Autos
n.º: 71/00
Impte.:
Dr. S. R. G.
Paciente:
A. T. T.
Autoridade
Coatora: Delegado de Polícia de Iguape
Sentença
EMENTA: ELEITORAL. PENAL. HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA PENAL PELA QUAL SE VÊ AMEAÇADO O PACIENTE. PRECEITO QUE SE ENCONTRA RESPALDADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DISCUSSÃO QUANTO À VALIDADE DE DECISÃO JUDICIAL QUE SUSPENDEU OS DIREITOS POLÍTICOS DO PACIENTE DESCABIDA NA VIA HERÓICA. WRIT PARCIALMENTE CONHECIDO E, AÍ, DENEGADO.
1. Habeas Corpus em matérial eleitoral.
2. Alegação de inconstitucionalidade do art. 337, do Código Eleitoral, não subsistente, posto que o dispositivo encontra-se em compasso com a Constituição Federal.
3. Descabimento da via heróica para atacar decisão judicial que suspendeu os direitos políticos do paciente, posto não causar isoladamente ameaça à locomoção e, ainda, por estar abrigada pelo manto da coisa julgada.
4. Writ parcialmente conhecido e, aí, denegado.
Vistos...
I Relatório
, tendo como paciente A. T. T..02. Alega o representante que o paciente: a) teve seus direitos políticos suspensos por conta do decidido nos autos da ação civil pública n°. 347/94, que tramitou perante a 1ª. Vara de Iguape, nos termos da Lei n°. 8.429/92; b) por conta disso, está tolhido de participar de atividades partidárias, inclusive comícios e atos de propaganda em recintos fechados ou abertos (art. 337, da Lei n°. 4.737/65); c) dito preceito normativo é inconstitucional; d) não teve validade a suspensão dos direitos políticos do paciente; e) sua mulher é candidata e deseja participar da campanha. Pugnou por liminar e, no mérito, pela expedição de salvo-conduto.
03. Juntou documentos (fls. 15-38).
04. Indeferida a liminar (fl. 39).
05. A autoridade coatora prestou suas informações (fl. 38).
06. Era o que merecia ser detalhado.
II Fundamentação
07. A preliminar aventada em verdade é matéria de mérito, devendo ser decidida no seu bojo.
08. Sabe-se que o direito penal é informado fundamentalmente pelo princípio da legalidade estrita (art. 5°., XXXIX, da Constituição Federal). Assim é que compete ao "Estado o direito de punir, porém não é este ilimitado ou arbitrário. A limitação está na lei. Ao mesmo tempo em que ele diz ao indivíduo quais as ações que pode ou não praticar, sob ameaça em que ele diz ao indivíduo quais ações que pode ou não praticar, sob ameaça de sanção restringindo, dessarte, os interesses ou faculdades individuais, em benefício da coletividade vincula-se juridicamente a si mesmo. Com efeito, há autolimitação por ele ditada, através da lei, pois, quando baixa uma norma, impondo determinada conduta, concomitantemente está ditando seu comportamento em relação a ela e criando direitos individuais contra ele mesmo" (cfr. E. Magalhães Noronha, Curso de Direito Penal, vol. 1., 30. ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 7).
09. O ordenamento constitucional brasileiro prevê tanto a via difusa (de influência americana(1)), assegurada a todos os membros do Poder Judiciário (art. 52, X, da Lex Legum), quanto a concentrada (proveniente do direito austríaco(2)), da alçada exclusiva da Corte Maior (STF, consoante art. 102, I, "a", e 102, parágrafo 3º., os dois da C.F.), para o controle da constitucionalidade das leis.
10. Na primeira, que mais interessa, dá-se a declaração incidente de inconstitucionalidade, em qualquer processo, com efeito meramente inter partes, desconsiderando-se a norma tida como inconstitucional na solução do litígio. Pela outra, ao revés, o objeto da ação é, diretamente, a declaração de inconstitucionalidade (ou constitucionalidade) da norma.
11. E a via do habeas corpus, até como garantia fundamental, não é excluída disso. Veja-se o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, analisando-se a constitucionalidade de dispositivos da Lei n°. 6.368/76: Habeas Corpus n.º 259.295-3-Jaú, 3ª. Câm. Criminal de JULHO/98, rel. Walter Guilherme, d.j. 30.07.98, v.u.; Habeas Corpus n.º 257.949-3-São José do Rio Preto, 4ª. Câm. Criminal, rel. Passos de Freitas, d.j. 23.07.98, v.u..
