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ACP contra falta de prestação de contas de verbas de festas públicas

01/11/2000 às 00:00
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Prefeitura organizou diversos eventos públicos nas cidades, cobrando taxas de barraqueiros e comerciantes, mas os valores destas não constaram dos balancetes nem ingressaram nos cofres públicos.

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

SENTENÇA

Autos nº 324/2000 - 3

Ação Civil Pública

Autor : Ministério Público do Estado de Minas Gerais

Réus : Rubens Barros Santos e outros

Vistos, etc.


I - DO RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, pelo Promotor de Justiça desta Comarca, ingressou com a presente Ação Civil Pública por atos de improbidade administrativa em face de RUBENS BARROS SANTOS, SÉRGIO DOS SANTOS COSTA, ZILOEL MOURA, LUIZ SÉRGIO DE SOUZA REIS e MOZART CASADO SIQUEIRA, qualificados às fls. 03.

O Autor, inicialmente, argumentou no sentido de sua legitimidade para ingressar com Ação Civil Pública contra os atos que firam os princípios da Administração Pública.

Narra a petição inicial que, consoante comprova o incluso Inquérito Civil, o primeiro Réu, Prefeito Municipal de Cambuquira-MG, vem, ao longo de sua administração, atuando no sentido de organizar atividades relativas às festas cívicas e populares, cobrando valores, em nome da municipalidade, para viabilizar a participação de comerciantes ou barraqueiros nos eventos realizados, porém os balancetes dos festejos e as certidões da Assessoria Técnica Legislativa da Câmara Municipal de Cambuquira-MG, dão conta de que o produto da arrecadação dos valores cobrados não ingressou nos cofres públicos do Município e foi constatada uma diferença nas despesas, para menor, no valor de R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais), relativa à Festa da Cidade/98 e os valores havidos dos barraqueiros, em nome da municipalidade, na Festa da Cidade/98, não foram objeto de prestação de contas satisfatória, razão pela qual foi necessária a propositura da presente ação para restabelecer a legalidade e a moralidade administrativa.

A petição inicial individualiza a conduta ilícita de cada Réu, sendo que ao primeiro, na qualidade de Chefe do Executivo Municipal, é imputada a conduta de não zelar e proteger o Erário, observando, fielmente, o princípio constitucional da legalidade; pelo fato de não ter recolhido as taxas devidas para a realização dos eventos; não ter incluído os valores arrecadados na realização das festas nos balancetes das receitas da Prefeitura Municipal, promovido cobranças e gerenciado recursos arrecadados de forma totalmente irregulares, omitindo, com isso, no dever de acautelar o patrimônio público e infringindo as normas contidas nos arts. 10 e 11 da Lei nº 8.429/92, caracterizando, assim, conduta ímproba.

O Autor fundamentou a conduta ímproba do primeiro Réu nos dispositivos legais, na doutrina e na jurisprudência transcritas às fls. 07/12 da petição inicial.

Quanto aos demais Réus é imputada a conduta ímproba pelo fato de terem, o segundo e o terceiro, integrado a Comissão Organizadora dos Festejos do Aniversário do Município de Cambuquira/98 e os dois últimos, segundo depoimentos colhidos no Inquérito Civil, cobraram valores dos barraqueiros para que estes pudessem participar do aludido evento e não prestaram contas da quantia de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), referente à diferença entre os valores arrecadados e as despesas efetuadas, bem como não apresentaram justificativa para a destinação da referida importância, portanto, ilegal a atuação deles, pois tiveram acesso ao produto da arrecadação, atuando em nome da municipalidade, praticando, com isso, atos de improbidade administrativa, nos termos do disposto no caput dos arts. 10 e 11 da Lei Federal nº 8.429/92.

Ao final, foram formulados os pedidos enumerados às fls. 13/15 da exordial.

A petição inicial foi instruída com o Inquérito Civil de fls. 17/519.

No ato do registro e da autuação da ação, em razão da grande quantidade de documentos, foram formados três volumes.

Através do despacho inaugural de fls. 521 foi determinada a citação dos Réus para contestar a ação e a intimação da Municipalidade de Cambuquira, esta, em cumprimento ao disposto no art. 17, § 3º, da Lei nº 8.429/92.

Regularmente citados, os Réus apresentaram a contestação de fls. 524/530, acompanhada apenas do instrumento de mandado de procuração de fls. 531, na qual argüíram as preliminares de inépcia da inicial, ilegitimidade do Ministério Público, impossibilidade jurídica do pedido, incompetência absoluta "ratione materiae" e a inconstitucionalidade da Lei 8.429/92.

No mérito, argumentam o inconformismo com a propositura desta ação, taxando a petição inicial de ineficiente e sem resultado útil. Alegam, ainda, a inexistência de prejuízo ao erário municipal e a confusão do Autor com relação a arrecadação e isenção de taxas de ocupação do solo urbano.

Por derradeiro, requereram apenas a improcedência da presente ação.

O Autor, em sua réplica de fls. 532/551, requereu, de início, a decretação da revelia dos Réus Sérgio dos Santos Costa, Ziloel Moura, Luiz Sérgio de Souza Reis e Mozart Casado Siqueira, pelo fato de não terem outorgado procuração ao advogado subscritor da contestação, o que a torna inexistente em relação a eles, conforme jurisprudência citada. Refutou as preliminares argüidas, requerendo a rejeição delas, o mesmo ocorrendo em relação ao mérito questionado pelos Réus.

Ao final, requereu o regular prosseguimento do feito e a procedência dos pedidos constantes da inicial.

A Municipalidade, regularmente intimada para os fins do art. 17, § 3º, da Lei nº 8.429/92, permaneceu silente.

Autos conclusos no dia 16 do correntes mês.

Este, em síntese, é o relatório.

Tudo visto e examinado, decido.


II - DA FUNDAMENTAÇÃO

Versam estes autos sobre Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público em face dos Réus, aos quais é imputada conduta ilícita tipificada como improbidade administrativa.

Inicialmente, é necessária a análise de cada uma das questões preliminares levantadas pelo Autor, na réplica, e pelos Réus, na contestação.

II . I - DA DECRETAÇÃO DA REVELIA DOS RÉUS SÉRGIO DOS SANTOS COSTA, ZILOEL MOURA, LUIZ SÉRGIO DE SOUZA REIS E MOZART CASADO SIQUEIRA

O Autor requereu a decretação da revelia dos Réus Sérgio dos Santos Costa, Ziloel Moura, Luiz Sérgio de Souza Reis e Mozart Casado Siqueira, uma vez que a contestação por eles apresentada deve ser tida como ato processual inexistente, pois não foi acompanhada do necessário instrumento de procuração.

