VOTO
I - PRELIMINARMENTE.
Não mais se questiona a competência do Tribunal de Justiça deste Estado para processar e julgar, originariamente, os vereadores dos municípios piauienses, nos crimes comuns e de responsabilidade que lhes são imputados. De fato, é consenso, hoje, nesta Corte, que a Constituição Mafrense, à luz do permissivo constante do art. 125, § 1º, da Constituição Federal, podia, sem incorrer em qualquer vício de inconstitucionalidade, estabelecer essa competência, como realmente o fez através do seu art. 123, inc. III, alínea "d", item 4.
Por sinal, o Supremo Tribunal Federal já dissipou dúvidas que, eventualmente, pudessem existir sobre o assunto. Foi quando decidiu o Habeas Corpus nº 74125-8/Piauí, cuja ementa é a seguinte, verbis:
HABEAS CORPUS. VEREADOR. JULGAMENTO. OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA: TRIBUNAL DE JUSTIÇA. IMUNIDADE PARLAMENTAR. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE ENTRE O EXERCÍCIO DO MANDATO NA CIRCUNSCRIÇÃO DO RESPECTIVO MUNICÍPIO E AS OPINIÕES E PALAVRAS DO VEREADOR. PRECEDENTES DO STF. ORDEM CONCEDIDA.
I - A Constituição do Estado do Piauí - à vista do que lhe concede a Carta da República (art. 125-§1º) - é expressa no dizer que compete ao tribunal de justiça processar e julgar, originalmente, nos crimes comuns e de responsabilidade, os vereadores (art. 123-III-d - 4). Julgamento em primeira instância ofende a garantia do juiz competente (art. 5º-LIII). A decisão em grau de recurso não redime o vício.
II - A prerrogativa constitucional da imunidade parlamentar em sentido material protege o congressista em todas as manifestações que tenham relação com o exercício do mandato, ainda que produzidas fora do recinto da casa legislativa. Precedentes do STF. Presente o necessário nexo entre o exercício do mandato e a manifestação do vereador, há de preponderar a inviolabilidade constitucionalmente assegurada (art. 29 - VIII - da CF/88).
Habeas Corpus concedido para trancar a ação penal a que responde a paciente.
(Rel. Min. Francisco Rezek - Paciente: Francisca das Chagas Trindade - Coator: Tribunal de Justiça do Estado do Piauí).
Bem se houve o d. representante do órgão denunciante, portanto, ao demonstrar a indiscutibilidade da competência deste Tribunal para processar e julgar, originariamente, o edil denunciado. Porém, no tocante aos outros acusados, que não gozam da prerrogativa de função ou do privilégio de foro, entendo, data vênia, que eles devem ser processados e julgados perante o juízo natural competente para o crime que lhes é atribuído em concurso: o Tribunal Popular do Júri desta Comarca.
Não prevalece aqui, dessarte, contrario sensu do entendimento do órgão denunciante, o princípio da unidade do processo - ou, que se queira, da indivisibilidade da ação penal. Com efeito, segundo escólio de Júlio Fabbrini Mirabete (apud, "Código de Processo Penal Interpretado", 5ª ed., Ed. Atlas - pág. 152), ainda que a hipótese seja de conexão ou continência com agente detentor de foro privilegiado ratione personae, como no caso sub judice, não se pode afastar do Tribunal do Júri o co-autor do crime doloso contra a vida que não detenha o mesmo privilégio. Eis, na íntegra, o referido escólio:
"No inciso I, prevê-se que no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum prevalece a competência do júri. Isto porque por dispositivo constitucional os crimes dolosos contra a vida só podem ser julgados por esse tribunal, que deve prevalecer sobre os demais juízos. Mesmo na hipótese de conexão ou continência intersubjetiva com pessoa que detém foro por prerrogativa de função, não será o réu afastado de seu juiz natural, o Tribunal do Júri. (...).
