proíbe, punindo o infrator, não é tolerado pela Lei Positiva Civil. Isto por uma questão de coerência, sob pena de cair por terra a ordem jurídica e social da tutela. Diante da regra do art. 145, do CC, não se pode deduzir que a Lei 1.521151 tem seu campo de aplicação apenas no âmbito penal, o mesmo acontecendo com todos os mandamento punitivos que traçam normas de comportamento." (ARNALDO RIZZARDO, ob. cit., p. 103)

Conforme salientado pela lei, o lucro será considerado exorbitante, portanto acarretando lesão à parte contratante, quando ultrapassado um quinto do valor considerado justo (art. 4', letras a e b), sendo razoável, até por falta de impugnação, ter como parâmetro para apuração do limitador supra, a fonte mais usual de captação de recursos utilizada pelos bancos, qual seja, o CDB.

Demais disso, a legislação ordinária (CDC) aponta:

          "Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (..) IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé e a equidade. "

Nesse sentido, constatada a desproporção entre o custo total do dinheiro para a instituição bancária financeira e a taxa do mútuo" se pode perfeitamente lançar mão do elemento quantitativo constante na Lei 1.521151 (até mesmo por analogia, considerando o teor do art. 40 da Lei de Introdução ao CCB) que, apesar do cunho penal, dispõe ser ilícito de usura e abusiva a vantagem ou lucro patrimoniais que exceda a um quinto (20%) do valor patrimonial da coisa envolvida na transação.

Mais ainda, não bastasse tal interpretação para aplicação da Lei Federal à espécie, se há de ver que o art. 145, inc. 11 do Código Civil dispõe:

          "É nulo o ato jurídico: ( .. ) quando for ilícito ou impossível seu objeto."

Neste diapasão, seja pela aplicação conjugada do art. 173, § 40, da Constituição Federal e do art. 51, inc. IV, do Código de Defesa do Consumidor, com o art. 40, da Lei de Introdução do Código Civil e o art. 40, "b", da Lei 1.521151, ou seja, pela aplicação pura e simples do art. 173, § 40, da Constituição Federal, e do art. 145, inc. 11 do Código Civil c/c o art. 40, "b", da Lei 1.521151, a conclusão é que existem normativos hábeis a reprimir o aumento arbitrário do lucro.

RESUMINDO, E APENAS PARA FRISAR, PELO QUE ACIMA FOI EXPOSTO, FICOU CLARO QUE NA ESPÉCIE TRATA-SE DE UMA COMPRA E VENDA A PRESTAÇÃO E QUE NÃO PODE SER ADOTADA A VARIAÇÃO CAMBIAL COMO ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA.

          d) LIMITE CONSTITUCIONAL DOS JUROS:

A tese dos juros supraconstitucionais alegada merece acatamento.

Assim é o comando constitucional do artigo 192, § 3º:

          "O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre:

I – (omissis)

§ 3º - As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão do crédito não poderão ser superiores a 12% ao ano: a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura punido em todas as suas modalidades, nos termos em que a lei determinar."

A controvérsia é se a norma Maior carece ou não de regulamentação por lei complementar. Os partidários de uma ou de outra posição são inúmeros e todos de respeitoso entendimento.

Os nomes dados ao pensamento são variáveis conforme seus sustentadores, como "not-self-executing provisions", de THOMAS COOLEY; " não auto-aplicável, por RUY BARBOSA; " norma constitucional de eficácia limitada, pela constituinte italiana proposta de CIRSAFULLI; " de eficácia contida", por JOSÉ AFONSO DA SILVA; "não exeqüível", por JORGE MIRANDA, entre outros (2).

A posição dos defensores da indispensabilidade de regulamentação dos juros reais de 12% a.a. por lei infraconstitucional é de que permanecem vigentes as normas contidas na Lei nº 4.595, de 31.12.64 e demais disposições legais atinentes ao Sistema Financeiro Nacional, ou seja, em suma, permanecem livremente pactuáveis as taxas de juros.

Inobstante a respeitabilidade daqueles que entendem necessária a regulamentação do dispositivo constitucional, ouso, com respeito, palmilhar caminho diverso para ir de encontro daqueles pensadores da tese de auto aplicação dos juros no patamar de 12% ao ano.

A conceituação de juros reais, reclamada pelos contrários, parece-me despicienda posto que juros, tidos como instituto, estão delineados no direito privado, fora do direito constitucional, muito embora também estejam previstos em ramos outros do direito, como no tributário ou, ainda, no direito financeiro. Aliás, a origem do instituto está no direito romano. Disto, tenho que não é necessária a definição de juros , posto que já secularmente atendida, fortalecendo, portanto, a auto-aplicação da norma constitucional.

Nesse sentido, verberou o ilustre Procurador de Justiça fluminense, LUIZ ROLDÃO DE FREITAS GOMES (3) , "verbis":

          " E, juridicamente, conceituam-se os juros como frutos do capital empregado, frutos civis, representando a "remuneração do uso do capital, o preço do tempo, e o risco do reembolso", na completa definição de Clóvis Beviláqua ( Comentários...ao art. 1.262). Na expressão de Carvalho de Mendonça (Doutrina e Prática das Obrigações, t. II/76, 4ª ed.) na perspectiva moderna, " o juro é o preço do uso do capital e um prêmio do risco que decorrer o credor" . Ou, na precisão de Teixeira de Freitas, no art. 361 da Consolidação das Leis Civis, " o prêmio do dinheiro de qualquer espécie". Dúvida, pois, não se propõe quanto ao conceito jurídico de juros, a reunir os mesmos elementos em matizadas definições doutrinárias, resultante de sua elaboração na disciplina jurídica desde remota origens." (grifei)

Aliás, convém lembrar que o preceito do art. 192, § 3º da CF é semelhante ao contido no Decreto 22.626/33, que trata da USURA, que teve aplicação imediata sem outros questionamentos.