Assiste inteira razão ao Autor, pois a ausência de outorga de procuração ao advogado subscritor da contestação acarreta, inexoravelmente, a declaração da inexistência do ato processual e a decretação da revelia dos Réus.

Acontece que o advogado subscritor da contestação juntou procuração apenas do primeiro Réu, porém contestou a ação também pelos demais.

Segundo estabece o art. 37 do CPC, o advogado somente será admitido a procurar em juízo, munido do instrumento de mandato outorgado pelo cliente. Poderá, todavia, em nome da parte, intentar ação, a fim de evitar decadência, ou prescrição, bem como intervir, no processo, para praticar atos reputados urgentes, contudo, nestes casos, se obrigará, independentemente de caução, a exibir o instrumento de mandato no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável até outros 15 (quinze), por despacho do juiz. Já o seu parágrafo único estabelece que os atos não ratificados no prazo, serão havidos por inexistentes, respondendo o advogado por despesas e perdas e danos.

Registra-se, por oportuno, que o citado dispositivo do CPC foi recepcionado pelo art. 5º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia).

Verifica-se, no caso em tela, que o advogado subscritor da contestação simplesmente deixou de juntar as procurações dos demais Réus, nada alegando e requerendo a tal respeito e nem mesmo as juntou, no prazo de 15 (quinze) dias, contados da data do protocolo da contestação. Também não se afigura a hipótese de evitar decadência, prescrição e prática de ato reputado urgente, pois o prazo de contestação começou fluir no dia 01 e terminaria no dia 15, do corrente mês, tendo a contestação sido protocolizada no dia 04, portanto, 11 (onze) dias antes do vencimento.

Neste caso, não se aplica a hipótese prevista no art. 13 do CPC, relativa à irregularidade da representação, pois trata-se de inexistência de representação e não de irregularidade, as quais são totalmente distintas.

O entendimento jurisprudencial é pacífico no sentido de que, não apresentando o advogado, no prazo legal, o instrumento de mandato, ad juditia, nem pedindo prorrogação de prazo para apresentá-lo, devem ser considerados inexistentes os atos por ele praticados na qualidade de procurador da parte, declarando-se a revelia, conforme se vê nos seguintes julgados:

Se o advogado não juntou procuração nem protestou pela sua juntada no prazo de 15 dias, o ato é inexistente (STF – RT 735/203), não sendo caso de aplicar-se o art. 13, que cuida de hipótese diversa – irregularidade de representação, e não falta de procuração (RTJ 144/605, maioria). A ementa deste acórdão consigna que "a apresentação tardia do instrumento de mandato não convalida atos havidos por inexistentes pela lei processual civil". (destaque nosso);

"Declara-se a revelia do réu, se não for juntada procuração ao advogado que apresentou a contestação (JTA 41/40)" (Theotonio Negrão, Código de Processo Civil, 30ª edição, Editora Saraiva, p. 142) (grifo nosso);

" ADVOGADO - RECURSO - ART. 37 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

- Não se conhece de recurso interposto por advogado sem procuração, se não ratificados os atos através da exibição do instrumento de mandato no prazo legal, nos termos do art. 37 do CPC, sendo inaplicável, na hipótese, a norma do art. 13 do mesmo diploma legal". (Apelação Cível nº 198.737- 3 - Relator: Juiz Páris Pena - j. 29/8/95 - v. 60/190).

Assim sendo, diante da não ratificação da contestação em relação aos Réus Sérgio dos Santos Costa, Ziloel Moura, Luiz Sérgio de Souza Reis e Mozart Casado Siqueira, declaro-a inexistente em relação a eles, decreto-lhes a revelia e aplico-lhes os seus efeitos.

II . II - DAS PRELIMINARES ARGÜIDAS NA CONTESTAÇÃO

Foram argüidas, na contestação, várias preliminares, as quais passo a apreciar individualmente.

II . II . I - DA INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL

A primeira preliminar diz respeito à inépcia da petição inicial sob o fundamento de ser ela prolixa e confusa na narração dos fatos sem conclusão lógica, devendo ser aplicado o inciso II do art. 295 do CPC, extinguindo-se o processo, sem julgamento do mérito.

Improcede a preliminar suscitada, pois a petição inicial não contém o vício alegado, é clara, objetiva e de fácil compreensão, bastando uma simples leitura para compreender os fatos exposto e os pedidos formulados, não podendo ser imputada, ao Autor, a falta ou dificuldade de entendimento do advogado contestante.

Ademais, nenhuma das hipóteses previstas no art. 295, parágrafo único, do Código de Processo Civil restou caracterizada, razão pela qual não há que se falar em inépcia da petição inicial.

Todos os requisitos do art. 282 do mesmo diploma legal estão presentes, de modo que a simples leitura da peça vestibular é suficiente para se chegar à conclusão de que a preliminar em apreço é temerária.

Tanto é que o Réu não conseguiu embasar a sua configuração, pois, em um parágrafo apenas, cingiu-se a declarar a sua ocorrência, sem ao menos apontar em que consiste a alegada confusão.

II . II . II - DA ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Não procede a argüição de ilegitimidade do Ministério Público para propor a presente Ação Civil Pública, pois a questão da sua legitimidade já está pacificada na doutrina e na jurisprudência.

Sobre a questão, trago à colação a lição dos eminentes professores Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior, também citada pelo Autor em sua réplica. Verbis:

"(...)

Também já não cabe, a despeito de decisões poucas em sentido inverso, a discussão quanto à legitimação para a defesa do patrimônio público municipal. O advento da Lei nº 8.429/92 e mais o texto constitucional (129, II e III) não sugerem dúvidas, até porque mesmo antes da Lei de Improbidade já era factível a defesa do patrimônio municipal pelo Ministério Público na hipótese de assunção da ação popular (...).

O desacerto das decisões que afastam a legitimidade do parquet é evidente. A lei de regência da ação civil – Lei nº 7.347/85, em seu art. 1º expressamente defere a concomitância daquela com a ação popular, assim também a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que em seu art. 25, IV, letra a, comete ao Ministério Público a instauração de inquérito civil e a promoção de ação civil pública para a defesa de qualquer interesse difuso ou coletivo, além dos individuais indisponíveis e homogêneos. Tudo em conformidade com o mandamento constitucional já por vezes repisado – CF, art. 129, II e III, que há de ser compreendido com os contornos fixados pela norma disposta pelo art. 127 da CF.

