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Sentença em ação revisional de leasing, para recálculo dos encargos financeiros

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01/08/2000 às 00:00
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A lesão enorme

          "Não há, à evidência, como se permitir que haja um enriquecimento tão grande por parte das instituições financeiras, quando seus poupadores recebem um valor tão distante daquele cobrado nos empréstimos bancários, descontos, cheques especiais, cartões de crédito, etc. Há necessidade de se adequar os juros bancários à inflação do país, de modo a se permitir a continuidade dos negócios bancários. Pessoas físicas, jurídicas e micro-empresários, não conseguem suportar taxas tão irreais, totalmente distanciadas da realidade atual do país, o que vem contribuindo para a quebra de tantas pessoas em empresas, que não conseguem pagar aquilo que devem aos bancos.".

Diz mais:

"Nada justifica a captação de recursos por um percentual e sua repassagem ao tomador de empréstimo em percentual várias vezes superior ao custo do dinheiro para a instituição financeira."

E cita ARAMY DORNELLES DA LUZ (in "NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS", RT, 1996, P. 99):

"Não há como escapar da realidade. Os Bancos, fazendo o que se convencionou chamar de intermediação financeira, têm que repassar o dinheiro pelo seu custo, mais o spread que constitui sua comissão".

JONAIR NOGUEIRA MARTINS, em texto especialíssimo, maneja em profundidade a teoria da "LESÃO ENORME" (ob. cit. p. 51e ss.):

          "CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, traz-nos a definição de DE PAGE, apud TRAITÉ ELÉMENTAIRE, I, Nº 67.

"’Pode-se genericamente definir lesão como o prejuízo que uma pessoa sofre na conclusão de um ato negocial, resultante da desproporção existente entre as prestações das duas partes’.

"O renomado civilista conclui: ‘Nosso direito pré-codificado concebeu, portanto, o instituto da lesão com estas duas figuras, caracterizando-se a LESÃO ENORME como defeito objetivo do contrato: o seu fundamento não era nenhum vício presumido do consentimento, mas assentava na injustiça do contrato em si; já a LESÃO ENORMÍSSIMA fundava-se no dolo com que se conduzia aquele que do negócio tirava o proveito desarrazoado porém dolo presumido ou dolo ex re ipsa, que precisava ser perquirido na intenção do agente.’

"Caio Mário, esgota o assunto da lesão, do qual, extrai-se: ‘Segundo a noção corrente, que o nosso direito adotou, a lesão qualificada ocorre quando o agente, premido pela necessidade, induzido pela inexperiência ou conduzido pela leviandade, realiza um negócio jurídico que proporciona à outra parte um lucro patrimonial desarrazoado ou exorbitante da normalidade’.

"O EG. TARS, por sua 4ª Câmara Civil, nos autos da apelação 192168581, tendo por Relator o Juiz MÁRCIO OLIVEIRA PUGGINA, sobre a lesão, caracterizado o enriquecimento ilícito, entendeu:

"’Como negócio comutativo o equilíbrio entre débito e crédito deve estar presente tanto no momento da formação do negócio como na sua execução. O nosso Código Civil cuja orientação política, econômica e ideológica remonta aos meados do século passado, quando vicejava a doutrina do liberalismo econômico, não contemplou o rompimento da comutatividade não como vício na formação do contrato, nem como causa de resolução ou revisão dos negócios se verificado o rompimento na sua execução.

"’A omissão legislativa, no entanto, não impediu que a doutrina e a jurisprudência contemplassem o rompimento da comutatividade como causa de resolução dos contratos, quando, na sua execução se verificasse excessiva onerosidade para uma das partes causado por fato superveniente a sua formação. O mesmo no entanto não o usam fazer a construção pretoriana em relação ao rompimento da comutatividade na formação do contrato. Permaneceu, pois, a formulação legislativa do código eminentemente voluntarista, exigindo para a decretação da invalidade a existência de vícios da vontade.

"’Trata-se, no entanto, de lacuna legislativa que nem por isso pode contemplar o enriquecimento sem causa. Deve-se, pois, voltar à natureza comutativa do negócio jurídico para se propiciar a decretação de invalidade da transação operada com flagrante rompimento a comutatividade. Conquanto ausente previsão legislativa, nem por isso deixa a lesão de existir como conceito jurídico que, consorciada a doutrina do enriquecimento sem causa permite a decretação da invalidade’.

"’A lesão enorme é a obtenção por uma parte, em detrimento da outra, de vantagem exagerada incompatível com a boa fé ou a eqüidade.

"’Os princípios consagrados na constituição brasileira são verdadeiras normas supra constitucionais.

"’Regulamentação da Teoria da Lesão Enorme:

"’- art. 173, § 4º, da CF, reprime o aumento arbitrário do lucro;

"’- art.4, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor (boa fé );

"’- art. 6º, inciso V, do CDC ( diz que são direitos básicos do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais);

"’- art. 51 do CDC, inciso IV, e § 1º do CDC ( diz que são abusivas as obrigações que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou que sejam incompatíveis com a boa fé, o parágrafo primeiro define o que é vantagem exagerada);

"’- art. 3º, inciso VII, Decreto 2.181/97, o qual dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor ( define a competência do SNDC, para a vedação de abusos );

"’- art. 9º, Decreto 2.181/97 ( Determina que a entidade competente para exercer as atividades de fiscalização dos abusos é o Departamento de proteção e Defesa do Consumidor, órgão da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça );

"’- art. 12, inciso VI, Decreto 2.181/97 ( determina que é pratica infrativa exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva);

"’- art. 18, Decreto 2.181/97 ( determina as penas para quem cometer as práticas infrativas, que vão de multa até cassação da licença do estabelecimento ou de atividade);

"’- art. 22, Decreto 2.181/97 ( determina aplicação de multa ao fornecedor de produtos ou serviços, que em contratos de consumo, inclusive de natureza bancária, securitárias, de crédito direto ao consumidor, depósito, mútuo, poupança etc);

"’- os incisos II e XV do artigo 22, ( determina o reembolso de quantia paga a maior, e a infração ao CDC, por cláusula que ameace o equilíbrio do contrato);

"’- artigo 4º da Lei 1.521/51, Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando:

"’- a)....