Cuida ainda o conceituado processualista penal, na mesma página da referida obra, sob a rubrica "Tribunal do Júri e prerrogativa de função", de transcrever o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a questão, fato que, penso, a elucida definitivamente:
Tribunal do Júri e prerrogativa de função - STF: "Envolvidos em crime doloso contra a vida conselheiro de Tribunal de contas do município e cidadão comum, biparte-se a competência, processando e julgando o primeiro o Tribunal de Justiça e o segundo o Tribunal do Júri. Conflito aparente entre as normas dos arts. 5º, XXXVIII, alínea "d", 105, inc. I, alínea "a" da Lei Básica Federal e 76, 77 e 78 do Código de Processo Penal. A avocação do processo relativo ao co-réu despojado da prerrogativa de foro, elidindo o crivo do juiz natural que lhe é assegurado, implica constrangimento ilegal corrigível pela via do habeas corpus" (HC 69.325-3-GO-DJU de 04-12-92, p. 23.058). STF: "Habeas corpus. Co-réu, militar da Polícia Militar, denunciado, por infringir o art. 121, § 2º, incs. I, II e IV, do Código Penal, juntamente com ex-Secretário de Segurança Pública do Estado, e outros. Desmembramento do processo, que atende à orientação do STF definida pelo Plenário, no julgamento do HC 69.325-GO. O envolvimento de co-réus em crime doloso contra a vida, havendo em relação a um deles foro especial por prerrogativa de função, previsto constitucionalmente, não afasta os demais do juiz natural, ut. art. 5º, XXXVIII, alínea d, da Constituição. Hipótese em que o paciente servia no Gabinete Militar do Governo do Estado e a arma não pertencia à Polícia Militar, mas, sim, a órgão da Governadoria estadual. Não cabe falar em incompetência da Justiça Militar do Estado"
(HC 73.015-9-DJU de 18-10-96, p. 39.845).
Tão firme, iterativo e remansoso é esse posicionamento, que aquela Excelsa Corte voltou a adotá-lo, mais uma vez, por ocasião do HC nº 1.999-MG, publicado no DJ de 20.09.93, pág. 19.184, assim ementado:
"PENAL. PROCESSUAL. COMPETÊNCIA. ACUSADO JUNTAMENTE COM PREFEITO DE CRIME DOLOSO CONTRA VIDA. SOBERANIA DO TRIBUNAL DO JÚRI.
1. Em caso de co-autoria em crime doloso contra a vida, o foro privilegiado por prerrogativa de função, a que tem direito um dos acusados, não atrai competência para o julgamento dos outros envolvidos.
2. Na hipótese dos autos, mantém-se a competência do Tribunal de Justiça para processar e julgar o acusado que era prefeito municipal na época do crime (CF, art. 29, VIII). Os demais acusados são processados na comarca do lugar onde ocorreu o crime e julgados pelo Tribunal do Júri.
3. Habeas Corpus originário conhecido; parcial deferimento."
IPSO FACTO, requeiro, preliminarmente, a bipartição da competência para este processo, a fim de que o primeiro dos denunciados, o vereador DJALMA DA COSTA E SILVA FILHO, seja processado e julgado por esta e. Corte; e, os demais, pelo Tribunal Popular do Júri desta Comarca, sob pena de se elidir o crivo do juiz natural ao qual estão sujeitos constitucionalmente, mantendo-se, por outro lado, a prisão preventiva tanto daquele quanto destes, de uma vez que continuam a subsistir - em relação a todos - os motivos que autorizaram as suas respectivas custódias.
II - NO MÉRITO
Detida análise das razões expendidas pelo órgão denunciante, bem como das provas coligidas para os autos, leva-me à inabalável convicção de que a DENÚNCIA em apreço deve ser recebida. Realmente e como exigido pelo art. 41, do Cód. de Proc. Penal, não lhe falta um só requisito que autorize o contrário, como logo restará demonstrado.
É induvidoso que o jornalista Donizetti Adalto dos Santos foi vítima de homicídio qualificado, crime hediondo capitulado no art. 121, § 2º, incs, I, II e IV, do Código Penal, bem como no art. 1° , inc. I, da Lei nº 8.072/90. Dúvida também não há, consoante informam as provas, que no local e à hora da perpetração do delito ali estavam todos os denunciados, à exceção, talvez, de FABRÍCIO DE JESUS COSTA LIMA - que, a despeito disso, tinha, provavelmente, conhecimento de que algo fora planejado contra a vítima.