E a norma constitucional é auto-aplicável, reclamando interpretação extensiva e não conformando com a restrição que se lhe queira aplicar. A vedação disposta pelo Código de Processo Civil de que se postule em nome próprio direito alheio (art. 6º) tornou obrigatória a instituição do instrumento da ação civil pública que, por força da Lei nº 8.078/90, também passou a abrigar a defesa de ‘qualquer outro interesse difuso ou coletivo’. A defesa do patrimônio público, por ser transindividual, indivisível, de que são titulares pessoas indeterminadas e indetermináveis, ligadas entre si por circunstâncias de fato, constitui-se espécie de direito difuso. A Lei nº 8.429/92 não dissentiu, e expressamente cominou a legitimidade do Ministério Público (arts. 16 a 18) para a defesa daquele direito difuso. A propósito do tema Nelson Nery e Rosa Maria Andrade Nery comentam:

"No sistema anterior, a tutela jurisdicional do patrimônio público somente era possível mediante ação popular, cuja legitimidade ativa era do cidadão (CF, 5º, LXXIII). O Ministério Público podia assumir a titularidade da ação popular, apenas na hipótese de desistência pelo autor (LAP 9º). A CF 129, III, conferiu legitimidade ao Ministério Público para instaurar Inquérito Civil e ajuizar Ação Civil Pública na defesa do patrimônio público e social, melhorando o sistema de proteção judicial do patrimônio público, que é uma espécie de direito difuso. O amplo conceito de patrimônio público é dado pela LAP, art. 1º caput e § 1º ".

Também Rodolfo de Camargo Mancuso, na abordagem da questão, conclui que a norma instituída pelo art. 129, inciso III, da CF, requer interpretação ampliativa: "primeiro, ela é favorecida pelo critério gramatical; o constituinte não condicionou a tutela de ‘outros interesses difusos e coletivos’ aos discrimen legal; logo, não pode o intérprete estabelecer restrições; segundo, é certo que algumas leis vieram cuidar especificamente da tutela judicial de certos interesses difusos – dos deficientes físicos; dos investidores no mercado de capitais; dos consumidores; da criança e do adolescente – mas daí não se extrai, pensamos, a conclusão necessária de que o disposto no art. 129, III, da CF não seja auto-aplicável. Antes, cremos que a idéia é deixar à legislação ordinária a regulamentação, digamos assim, de certos aspectos processuais/procedimentais próprios da tutela judicial desses interesses (como o fez o CDC, instituindo uma parte processual – art. 81 e ss.); por fim, esse mesmo Código, em seu art. 110, cuidou de reinserir no art. 1º da Lei nº 7.347/85 o inciso IV, onde se dá a ação civil pública para a tutela de ‘qualquer outro interesse difuso e coletivo’, reforçando os indícios que a mens legis sinaliza no sentido de uma interpretação ampliativa e não restritiva da parte final do inciso III do art. 129 da CF". Não por outra razão, a predominância jurisprudencial é reconhecedora da legitimidade do Ministério Público. Nesse sentido, v.g. já se decidiu que ‘o campo de atuação do Ministério Público foi ampliado pela Constituição de 1988, cabendo ao parquet a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, sem a limitação imposta pelo art. 1º da Lei nº 7.347/85. A defesa do patrimônio público não se restringe ao cidadão através da ação popular. Também são legitimados o Ministério Público e aquelas entidades arroladas no art. 5º da Lei da Ação Civil Pública’ (TJSP, Apelação 67.148 – RT 727/138). Ou ainda: "Se outrora se reconheceu da ilegitimidade do Parquet para a propositura de ação civil pública visando ressarcimento de possíveis danos ao erário municipal (vide Revista do STJ, v. 65. p. 352), hodiernamente, com o advento da Lei Federal nº 8.429, de 02 de junho de 1992, ampliaram-se os objetivos das ações civis públicas, com possibilidade de ser ressarcido o dano ao patrimônio público e, concomitantemente, punido o agente que, por ação ou omissão, dolosa ou culposa, ensejar perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades que menciona, entre as quais a União, os Estados e os Municípios". (Autores citados, "Improbidade Administrativa", Editora Atlas, 4ª edição, págs. 204/207) (grifo nosso).

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A jurisprudência comunga o mesmo entendimento, conforme se vê nos seguintes julgados, todos do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:

"Ação Civil Pública – Patrimônio Público e Social – Reparação de Danos causados por agentes públicos – Ministério Público – Legitimidade Ativa – Em face do que dispõem a Constituição Federal e as Leis nos 7.347/85 e 8.429/92, assiste ao Ministério Público legitimidade para propor ação civil pública e ação de reparação de danos causados por agentes públicos ao patrimônio público e social, bem como ao meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos. O obstáculo que se busca no art. 1° da Lei 7.347/85 à legitimidade do Parquet para tal ação reparatória foi superado pela Constituição Federal, art. 129, III, que ampliou o campo de atuação do Ministério Público, tanto com a alteração daquela lei pela de n° 8.078/90, que alargou o âmbito da ação civil pública no que se refere a outros interesses difusos e coletivos, como pelo disposto no art. 17 da Lei n° 8.429/92, que prevê a viabilidade de o Ministério Público, concorrentemente com a pessoa jurídica interessada, agir juridicamente, no sentido de punir atos de improbidade e enriquecimento ilícito de agentes públicos, bem como buscar reparação de prejuízos causados ao Erário público" (TJMG – Quinta Câmara Cível – Embargos Infringentes n° 135.161/8 – Rel. Des. Schalcher Ventura – 04.03.1999) (destaque nosso).

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DESPENDIMENTO ILEGAL DE VERBAS PÚBLICAS - DEVOLUÇÃO AO ERÁRIO - MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE ATIVA - PROPRIEDADE DA AÇÃO

- O Ministério Público é parte legítima para propor ação civil pública visando à devolução ao erário de verbas públicas despendidas de forma ilegal, a teor do que dispõe o art. 5º, caput e § 1º, da Lei nº 7.347/85, art. 129, III, da Constituição Federal, e art. 110 da Lei nº 8. 078/90, que acrescentou o inciso IV ao art. 1º da Lei nº 7.347/85, ampliando o alcance desta, com vistas à proteção, pelo órgão ministerial, de "qualquer outro interesse difuso ou coletivo", e, ainda, consoante disposições contidas no art. 25, IV, b, da Lei nº 8.625/93. É necessária e legítima a participação do Ministério Público no pólo ativo da referida ação, por encontrar-se presente o interesse público, constituindo a ação civil pública via processual adequada para o ressarcimento pretendido". (APELAÇÃO CÍVEL Nº 97.052/5 - Comarca de Andradas - Relator Des. Isalino Lisbôa).