          Na boa doutrina, colho a lição do Constitucionalista Professor MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, no estudo " PRINCÍPIOS DO DIREITO CONSTITUCIONAL E O ART. 192 DA CARTA MAGNA", referida pelo já mencionado parecerista fluminense, "verbis":

          "...quando, com todos os argumentos de sua ciência, discordando da classificação das regras constitucionais em normas de eficácia plena e contida, porquanto ambas são normas completas, que incidem imediatamente sobre os interesses que regulam, ambas tendo aplicabilidade direta imediata, estando a diferença em que as primeiras poderiam Ter seu alcance restringido pelo legislador ordinário, ao passo que as segundas sim (...)".

          Ainda na doutrina pátria, foi afirmado por JOSÉ AFONSO DA SILVA:

          " não há norma constitucional de valor meramente moral ou de conselho, avisos ou lições, já dissera Ruy, consoante mostramos noutro lugar. Todo princípio inserto numa constituição rígida adquire dimensão jurídica mesmo que aquele de caráter mais acentuadamente ideológico-programático, como a declaração do art. 157 da Carta Política Brasileira de 1967: " a ordem econômica tem por fim realizar a justiça social" ou estas: " o poder público incentivará a pesquisa científica e tecnológica (art. 171, único)"; (APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, Ed. RT 1968, p. 73, grifei para destaque)

          O Eminente então Desembargador RÉGIS FERNANDES DE OLIVEIRA, hoje Deputado Federal por São Paulo, em seu artigo " taxa de juros" (RT 666/233), concluiu com propriedade sobre a matéria ora atacada, "verbis":

          " Observe-se que valendo-se a lei de conceitos teoréticos, isto é, exatos, não há necessidade de qualquer precisão de conteúdo. Desnecessário qualquer esclarecimento, qualquer norma complementar ou ordinária a fixar o conceito. É ele exato. Apenas haveria necessidade de nova lei caso dispusesse o legislador de palavras denominadas vagas ou imprecisas. Em suma, o dispositivo constitucional independe de qualquer norma, porque fixou precisamente o contorno do direito criado. Não poderá o legislador ou quem quer que seja, retirar o conteúdo dos conceitos utilizados pelo constituinte. Nenhuma limitação será constitucionalmente válida. O preceito legal, em sua parte completa contém dicção perfeita, de forma a invalidar qualquer argumento contrário à vigência imediata. Cuida-se, pois, de norma auto-executável."

Sendo , pois, o citado art. 192, e seu § 3º auto-aplicável, vem de encontro o dizer no ensinamento colhido na obra APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS de JOSÉ AFONSO DA SILVA (4), "verbis":

          "As normas de eficácias plena incidem diretamente sobre os interesses a que o constituinte quis dar expressão normativa. São de aplicabilidade imediata, porque dotadas de todos os meios e elementos necessários à sua execução. No dizer clássico, são auto-aplicáveis. As condições gerais, para essa aplicabilidade, são a existência apenas do aparato jurisdicional, o que significa: aplicam-se só pelo fato de serem normas jurídicas, que pressupõe, no caso, a existência do Estado e de seus órgãos".

De fato, após certa indecisão fundada em um infeliz julgado do Supremo Tribunal Federal - repudiado pela doutrina e olimpicamente ignorado por quase toda a magistratura de Primeira e Segunda Instância –, finalmente a maioria dos nobres desembargadores integrantes das Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de Santa Catarina firmou o entendimento de que a referida norma constitucional está em sua plena vigência e eficácia, não carecendo de regulamentação ordinária para tanto.

Sem distender-se em citações da doutrina, unânime em apregoar a auto-aplicabilidade da referida norma constitucional, há sólida corrente jurisprudencial dando estribo seguro à tese: apenas no âmbito da jurisprudência catarinense a esposam os desembargadores ALCIDES AGUIAR, FRANCISCO BORGES, JOÃO JOSÉ SCHAEFER, PEDRO MANOEL ABREU, CARLOS PRUDÊNCIO, TRINDADE DOS SANTOS, SILVEIRA LENZI, SOLON D'EÇA NEVES, ELÁDIO TORRET ROCHA e NELSON SCHAEFER MARTINS, entre outros do mesmo areópago, como se pode verificar de rápida consulta aos acórdãos em torno do tema proferidos por estes notáveis magistrados nos últimos meses.

A título de esclarecimento, vale a pena transcrever o recentíssimo julgado da colenda Quarta Câmara Civil do e. Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que, em sua simplicidade, tem toda a sua força, sendo representativo de todos os demais, in verbis:

"POSIÇÃO DA CÂMARA PELA LIMITAÇÃO DOS JUROS AO FIXADO NO § 3º DO ART. 192 DA CF. "APELO PROVIDO TÃO-SÓ PARA REDUZIR OS JUROS A TAL LIMITE." (Apelação Cível 98.010311-8, julgada em 30 de junho de 1999, relator JOÃO JOSÉ SCHAEFER).

ASSIM TORNA-SE CLARO QUE NÃO PODERÃO PERSISTIR AS DISPOSIÇÕES DOS CONTRATOS EM ANÁLISE QUE CONTRARIAREM O MULTICITADO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL, PELO QUE CERTAMENTE SERÃO EM SUA TOTALIDADE DECLARADAS COMO NULAS.

          Coroando a tese da auto aplicabilidade do parágrafo 3º, da CF/88, temos a brilhante decisão do eminente Des. Pedro Manoel Abreu, insculpida na Apelação Cível n. 97.0007388-7, de Criciúma, julgada em 13/08/98, assim ementada:

          "Embargos do devedor. Nota de Crédito Industrial. Juros. Limitação a 12%. Auto-aplicabilidade do art. 192, § 3º, da Constituição Federal. Anatocismo. Possibilidade. Súmula 93, do STJ. (...). Limitação da multa contratual em 2%. Aplicação do art. 52, § 1º, do CDC. Honorários advocatícios. Recurso provido parcialmente.

