AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Processo s/nº
Requerente : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA
Promotor: Dr. Edson Damas da Silveira
Requeridos : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RORAIMA; PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RORAIMA; MARIA DO SOCORRO B. DA SILVA, JOSÉ WALLACE B. DA SILVA, ELEONORA SILVA DE MORAIS, LEONARDO MAIA DE MORAIS, DÉBORA LANE M. MORAIS BRASIL, RAIMUNDO N. FERNANDES MOREIRA, CLÁUDIO R. MENDONÇA PASCOAL, TEREZINHA DE JESUS M. PASCOAL, JURACI OLIVEIRA PASCOAL E ANA CRISTINA C. DOS ANJOS.
Distribua-se, registre-se e autue-se.
O Ministério Público do Estado de Roraima, na pessoa do ilustre Promotor de Justiça, Dr. Edson Damas da Silveira, propõe Ação Civil Pública contra Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima e, ainda, contra Maria do Socorro B. da Silva e outras nove (09) pessoas relacionadas.
Alega, em síntese, que os dez (10) últimos Requeridos são parentes , até o terceiro grau civil, ou companheira , de cinco (05) dos seis Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima e ali ocupam cargos de direção e confiança , ao arrepio do princípio da moralidade administrativa e de proibição expressa na Lei Complementar Estadual nº 002/93 (Código de Organização Judiciária do Estado de Roraima).
Esclarece que esses Requeridos foram exonerados através da Resolução nº 018/96, de 27.11.96 (DPJ 03.12.96), mas posteriormente mantidos nos cargos através dos Atos nºs 128, 131, 138, 142, 143, 145, 147, 153, 162 e 163 , todos publicados no DPJ de 03.01.97.
Acrescenta haver encaminhado dois expedientes à Presidência do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, não tendo recebido resposta ao segundo .
Discorre, com erudição , acerca de posições doutrinárias e colige arestos , para concluir requerendo liminar ou, alternativamente, antecipação da tutela para suspender os efeitos dos atos relacionados , o exercício e o pagamento de vencimentos dos dez (10) últimos Requeridos .
Acompanham a inicial, além da legislação pertinente, documentos e fita VHS degravada contendo entrevista do Exmo. Sr. Desembargador Jurandir Pascoal, Vice-Presidente no exercício da Presidência do Tribunal de Justiça de Roraima.
Perfunctoriamente relatado, passo a decidir.
Inquestionavelmente a competência para processar e julgar a presente ação pertence a esta Vara de Fazenda Pública, quer por disposição expressa do art 2º, Lei nº 7.347/85 c/c arts 31 e 35 da Lei Complementar Estadual nº 002/93 (Código de Organização Judiciária do Estado de Roraima), quer por interpretação firme do Supremo Tribunal Federal : AgrPet nº 240, Ministro Néri da Silveira ; AgrPet nº 693, Ministro Ilmar Galvão.
Sequer o superveniente impedimento (art 134, V, CPC) de cinco dos seis Desembargadores do Tribunal de Justiça de Roraima para julgarem eventual apelação, será suficiente para afastar a competência da Primeira Instância, como testifica o seguinte excerto: "...Competência do Supremo Tribunal Federal para julgar apelação interposta para Tribunal Estadual quando a maioria dos juízes efetivos do órgão competente para a causa está impedida. Precedentes..." (grifei) (AOr nº 378-4 - SC, Ministro Maurício Correia).
A legitimidade do Ministério Público Estadual exsurge cristalina no plano constitucional (art. 127, caput c/c inciso III , art 129, CF/88), como também ao nível infra-constitucional (alínea b, inciso IV, art 25 da Lei nº 8.625/93 c/c art 17 da Lei nº 8.429/92).
A Lei Complementar Estadual nº 002/93 (Código de Organização Judiciária do Estado de Roraima) dispõe , no que interessa, o seguinte:
"Art 251. Salvo se servidor efetivo de Juízo ou Tribunal, não poderá ser nomeado para cargo em comissão, ou designado para função gratificada, cônjuge, companheiro ou parente, até o terceiro grau civil, inclusive, de qualquer dos respectivos membros ou Juízes em atividade."
As pessoas relacionadas na inicial pública e notoriamente — até mesmo por declarações à imprensa do Exmo. Sr. Desembargador Vice-Presidente, no exercício da Presidência —, têm graus variados de parentesco com cinco dos Exmos. Srs. Desembargadores e — embora alguns tenham tentado aprovação no último concurso público — não fazem parte do quadro de pessoal efetivo do Poder Judiciário do Estado de Roraima.
A matéria trazida ao debate agita a delicada questão da nomeação de parentes de Desembargadores para cargos de direção e funções gratificadas no âmbito do Tribunal de Justiça, no momento em que o Poder Judiciário Brasileiro enfrenta uma de suas piores crises de legitimidade e é alvo de críticas acerbas .