" AÇÃO CIVIL PÚBLICA - RESTITUIÇÃO DE VERBAS DESVIADAS - MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE

- O Ministério Público é parte legítima para propor ação civil pública visando à restituição de verbas desviadas por agentes políticos, por força do disposto no art. 129, III, da Constituição Federal, e também no art. 17 da Lei nº 8.429/92, que veio reafirmar essa legitimação". (APELAÇÃO CÍVEL Nº 81. 593/6 - Comarca de Juiz de Fora - Relator : Des. Paulo Tinoco).

Ante a doutrina e a jurisprudência supracitadas, a discussão acerca da viabilidade do manejo da ação civil pública pelo Ministério Público, com vistas à restituição de verbas desviadas por agentes políticos, que, no passado, causou tanta inquietação no âmbito doutrinário e jurisprudencial, não tem hoje mais como substituir, em face do advento da Lei nº 8.429/92.

II. II . III - DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

Tal preliminar também não merece acolhimento, uma vez que os pedidos formulados pelo Autor não são vedados pelo nosso ordenamento jurídico.

Segundo o magistério do eminente professor Nelson Nery Júnior, "o pedido é juridicamente possível quando o ordenamento não o proíbe expressamente" (Autor citado, "Código de Processo Civil Comentado", Editora Revista dos Tribunais, 3ª edição, pág. 532).

Na mesma direção, o mestre Humberto Theodoro Júnior leciona, citando Alfredo Buzaid e Liebman: "Pela possibilidade jurídica, indica-se a exigência de que deve existir, abstratamente, dentro do ordenamento jurídico, um tipo de providência como a que se pede através da ação. Esse requisito, de tal sorte, consiste na prévia verificação que incumbe ao juiz fazer sobre a viabilidade jurídica da pretensão deduzida pela parte em face do direito positivo em vigor. O exame realiza-se, assim, abstrata e idealmente, diante do ordenamento jurídico" (Autor citado, "Curso de Direito Processual Civil", vol. I, Editora Forense, 14ª edição, pág. 53) .

Como bem afirmou o Autor em sua réplica, ao qual peço vênia para transcrever suas afirmações, " a alegação de ser o pedido juridicamente impossível por terem sido cumulados os pedidos de ressarcimento de danos com a aplicação das sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa é totalmente desprovida de base científica, pois analisa-se, como dito alhures, apenas a ausência de vedação, no direito vigente, ao reconhecimento da pretensão deduzida".

II - II . IV - DA EXTINÇÃO DO PROCESSO

O contestente pleiteia a extinção do processo também sob o fundamento de que a petição viola o devido processo legal porque não delimita a conduta de cada Réu, tendo sido delimitada apenas a do primeiro.

Como diz o ditado popular, " o pior cego é aquele que não quer enxergar". Ao que tudo indica, o advogado subscritor da contestação não leu a petição inicial, porque, caso contrário e se agisse com honestidade, não teria alegado tamanho absurdo, uma vez que a exposição fática é clara em relação à atuação de todos os Réus, de sorte que ela está de acordo com todas as exigências constantes do Código de Processual Civil, portanto, não merece qualquer reparo.

II . II . V - DA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA "RATIONE MATERIAE"

Não há que se falar, in casu, em incompetência absoluta "ratione materiae", pois, indiscutivelmente, o juízo competente para processar e julgar a causa em epígrafe é o de primeiro grau de jurisdição.

Sobre o tema, trago à colação a doutrina e a jurisprudência citadas pelo Autor em sua réplica, as quais se amoldam a este caso.

(...) "A competência será fixada pelo local da ocorrência dos atos de improbidade administrativa, graças à norma contida no artigo 2º da Lei n.º 7.347/85. Esta competência é absoluta. De fato, em tema de ação civil pública, esta é a regra que prevalece por força de disposição expressa da Lei da Ação Civil Pública." (Epaminondas da Costa, "Manual do Patrimônio Público", Editora Inédita, pág. 115) (grifo nosso);

"A ação civil pública que tenha por objeto a reposição do prejuízo sofrido pelo Erário ou que pretenda a imposição das sanções de que cuida o art. 12 da lei deverá ser processada e julgada no juízo onde ocorreu o dano, à luz do que determina o art. 2º da Lei Federal 7.347/85. A questão não apresenta simples resolução em outras áreas protetivas de direitos difusos e coletivos, posto que nestas, o dano pode se verificar em mais de uma localidade. Nas questões versadas sobre a prática de atos de improbidade administrativa, todavia, não há maior complexidade. Será competente o foro do local onde ocorreu o dano, é o que dita a lei. O dano se efetiva, quase invariavelmente, na sede do Município, ou na sede administrativa do Estado ou da União. Assim, ainda que o agente público estadual lotado em uma unidade administrativa no interior do Estado, nela perpetre determinado ato de improbidade que gere dano ao patrimônio público estadual, não será aquele foro o competente para conhecer a ação civil pública, mas a Capital do Estado ou a sede administrativa deste. Se o ato de improbidade administrativa não causar prejuízo ou lesão, importando no enriquecimento ilícito ou na violação dos princípios da Administração (arts. 10 e 11), também será na sede administrativa do Estado que a ação deverá ser processada" (Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior, "Improbidade Administrativa", Editora Atlas, 4ª edição, pág. 211) (destaque nosso);

"Ação de Reparação de Dano, nascente em ato de improbidade administrativa – Competência do juiz de primeiro grau de jurisdição – Entendimento do artigo 29, X, da Constituição Federal – Competência originária pela prerrogativa de função, tão só, dizente com a jurisdição penal – Recurso não provido" (Agravo de Instrumento n.º 132.528-5 – São Paulo – 7ª Câmara de Direito Público – Relator Sérgio Pitombo – 28.02.00) (grifo nosso);