"’- b) – Obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.

"’O Decreto-Lei n° 869 de 18 de novembro de 1938, de cunho penal, em seu art. 4° rezava: A usura pecuniária ou real, assim se considerando: (...) b) obter ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor comente ou justo da prestação feita ou prometida.

"’A partir deste decreto, a doutrina civilista, aliada ao texto constitucional, extraiu a reincorporação da lesão como causa de nulidade dos contratos dentro do direito pátrio. Para isso recorreram os doutrinadores ao art. 145, II do Código Civil, segundo o qual é nulo todo ato que possua objeto ilícito.’ (Joaquim E. Palhares - Seminário Carta Maior)

"Em consonância o parágrafo terceiro do artigo 4º da Lei 1.521/51, determina: ‘A estipulação de juros ou lucros usuários será nula, devendo o juiz ajustá-la à medida legal, ou, caso já tenha sido cumprida, ordenar a restituição da quantia paga em excesso, com juros legais a contar da data do pagamento indevido’.

"Sobre esta Lei, afirmou RUI ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR: ... ‘O principio da lesão enorme, que outro mestre desta Casa, o insigne Prof. Ruy Cirne Lima, sempre considerou incorporado ao Direito brasileiro, sobrevivia, no plano legislado apenas na hipótese da usura real, assim como definida no art. 4°, b, da Lei n°1.521/51: Obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade da outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor comente ou justo da prestação feita ou prometida. Com a regra atual, a conceituação de lesão enorme retoma aos termos amplos da nossa tradição, assim como já constava da Consolidação de Teixeira de Freitas, sendo identificável sempre que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, IV). A sanção é a mesma de antes: a cláusula é nula de pleno direito, reconhecível pelo Juiz de oficio. Vale lembrar que doutrina e jurisprudência davam as costas ao princípio da lesão enorme, presas do voluntarismo exagerado’ .

"A teoria da lesão ganha nova força com o advento do Código de Defesa do Consumidor. Este diploma é demonstração cabal da evolução do pensamento jurídico nacional, nele encontramos elementos que nos distancia ainda mais do dogma da intangibilidade da vontade no campo contratual.

"O festejado CARLOS ALBERTO BITTAR, com a sua autoridade, vaticina:

‘O dogma individualista da volição, deve indiscutivelmente, ser relegado ao passado, pois a ele pertence. Daí, não mais se poderia suportar a postergação da aprovação do Código, que veio a proteger o consumidor, açambarcando inclusive as cláusulas abusivas e o contrato de adesão. Seria verdadeira recalcitrância jurídica a sagração da manutenção de um estado próximo ao ápice da autonomia privada, quando a regra pacta sunt servanda não era apenas um brocardo’.

"Os dois grandes princípios embasadores do CDC são os do equilíbrio entre as partes (não igualdade) e o da boa-fé. Para a manutenção do equilíbrio temos dispositivos que vedam a existência de cláusulas abusivas, por exemplo os arts. 6, V e 51, IV, que vedam a criação de obrigações que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada. A definição de vantagem exagerada esta incerta no § 1° do artigo 51.

"Esta excessiva onerosidade tratada no inciso III, do parágrafo primeiro do art. 51, diz respeito a uma verdadeira desproporção momentânea á formação do contrato, como ocorre na clássica figura da lesão, especialmente porque mencionado, no texto do CDC, a consideração ás circunstâncias peculiares ao caso.

"A Constituição federal também veda o aumento arbitrário do lucro, por disposição expressa inserida no art. 173, § 4°: ‘A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros’. Isso demonstra a importância do instituto da lesão enorme no atual modelo jurídico brasileiro.

"A remuneração da instituição financeira pela intermediação da operação de crédito deve atender ao limite de 1/5 (20%) sobre o custo da intermediação financeira.

"Considerando como custo de intermediação financeira, a captação de recursos de terceiros, o percentual de lucro de no máximo 20% deve ser aplicado sobre estes custos de captação.

"Qualquer taxa de juros estipulada que exceda o limite de 20% sobre o custo de captação da operação constitui uma taxa abusiva.

As instituições financeiras apresentam fontes diversas de captação de recursos, vinculando o tipo de produto de crédito ofertado à respectiva captação do recurso.".

Não bastasse tal brilhante exposição, artigo constante da revista jurídica "CARTA MAIOR" (nº 09, julho de 1998) traz importantes contribuições acerca do tema:

          "(...)

"A Lei 4595/64 foi recepcionada pela Constituição de 1988, mas somente com relação aos dispositivos que estejam de acordo com os princípios fundamentais no caput do art. 192 insertos. Assim o inciso IX, do art. 4º, da Lei da Reforma Bancária, com a interpretação oferecida nos dias de hoje (limitar = liberar) não foi recepcionado pela norma constitucional.

"É que também foi recepcionada pelo caput do art. 192 a Lei nº 1.521/51, que veda a lesão enorme, visto que, segundo a norma constitucional, não se pode admitir a existência de onerosidade excessiva nos contratos bancários, pois é evidente que tal prática usurária não irá promover o desenvolvimento equilibrado do país e não servirá aos interesses da coletividade. Aliás, a simples leitura de qualquer periódico nacional evidenciará que as práticas bancárias estão destruindo os setores produtivos nacionais.

"Logo, têm-se duas alternativas, em vista das afirmações acima delineadas:

a) o art. 4º, inciso IX, da Lei 4.495/64, não foi recepcionado pela atual Constituição Federal, visto que a forma com que ele é interpretado conduz à liberação absoluta das taxas de juros (numa ruptura com a tradição brasileira, vide Constituições anteriores), o que está em dissonância com o art. 192, caput, e com a Lei 1.521/51 (esta sim plenamente recepcionada);

"b) o art. 4º, inciso IX, da Lei 4.495/64, foi recepcionado pela atual Constituição Federal, sendo que o termo limitar realmente significa limitar, e os parâmetros desta limitação estão contidos no Lei 1.521/51, ex vi do texto do caput do art. 192.