Persistindo o status quo, não será difícil predizer o futuro: basta consultar o passado . Discorrendo sobre uma destas crises de legitimidade Mauro Cappelletti leciona :
"Para explicar os motivos disto bastará recordar que o ofício judiciário fora considerado pelos juízes franceses do ancien régime e, em particular, pelos Parlamentaires, ou seja, pelos juízes daquelas Cortes Superiores que eram os Parlements, como un droit de proprieté, un droit patrimonial, possuído por eles au même titre que leurs maisons et leurs terres ...
........................................................ Não foi à toa que aqueles juízes estiveram, quase sempre, entre os adversários mais implacáveis de qualquer, mesmo mínima, reforma em sentido liberal, e, então, implacabilíssimos adversários da Revolução que, nas terras das guilhotinas, fez, afinal, larga messe de suas veneráveis cabeças..."
(O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, 2ª edição, Porto Alegre, Fabris Editor, 1978, págs. 96/97)
Sob color da lição histórica, ao primeiro exame penso que qualquer dispositivo vedando nomeação de parentes de Juízes e Desembargadores para cargos de direção e funções gratificadas do Tribunal de Justiça não é somente constitucional, mas necessário. Entender o contrário seria admitir que se dispusesse dos cargos públicos no Judiciário au même titre que leurs maisons et leurs terres e isto me parece , à primeira vista, jurídica e socialmente inaceitável.
A proibição existia já sob o império dos princípios da impessoalidade e moralidade administrativas, mas vem-se firmando em normas , tais o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, Regimentos Internos dos Tribunais Regionais Federais , Constituições Estaduais (v.g. Rio Grande do Sul) e , mais recentemente, na Lei Federal nº 9.421/96 .
De tudo resulta que me parece plausível a tese do Ministério Público Estadual de serem ilegais e imorais as nomeações das pessoas físicas relacionadas na inicial.
De outro prisma, parece-me verossímil que as indigitadas pessoas tenham sido exoneradas através da Resolução nº 018/96, de 27.11.96 (DPJ 03.12.96) e não terem forma ou conteúdo jurídico os atos que as mantiveram nos cargos . Uma de três : houve exoneração e, portanto, seria um nada jurídico o ato que mantém pessoa exonerada, posto que seu objeto é impossível ; o ato que mantém na verdade quereria significar nomeação , vedada por Lei Complementar Estadual ; ou , não houve exoneração e o ato que mantém não teria objeto .
Destarte , devem ser garroteados ab initio a permanência no serviço público e o pagamento de vencimentos — que, aliás, não são baixos — a pessoas cujos vínculos padecem , aparentemente, de sérios vícios .
Certo, uma ação desta natureza , não somente pelos interesses que contraria e, conseqüentemente, pelas enormes resistências que irá enfrentar e terá de superar — haja visto o encaminhamento dado aos expedientes do Ministério Público Estadual — , como também pela densidade política que encerra, exige tramitação firme e expedita, até mesmo em homenagem às exigências de celeridade e efetividade processuais . Ademais, como seu objeto é o ressarcimento ao erário público, a persistência do pagamento de altos vencimentos só contribuirá para torná-lo mais difícil, senão improvável .
De outro giro, se porventura a ação for julgada improcedente, os servidores implicados não terão dificuldades em receber os vencimentos eventualmente devidos.
Ao fim e ao cabo , se esta ação contribuir para resgatar a dignidade de uma fração do Poder Judiciário, qualquer sacrifício, mesmo pessoal , terá valido a pena .
De tudo quanto foi exposto, afiguram-se-me presentes os requisitos ensejadores da antecipação da tutela. Contudo, há que resguardar o normal funcionamento do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima — até para que não sirva de argumento de contestação — , concedendo prazo razoável para que outros servidores — desde que não incorram no mesmo impedimento — sejam nomeados.
Diante do exposto e do que consta dos autos, defiro liminarmente antecipação da tutela para o fim de declarar exonerados, suspender o exercício de suas funções e o pagamento de vencimentos a partir do dia 31.03.97, inclusive, de Maria do Socorro B. da Silva, José Wallace B. da Silva, Eleonora Silva de Morais, Leonardo Maia de Morais, Débora Lane M. Morais Brasil, Raimundo N. Fernandes Moreira, Cláudio R. Mendonça Pascoal, Terezinha de Jesus M. Pascoal, Juraci Oliveira Pascoal e Ana Cristina C. dos Anjos.
Requisitem-se, por ofício, ao Exmo. Sr. Presidente do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima , ou a quem o estiver substituindo, cópias autenticadas ou originais das freqüências e pastas, fichas e/ou assentamentos funcionais das pessoas acima relacionadas , nos termos da Lei nº 7.347/85.
Expeçam-se mandados de Citação e Intimação do Exmo. Sr. Presidente do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima e demais Requeridos, para conhecimento desta ação , cumprimento da decisão liminar e ciência do ônus de responder, sob as penas da lei .
Publique-se.
Boa Vista, 10 de março de 1997
Dr. Helder Girão Barreto
Juiz de Direito