"Decisão: Acordam os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso. Ementa: Agravo de Instrumento – Ação Civil Pública de ressarcimento por dano causado ao Patrimônio Público cumulada com pedido de pena civil por prática de ato de improbidade administrativa contra Prefeito Municipal – Argüição de incompetência não acolhida – inexistência de foro privilegiado – Constituição Federal, art. 29, X – Exegese. Recurso desprovido – Decisão unânime. O foro privilegiado para julgamento de Prefeito Municipal assegurado na Carta Magna (art. 29, X) diz respeito somente aos processos criminais e não se estende às ações civis, cuja competência pertine à Justiça Comum de primeiro grau" (TJPR – Ac. 4394 – Sexta Câmara Cível – Rel. Des. Antônio Lopes de Noronha – Publicação 14.02.2000) (destaque nosso);

"Competência – Conflito – Ação Civil Pública – Proteção ao Patrimônio Público e ao Meio Ambiente – I. Compete à Justiça Estadual, em primeiro grau, processar e julgar ação civil pública, visando à proteção ao patrimônio público e ao meio ambiente, mesmo no caso de comprovado o interesse da União no seu deslinde. Compatibilidade, no caso, do art. 2º da Lei nº 7.347, de 2.4/7/85, com o art. 109, §§ 2º e 3º, da Constituição. II. Conflito que se conhece a fim de declarar-se a competência do Juízo Estadual, isto é, Juízo de Direito da Comarca de Costa Marques-RO, suscitante" (STJ – CC 13.382-3 – RO – Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro – DJU 21.08.95) (grifo nosso).

Arrematando a questão, está a proposição n.º 10 do 11º Congresso Nacional do Ministério Público: "As sanções previstas na Lei n.º 8.429/92 não têm natureza criminal, inexistindo, portanto, foro privilegiado".

II . II . VI - DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 8.429/92

Não satisfeito com o número de preliminares infundadas e totalmente desprovidas de amparo legal, o contestante, para arrematar, argüiu a inconstitucionalidade da Lei nº 8.429/92, sob o fundamento de que ela viola o princípio constitucional da proporcionalidade por não estabelecer correlação entre a gravidade da falta cometida e a severidade das sanções.

Data venia, tal pretensão é absurda e totalmente desprovida de amparo legal, porque as sanções civis previstas na Lei de Improbidade Administrativa têm como comando o próprio texto constitucional.

Nesse sentido, destaca-se o disposto no art. 37, § 4º, da Constituição da República , in verbis:

"Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível." (destaque nosso).

É bem de ver que a Constituição da República conferiu ao legislador infraconstitucional a missão de estabelecer as hipóteses de aplicação das sanções previstas no aludido dispositivo legal (art. 37, § 4º, da CR).

Não há, pois, nenhuma inconstitucionalidade a ser reconhecida, na media em que o legislador entendeu por bem estabelecer a imposição cumulativa das sanções previstas na Carta Magna.

Outrossim, o Juiz não está obrigado a aplicar todas as penas previstas, devendo aplicá-las de acordo com cada caso concreto e as que mais demonstrarem adequadas ao fato concreto praticado pelo agente.

Deve o Judiciário, chamado a aplicar a lei de probidade, analisar qual das penas é mais adequada em face do caso concreto. Não se trata de escolha arbitrária, porém legal.

Assim sendo, com os fundamentos expostos na apreciação de cada preliminar argüida, somados aos contidos na réplica, rejeito todas as preliminares, inclusive o pedido de declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 8.429/92.

II . III - DO MÉRITO

Afastadas todas as preliminares, impõe-se o julgamento do mérito.

Não existe nulidade nem irregularidade processual a serem sanadas, uma vez que foi observado o devido processo legal.

II . III . I - DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE

A lide em questão comporta julgamento antecipado, uma vez que os fatos alegados pelo Autor na petição inicial e na réplica estão seguramente provados através do conjunto probatório existente no Inquérito Civil que embasou esta ação.

Tendo sido declarada a ineficácia da contestação em relação aos quatro últimos Réus e decretada a revelia deles, em razão dos efeitos desta, presumem-se verdadeiros os fatos alegados em relação a eles, os quais estão sobejamente provados e não foram impugnadas as provas existentes no Inquérito Civil.

Já o primeiro Réu, além de não ter trazido aos autos, com a contestação, provas para comprovar qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito pleiteado pelo Autor, não impugnou as que foram por este produzidas no Inquérito Civil e sequer protestou pela produção de provas.

Sendo a questão de mérito de direito e de fato, e os aspectos decisivos da causa se mostram suficientes para embasar o meu convencimento, entendo ser desnecessária a produção de quaisquer outras provas.

A respeito do que estabelece a parte final do art. 300 do CPC, especificação das provas que o réu pretende produzir, a jurisprudência assim tem entendido:

" O que se exige quanto à especificação dos meios de prova com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados vale para o réu em sua contestação. O art. 300 do CPC guarda simetria com o inciso VI do art. 282 da mesma lei" (Ac. Unân. Do 2º Grupo de Câmaras do TJRS de 21.06.85, nos Embargos nº 583.007.893, rel. Des. Nélson Oscar de Souza; RJTJRS 113/230).

"O direito de especificar provas extingue-se para o réu que, na contestação, deixou de fazê-lo" (TRF-1ª Turma, Ag. 55.215-SP, rel. Min. Carlos Thibau, j. 22.3.88, p. 11.890), pouco importando que, posteriormente, o juiz tenha determinado que as partes especificassem provas, pois este despacho somente aproveita a quem por elas protestou na inicial e na contestação (RJTJESP 123/204).

" AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE - MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE ATIVA - PENAS CUMULATIVAS - IMPOSSIBILIDADE - INTELIGÊNCIA DO ART. 3º DA LEI 7.347/85 - DESNECESSIDADE DA PRODUÇÃO DE PROVAS - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE

- (...)

- Não há que se falar em cerceamento de defesa por ter o Juiz realizado o julgamento antecipado da lide, quando a questão de mérito é de direito e de fato, e os aspectos decisivos da causa se mostram suficientes para embasar o convencimento do Magistrado, não sendo necessária a produção de provas em audiência, principalmente quando a parte não esclarece quais são as provas que pretende apresentar e o que busca provar.

(...)

APELAÇÃO CÍVEL Nº 52.677/2 - Comarca de Barão de Cocais - Rel. Des. Vaz de Mello - Revista de Jurisprudência Mineira - vols. 135/136 - pág. 187.

