PODER JUDICIÁRIO
VIGÉSIMA NONA VARA CÍVEL
Proc. nº 97.001.060187-6
S E N T E N Ç A
VISTOS ETC...
BARROS E GUEDES ADVOGADOS E CONSULTORES S/C propõe em face do BANCO ITAÚ S/A a presente ação, de rito ordinário, objetivando a revisão do valor de sua dívida para com o réu, contraída através da utilização de crédito em conta-corrente (cheque especial), para que sejam subtraídos os lançamentos decorrentes da prática ilegal de anatocismo e da cobrança de juros reais acima de 12% a.a., repetindo o indébito em dobro. Pede ainda a exibição do contrato firmado e a discriminação dos lançamentos gráficos feitos na referida conta-corrente. Pede, também, como antecipação parcial da tutela, a suspensão de qualquer penalidade contra si, entre estas: a inclusão de seu nome no SPC e SERASA.
Como causa de pedir, diz a autora que firmou com o réu contrato de abertura de crédito em conta-corrente e, quando do crédito aberto se utilizou, viu debitado na mesma conta juros acima da taxa de 12% ao ano capitalizados e multas cumulativas. Entende a autora que é proibida a cobrança de juros a taxa acima de 12% a.a., bem assim a capitalização de juros.
Inicial instruída com os documentos de fls. 14/27, estando as custas recolhidas conforme guias de fls. 18/19.
Pedido de antecipação da tutela indeferido: a uma porque o provimento perseguido é distinto da tutela cuja antecipação requereu; a duas porque a matéria de direito é controvertida e a três porque sequer indicou o número de sua conta-corrente (fls.29).
Citado, o réu ofereceu resposta argüindo, de início, a prevenção do Juízo da 4ª Vara Cível de Niterói, por lá correr ação de execução, distribuída anteriormente, através da qual cobra da autora a dívida contraída em razão do contrato que ora se discute; e a carência da ação pela impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que a regra contida no parg. 3º do art. 192 da CF/88 não é auto-aplicável; e, no mérito, a improcedência da reivindicação da autora, ao argumento de que o propósito da presente propositura é o de adiar temporariamente o cumprimento por parte desta de suas obrigações contratuais, até porque sabe que a Lei não admite a revisão de contratos que se aperfeiçoaram de conformidade com a Lei vigente a seu tempo; e que não se aplica o código de defesa do consumidor nem a Lei de usura aos contratos bancários, sendo de toda descabida a pretensão de repetição do indébito, porque correta a cobrança. Dá ênfase à circunstância de a autora ter tido conhecimento das cláusulas contratuais e com elas concordado, entre as quais: a de juros.
Com a contestação vieram os documentos de fls. 70/75 e, posteriormente, os extratos da conta-corrente da autora (fls.78/92).
Réplica às fls. 95/99, onde afirma a prevenção deste Juízo da 29ª VC da Comarca da Capital para conhecer ambas as ações, a possibilidade jurídica do pedido e a procedência deste, pondo em destaque a Súmula STF 121 sobre a capitalização de juros.
O contrato de abertura de crédito, por cópia, constitui a peça de fls. 104.
Designada audiência de conciliação, esta se realizou consoante termo de fls. 112.
Alegações finais às fls. 118/121 e 134/136.
É O RELATÓRIO. DECIDO.
Rejeito desde logo o pedido de reunião de processos formulado pelo réu em sua defesa, e isso porque o ajuizamento de ação buscando discutir cláusulas de contrato com eficácia de título executivo não impede que a respectiva ação de execução seja proposta e tenha curso regular em outro Juízo. Aliás, nesse sentido conclui a decisão proferida pela 4ª Turma do E. STJ no RESP 10694/91-SP, publicada no DJU de 01/02/93, pág.464, sendo relator o Ministro BARROS MONTEIRO:
EXECUÇÃO POR TITULO EXTRAJUDICIAL. ALEGADA CONEXÃO COM AÇÃO ORDINARIA PROPOSTA COM A FINALIDADE DE DESCONSTITUIR OS TITULOS OBJETO DA EXECUÇÃO. INOCORRENCIA. LIMITANDO-SE OS DEVEDORES A ARGUIÇÃO DA INCOMPETENCIA DE JUIZO, SEM OFERECIMENTO DOS COMPETENTES EMBARGOS A EXECUÇÃO, NÃO HA COGITAR DE POSSIVEIS DECISÕES CONFLITANTES, QUE JUSTIFICARIAM A REUNIÃO DOS PROCESSOS. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
Além do que do processo de conhecimento, nos embargos à execução, poderá o executado-embargante se valer para demonstrar a inexigibilidade do título, sem que isso importe em possibilidade de sentenças conflitantes.