A jurisprudência mais recente, inclusive do STJ, vem consagrando o entendimento de que mesmo os bancos devem pautar-se pelas diretrizes do Código de Defesa do Consumidor. O produto, nesse caso, é o dinheiro ou o crédito, bem juridicamente consumível, sendo o banco fornecedor; e consumidor o mutuário ou creditado.

Cláusula penal. Multa contratual. Limitação em 2%. Cuidando-se de matéria de ordem pública, a multa moratória é de ser minorada, ex officio, de 10 para 2% do saldo devedor, de sorte a amoldar-se ao §1° do art. 52 do Estatuto do Consumidor.

Nada obstante seja de aplicação correntia a Súmula n° 121 do Supremo Tribunal Federal, consubstanciando vedação ao anatocismo, o Decreto-lei n° 413/69 admite a capitalização dos juros em se tratando de cédula de crédito industrial, o que é da dicção do art. 16, inc. V, daquele texto legal. Não bastasse a expressa previsão em lei, a viabilidade da aplicação de juros sobre juros nos débitos representados por cédulas de crédito comercial, agrícola e industrial é apontada pela Súmula n° 93 do Superior Tribunal de Justiça.

"As normas constitucionais são, de regra, auto-aplicáveis, vale dizer, são de eficácia plena e de aplicabilidade imediata. [...] o que deve o intérprete fazer, diante de um texto constitucional de duvidosa auto-aplicabilidade, é verificar se lhe é possível, mediante os processos de integração, integrar a norma à ordem jurídica.

"É o caso da ‘taxa de juros reais’ inscrita no §3° do art. 192 da Constituição, que tem conceito jurídico indeterminado, e que, por isso mesmo, deve o juiz concretizar-lhe o conceito, que isto constitui característica da função constitucional" (RTJ 147/816, Min. Carlos Velloso).

A limitação constitucional ao juros reais é medida de importância sócio-econômica invulgar, significando, na lição de MacPherson, que " ... as normas sociais e os valores éticos devem prevalecer sobre os valores do mercado impessoal ou pelo menos resistir a eles".

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          No corpo do aludido acórdão, encontramos o seguinte texto:

"É consabida a negativa de auto-aplicabilidade do §3° do art. 192 da Constituição Cidadã pela jurisprudência prevalecente, entretanto, a orientação contrária vem se espraiando. Apesar de vencido, o Min. Paulo Brossard, na ADIn n° 004-DF, teve o ensejo de sustentar a eficácia imediata da norma prefalada, comentando em seu voto:

"Tenho para mim que o §3° do art. 192 tem em si mesmo elementos bastantes para imperar desde logo e independentemente de lei complementar, até porque esta, querendo ou não o legislador, não poderá ter como juro máximo 12% ao ano, incluídas nessa taxa que, aliás, não é nova entre nós, toda e qualquer comissão ou tipo de remuneração direta ou indiretamente referida à concessão do crédito. Isto porque, como é sabido, como a chamada lei de usura prescrevesse como limite máximo a taxa de juros de 12%, instituições financeiras, sob pressão do fenômeno inflacionário, passaram a cobrar outras taxas sob rótulos distintos.

"Querendo ou não querendo o legislador ele não poderá autorizar a cobrança de qualquer remuneração seja a que título for, direta ou indiretamente ligada à concessão de crédito, além do juro, juro este que será de até 12% e em caso algum superior a essa taxa" (RTJ 147/830).

Perfilhando esse entendimento, o Ministro Carlos Velloso, ao perscrutar o tema em discussão, consignou tratar-se de norma proibitória ou vedatória, de aplicabilidade imediata, salientando que "As normas constitucionais são, de regra, auto-aplicáveis, vale dizer, são de eficácia plena e de aplicabilidade imediata. Já foi o tempo em que predominava a doutrina no sentido de que seriam excepcionais as normas constitucionais que seriam, por si mesmas, executórias". E arrematou: " ... o que deve o intérprete fazer, diante de um texto constitucional de duvidosa auto-aplicabilidade, é verificar se lhe é possível, mediante os processos de integração, integrar a norma à ordem jurídica.

"É o caso da ‘taxa de juros reais’ inscrita no §3° do art. 192 da Constituição, que tem conceito jurídico indeterminado, e que, por isso mesmo, deve o juiz concretizar-lhe o conceito, que isto constitui característica da função constitucional" (RTJ 147/816).

Muito embora o caput do art. 192 da Constituição de 1988 aluda à feitura de lei complementar, o §3°, em sua primeira parte, é de completitude indisputável, desvelando a fragilidade e inutilidade das circunlocuções que se tem construído para negar a auto-aplicabilidade do preceito (v. Roberto W. Amarante, Contratos Bancários — De Quem é a Mora?, in Revista Jurídica, v. 226, p. 47). Por conta disso, vincular a exeqüibilidade da regra do art. 192, §3°, CF-88, à edição de lei complementar que a regulamente, equivaleria a render preito ao tautológico. Cultuar-se a redundância é, per se, conduta censurável, exasperando sua reprovabilidade quando, como na matéria em tela, importar sério gravame a quem recorre a instituições financeiras, bem como a manutenção de nefasta benesse a esses entes.

Não se olvide, outrossim, que, mesmo com a superveniência de lei complementar, pondo em foco os juros reais, em hipótese alguma — e isso é indubitável — admitir-se-á o estabelecimento de taxas excedentes ao 12% anuais, por plasmar evidente afronta ao texto constitucional. Aliás, foi nesse sentido a profícua advertência do ilustre Des. Carlos Prudêncio, ao relatar acórdão proferido na Apelação Cível n°96.006262-9, da Capital, averbando:

"A norma que regulamentará referido parágrafo, jamais poderá firmar juros superiores aos 12%; poderá, sim, estabelecer um limite menor. E, neste caso, qual a necessidade de lei regulamentadora se esta nunca poderá fixá-los acima de 12% ao ano. Por isso, o §3° do art. 192 da CF tem eficácia plena e imediata, já que veda expressamente a cobrança de juros superior ao limite nele fixado, além de assegurar direito dos operadores do mercado financeiro de vê-lo aplicado. Ou seja, com ou sem lei complementar, a taxa de juros reais não poderá ser mais que 12% ao ano; a lei a ser elaborada é que estará subordinada ao §3° do art. 192, e não este subordinado àquela; não há necessidade de repetir o que já está na Constituição.