"Estas assertivas independem da necessidade de regulamentação do § 3º, do art. 192, a qual é absolutamente despicienda, em razão à edição de um novo princípio constitucional: o princípio atinente à proteção do consumidor.

"É através desta nova ordem jurídica protetiva do consumidor que se vai analisar a figura da lesão enorme a partir de agora.

"(...)

"Em se tratando de contratos bancários, a função social é patente, pois já não se concebe uma sociedade civilizada sem a presença de tais instituições, dada a importância que ocupam no cenário mundial.

"Para Luís Renato Ferreira da Silva, também no I Simpósio Internacional de Direito Bancário, ‘os contratos bancários, dada a atual importância do crédito e a sua transformação, praticamente tornaram-se elementos necessários das atividades do cidadão. O recurso ao crédito, não só para as atividades de investimento, mas como meio de aquisição de bens de vida básicos, como a casa própria, passa pelas instituições financeiras. A necessidade que move o tomador de crédito é, inegavelmente, elemento desfrutado pelo banqueiro e campo propício ao abuso’.

"(...).

"A rentabilidade de uma operação financeira, denominada spread, é medida pelo diferencial entre as taxas de juros de captação e aplicação.

"Em recente decisão, o 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, através de sua 11ª Câmara Ordinária, apelação cível nº 737.410-7, em votação unânime, onde o Relator foi o juiz Maia da Cunha, restou induvidosa a incidência da Lei 1.521/51, bem como a limitação do lucro dos bancos ao patamar nela previsto, qual seja, 20% sobre o custo de captação. Assim foi ementado o acórdão:

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"’CONTRATOS BANCÁRIOS - REVISÃO POSSÍVEL DOS CONTRATOS QUITADOS SE PARA TANTO FOI FEITO OUTRO E A LIBERAÇÃO SERVIU PARA PAGAMENTO DO ANTERIOR - SUBMISSÃO AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E VIABILIDADE DO RECONHECIMENTO DA NULIDADE DE CLÁUSULA QUE SE MOSTRAR ABUSIVA E CONTRÁRIA À LEI - ONEROSIDADE EXCESSIVA E LUCRO ARBITRÁRIO ILEGAIS - RECONHECIMENTO - CAPITALIZAÇÃO AFASTADA - RECURSO IMPROVIDO.

"Sendo que no corpo da decisão colhe-se o seguinte ensinamento:

"’A Lei 1521/51, não revogada pela Lei 4595/64, é clara ao estabelecer que se mostra de abusividade considerável o aumento da rentabilidade acima de 20% do lucro ou proveito econômico decorrente do negócio, dispositivo legal que deve ser observado também pelas instituições bancárias. Ressaltou a r. sentença que não é relevante o fato de o banco Central permitir ou tolerar tais comportamentos, já que, reiterando o óbvio, a autoridade administrativa não pode dispor contra o que a lei proíbe".

Vejamos, então, as taxas médias praticadas pelas instituições financeiras para captação e empréstimo em julho/99, segundo dados veiculados na INTERNET pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (http://www.ipead.face.ufmg.br/juros/index.htm):

SETOR

TAXA MÉDIA

EMPRÉSTIMO

Cartão de crédito

11,03

Cheque especial

10,34

Combustíveis

9,30

Financeiras independentes

16,74

Mercado informal

27,97

CAPTAÇÃO

CDB 30 dias

1,44

FIF 30

1,19

FIF 60

1,28

Poupança

0,79

Comparando-se as taxas de captação e empréstimo é fácil observar que em Julho/99, enquanto os bancos remuneravam o CDB (Certificado de Depósito Bancário) - que são "títulos que os bancos emitem com o objetivo de captar recursos para aplicações diversas" (cf. CARLOS ALBERTO DI AGUSTINI, in "LEASING", Atlas, 1995, p.62) – em pouco mais de 1% ao mês - ficando a poupança remunerada abaixo de 1% ao mês - em contrapartida aplicavam ao saldo devedor do cheque especial, no mesmo período, taxas superiores a 10%, chegando as do cartão de crédito a ultrapassar os 11%.

Em uma perspectiva anual o quadro é ainda mais perverso, porque, em um regime de capitalização a juros compostos, como sói ser ilegalmente o da vasta maioria das operações envolvendo empréstimo de dinheiro, o saldo cresce em progressão geométrica.

Assim é que, enquanto o CDB rende atualmente no máximo 18,65%, ao ano, (vide "DIÁRIO CATARINENSE", de 27.08.99, "Indicadores Econômicos", p. 18) "atrasar o pagamento de uma dívida bancária ou estourar o limite do cheque especial significa desembolsar um juro muito maior do que os que costumam ser divulgados (...) o que corresponde a 493,60% no ano", conforme recentemente divulgou o jornal "O GLOBO", em matéria do jornalista AGUINALDO NOVO.

Vale repetir: enquanto o CDB rende no máximo 18,65% ao ano, no mesmo período os juros bancários podem chegar a 493,60%, isto com uma inflação que não deve superar 6% em 1999!!!

Por isto mesmo o desembargador SÉRGIO AUGUSTO NIGRO CONCEIÇÃO, ilustre Corregedor Geral de Justiça do Estado de São Paulo, ainda este ano (revista "CARTA MAIOR", julho de 1998, p 03), considerou "muito positivo" o aumento significativo dos clientes do sistema financeiro que procuram a Justiça para exigir seus direitos, e acrescentou:

"Hoje, ainda são só bancos que recorrem ao Judiciário, na maioria dos casos que envolvem relações financeiras. Mas eles não merecem tratamento diferenciado, Todos nós precisamos exigir o respeito a nossos direitos".