Quanto à preliminar de carência da ação, levantada pelo réu, tal como colocada, está ela intimamente ligada ao mérito e com este será examinada a seguir.
Pelo contrato de abertura de crédito em conta-corrente (0284-44734), cuja cópia se encontra às fls. 104, obrigou-se a autora, no caso de utilização do crédito que lhe fora aberto, no limite de R$ 5000,00, a pagar ao creditador a quantia utilizada acrescida de juros a taxa de 11% ao mês, além dos tributos incidentes sobre a operação bancária, até o dia 06 do mês seguinte ao vencido, e, no caso de atraso no pagamento, juros de mora de 12% a.a., comissão de permanência ou correção monetária pela variação do IPC-r no período, multa de 10%, além das despesas de cobrança, custas e honorários advocatícios.
A autora se insurge contra os juros contratados, por entender abusivos, e contra a capitalização dos mesmos juros, que o réu não nega haver praticado, dispensando a prova de sua ocorrência.
Se tem razão em um deles. Refiro-me à capitalização dos juros, porque proibida. Não no tem no outro.
A capitalização de juros continua proibida pelo Decreto 22.262/33, em seu art. 4º, que não foi revogado pela Lei 4.595/64, ficando excluídos apenas os casos especiais, como o do crédito rural, industrial ou comercial, excepcionados por regras legais derrogadoras da mencionada norma.
A capitalização é vedada mesmo quando prevista expressamente em contrato.
O Egrégio Supremo Tribunal Federal chegou a firmar o entendimento na Súmula 121:
É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionados.
Cabe registrar todavia que esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta-corrente de ano a ano, conforme os julgados que informam a mencionada Súmula.
Outra não tem sido a orientação do Superior Tribunal de Justiça, de que são exemplos as decisões:
DIREITO PRIVADO. JUROS. ANATOCISMO. A CONTAGEM DE JUROS SOBRE JUROS E PROIBIDA NO DIREITO BRASILEIRO, SALVO EXCEÇÃO DOS SALDOS LIQUIDOS EM CONTA-CORRENTE DE ANO A ANO. INAPLICABILIDADE DA LEI DA REFORMA BANCARIA (N. 4.595, DE 31.12.64). ATUALIZAÇÃO DA SUMULA N. 121 DO STF. RECURSO PROVIDO (RESP 2293/90-AL, 3ªT, Rel. Min. CLÁUDIO SANTOS, publ. DJU 07/05/90, p. 3830).
JUROS. LIMITAÇÃO. MUTUO BANCARIO. CAPITALIZAÇÃO (CONTRATOS EM QUE E PERMITIDA). - AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NÃO ESTÃO SUBMETIDAS, EM SUAS OPERAÇÕES, AO LIMITE DA TAXA DE JUROS ESTABELECIDO NO DEC. LEI 22.626/33. LEI 4.595/64. - A CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS SOMENTE E PERMITIDA NOS CASOS PREVISTOS EM LEI, ENTRE ELES AS CEDULAS E NOTAS DE CREDITOS RURAIS, INDUSTRIAIS, COMERCIAIS, MAS NÃO PARA O CONTRATO DE MUTUO BANCARIO. PRECEDENTES INADMITINDO A CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS NO FINANCIAMENTO PARA CAPITAL DE GIRO, NO SALDO EM CONTA CORRENTE, NO CONTRATO DE ABERTURA DE CREDITO E NO CHEQUE OURO. HONORARIOS DISTRIBUIDOS DE ACORDO COM A LEI. RECURSO CONHECIDO EM PARTE, QUANTO A LIMITAÇÃO DOS JUROS, E NESSA PARTE PROVIDO (RESP 90924-RS, 4ªT, Rel. Min. RUY ROSADO, publ. DJU 26/08/96, p. 29696).
JUROS. TAXA E CAPITALIZAÇÃO MENSAL. CONTRATO DE ABERTURA DE CREDITO EM CONTA-CORRENTE.
1. CUIDANDO-SE DE OPERAÇÕES REALIZADAS POR INSTITUIÇÃO INTEGRANTE DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, NÃO SE APLICAM AS DISPOSIÇÕES DO DEC. N. 22626/33 QUANTO A TAXA DE JUROS. SUMULA 596-STF.