" O propósito de produção de provas não obsta ao julgamento antecipado da lide, se os aspectos decisivos da causa se mostram suficientes para embasar o convencimento do Magistrado" (STF - RE nº 96.384/7 - SP, DJU de 26/11/82 - p. 12124).

II . III . II - DO MÉRITO

Não merece a menor consideração e dispensa maiores comentários o protesto feito pelo primeiro Réu contra o ajuizamento desta ação por se tratar de inconformismo que em nada lhe socorre e não condiz com a realizada que ele tenta incutir.

A indignação e o repúdio demonstrados na contestação não têm nenhum fundamento, pois não foram imputados aos Réus nenhum dos atos de improbidade administrativa elencados no art. 9º da Lei 8.429/92.

No que tange aos ataques contra a petição inicial, já foram apreciados quando da análise das preliminares.

II . III . II . I - DA ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZOS AO ERÁRIO MUNICIPAL

O contestante alegou que o Autor, em sua longa e confusa narrativa fática, não demonstrou nenhum prejuízo ao erário municipal e sim demonstrou a inexistência de lesão quando afirmou que "as prestações de contas relativas ao Reveillon 97/98 e ao Carnaval/98 demonstram estar regulares, consoante certidão de fls. 477".

Lamentavelmente, mais uma vez é necessário dizer que o advogado do primeiro Réu não leu a petição inicial, porque a exposição dos fatos e a individualização das condutas de cada Réu está mais clara do que a luz solar.

Com a devida permissão do Autor, adoto integralmente os fatos e fundamentos por ele apresentados na réplica e os transcrevo para fundamentar este item.

" A improbidade administrativa imputada ao Chefe do Poder Executivo Municipal, consiste no fato de não terem sido recolhidas as taxas de utilização de área de domínio público e de desenvolvimento de comércio eventual ou ambulante nos eventos realizados ao longo se sua administração.

Tal fato está sobejamente comprovado pelas certidões oriundas da Assessoria Técnico Legislativa da Câmara Municipal de Cambuquira-MG (fls. 45, 269 e 270).

Também não é ínfimo o dano ocasionado ao patrimônio público, pois as quantias elencadas na inicial dizem respeito apenas ao que foi apurado ao término das investigações realizadas no Inquérito Civil Público. Contudo, de acordo com o que informou o segundo Réu, Sr. Sérgio dos Santos Costa, Diretor de Esportes, Lazer e Turismo da Prefeitura Municipal de Cambuquira-MG, em suas declarações de fls. 334, foram realizadas, aproximadamente, oito festas.

Com efeito, o dano ocasionado ao patrimônio público, como dito alhures, é bem maior do que o montante apurado, pois não há notícia do recolhimento das aludidas taxas em, aproximadamente, oito eventos realizados, sendo certo que tal assertiva tem por base os elementos de convicção constantes do Inquérito Civil Público em apreço.

Conclui-se, pois, sem maior esforço, a ocorrência da improbidade imputada ao primeiro Réu, pois não pode o Prefeito Municipal deixar de recolher as taxas em epígrafe ao arrepio do que dispõe o art. 57, IV, "e" e V, "b", do Código Tributário Municipal – Lei Complementar n.º 005/95, em flagrante afronta ao princípio da legalidade.

Na mesma direção, constitui improbidade administrativa a ilegalidade das cobranças e o gerenciamento dos recursos arrecadados nos três eventos investigados, pois as quantias não podem ser consideradas como taxas de utilização de área de domínio público e de desenvolvimento de comércio eventual ou ambulante, vez que: 1) o saldo das referidas receitas, segundo certidões de fls. 45, 269 e 270, é zero; 2) os parâmetros utilizados para a fixação dos valores a serem arrecadados não foram os constantes do art. 57, IV, "e" e V, "b", do Código Tributário Municipal, fato, inclusive, afirmado pelo alcaide no ofício de fls. 301; 3) nenhum dos recibos apresentados, ao longo das investigações, pode ser considerado como substituto das respectivas guias de recolhimento.

Não pode, destarte, o Judiciário interpretar tais operações como sendo legais. Assim, indaga-se: seria legal o contribuinte pagar a vereadores ou a terceiros estranhos ao setor de arrecadação tributo mediante recibo e, após, os respectivos valores não passarem a integrar os saldos constantes dos balancetes da Prefeitura Municipal?

Por sua vez, a certidão de fls. 511 joga por terra a afirmativa de que a prestação de contas relativa à Festa da Cidade/98 está correta. Assim, todos os Réus devem responder, solidariamente, pela reposição de R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais), conforme se extrai da exordial, na medida em que o primeiro tem por dever constitucional acautelar o patrimônio público e os demais porque, malgrado tenham tido acesso ao produto da cobrança feita aos ambulantes, não lograram justificar o destino da aludida quantia".

II . III. II. II - DA ALEGAÇÃO DE CONFUSÃO DO AUTOR COM RELAÇÃO A ARRECADAÇÃO E ISENÇÃO DE TAXAS DE OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO

Por derradeiro e sob o título supra, o contestante alegou que o Autor caiu em contradições homéricas, visto que, inicialmente, aduziu que foi realizada a arrecadação, em seguida questiona os critérios, mas não aponta prejuízos, para em seguida dizer em isenção, que as despesas realizadas só poderiam ser através de empenho e, finalmente, desconsidera todos os gastos realizados, como se não tivessem sido realizados.

Ao contrário do que alegou, o Réu é quem não conseguiu esclarecer o que pretendeu com a sua confusa contestação, o qual, na realidade, não manifestou precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial, presumindo-se verdadeiros os não impugnados, nos termos do que prescreve o art. 302 do CPC, eis que não se lhe aplica nenhuma das hipóteses previstas nos incisos do citado artigo.

Na verdade, o contestação foi feita por negativa geral operando-se, com isso, a confissão.

Segundo o princípio da eventualidade, acolhido pelo CPC, o réu deve deduzir toda a sua defesa na contestação, ainda que convicto de que bastará esta ou aquela preliminar para pôr termo à ação; pois, eventualmente, a preliminar poderá ser repelida, e já não lhe será mais possível aditar a defesa, portanto, nesta deve argüir tudo quanto for necessário à sua defesa; não o tendo feito, inclusive em face do princípio da eventualidade, preclui o seu direito de suscitar, na instância seguinte, o que não fez oportunamente.

Admitindo o Réu que efetivamente se verificaram os fatos alegados, mas de forma diversa do apresentado pelo Autor, cumpre-lhe explicitar como teriam ocorrido, não bastando, para atender ao art. 302 do CPC, a genérica afirmação de que passaram de modo diferente.