"Em verdade, o parágrafo em questão é auto-aplicável pelo simples argumento de que tudo que prescreverá a lei complementar está e deverá estar de acordo com a norma constitucional, ou então será inconstitucional; a legislação infraconstitucional não poderá negar vigência ao dispositivo já firmado na Constituição, muito menos impor-lhe limites" (1ª CC., j. 24.09.96).

Na refinada intelecção do Des Trindade dos Santos, "Por insculpir uma norma essencialmente restritiva, o art. 192, §3° da Lei Maior erigiu um direito auto-exercitável no âmbito do sistema financeiro pátrio, já que delimitou, com plenitude, a taxa máxima de juros reais a ser praticada no território nacional. A não ser por puro protecionismo aos economicamente mais fortes, verdadeiramente detentores do monopólio financeiro, é que poder-se-á admitir possa o legislador ordinário contrapor-se, em norma regulamentadora, à realidade implantada constitucionalmente, instituindo, então, uma taxa superior a 12% anuais" (1ª CC., Ap. Cív. n° 97.010947-4, de Maravilha, j. 04.11.97).

No mesmo diapasão, conquanto em voto vencido, o destacado Des. Nelson Schaefer Martins comentou:

"A limitação constitucional da taxa de juros é aplicável de imediato. Entende-se por juro real o juro nominal deflacionado, ou seja, o juro excedente à taxa inflacionária.

"As normas constitucionais que contenham vedações, proibições ou que declarem direitos são, de regra, dotadas de eficácia jurídica plena e auto-aplicáveis.

"A decisão contida na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 004-DF, Supremo Tribunal Federal, não possui caráter vinculativo. A idéia de que o § 3° do art. 192 da Carta Magna esteja a depender de lei complementar importa em verdadeiro atentado à soberania do poder constituinte até porque, é evidente, a legislação infraconstitucional não poderá negar vigência ao dispositivo já esculpido na Constituição, nem impor-lhes limites" (2ª CC., Ap. Cív. n° 97.000272-6, de São Carlos, rel. Des. Newton Trisotto, j. 08.05.97).

O Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul também tem sido manancial de considerável número de julgados sobre a matéria, a saber:

"JUROS REMUNERATÓRIOS — LIMITAÇÃO A 12% AO ANO — NORMA CONSTITUCIONAL — AUTO-APLICABILIDADE

"Entre mais de uma solução possível no ordenamento jurídico, escolhe-se aquela ditada por critério valorativo e político, no sentido de que os juros remuneratórios são limitados a 12% ao ano, tanto pelo entendimento da auto-aplicabilidade da norma constitucional, quanto pela incidência da legislação infraconstitucional" (TARS, 3° Gr. Cív., Emb. 196080501, de Planalto, rel. Carlos Alberto Alves Marques, in ADCOAS n° 8157524).

"JUROS — LIMITE CONSTITUCIONAL — ART. 192, PAR. 3°, DA CF — NORMA QUE DISPENSA REGULAMENTAÇÃO PARA SUA IMEDIATA APLICAÇÃO.

"Fixada a taxa de juros no limite máximo de 12% em texto expresso da Constituição Federal, a redução a esse limite dos juros cobrados em operações de crédito é imposição constitucional que dispensa regulamentação para sua imediata aplicação" (Ap. Cív. n° 5.560, j. 21.08.90, rel. Des. Renato Mareschy).

"JUROS REAIS. Artigo 192, §3°.

"Dispositivo não sujeito a regulamentação. Aplicabilidade imediata. A remuneração do capital e a remuneração de serviço referido à concessão do crédito constituem juros reais e não podem superar a 12% ao ano. Apelação desprovida" (Julgados do TARGS 76/298).

Extrai-se do corpo de acórdão exarado na Apelação Cível n° 196082648, de Passo Fundo, o seguinte fragmento:

"O dispositivo constitucional, saliente-se, é auto-aplicável, pois somente os incisos do art. 192 é que dependem de lei regulamentadora, enquanto o limite dos juros é dado no §3°, só remetendo para lei complementar a definição da sanção penal ao crime de usura. Ocorre, como ficou assentado na Apelação Cível 189078439, da 1ª Câmara do Egrégio Tribunal de Alçada, que a norma já contém, em seu enunciado, todos os elementos necessários à sua aplicação. Logo, é auto-executável, de incidência imediata (BIM 153/36, JTARGS 75/156, 78/356, 79/200, 80/200 e 357, 83/246 e 273), aderindo-se, enfim, à corrente que teve como precursores no Estado os acórdãos mencionados em JTARGS 79/320" (3ª CC.).

Vale atentar, ainda, para as Apelações Cíveis n° 191.122.019, da Capital, rel. Juracy Vilela de Sousa, j. 14.08.92 e n° 196.130.710, de Passo Fundo, do mesmo sodalício.

O egrégio Tribunal de Alçada de Minas Gerais já decidiu:

"JUROS — CF/88 — AUTO-APLICABILIDADE. É auto-aplicável o §3° do art. 192 da CF, que proíbe a cobrança de juros acima de 12% do valor atualizado do débito, pelo que exerce agiotagem quem infringe a regra" (3ª CC., Ap. Cív. n° 115.947-3, rel. Juiz Ximenes Carneiro, in DJ de 13.06.92).

No magistério de José Afonso da Silva, "Está previsto no §3° do art. 192 que as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão do crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.

"Esse dispositivo causou muita celeuma e muita controvérsia quanto à sua aplicabilidade.