Os demais - há indícios veementes - ou participaram diretamente da execução da vítima, casos de SÉRGIO RICARDO DO NASCIMENTO SILVA, de JOÃO EVANGELISTA DE MENEZES e de RICARDO LUIZ ALVES DE SOUSA; ou a tudo assistiram, passivamente ou não, casos de FRANCISCO BRITO DE SOUSA FILHO e de DJALMA DA COSTA E SILVA FILHO. Pode-se deduzir isso do que eles mesmos afirmaram à Polícia.
A não bastar, coincidem com os seus depoimentos - além do que disse o indigitado FABRÍCIO DE JESUS COSTA LIMA - as declarações prestadas pelas testemunhas ouvidas pela autoridade policial e agora arroladas pelo órgão denunciante.
São provas apenas indiciárias, é verdade, entretanto, menos verdade não é, são extremamente valiosas e rumam inexoravelmente na direção da culpabilidade dos denunciados. São suficientes, portanto, para autorizar o acolhimento da DENÚNCIA.
Inócuos, destarte, são os esforços dos ilustres patronos dos acusados em desejar o contrário, a fim de que, conseqüentemente, não se instaure a ação penal. Argumentam, de um modo geral, a favor dos seus patrocinados, como visto, que inexistem provas capazes de sustentar a imputação que é feita a cada um. Olvidam, contudo, que, além de não ser isso o que ocorre, não há como, nesta fase do processo, aprofundar o exame e a valoração do conjunto probatório até agora coligido para os autos, tarefa que só pode ser levada a cabo durante a instrução criminal.
EX POSITIS e levando em consideração, também, o fato de que a própria medida de segregação dos denunciados, há algum tempo tomada e até agora mantida, só o foi porque, obviamente, existiam indícios de provas irrefutáveis contra eles, VOTO pelo recebimento da DENÚNCIA, restringindo o acolhimento, porém, ao denunciado DJALMA DA COSTA E SILVA FILHO, de uma vez que os outros - mercê das razões constantes da preliminar há pouco suscitada e acolhida - deverão ser julgados e processados no juízo natural competente para tanto: o Tribunal Popular do Júri desta Comarca. A propósito, requeiro que sejam, em 24 (vinte e quatro) horas, remetidos autos suplementares da ação penal ora instaurada ao d. juiz de direito titular do referido Tribunal, para os devidos fins.
DECISÃO
Como consta da ata de julgamento, a decisão foi a seguinte:
"Por maioria de votos, de acordo com o parecer verbal do Órgão Ministerial, o Egrégio Tribunal Pleno acolheu a preliminar de bipartição da competência, a fim de desmembrar o processo, de modo que o denunciado Djalma da Costa e Silva Filho, que detém foro privilegiado, seja julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado e que, o demais denunciados, sejam julgados pelo Tribunal do Júri desta Comarca de Teresina, juízo natural competente para tanto, vencido o Exmº Sr. Des. João Batista Machado, que votou pela rejeição da preliminar, com fulcro nos arts. 76 e 77, do Cód de Processo Penal. Quanto ao mérito, também, por maioria de votos, decidiu o Egrégio Tribunal Pleno receber a denúncia apenas com relação ao Vereador Djalma da Costa e Silva Filho, mantendo sua prisão preventiva, determinando que fosse remetidos autos suplementares, em 24 (vinte e quatro) horas, ao Juiz Titular do Tribunal do Júri da Comarca de Teresina para decidir sobre o recebimento ou não da denúncia quanto aos demais denunciados, mantidas as custódias preventivas de todos eles, de acordo, também, com o parecer verbal da Procuradoria Geral de Justiça, vencido o Exmº Sr. Des. João Batista Machado, que votou pelo recebimento da Denúncia com relação a todos os denunciados ".
Participaram do julgamento sob a presidência do Exmº Sr. Des. Augusto Falcão Lopes, os Exmºs. Srs. Desembargadores Raimundo Nonato da Costa Alencar (Relator), Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho, Osiris Neves de Melo Filho, João Batista Machado, José Gomes Barbosa, José Soares de Albuquereque, José Magalhães da Costa e Aldemar Soares Lima. Presente a Exma. Sra. Dra. Rosimar Leite Carneiro, Procuradora de Justiça.
Sala das Sessões Plenária do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, em Teresina, 12 de novembro de 1998.
PRESIDENTE
RELATOR
PROCURADOR DE JUSTIÇA