PARIZATTO desabafa (ob. cit. p. 116):

          "O Poder Judiciário haverá de dar um basta em tal situação, revendo-se contratos bancários que estejam impondo taxas abusivas e distantes da realidade momentânea do país, distanciando-se e muito do custo de captação do dinheiro. Numa inflação baixa, jamais vista, não se justifica a nenhum entendimento legal, ético e jurídico, a cobrança de juros que representam diversas vezes a própria inflação do país.".

Realmente, todos os institutos que medem a inflação registraram índices próximo a zero até o mês passado, vale dizer, vivemos um quadro de estabilização e o acumulado dos últimos doze meses não diverge muito, posto que pouco variou (vide "DIÁRIO CATARINENSE", idem).

O único modo de deter tamanha selvageria é fazer valer a lei e aplicar a teoria da lesão enorme, já consagrada pela doutrina e referendada pela jurisprudência, a exemplo do 1º Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo, conforme já mencionado, cuja decisão, no particular, merece ser novamente reproduzida, porque definitiva:

          "’A Lei 1521/51, não revogada pela Lei 4595/64, é clara ao estabelecer que se mostra de abusividade considerável o aumento da rentabilidade acima de 20% do lucro ou proveito econômico decorrente do negócio, dispositivo legal que deve ser observado também pelas instituições bancárias.".

Como lembra artigo da revista jurídica "CARTA MAIOR" (edição de julho de 1998), "a tese agora confirmada pelo 1º TAC paulista, é o remédio perfeito para enfrentar uma das distorções mais flagrantes do sistema financeiro nacional. Como se sabe, os bancos cobram, nos contratos de financiamento, taxas de juros muito superiores às que eles próprios pagam, nas aplicações a seus clientes. Nos últimos meses, esta diferença não para de crescer. Em junho, segundo dados do boletim ‘Dinheiro Vivo’, os depósitos em CDBs rendiam no máximo 1,4% ao mês. No entanto, o sistema bancário cobrava 6,3% ao mês no contratos de ‘hot money’, e 12% ao mês, em média, nos saldos devedores do cheque especial."

Assim "se os CDBs são remunerados a 1,4% ao mês, a taxa máxima de empréstimo deve ser, segundo a lei, 1,68% mensais" (idem).

E conclui, citando a sustentação oral levada a efeito pelo advogado MÁRCIO PUGGINA diante da 11ª Câmara do 1º TACSP:

          "A Lei 1521 é, em diversos aspectos, um dispositivo legal mais eficaz que as limitações das taxas de juros. Ela não interfere nas taxas de captação dos recursos pelo sistema financeiro - e por isso não impõe limites à definição, pelo Banco Central, à política monetária. Em contrapartida, evita que os sistema financeiro continue lucrando de forma exorbitante, e às custas da atividade produtiva." (idem).

Diante de tais argumentos, é que em dado momento pronunciou-se o ilustre relator do referido recurso, o eminente Juiz MAIA DA CUNHA:

          "a Lei 1521, não revogada pela Lei 4595/64, é clara ao estabelecer que se mostra de abusividade considerável o aumento da rentabilidade acima de 20% do lucro." (idem).

Decidindo finalmente:

          "A digna Juíza (...) concluiu com acerto que (são) nulos, por abusivos e ilegais, os dispositivos contratuais que permitiram ao banco apelante cobrar encargos superiores a 20% sobre a taxa de captação do CDB" (idem).

COMO SE PODE VERIFICAR, DE QUALQUER ÂNGULO EM QUE SE ANALISE A QUESTÃO, OS JUROS NÃO PODEM SER COBRADOS ACIMA DOS 12% AO ANO, DEVENDO SER ANULADAS AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS QUE DISPONHAM DE MODO DIFERENTE.

          Ademais, ressalto que a chamada lei de Defesa do Consumidor feriu as cláusulas pré-estabelecidas e sem negociação com o consumidor, inclusive tomador de dinheiro, negando, pois, vigência ou validade à vontade pré-determinada nos contratos adesivos, tenho, pois, que os juros pactuados deverão ser reduzidos à taxa de 12% ao ano.

          e) UTILIZAÇÃO DA TR COMO ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA:

A autora também alegou na sua peça inicial que a TR, além da variação cambial, foi utilizada como índice de correção monetária para o crédito pretendido, fato este, inclusive, reconhecido pela instituição financeira.

De outro lado, acerca da adoção da TR como índice de reajuste monetário, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a referida taxa não pode ser utilizada como índice de correção monetária (Adin n. 483-DF).

No egrégio STJ assim já se decidiu:

          "Civil. Correção monetária. Liquidação de sentença. Índice aplicável em débitos da previdência social. Precedentes do STF e do STJ (6ª Turma e 3ª Seção). Embargos colhidos. I) A taxa referencial (TR) não é índice de correção monetária, uma vez que não reflete a variação do custo de vida, achando-se atrelada à captação de depósitos bancários. Precedentes da 6ª Turma, Rec. Esp. 40.069/SP, e da Seção: REsp. 54.584/SP. II) Embargos de divergência acolhidos para que o índice aplicado seja o INPC, e não a TR" (Embs. Infs. no RESP 45.951-4-SP, rel. Min. Adhemar Maciel).

Confortando o acima arrazoado, encontramos ainda os seguintes julgados:

          "PROCESSUAL CIVIL - CÁLCULO DE CORREÇÃO MONETÁRIA - APLICAÇÃO DE ÍNDICE DE CORREÇÃO COM BASE NA TR - POSIÇÃO DO STF E DO STJ. 1 - A TAXA REFERENCIAL NÃO CONSTITUI ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA. REFLETINDO AS VARIAÇÔES DO CUSTO PRIMÁRIO DA CAPTAÇÃO DOS DEPÓSITOS A PRAZO FIXO, NÃO PODE SER UTILIZADA COMO ÍNDICE DE VARIAÇÃO DO PODER AQUISITIVO DA MOEDA. 2 - PRETENSÃO DE DEDUÇÃO DE IMPORTÂNCIA RELATIVA A TAXA DE ADMINISTRAÇÃO SEM PRÉVIA DECISÃO A RESPEITO NA FASE COGNITIVA DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. 3 - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO PARA AFASTAR A TR COMO FATOR DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E DETERMINAR QUE, A PARTIR DA VIGÊNCIA DA LEI NÚMERO 8.177/91, O DÉBITO SEJA CORRIGIDO COM BASE NO INPC. Decisão : CONHECER PARCIALMENTE E PROVER NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. (TJDF: APELAÇÃO CÍVEL no. 34017, NÃO FORNECIDA, rel. DILERMANDO MEIRELES, in DJ, de 08-03-95, página 2.431)