"Pronunciamo-nos, pela imprensa, a favor de sua aplicabilidade imediata, porque se trata de uma norma autônoma, não subordinada à lei prevista no caput do artigo. Todo parágrafo, quando tecnicamente bem situado (e este não está, porque contém autonomia de artigo), liga-se ao conteúdo do artigo, mas tem autonomia normativa. Veja-se, por exemplo, o §1° do mesmo art. 192. Ele disciplina assunto que consta dos incs. I e II do artigo, mas suas determinações, por si, são autônomas, pois uma vez outorgada qualquer autorização, imediatamente ela fica sujeita às limitações impostas no citado parágrafo.

"Se o texto, em causa, fosse um inciso do artigo, embora com normatividade formal autônoma, ficaria na dependência do que viesse a estabelecer a lei complementar. Mas, tendo sido organizado num parágrafo, com normatividade autônoma, sem referir-se a qualquer previsão legal ulterior, detém eficácia plena e aplicabilidade imediata. O dispositivo, aliás, tem autonomia de artigo, mas a preocupação, muitas e muitas vezes revelada ao longo da elaboração constitucional, no sentida de que a Carta Magna de 1988 não aparecesse com demasiado número de artigos, levou a Relatoria do texto a reduzir artigos a parágrafos e uns e outros, não raro, a incisos. Isso, no caso em exame, não prejudica a eficácia do texto" (Curso de Direito Constitucional Positivo. 12 . ed. São Paulo : Malheiros, 1996, p. 758).

Sobre o assunto, anota Arnaldo Rizzardo, in Contratos de Crédito Bancário, 2ª ed., RT, pág. 270:

"Estabelece-se que o art. 192, em seus incisos, é uma regra de eficácia contida, por necessitar, em inúmeras situações, de outras regulamentações. E assim também é possível considerar o § 3º. Ele contém todos os elementos necessários à operatividade imediata, embora, na legislação infraconstitucional, talvez venha a se submeter a eventuais restrições, decorrentes da presença de termos indeterminados, como ‘juros reais’, ‘remunerações’ e ‘comissões’.

"É possível que surjam proposições definitórias.

"Mas, não quanto ao que está no âmago do dispositivo, naquilo que é fundamental e imperativo, ou seja, a taxa de 12% ao ano."

Ainda nesta linha de entendimento, posicionou-se o 1º TACivSP, na Apelação Cível n. 413.456-5, onde colhe-se o voto do Juiz Costa de Oliveira:

"... configura-se de extrema artificialidade o argumento de ser regra ainda dependente de lei - não seria regra jurídica constitucional bastante em si. Tem sido escrito (em pareceres encomendados por associações bancárias) que o caput do art. 192 fala do sistema financeiro nacional a ser regulado em lei complementar de tal jeito que, quando no § 3º se escreveu que a taxa de juros reais não poderão ser superiores a 12% ao ano, terá ficado claro que também essa primeira parte do § 3º depende de lei complementar. Puro artifício verbal - que o papel aceita sempre. Num mesmo artigo de lei, ou da Constituição, podemos ter várias regras, independentes uma das outras. O que o parágrafo tem de comum com o caput é que, por força de alguma lógica formal de organização extrínseca dos assuntos, os tópicos do caput (matéria geral nele tratada) é também matéria dos artigos. Isso nem sempre, aliás, acontece. Depende de maior ou menor organização mental do redator, ou redatores. Muito contingentemente: no momento da redação.

"Vamos a um exemplo: na CF/88 o art. 212, caput, trata de percentuais da receita dos impostos para aplicação no ensino; entretanto, o § 4º muda de assunto - fala de programas suplementares de alimentação e assistência à saúde, previstos no art. 208, VII, com recursos de financiamento proveniente de outros recursos".

"Mas, mesmo que a lógica do redator, ou redatores, seja mais perfeita, nada impede que a regra do parágrafo seja impeditiva do que consta no caput. Vejamos dois exemplos da Constituição anterior (CF/67, Emenda 1/69): a) no art. 16 dizia-se que os controles externos sobre o Município dependiam de lei; no § 3º fixaram-se limites populacionais e financeiros para a instituição de tribunal de contas no Município. Ora, ninguém terá tido a ousadia de pensar que a limitação constitucional posta no § 3º dependia de lei prevista no caput; b) no caput do art. 17 foi dito que a organização administrativa do decreto federal dependia de lei. No § 2º estabeleceu-se que o governador seria nomeado pelo Presidente da República. Não houve quem arriscasse-se esta esdrúxula hermenêutica a respeito da regra: que a nomeação do governador (chefe do executivo) também dependesse da lei referida no caput do art. 17".

Ainda com esteio na doutrina, tem-se que a norma enfocada " a) ... é auto-aplicável, bastando-se por si na qualidade de diretiva material permanente ...; b) admitindo-se, para argumento, a necessidade de regulamentação, deve-se obtemperar qua a Constituição delimitou clara e explicitamente o percentual de 12% anuais, vinculando o legislador, julgador e os particulares nesses limites; c) também ad argumento, ainda que programático, o dispositivo tem conteúdo limitativo e eventual lei complementar regulamentadora não poderia ultrapassar a taxa estipulada, sob pena de declaração de inconstitucionalidade" (Gustavo Saad Diniz, Juros nos Contratos Particulares de Mútuo e Financiamento Bancário de Crédito, in Revista Jurídica, v. 240, p. 27).

Ante a explicitude do §3° do art. 192 da Lex Fundamentalis, contestar a auto-aplicalibilidade daquele preceptivo seria obsequiar as instituições financeiras com emolumento imoderado.

Determinando a Constituição Federal que os juros reais não podem desbordar o linde de 12% ao ano, inexplicável conservar-se a orientação de que agrilhoado à edição de lei complementar. É mesmo imponderável a sanha com que se tem sinalizado favoravelmente às instituições bancárias, postergando direitos garantidos pela Carta Constitucional.