12. Pois bem.
13. O art. 337, da Lei n°. 4.737/65 (Código Eleitoral), está assim vazado: "Participar, estrangeiro ou brasileiro que não estiver no gozo dos seus direitos políticos, de atividades partidárias, inclusive comícios e atos de propaganda em recintos fechados".
14. Há, assim, uma vedação de participação daquele que não esteja no gozo de seus direitos políticos em qualquer atividade partidária. Não vejo aqui conflito normativo entre a Constituição Federal e a legislação penal eleitoral. De fato, o conceito de direitos políticos, na esfera constitucional, confunde-se com o direito de votar e ser votado, tal qual diz à saciedade a doutrina elencada na inicial.
15. Mas, o Código Eleitoral foi mais além. Disciplinou penalmente uma conduta que quer ver reprimida. Isso nada tem a ver, em si mesmo, com a suspensão dos direitos políticos, mas, ao revés, com os fatos que ensejaram tal decisão: uma conduta socialmente repelida dos homens públicos e que pode trazer prejuízo ao legítimo processo democrático.
16. E aqui a razão pela qual o paciente encontra-se ameaçado é justamente o fator que mais motiva o acerto do art. 337, do Código Eleitoral: quer participar das atividades partidárias onde sua esposa é candidata.
17. Pretende, assim, ajudá-la no processo eleitoral que se avizinha. Com isso, obliquamente busca a transferência do potencial eleitoral para outra pessoa, que é de sua confiança. Por que?
18. Porque não pode ser candidato, já que está com os direitos suspensos. Assim, tenta-se um esquivo da norma posta.
19. Um dos maiores princípios da Carta Política Federal, hoje a informar basilarmente (inclusive expressamente, como no art. 37) todo o direito público, é o da moralidade.
20. De sua presença toda a sociedade está carente. E é nele que se fulcra o art. 337, do Código Eleitoral, conferindo-lhe legitimidade.
21. Somente é de se consignar que a suspensão não é por tempo indeterminado. Ao contrário, é por quatro anos, contados do trânsito em julgado da decisão (fl. 23).
22. Daí que dou pela constitucionalidade do dispositivo acima sufragado.
23. Ingresso agora na segunda parte do writ. E para ela são necessárias poucas linhas.
24. Incabível o habeas corpus para atacar os argumentos de invalidade da decisão que decretou a suspensão de direitos políticos.
25. Primeiro, porque tal decisão, em si, não causa nenhuma ameaça à liberdade de locomoção do paciente. Isso só ocorre desde que à luz da argumentação anteriormente enfrentada e afastada.
26. Por isso que não se configura a hipótese de cabimento do habeas corpus (art. 5°., LXVIII, da Lex Maior). Realmente que "direito é protegido pelo habeas corpus? O direito de ir, vir ou ficar, isto é, o jus manendi, eundi, veniendi, ultro citroque: direito de ficar, de ir e vir de um para outro lugar. Enfim: a liberdade ambulatória, the power of locomotion, a não ser que a própria lei a restrinja" (Fernando da Costa Tourinho Filho, Código de Processo Penal Comentado, vol. 2, 4ª. ed., São Paulo, Saraiva, 1999, p. 443).
27. Derradeiramente, e como conclusão do motivo anterior, porquanto a decisão revestiu-se do manto da coisa julgada (art. 5°., XXXVI, da Carta Magna). E ninguém está autorizado a atacá-la, senão nas formas processualmente previstas na legislação de regência.
28. Daí que, no particular, aplicável o art. 663, do Código de Processo Penal.
III Dispositivo
29. Ex positis, CONHEÇO parcialmente do writ manejado por S. R. G. em favor de A. T. T. e, nesta parte, DENEGO a ordem.
30. Comunique-se o teor desta decisão à autoridade coatora.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Iguape, 1 de setembro de 2000.
Francisco Glauber Pessoa Alves
Juiz EleitoralNOTAS
1. No caso Marbury vs. Madison, no qual o juiz Marshall, à míngua de preceito legal específico, criou a possibilidade de controle dos atos do Legislativo e do Executivo confrontantes com a Lei Política, uma vez que, sendo nula a norma infracional, ninguém é obrigado ao seu cumprimento, muito menos o Judiciário, e na oposição entre lei ordinária e a constitucional, a preferência há de recair sobre esta última. Cfr. Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, 16 ed., Saraiva, p. 332, e Regina Maria Macedo Nery Ferrari, Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade, 3ª. Ed., RT, p. 197.
2. Cfr. Sacha Calmon Navarro Coelho, "Da Impossibilidade Jurídica da Ação Rescisória de Decisão Anterior à Declaração de Constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal no Direito Tributário", in Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas 15/197.