"EMBARGOS A EXECUCAO. EXCESSO. TR. INDICE. INAPLICABILIDADE. CORRECAO MONETARIA. INPC. A TR FOI, EM MAIO DESTE ANO, DE 19,8%, INFERIOR A VARIOS INDICES (INPC, IGP, IGP-M, IVC E IPC), EM SETEMBRO, INFERIOR AO IGP. NAO PODE O JUDICIARIO IMISCUIR-SE NA METODOLOGIA USADA PELO ADMINISTRADOR PARA ENCONTRAR O INDICE DE ATUALIZACAO. O INPC FOI MANTIDO PELA LEI N. 8177, DE 1 DE MARCO DE 1991 (ART-4). OPTO, PORTANTO, PELO INPC, INDICE DE CONHECIDA E CLARA METODOLOGIA DE OBTENCAO. DECISÃO: DADO PROVIMENTO PARCIAL. UNANIME. (Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul RECURSO: APC NÚMERO: 192158475 DATA: 17/12/1992 ORGÃO: SEXTA CAMARA CIVEL RELATOR: RUY ARMANDO GESSINGER ORIGEM: CARAZINHO).

"TR - INAPLICABILIDADE EM RELAÇÃO A HIPÓTESE COMPREENDIDA PELO ARTIGO 6., I DA LEI 8.177/91, UMA VEZ QUE A EFICÁCIA DO DISPOSITIVO FOI SUSPENSA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADIN 959). Decisão : POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DO RECURSO ESPECIAL. (STJ: RECURSO ESPECIAL no. 59325, RIO GRANDE DO SUL, rel. EDUARDO ANDRADE RIBEIRO DE OLIVEIRA, in DJ, de 03-06-1996, página 19248)

Vale, por seguinte, transcrever o seguinte trecho da ementa do julgado do Excelso Pretório, na ADIn n. 959-1 - DF, rel. Min. Sydney Sanches, publicada no DJU de 13.5.94:

          "Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 8.177, de 1°/3/1991 - inciso II e parágrafo único do art. 6o, artigos 16 e 22. Art. 5o, XXXVI da CF (ato jurídico perfeito). Medida Cautelar.

"I - Contratos em geral.

"T.R. (Taxa Referencial).

"B.T.N. (Bônus do Tesouro Nacional).

"T.R.D. (Taxa Referencial Diária).

"B.T.N.F. (B.T.N. Fiscal).

"U.P.C. (Unidade Padrão de Capital).

"II - Contratos de financiamento rural (celebrados com recursos de depósito de poupança rural).

"1. Ao julgador a ADIn. n. 493, o STF concluiu não ser TR 'índice de correção monetária, pois, refletindo as variações de custo primário de captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda '.

"2 - E por isso declarou inconstitucionais vários dispositivos da Lei n. 8.177, de 1°.3.1991, que visaram a substituição de índices de correção monetária, pela TR. Para assim concluir, a Corte considerou violado, por tais dispositivos, o princípio constitucional que protege o ato jurídico perfeito (art. 5o, inciso XXXVI, da CF), porque alteraram 'o critério de reajustes das prestações, nos contratos anteriormente celebrados pelo sistema do Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional' (P.E.S./C.P.).

"3. Em face desse precedente (ADIn 493) e de outro (ADIn 758), é de ser considerada juridicamente relevante a alegação de que o inciso II e o parágrafo único do art. 6o da mesma Lei (n. 8.177), de 1°.3.1991), ofendem o mesmo princípio tutelar do ato jurídico perfeito, ao substituírem pela TR e o TRD, nos contratos anteriormente celebrados, os índices neles previstos (BTN e BTN Fiscal)".

Assim, para o caso dos autos, é inaplicável a TR como fator de correção monetária, devendo adotar-se o INPC como índice protetivo do valor da moeda.

Em casos análogos, assim se decidiu no Superior Tribunal de Justiça:

          "PROCESSUAL CIVIL. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA. TR. IMPRESTABILIDADE.

"A taxa referencial de juros - TR - não é índice de correção monetária e, portanto, como tal não pode ser utilizada.

"Adoção do INPC como fator de correção, vencido neste ponto o relator que aplicava o índice legal.

"Recurso provido" (REsp.. n. 40.845-9/SP, rel. Min. Cesar Rocha, in DJU n. 105, de 6.6.94, pág. 14.240).

Ainda:

"CAMBIAL — NOTA PROMISSÓRIA — (...) — CORREÇÃO MONETÁRIA — APLICAÇÃO DA TR — INADMISSIBILIDADE — ADOÇÃO DO INPC A PARTIR DA VIGÊNCIA DA LEI N. 8.177/91 — PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS — RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO" (Ap. cív. 46.235, Des. Nilton Machado).

POR ESSES MOTIVOS, ENTENDO QUE NÃO PODE SER ACEITA A UTILIZAÇÃO DA TR COMO ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA, DEVENDO, IN CASU, SER APLICADO O INPC.

          f) ANATOCISMO:

A capitalização mensal dos juros

Embora não visualizado a sua existência nos autos, cumpre-me tecer alguns comentários acerca da capitalização dos juros.

Segundo PARIZATTO (ob. cit. p. 129 e ss.),

          "somente se admite a capitalização dos juros havendo norma legal que excepcione a regra proibitória estabelecida no art. 4º do Decreto n. 22.626/33 (Lei de Usura).

Reza a Súmula n. 121 do Supremo Tribunal Federal:

"É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada".