Neste mesmo sentido, tem se manifestado a jurisprudência, em decisões assim ementadas:

"A norma do § 3º do art. 192 da CF é de eficácia plena, por isso que contém, em seu enunciado, todos os elementos necessários à sua aplicação. Logo, é auto-executável, de incidência imediata" (RT 653/192).

"Juros. Fixada a taxa de juros no limite máximo de 12% em texto expresso da Constituição Federal, a redução a esse limite dos juros cobrados em operação de crédito é imposição constitucional que dispensa regulamentação para sua imediata aplicação" (RT 667/152).

"O art. 192, § 3º, da Carta da República é norma suficiente por si, auto-aplicável, não estando na dependência de regulamentação por lei ordinária. A expressão ‘nos termos que a lei determinar’ transfere à legislação infra-constitucional exclusivamente a definição da ilicitude penal (crime de usura), naturalmente em respeito ao princípio da reserva legal" (RT 675/188).

"O § 3º do art. 192 da Constituição, contém norma proibitiva e auto-aplicável, sem necessitar de qualquer complemento legislativo que, se editado, deverá moldar-se à vedação constitucional, e não o contrário" (RT 683/157).

"O limite constitucional dos juros, sendo auto-aplicável a norma do art. 192, § 3º da CF, alcança todas as transações de crédito bancário. (...)" (RT 734/488).

Neste diapasão é também a conclusão do Ministro Sálvio de Figueiredo, em decisão do STJ:

"Em síntese, a jurisprudência e a doutrina são tranqüilas e remansosas sobre a quaestio. Ademais, o Estado em sua função ético-social não pode e não deve sancionar a crematística através da "agiotagem"e, por isso mesmo, a Constituição vigente adota, como princípios constitucionais, dentre outros, o da "dignidade da pessoa humana" e dos "valores sociais do trabalho ..." (art. 1º, incs. III e IV, primeira parte), dispondo, no seu art. 192, parág. 3º:

"As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punidos, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar".

Sem embargo da referida norma constitucional ser dirigida, em especial, às instituições financeiras, é certo, contudo, que o Decreto n. 22.626/33 está em perfeita sintonia com aquele preceito, pois só assim serão respeitados os princípios fundamentais insertos no art. 1º, incisos III e IV, da Carta Magna" (RSTJ 4/1.465-6).

Tolher garantias fundamentais, pois, alardeando a carência de auto-aplicabilidade das normas que as prevejam, é tendência perniciosa, capaz de derruir o que Konrad Hesse nomearia "vontade de constituição", fazendo esboroar, por conseguinte, a força normativa da Carta Fundamental.

Nesse contexto, é atilada a conclusão de Édis Milaré, ao consignar que " ... no Estado Social de Direito, à extrema facilidade com que novos direitos são declarados, contrapõe-se a minguada atuação prática desses direitos" (apud Sílvio Dobrowolski, A Necessidade de Ativismo Judicial no Estado Contemporâneo, in Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, v. 2, p. 164).

A limitação constitucional ao juros reais é medida de importância sócio-econômica invulgar, significando, na lição de MacPherson, que " ... as normas sociais e os valores éticos devem prevalecer sobre os valores do mercado impessoal ou pelo menos resistir a eles" (apud César Pasold, A Função Social do Estado Contemporâneo e o Poder Judiciário, in Revista de Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, v. 2, p. 37).

Enfatize-se que protrair a efetivação do balizamento constitucional dos juros importaria volatilizar a Lex Mater, tornando-a letra morta, mera solenidade, tendo por cicerones um constituinte desprecatado — por descurar da clareza do texto constitucional — e um Judiciário complacente com a voracidade dos bancos".

A limitação infraconstitucional dos juros em 12% ao ano.

(GABRIEL WEDY, "O LIMITE CONSTITUCIONAL DOS JUROS REAIS" Síntese, 1997,. p. 34), a Lei da Usura - Decreto 22.626 de 1933, já havia limitado os juros em 12% ao ano, conforme se observa:

"O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil:

"Considerando que todas as legislações modernas adotam normas severas para regular, impedir e reprimir os excessos praticados pela usura;

"Considerando que é de interesse superior da economia do País não tenha o capital remuneração exagerada impedindo o desenvolvimento das classes produtoras.

"Decreta:

"Art. 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal."

É preciso que se diga que tal norma não foi revogada pela Lei 4.595/64, que apenas atribuiu ao Conselho Monetário Nacional poderes para limitar a taxa de juros, em casos em que a de 12% ao ano fosse excessiva (como no crédito rural), e não para a liberar ao talante das instituições financeiras.

De todo modo, mesmo esta competência normativa do CMN acabou por ser revogada pela Carta Magna de 1988, que a manteve como exclusividade do Congresso Nacional, aliás, como nunca deveria ter deixado de ser. Veja-se neste sentido acórdão do TARS colacionado pelo conceituado advogado e professor JOÃO ROBERTO PARIZATTO (Multas e Juros no Direito Brasileiro, edipa, 1998, 2ª ed., p 105):

          "(...) a CF não recepcionou a norma que, segundo a Súmula 596, delegava ao Banco Central, como órgão do Conselho Monetário Nacional, regular as taxas de juros. Segundo os arts. 22 e 48 da CF a matéria hoje é de competência exclusiva do Congresso Nacional. Os artigos 68 da CF e 25 do ADCT claramente revogaram as delegações de competência normativa. Revogada a Lei n. 4.595, de 1964, nessa parte, continua em vigor a Lei de Usura."

Outro julgado do TARS segue o mesmo entendimento (PARIZATTO, ob. cit. p. 106):

          "JUROS - LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL - Não obstante o julgamento da ADIN 4-7/600 do STF, por isso afastada a auto-aplicabilidade do § 3º do art. 192 da CF, os juros bancários permanecem limitados em 12% ao ano, mais a correção monetária, haja vista a legislação infraconstitucional, art. 1º, do DL 22.626/33, combinado com o art. 1.062 do CCB, que não foi revogada pela Lei 4.595/64.".