A propósito do assunto, trago à colação o seguinte julgado:

" Cada fato que o autor afirmar tem de ser negado, com precisão, pelo réu. O réu arca com o ônus de impugnar, especificamente, os fatos deduzidos pelo autor, pois, do contrário, eles se tornarão incontroversos. O art. 302 do CPC, caput, deixa bem claro que a ausência de impugnação precisa e específica a cada um dos fatos acarreta a presunção de verdade do que foi comunicado ao réu pela citação. Compete a ele alegar, na contestação, toda matéria de defesa" (Ac. 411 da 3ª T. Do TST de 23.3.87, no RR nº 3.463/86, Rel. Min. Orlando Teixeira da Costa; Adcoas, 1987, nº 114.964).

No que pertine à arrecadação e isenção de taxas de ocupação do solo urbano, a insinuação feita pelo contestante é de todo descabida, pois tenta justificar a não arrecadação com a isenção.

Segundo estabelece o art. 176 do Código Tributário Nacional, a isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei. Já o art. 177 do mesmo Código estabelece que, salvo disposição de lei em contrário, a isenção não é extensiva às taxas, contribuições de melhorias e aos tributos instituídos posteriormente à sua concessão.

Depreende-se das normas contidas nos citados artigos que somente pode ser concedida isenção de tributos através de lei e tal benefício não abrange as taxas.

O documento de fls. 512 destes autos comprova que no Município de Cambuquira não existe Lei Municipal específica sobre concessão de isenção, anistia ou remissão em relação às taxas de utilização de área de domínio público e de exercício de comércio eventual ou ambulante, portanto, o Prefeito Municipal jamais poderia ter deixado de cobrar as taxas devidas para a utilização de áreas de domínio público na realização dos eventos indicados na exordial e a sua não cobrança não caracteriza isenção, porque esta somente pode ser concedida através de lei.

Vem, à colação, a propósito, o magistério do Prof. Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário, p. 327 - 334, que assevera, ao tratar da fenomenologia das isenções tributárias:

" A isenção tem de ser veiculada por lei. Nem poderíamos imaginá-la, no contexto de sua fenomenologia, se assim não fosse. Seria aberrante inconstitucionalidade depararmos com uma regra isencional baixada por decreto do Executivo. Di-lo muito bem o art. 176 do Código Tributário Nacional que a isenção, ainda que prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições, os tributos a que se aplica e, sendo o caso, o prazo de sua duração".

A jurisprudência comunga o mesmo entendimento, conforme se vê nos seguintes julgados:

" AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - CONCESSÃO DE REDUÇÃO E ANISTIA DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA DE IPTU PELO PREFEITO MUNICIPAL SEM AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA - LESÃO AOS COFRES MUNICIPAIS - OBRIGAÇÃO DE RESSARCIR - FUNDAMENTO LEGAL

(...)

A concessão de redução ou isenção de qualquer tributo ou de obrigação acessória, como juros e correção monetária, sempre depende de lei autorizativa (CTN arts. 172 e 176), vale dizer de diploma legal aprovado pelo legislativo e sancionado pelo executivo, e não por vontade unilateral do chefe deste. Abatimentos operados sobre tributos e acessórios de tributos, sem autorização legislativa, imposta lesão ao cofres públicos e a lesão ao patrimônio público pode ser ressarcida, na ausência de outra norma, com fundamento no art. 159 do CCB - Apelo desprovido". ( TJRS - Ac. 597163641 - RS - 1ª C. Cív. - Rel. Des. Celeste Vicente Rovani - J. 25.03.1998).

" DIREITO TRIBUTÁRIO - CONVÊNIO - ISENÇÃO

- Mesmo as isenções insertas em cláusulas contratuais celebradas entre a Fazenda Pública e o contribuinte têm que provir, necessariamente, de norma legal expressa, a quem incumbe o estabelecimento dos requisitos, das condições e dos prazos do benefício" (TJMG - Ac. 157.562-0.01 - 5ª Câm. Cív. Rel. Des. Isalino Lisboa).

II . III . II . III - DAS CONDUTAS ILÍCITAS DOS RÉUS E DAS PENAS QUE LHE SERÃO APLICADAS

Diante do conjunto probatório existente nos autos e da fundamentação contida nesta decisão, não resta dúvida que os pedidos formulados na petição inicial procedem.

Procedentes os pedidos, deve-se resolver agora qual ou quais as penas, entre as várias previstas na Lei nº 8.429/92, demonstra-se adequada ao ato de improbidade administrativa praticado pelos Réus.

A conduta ilícita e ímproba de cada um deles está bem definida na petição inicial, à qual me reporto e adoto como parte integrante da fundamentação deste item, para não ser repetitivo.

É de se ressaltar que os atos de improbidade administrativa praticados pelo Réu RUBENS BARROS SANTOS, conforme narrado na alínea "a" da exordial, às fls. 06/12, são de extrema gravidade, razão pela qual merece tal Réu ser apenado com rigor, pois a sua negligência na arrecadação de tributos ou rendas destinadas ao erário público, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público, revela total desrespeito ao contribuinte e menosprezo `a coisa pública, violando, com isso, os princípios norteadores da administração pública, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.

Registra-se, por oportuno, que os arts. 10 e 11 da Lei nº 8.429/92 atendem exigências sociais de promoção de princípios éticos e preparo profissional dos agentes públicos no desempenho de suas atividades.

Outrossim, o dano ocasionado ao patrimônio público pelo alcaide vai muito além do que foi apurado no Inquérito Civil, pois as quantias elencadas na inicial dizem respeito apenas ao que foi apurado ao término das investigações realizadas. Segundo informações do Réu Sérgio dos Santos Costa, em suas declarações de fls. 334, foram realizadas, aproximadamente, oito festas, sendo que o primeiro Réu não logrou provar a arrecadação de taxas de nenhuma delas e os balancetes, bem como as certidões de fls. 45, 269 e 270 provam, satisfatoriamente, que, ao longo da sua administração, não entrou nos cofres públicos um centavo sequer proveniente dos eventos realizados.

Diante de tais fatos, da gravidade dos atos de improbidade administrativa praticados pelo primeiro Réu, e do seu comportamento, reveladores, sem dúvida, ser ele agente ímprobo, violador da moralidade administrativa, pela violação do disposto nos arts. 10 e 11 da Lei nº 8.429/92, entendo que as penas a lhe serem aplicadas são : ressarcimento integral do dano apurado, perda da função pública e suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 06 (seis) anos.