PARIZATTO anota, também (ob. cit. p. 133) que

          "o Código Comercial em seu art. 253 veda que se conte juros sobre juros, exceto na hipótese de acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta-corrente de ano em ano".

E informa (idem):

"Recentemente a 4ª Turma do STJ, no REsp. 124.780-RS, rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO, publicado aos 25-8-97, decidiu que:

"Somente nas hipóteses em que expressamente autorizada por lei específica, a capitalização de juros se mostra admissível. Nos demais casos é vedada, mesmo quando pactuada, não tendo sido revogado pela Lei n. 4.595, de 1964, o art. 4º do Decreto n. 22.626, de 1933. ".

E o STJ, como se infere da seguinte ementa, da pena do eminente Ministro 188514 CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (RESP /RS, DJU de 28 de junho de 1999), do mesmo modo continua a decidir:

"Recurso especial assentado em dissídio jurisprudencial. Contrato de abertura de crédito. Capitalização dos juros. Súmula nº 121/STF.

"1. No tocante à capitalização dos juros, permanece em vigor a vedação contida na Lei de Usura, exceto nos casos excepcionados em lei, o que não ocorre com o mútuo bancário comum, tratado nos presentes autos.

"2. Recurso especial não conhecido.".

O egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina não discrepa, como se vê deste excerto de voto da lavra do ilustre Desembargador ELÁDIO TORRET ROCHA (Apelação Cível nº 97.001004-4, julgada em 23 de Junho de 1999):

          "A possibilidade da capitalização de juros estende-se somente às hipóteses em que há previsão legal para tanto, como nas cédulas de crédito rural (Dec.-lei n. 167/67, art. 5º), de crédito industrial (Dec.-lei n. 413/69, art. 5º) e de crédito comercial (Lei n. 6.480/80, art. 5º)."

E em tais hipóteses não se enquadra a dos presentes autos.

DO EXPOSTO CONCLUI-SE PELA NULIDADE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS QUE ESTABELEÇAM A CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS

          g) COBRANÇA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA E DA CORREÇÃO MONETÁRIA CUMULADA COM COMISSÃO DE PERMANÊNCIA:

Apesar de não ter ficado visualizado a sua incidência nos autos, mesmo assim, analiso tal ponto em questão, já que, estando o devedor em mora, incide sempre, também, a chamada comissão de permanência, e a taxas bem mais elevadas que os juros contratuais.

Veja-se, por exemplo, que em quase a totalidade dos contratos, e em outros documentos de pagamento, ela aparece prevista assim: "atraso: (...)% ao dia" ou "atraso: juros iguais aos do contrato" ou pior "atraso: comissão de permanência às taxas praticadas pelo mercado na data do efetivo pagamento", etc.

Tudo ilegal.

Ora, se o colendo Superior Tribunal de Justiça, mediante a Súmula 30, fixou que "a comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis", iniludivelmente é porque aquele distinto colegiado entendeu, que elas têm a mesma natureza, vale dizer, se eqüivalem e, portanto, devem obedecer aos mesmos índices.

Em outras palavras: extrai-se da Súmula 30 do STJ que a comissão de permanência não se constitui em juros remuneratórios ou compensatórios, mas sim em instrumento de atualização monetária do saldo devedor.

Vale dizer: têm a mesma natureza.

Não é de se estranhar, destarte, que tenha decidido o STJ que a comissão de permanência não deve ultrapassar os limites da correção monetária, como se observa:

"(...) II - Nas operações financeiras, a comissão de permanência, quando pactuada, pode ser exigida até o efetivo pagamento da dívida, não podendo, entretanto, ser cumulada com a correção monetária, nem ultrapassar os limites desta.

"III - É lícito ao credor pretender a cobrança da comissão de permanência até o ajuizamento da execução e a incidência da correção monetária a partir dessa data, até o limite da correção." (RECURSO ESPECIAL N.º 80.663 - RS, RELATOR: MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, j. em 12 de agosto de 1996)

O egrégio TJSC enfileira-se:

"Não se admite a aplicação das taxas flutuantes de mercado, face a carga de potestividade contida no pacto contratual pois não há segurança quanto ao efetivo percentual utilizado, sujeitando-se os devedores ao arbítrio do banco-apelado, com desrespeito à regra do art. 115 do Código Civil.

"Assim, a cláusula que prevê que em caso de inadimplência os encargos pactuados podem ser substituídos pela comissão de permanência não tem vigência utilizando-se o INPC como índice de correção monetária já consagrado pela jurisprudência do Tribunal e recomendado pelo Provimento da colenda Corregedoria Geral da Justiça n. 13 de 24.11.95" (Apelação cível 97.003174-2 Nelson Schaefer Martins 25 de junho de 1998)

Não resta dúvida: a cobrança da comissão de permanência deve ser efetuada tendo por base os índices da correção monetária, e não mais que isso.

Esta solução é a que vem sendo adotada pelo STJ, como se apanha de recentíssimo julgado daquela Corte Superior (REsp. 94411/PE, DJ 30/11/1998. p. 00164), da lavra do destacado Ministro CESAR ASFOR ROCHA

"DIREITO ECONÔMICO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA E CORREÇÃO MONETÁRIA. A correção monetária é que é a forma legal de se atualizar o débito por índices oficiais, não a comissão de permanência, pois esta importa na estipulação de taxas que fica ao exclusivo alvedrio do credor."