Em brilhante artigo intitulado "JUROS - A LIMITAÇÃO DE 12% AO ANO ESTÁ EM VIGOR" ("Jornal do Comércio", de 18.07.96, Coluna "Espaço Vital"), o eminente desembargador JORGE ALCIBÍADES PERRONE DE OLIVEIRA, do TJRS, com extrema competência e grande visão histórica aprofunda a matéria:

"A partir do julgamento da ADIN nº4, pelo STF, pacificou-se nos tribunais superiores o entendimento de que a norma do art. 192, parágrafo 3°. 3º da CF não é auto-aplicável e em conseqüência incabível a limitação das taxas de juros, enquanto não editada a lei complementar a que alude o ‘caput’ do mesmo artigo.

"Dessa decisão foi extraída a conclusão de que a matéria seria ainda regulada pela legislação anterior, ou seja, que a Lei 4595 atribuíra ao Conselho Monetário Nacional, via Banco Central, a tarefa de normatizar o tema, com o que ficavam as instituições financeiras fora da hipótese de incidência da Lei de Usura, que limita os juros pactuáveis a 12% ao ano.

"O CMN, em face do que dispunha o art. 4º da Lei 4595, tomara a expressão ‘limitar’ taxas de juros, por ‘liberar’, o que foi aceito pela Súmula 596 do STF, de 1.976.

"Tal entendimento guardava coerência com o sistema então vigente. É notório que a Carta outorgada de 1.969 dotara o Poder Executivo de poderes extraordinários, inclusive o de legislar pelo instrumento do Decreto-Lei e pelas delegações de poderes, como a referida na Lei 4595. É sabido que tal carta teve forte inspiração na Constituição ‘gaullista’, da França de 1.968, em que a pretexto de combate ao terrorismo e ao comunismo, o Executivo daquele país, então representado pela figura carismática do General Charles de Gaulle, passou a editar leis, sendo reservado o poder legiferante da Assembléia Nacional apenas para determinadas matérias.

"Não se pode esquecer, porém, que sendo o sistema francês um misto de Presidencialismo, o Legislativo se integra ao Executivo, na constituição do Gabinete e na escolha do Primeiro Ministro. Aqui, no entanto, o que houve foi uma simples entrega do poder de legislar ao Executivo, situação, em essência, completamente diversa... Era, assim, coerente com os tempos então vividos pelo país pós-64, a concentração enorme de poderes nas mãos do Executivo.

"Entretanto, a Carta de 1.988 resgatou o Estado Democrático de Direito, com o retorno - ou melhor a efetiva implantação - da independência dos poderes (que são do Povo), estabelecida a competência de cada um. Em várias áreas do Executivo nacional, especialmente na econômica, permaneceu, todavia, a idéia de que nada mudara. A Constituição, porém, alterara sobremaneira o quadro, a começar pelo art. 22, em seus incisos VI e VII estabelecendo que é da competência da União legislar sobre o sistema monetário e de medidas e política de crédito.

"Prossegue o texto, atribuindo, no art. 48, inc. XIII exclusivamente ao Congresso Nacional a competência para dispor sobre a matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações. Por fim o art. 68, em seu parágrafo 1º, proíbe a delegação de atos de competência exclusiva do Congresso Nacional.

"Vista a questão por este prisma é forçoso concluir que a Constituição Federal não recepcionou e nessa medida revogou toda a legislação anterior que permitia tais delegações. Entre elas, por óbvio, inclui-se aquela do art. 4º da Lei 4595. Ou seja, após a Constituição de 1.988, não tem mais o Conselho Monetário Nacional o poder de, por ato administrativo de caráter normativo, legislar sobre matéria de competência exclusiva do Congresso Nacional. Nem se argumente que Medidas Provisórias posteriores, algumas até convertidas em lei, poderiam ter outorgado tais poderes, porque padeceriam de vício flagrante de inconstitucionalidade.

"Assim, após 1.988, caso pretendesse o Executivo - leia-se o Conselho Monetário Nacional - manter a liberação das taxas de juros, deveria ter usado o meio constitucional próprio: a remessa de projeto de lei ao Congresso Nacional, único poder competente para legislar a matéria.

"Não o tendo feito, fez com que restando revogada a autorização legislativa, ficassem sem efeito os atos administrativos anteriores do BACEN, que havia autorizado a liberação de taxas de juros. Sem efeito tais atos, volta a ter aplicação integral o disposto na Lei de Usura, que alterou o Código Civil liberal do início do século, que enseja a usura, abortada pelo Decreto 22.626/33, que limitou os juros pactuáveis a 12% ao ano. Embora seja um Decreto tem força de lei, até hoje, porque editado sob a sistemática resultante da Revolução de 30 e antes da reconstitucionalização do país em 1.934.

"A Constituição de 1.988, em seu art. 192, parágrafo 3º, só fez repetir a limitação de 1.933. Diga-se de passagem que mesmo que venha a ser editada lei complementar não poderá esta, sob pena de inconstitucionalidade permitir taxas superiores... Se alguma dúvida havia quanto à revogação da legislação pretérita a própria CF, no Ato das Disposições Transitórias, em seu art. 25, encarregou-se de dirimi-la, revogando, expressamente, a partir de 180 dias da promulgação da Carta, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgãos do Poder Executivo competência assinada pela Constituição ao Congresso Nacional.

"Ante o evidente conflito é imperioso concluir pela revogação da legislação anterior. Essa conclusão em momento algum conflita com o decidido na ADIN nº4. Na ação direta discutia-se somente a auto-aplicabilidade do art. 192, parágrafo 3º. O ato questionado - um parecer do Consultor Geral da República aprovado pelo Presidente de então - fora exarado três dias após a promulgação da Carta, e, pois, dentro da possível vigência da legislação anterior, nos termos do art. 25 do ADCT.

v"Portanto, é necessário repensar a conclusão tirada da decisão do STF. Hoje afigura-se revogada toda a legislação que delegou esse enorme poder a um órgão do Executivo, poder esse que é exclusivo do Congresso Nacional. Está assim em pleno vigor a limitação das taxas de juros a 12% ao ano, prevista na Lei de Usura - Decreto 22.626/33.".