No que pertine à conduta dos demais Réus, também está claramente definida na alínea "b", às fls. 12 e 13 da petição inicial, à qual me reporto e adoto como fundamentação deste item.

As provas colhidas ao longo das investigações no Inquérito Civil demonstram, seguramente, a conduta ilícita deles, cujas provas sequer foram questionadas pelo Réu contestante. Como se isso não bastasse, diante da decretação da revelia deles, está sepultada qualquer alegação contrária e, na ausência de prova da destinação da quantia de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) por eles arrecada, respondem solidarimente com o primeiro Réu pela ilegalidade praticada.

É de se ressaltar que os Réus, Sérgio dos Santos Costa e Ziloel Moura, na qualidade de funcionários públicos municipais e exercentes de cargos de confiança na administração municipal, estão vinculados e devem obediência aos mesmos princípios administrativos previstos no art. 37 da Constituição da República.

Já os Réus Luiz Sérgio de Souza Reis e Mozart Casado Siqueira, na qualidade de vereadores da Câmara Municipal de Cambuquira, na atual legislatura, além de estarem também vinculados aos mesmos princípios, por terem sido designados pelo Prefeito Municipal para participarem das comissões organizadoras dos eventos em questão, têm, por dever de ofício, no desempenho do cargo de vereador, o poder-dever de fiscalizar os atos administrativos do Prefeito Municipal em prol do interesse da cidadania, como forma de verificação do cumprimento da legalidade, moralidade e impessoalidade dos atos administrativos.

Inquestionavelmente, a conduta dos demais Réus é tão grave quanto a do primeiro, porque eles foram coniventes e co-autores na prática dos autos de improbidade administrativa, causando lesão ao erário público.

O princípio da probidade administrativa, ou seja, da honestidade, da decência, da honradez no trato da coisa pública, é corolário dos princípios fundamentais da legalidade e da moralidade.

A probidade administrativa na gestão do patrimônio público, que abrange tanto os bens e direitos de valor econômico (erário) como de valor estético, histórico ou turístico, é espécie de interesse difuso, pois é bem de todos, transidividual, absolutamente indivisível, cuja violação afeta toda a sociedade.

Sua transgressão, nos termos do disposto no § 4º do art. 37 da Constituição Federal, importará a suspensão dos direitos políticos do, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao Erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Assim sendo, diante da gravidade dos atos de improbidade administrativa praticados pelos Réus supranominados, e dos comportamentos, reveladores, sem dúvida, serem agentes ímprobos, violadores da moralidade administrativa, pela infração do disposto nos arts. 10 e 11, "caput", da Lei nº 8.429/92, entendo que as penas a lhe serem aplicadas são : ressarcimento integral do dano apurado, perda da função pública e suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 05 (cinco) anos.


III - DA CONCLUSÃO

Em face do exposto e o mais que dos autos consta, solidário com o conjunto probatório neles existente, decido o seguinte:

1 - DECRETO A REVELIA DOS RÉUS SÉRGIO DOS SANTOS COSTA, ZILOEL MOURA, LUIZ SÉRGIO DE SOUZA REIS e MOZART CASADO SIQUEIRA.

2 - REJEITO todas as preliminares argüidas na contestação, inclusive a argüição de inconstitucionalidade da Lei nº 8.429/92.

3 - JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial e, em conseqüência:

3 . 1 - CONDENO o primeiro Réu, RUBENS BARROS SANTOS, a recolher aos Cofres Públicos do Município de Cambuquira, a importância de R$ 1. 769, 29 (hum mil setecentos e sessenta e nove reais e vinte e nove centavos), relativa às taxas de utilização de logradouro público e de exercício de comércio eventual ou ambulante não recolhidas no Reveillon 97/98, Carnaval/98 e Festa da Cidade/98, conforme demonstrativo de fls. 16, a qual deverá ser corrigida monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, a partir da data do ajuizamento desta ação, com incidência de juros de mora de 0,5 % (meio por cento) ao mês, a partir da data da citação.

3 . 2 - CONDENO OS RÉUS RUBENS BARROS SANTOS, SÉRGIO DOS SANTOS COSTA, ZILOEL MOURA, LUIZ SÉRGIO DE SOUZA REIS e MOZART CASADO SIQUEIRA, solidariamente, a recolherem aos Cofres Públicos do Município de Cambuquira, a importância de R$ 1. 500,00 (hum mil e quinhentos reais), relativa à disparidade entre os valores arrecadados e as despesas efetuadas na Festa da Cidade/98, cuja quantia também não ingressou no cofres do município, a qual deverá ser corrigida monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, a partir da data do ajuizamento desta ação, com incidência de juros de mora de 0,5 % (meio por cento) ao mês, a partir da data da citação.

3 . 3 - Com fulcro no art. 12, incisos II e III, da Lei nº 8.429/92, APLICO ao Réu RUBENS BARROS SANTOS as seguintes sanções pelos atos de improbidade administrativa praticados : PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA e SUSPENSÃO DOS SEUS DIREITOS POLÍTICOS PELO PRAZO DE 06 (seis) anos, após o trânsito em julgado desta decisão.

3 . 4 - Com fulcro no art. 12, incisos II e III, da Lei nº 8.429/92, APLICO aos Réus SÉRGIO DOS SANTOS COSTA, ZILOEL MOURA, LUIZ SÉRGIO DE SOUZA REIS e MOZART CASADO SIQUEIRA, as seguintes sanções pelos atos de improbidade administrativa praticados : PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA e SUSPENSÃO DOS SEUS DIREITOS POLÍTICOS PELO PRAZO DE 05 (cinco) anos, após o trânsito em julgado desta decisão.

4 - Após o trânsito em julgado desta decisão, oficie-se ao Egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Minas Gerais, comunicando a suspensão dos direitos políticos dos Réus.

5 - CONDENO OS RÉUS, solidariamente, no pagamento das custas, despesas processuais e taxa judiciária.

Com fulcro no art. 269, inciso I, do CPC, julgo extinto o processo, com julgamento do mérito.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se, inclusive a Municipalidade.

Cambuquira, 22 de agosto de 2000

João Batista Lopes

Juiz de Direito
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. ACP contra falta de prestação de contas de verbas de festas públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16367. Acesso em: 24 abr. 2024.

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