E o egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina definiu o INPC:

          "(...) como índice de correção monetária já consagrado pela jurisprudência do tribunal e recomendado pelo Provimento da Colenda Corregedoria Geral da Justiça n. 13 de 24.11.95." (Apelação cível 97.003174-2, relator Des. NELSON SCHAEFER MARTINS, julg. 25 de junho de 1998)

Mais recentemente decidiu o mesmo Tribunal:

"A previsão pura e simples acerca da aplicabilidade de comissão de permanência, desvinculada de qualquer parâmetro correcional, constitui, por ficar ao exclusivo alvedrio do banco mutuante, cláusula potestativa não passível, pois, de exigibilidade." (Apelação cível 97.001360-4, relator Des. ELÁDIO TORRET ROCHA, julg. 2 de junho de 1999)

E ainda:

"A comissão de permanência implica na imposição de taxas flutuantes de mercado, sujeitas ao arbítrio do credor o que descumpre as regras dos arts. 115 do Código e 6º, inc. V e 51, inc. IV do Código de Defesa do Consumidor." (Apelação cível 96.012685-6, relator Des. NELSON SCHAEFER MARTINS, julg. 19 de maio de 1999)

Eis outro julgado, este definitivo:

"’A comissão de permanência foi concebida como meio de evitar lesão econômica às instituições financeiras, minorando os efeitos da inflação. Após o advento da Lei n. 6.899/81, a superposição daquela com a correção monetária não mais se justifica, pois ambas têm a mesma finalidade" (Ap. Cív. n. 29.008, de Itajaí, rel. Des. Wilson Guarany)

"’Por terem a mesma finalidade, são inacumuláveis correção monetária e comissão de permanência’ (Ap. Cív. n. 42.193, de São Miguel do Oeste, rel. Des. Wilson Guarany)

"A razão dessa inacumulatividade é simples: tanto a correção monetária, como a comissão de permanência revestem-se de uma mesma função - a de atualizar o valor do débito" (Apelação Cível n. 98.007870-9, de São Carlos, julgada em 13 de outubro de 1998, relator Des. TRINDADE DOS SANTOS)

          EM RESUMO: É ILEGAL A COBRANÇA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA QUE EXCEDA A CORREÇÃO INDICADA PELO INPC, HAJA VISTA QUE ELA NÃO SE CONSTITUI EM JUROS REMUNERATÓRIOS OU COMPENSATÓRIOS, MAS SIM EM INSTRUMENTO DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DO SALDO DEVEDOR, CABENDO A ANULAÇÃO DOS DISPOSITIVOS CONTRATUAIS QUE ESTABELEÇAM DE OUTRO MODO.

          h) COBRANÇA DA MULTA CONTRATUAL DE 10%:

A cobrança da multa contratual de 10% não ficou também claramente visualizada nos autos, entretanto, mesmo assim, é de se tecer alguns comentários acerca do assunto, já que prevista no contrato firmado entre as partes.

Como é cediço, tornou-se unânime o entendimento de que o Código do Consumidor aplica-se às instituições financeiras. Portanto, a multa contratual moratória não pode ser superior a 2% do saldo devedor corretamente calculado.

Confortando a matéria, temos os julgados a seguir:

          "CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. BANCOS. CLAUSULA PENAL. LIMITAÇÃO EM 10%. 1. OS BANCOS, COMO PRESTADORES DE SERVIÇOS ESPECIALMENTE CONTEMPLADOS NO ARTIGO 3., PARAGRAFO SEGUNDO, ESTÃO SUBMETIDOS AS DISPOSIÇÕES DO CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. A CIRCUNSTANCIA DE O USUARIO DISPOR DO BEM RECEBIDO ATRAVES DA OPERAÇÃO BANCARIA, TRANSFERINDO-O A TERCEIROS, EM PAGAMENTO DE OUTROS BENS OU SERVIÇOS, NÃO O DESCARACTERIZA COMO CONSUMIDOR FINAL DOS SERVIÇOS PRESTADOS PELO BANCO.

          2. A LIMITAÇÃO DA CLAUSULA PENAL EM 10% JA ERA DO NOSSO SISTEMA (DEC. 22.926/33), E TEM SIDO USADA PELA JURISPRUDENCIA QUANDO DA APLICAÇÃO DA REGRA DO ARTIGO 924 DO CC, O QUE MOSTRA O ACERTO DA REGRA DO ARTIGO 52, PARAGRAFO 1., DO CODECON, QUE SE APLICA AOS CASOS DE MORA, NOS CONTRATOS BANCARIOS. RECURSO NÃO CONHECIDO. (Superior Tribunal de Justiça - RE L A T O R - MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR - ACÓRDÃO RIP:00038615 DECISÃO:25-04-1995 - PROC: RESP NUM:0057974 ANO:94 UF: RS TURMA:04 - P U B L I C A Ç Ã O - DJ DATA:29/05/1995 PG:15524).

          "MULTA CONTRATUAL. LIMITE DE 2%. LEI 9298/96. A Lei 9298/96, que alterou a redação do parag. 1., do art. 52, da Lei 8078/90 - Código de Defesa do Consumidor, tem aplicação imediata, tendo em vista o caráter de ordem publica. Não ofende direito adquirido a aplicação imediata e de oficio pelo Juiz das disposições que limitam a multa a 2%. (Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro - AGRAVO 677/97 - Reg. 433 - Cod. 97.016.00677 OITAVA CAMARA – Unanime - Juiz: PAULO CESAR SALOMAO - Julg: 16/04/97).

          "CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICACAO DO CDC AOS CONTRATOS BANCARIOS. CONTRATO DE ABERTURA DE CREDITO. NULIDADE DA SENTENCA INOCORRENTE. Emissão de cambiais pelo Banco credor, por forca de clausula contratual expressa. Clausula contratual que dispõe sobre alteração unilateral do preço. Nulidade de tais clausulas, por afronta ao disposto no art-51, VIII e X, do CDC. Sumula 60 do STJ. Sentença mantida. APELO IMPROVIDO. DECISÃO: Negado provimento. Unanime. (Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul - RECURSO: APC - NÚMERO: 196099337 - DATA: 22/08/1996 - ORGÃO: Quarta Câmara Cível - RELATOR: Henrique Osvaldo Poeta Roenick - ORIGEM: Cruz Alta).