2. A CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS E VEDADA PELO ART. 4. DO DEC. N. 22626, DE 1933, E DESSA PROIBIÇÃO NÃO SE ACHAM EXCLUIDAS AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO, EM PARTE (RESP 32632-RS, 4ªT, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, publ. DJU 17/05/93, p. 9341).
No que concerne à taxa de juros contratada, não favorece à autora o apego à regra contida no parg. 3º do art. 192 da Constituição da República, pois o Supremo Tribunal Federal já se posicionou, por várias vezes, que o citado dispositivo constitucional não tem aplicação imediata, como os julgados que se seguem:
JUROS - LIMITE EM 12% A.A. - NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA LIMITADA. A regra inscrita no art. 192, par. 3º, da Carta Política - norma constitucional de eficácia limitada - constitui preceito de integração que reclama, em caráter necessário, para efeito de sua plena incidência, a mediação legislativa concretizadora do comando nela positivado. O Congresso Nacional desempenha, nesse contexto, a relevantíssima função de sujeito concretizante da vontade formalmente proclamada no texto da Constituição. Sem que ocorra a interpositio legislatoris, a norma constitucional de eficácia limitada não produzirá, em plenitude, as conseqüências jurídicas que lhe são pertinentes. Ausente o ato legislativo reclamado pela Constituição, torna-se inviável pretender, desde logo, a observância do limite estabelecido no artigo 192, par. 3º, da Carta Federal. (RE 163.069-8-RS, 1ª Turma, Rel. Min. CELSO DE MELLO, publ. DJU 03.12.93). DIREITO CONSTITUCIONAL, COMERCIAL E CIVIL. "LEASING" (ARRENDAMENTO MERCANTIL). JUROS: LIMITE. ART. 192, § 3 , DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: INAPLICABILIDADE AO CASO, POR NÃO SE TRATAR DE CONCESSÃO DE CRÉDITO. JUROS CONTRATUAIS: QUESTÃO PRECLUSA. PECULIARIDADES DO CASO.
1. É injustificada, na interposição do R.E., a invocação do art. 102, III, "c", da C.F., pois o acórdão recorrido não julgou válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição.
2. Mesmo em se tratando de contrato de arrendamento mercantil ("leasing") e não de "concessão de crédito", o acórdão recorrido mandou aplicar à espécie da norma do § 3º do art. 192 da Constituição Federal, que limita a 12% a taxa de juros, mas se refere apenas aos contratos de "concessão de crédito", como ali está expresso.
3. Nesse ponto, o julgado estaria em conflito com acórdãos de ambas as Turmas do S.T.F., que consideraram não se confundir o contrato de arrendamento mercantil ("leasing") com "concessão de crédito".
4. Teria, ademais, contrariado o entendimento do Plenário da Corte, consagrado no julgamento da ADI nº 4, quando concluiu que tal norma constitucional, ao limitar a taxa de juros reais em 12% ao ano, não é auto-aplicável, porque depende da Lei Complementar prevista no "caput" do mesmo artigo (RTJ 147/720), orientação, aliás, que, posteriormente, vem sendo seguida por ambas as Turmas (RE 172.823-MG, 1ªT, dec. unânime, Rel. Min. SIDNEY SANCHES, publ. DJU 19/09/97, p.45546).
Portanto, não vejo qualquer ilegalidade na estipulação de juros a taxa superior ao limite estabelecido no art. 192, parg. 3º, da Constituição Federal. Vale o princípio da autonomia da vontade particularizada na liberdade de contratar. Ao contratar, sabia a autora, embora por conveniência no momento inadmita, do custo do dinheiro que eventualmente utilizasse, ainda mais em se tratando de um escritório de advocacia, familiarizado com as questões de direito econômico.
A definição do valor da dívida, como quer a autora, com a exclusão da cobrança de juros capitalizados, depende contudo de prova pericial que, por não produzida, ficará para a liquidação de sentença.
DAÍ PORQUE JULGO PROCEDENTE, EM PARTE, A PRETENSÃO AUTORAL PARA DETERMINAR APENAS SEJA EXCLUÍDO DO CRÉDITO RECLAMADO PELA RÉ A COBRANÇA DE JUROS CAPITALIZADOS, E ISSO NOS PRECISOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO, CUJO VALOR DEFINITIVO DO MESMO CRÉDITO DEVERÁ SER APURADO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA POR ARBITRAMENTO. CUSTAS E HONORÁRIOS NA FORMA DO ART. 21 DO CPC.
P.R.I.
RIO DE JANEIRO, 09 DE JULHO DE 1998
Juiz de Direito