GABRIEL WEDY, (ob. cit. p. 39), reforça a tese:

"É importante a conscientização em massa do meio jurídico para a interpretação justa do disposto no art. 4º, inc. IX, da Lei 4.595/64. Ao autorizar o Conselho Monetário Nacional a limitar os juros, além de não ter rompido com o limite de 12% a. a, o fez expressamente visando taxas favorecidas para financiamento de finalidade desenvolvimentista e ecológica, que enumera (recuperação e fertilização do solo, etc.), e não para colaborar no aumento dos ganhos das instituições financeiras.

"Com a devida e máxima vênia aos que ao contrário pensam, a Lei nº 4595 jamais revogou a Lei de Usura, pois quando sem seu art. 4º, inciso IX, concede poderes ao Conselho Monetário Nacional para limitar a taxa de juros a ser praticada no mercado financeiro, não dispõe e nem cogita a possibilidade de a limitação ser superior aos 12% ao ano, imposto como teto máximo na referida lei.

"A interpretação correta, e acima de tudo honesta, é de que limitar significa ordenar obediência a um limite, e este é o limite permitido pela Lei de Usura: 1% ao mês.

"De outra forma não pode ser, pois mesmo para um jejuno na hermenêutica jurídica, é de clareza solar que a finalidade da referida Lei é dar subsídios para as classes produtoras, o que se torna impossível com juros superiores a 12% ao ano. Subsídios estes fundamentais em um País de dimensões continentais que necessita de um setor produtivo forte e competitivo, que não pode ser asfixiado pelo furor usurário.".

É QUANTO BASTA PARA CONCLUIR QUE, MESMO EM SE ENTENDENDO QUE CARECE DE REGULAMENTAÇÃO O § 3º, DO ART. 192, DA CF, AINDA ASSIM ESTÃO AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS IMPEDIDAS DE COBRAR JUROS ACIMA DO ESTABELECIDO NA LEI DE USURA, OU SEJA, 12% AO ANO, EM FACE DOS DISPOSTO NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL.

A necessidade de autorização do Conselho Monetário Nacional para que a ré possa praticar juros superiores a 12% ao ano.          "O banco/apelante não comprovou e nos autos não existe prova objetiva e material de que o mesmo estava autorizado a praticar a taxa de juros incidente, na sua formação complexiva, de juros e correção monetária.

"Então, afastado, no caso, o aspecto da limitação constitucional a inconformidade do apelante não merece acolhimento, devendo prevalecer a taxa de juros no percentual de 12% a.a., com base no art. 1º da Lei de Usura e com suporte nos precedentes do STF antes apontados, porquanto o exeqüente apelante, não comprovou nos autos que estava autorizado pelo Banco Central do Brasil a praticar as taxas de juros incidentes."

A tese foi esposada pelo c. Superior Tribunal de Justiça, como se infere deste recente julgado daquele colegiado, da lavra do eminente Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR (RESP 207604/SP, DJ 16 de Agosto de 1999, p. 75):

"JUROS. Limite. Súmula 596/STF. Capitalização. Recurso conhecido para permitir a cobrança de juros de 12% a.a., sem capitalização em face da peculiaridade do caso. O r. acórdão recorrido aceitou a tese de que o banco credor pode cobrar a taxa que estipular, de acordo com o que considerar seja a taxa de mercado. Penso que essa liberalidade não está de acordo com a lei, que submete as instituições financeiras ao que for determinado pelo Conselho Monetário nacional. De acordo com os precedentes desta Turma, para cobrar juros acima da taxa legalmente. seka mp Código Civil, seja na Lei de Usura (Dec. nº 22.626/33), a instituição financeira deve demonstrar estar a isso autorizada pelo Conselho Monetário. Na espécie, 0pelo que se pode ver do extrato de fl. 21, juntado pelo credor, no mês de novembro de 1995, há lançamentos de juros de 2% ao dia sobre o saldo devedor, capitalizados diariamente. É difícil de acreditar que naquela época, com inflação reduzida, o CMN tenha autorizado o Banco a cobrar esses juros, e de modo capitalizado.

O Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (REsp. N.º 79.507, j. 05.03.1998) justifica:

          "As taxas de juros, ante a eventual omissão do Conselho Monetário Nacional, não podem ficar sujeitas à livre vontade das instituições bancárias, geridas sempre com o intuito de trilhar os caminhos do lucro, muitas vezes exagerados, como sói acontecer, o que prejudica a própria razão de ser da nota de crédito comercial. Assim, ao invés de incentivar o comércio, a liberdade excessiva dos bancos tem acarretado, na verdade, a quebra de centenas de empresários que dependem do crédito para sobreviver."

ASSIM, PARA COBRAR JUROS SUPERIORES A 12% AO ANO, A RÉ DEVERÁ COMPROVAR ESTAR A TANTO INDIVIDUALMENTE AUTORIZADA PELO CMN, DO CONTRÁRIO - MESMO QUE NÃO ACEITAS AS TESES DA EFICÁCIA DO ART. 192, § 3º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E APLICABILIDADE DA LEI DA USURA (vide 1.1 e 1.2) – APRESENTAM-SE NULAS AS DISPOSIÇÕES DO CONTRATO EM TELA QUE ESTIPULEM A COBRANÇA DE JUROS SUPERIORES A 12% AO ANO.

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Sobre o autor
Paulo Afonso Sandri

Juiz de Direito em Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANDRI, Paulo Afonso. Sentença em ação revisional de leasing, para recálculo dos encargos financeiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16313. Acesso em: 26 abr. 2024.

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