Eis ainda um significativo julgado do egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

          "A jurisprudência mais recente, inclusive do STJ, vem consagrando o entendimento de que mesmo os bancos devem pautar-se pelas diretrizes do Código de Defesa do Consumidor. O produto, nesse caso, é o dinheiro ou o crédito, bem juridicamente consumível, sendo o banco fornecedor; e consumidor o mutuário ou creditado. Cuidando-se de matéria de ordem pública, a multa moratória é de ser minorada, ex officio, de 10 para 2% do saldo devedor, de sorte a amoldar-se ao §1° do art. 52 do Estatuto do Consumidor. (Apelação cível n. 98.005176-2, rel. Des. PEDRO MANOEL ABREU).

E outro:

          "Com razão os embargantes quando pretendem adequação da cláusula contratual relativa à multa ao ditame do Código de Defesa do Consumidor, mais precisamente à alteração introduzida pela lei n. 9.298/96 ao seu artigo 52.

          "É que a jurisprudência desta Corte tem entendido, com fulcro no disposto no parágrafo 2º do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, que as regras que lhe são derivadas aplicam-se, como sucede na hipótese enfocada, aos contratos bancários em geral." (Ap. Cív. 97.000249-1, julg. 23 de junho de 1999, rel. Des. ELÁDIO TORRET ROCHA).

A lição de PARIZATTO (ob. cit. pp. 24-7) é definitiva:

"Atualmente os contratos de mútuo, deverão adequar-se à taxa de dois por cento (2%) para os casos de inadimplemento, observando-se assim as regras da Lei n. 9.298, de 1º de agosto de 1996, inteiramente aplicáveis à espécie."

E com muita propriedade justifica:

          "A redução das multas moratórias de dez por cento (10%) para dois por cento (2%), é medida tendente a adequar tal penalidade pelo atraso no pagamento de uma obrigação, à baixa inflação reinante no país. (...) Ainda que haja estipulação em sentido contrário, feita anteriormente ou posteriormente à edição da Lei n. 9.298, de 1º de agosto de 1996, a multa moratória não poderá ser exigida acima de dois por cento (2%). (...) A nosso ver, tal teto deverá ser observado nos contratos bancários, nas prestações de lojas, consórcios, financiamentos, leasing, pagamento de duplicatas (...) enfim em todas as relações de consumo e de prestação de serviços, sem qualquer exceção, sob pena de não se observar a regra de que a lei deve ser igual para todos e em todos os casos, sem distinção, seja qual for o motivo".

Por conta disso, cuidando-se de matéria de ordem pública, a multa moratória é de ser minorada, ex officio, de 10 para 2% do saldo devedor, de sorte a amoldar-se ao §1° do art. 52 do Estatuto do Consumidor, conforme Apelação Cível n. 97.007388-7, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, já que o artigo supra tem aplicação imediata e por outro lado não ofende direito adquirido a aplicação imediata e de oficio pelo Juiz das disposições que limitam a multa a 2%.

Longe de se falar da não aplicação do Código de Defesa do Consumidor para o caso em tela, por se tratar de um contrato bancário, conforme explicado anteriormente.

          DEVEM ENTÃO SER DECLARADAS NULAS TODAS AS DISPOSIÇÕES CONTRATUAIS QUE ESTABELEÇAM MULTA MORATÓRIA SUPERIOR A 2% DO SALDO DEVEDOR.


DISPOSITIVO:

os pedidos formulados na AÇÃO ORDINÁRIA PARA REVISÃO CONTRATUAL, APRESENTAÇÃO DE CÁLCULOS, DESCARACTERIZAÇÃO PARCIAL DE ENCARGOS FINANCEIROS E COM RETIFICAÇÃO DO VALOR DO DÉBITO ajuizada por REBESQUINI S/A. TRANSPORTES contra SOGERAL – LEASING S/A. ARRENDAMENTO MERCANTIL S/A. Em conseqüência:

a) Determino a revisão total do contrato de n. B-198/94-7, fls. 56 e seguintes, para:

          a.1) descaracterizar o contrato mencionado como contrato de arrendamento mercantil, restando evidente que discutiu-se um contrato de compra e venda a prestação;

          a.2) excluir de todo o contrato, ou seja, tanto das prestações já pagas quanto das que por ventura ainda restam a ser pagas: 1) os juros cobrados acima de 12% ao ano; 2) a TR – Taxa Referencial – bem como a variação cambial, como índices de correção monetária, devendo ser aplicado, no lugar, o INPC – Índice Nacional de Preço ao Consumidor; 3) a capitalização mensal dos juros – anatocismo – se por ventura aplicada no contrato; 4) a cobrança de comissão de permanência e da cumulação desta com a correção monetária, se por ventura existente no pacto; e 5) a cobrança de qualquer multa que exceda a 2% (dois por cento), de sorte a amoldar-se ao §1° do art. 52 do Estatuto do Consumidor, conforme Apelação Cível n. 97.007388-7, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. A existência de todos os dispositivos, acima mencionados, nos contratos, são nulos, e, consequentemente, indevidos;

          a.3) permanecer o mesmo número de prestações avençadas no contrato firmado entre as partes, devendo ser consideradas como pagamento parcial o valor das prestações já pagas;

a.4) determinar que a instituição financeira requerida se abstenha de promover procedimentos executórios de qualquer possível débito oriundo do contrato em discussão;

b) Condeno SOGERAL – LEASING S/A. ARRENDAMENTO MERCANTIL S/A. no pagamento total das custas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em 20% sobre o valor dado à causa, devidamente corrigido na forma da lei, já que a parte adversa não decaiu do seu pedido mínimo;

c) O novo cálculo contábil sobre o contrato discutido na espécie, a fim de se apurar o quantum debeatur, nos moldes da decisão acima proferida, deverá ser obtido em liqüidação de sentença.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Itajaí, 09 de novembro de 1999

PAULO AFONSO SANDRI
Juiz Substituto

  • RT 667/232.
  • Autor citado .
  • RT editora, 1982, 2ª edição, p. 89/90)
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    Sobre o autor
    Paulo Afonso Sandri

    Juiz de Direito em Santa Catarina

    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    SANDRI, Paulo Afonso. Sentença em ação revisional de leasing, para recálculo dos encargos financeiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16313. Acesso em: 17 abr. 2024.

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