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Competência para aplicar sursis processual:

conflito positivo entre vara criminal e vara de execuções criminais

05/02/2006 às 00:00
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Suscitação de conflito positivo de competência pelo juiz criminal, o qual considerou inconstitucional provimento do Tribunal de Justiça de Sergipe que determina que a competência para fiscalização das condições impostas pela suspensão condicional do processo seria do juízo das execuções.

PROC. Nº: 200520100133

PEDIDO: CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA

SUSCITANTE: JUÍZO DA 1ª VARA CRIMINAL

SUSCITADO: JUÍZO DA VARA DE EXECUÇÕES DAS MEDIDAS E PENAS ALTERNATIVAS - VEMPA

RÉU: ROBSON VICENTE DOS SANTOS, vulgo "BODE"

VÍTIMA: A COLETIVIDADE

AÇÃO PENAL: PÚBLICA INCONDICIONADA

CAPITULAÇÃO: art. 16 da Lei nº 6.368/76

R. Hoje.


D E C I S Ã O

In primis, constato que a Autoridade Policial lavrou o Termo Circunstanciado de fls. 08/34, em 22 de janeiro de 2004, imputando aos autores do fato o crime de bagatela previsto no artigo 16 da Lei nº 6.368/76.

Ato contínuo, o referido Termo Circunstanciado foi encaminhado ao Juizado Especial Criminal, tendo sido aplicado uma pena alternativa em face do co-autor, Ricardo Antonio(fls. 26/27), e determinado a separação do procedimento em face do autor do fato não encontrado, Robson Vicente, conforme decisão de fls. 33/34, tendo então sido procedida a distribuição do feito a uma Vara Criminal Comum, cuja distribuição fora consumada em 09 de dezembro de 2004(fls. 34v).

A Promotoria de Justiça desse juízo ofertou denúncia em 22 de dezembro de 2004(fls.3/4), incursionando o réu ROBSON VICENTE DOS SANTOS nas reprimendas do artigo 16 da Lei 6.368/76, bem como pugnando pelo sursis processual, e cuja audiência foi realizada em 06 de dezembro de 2005, sendo o benefício aceito e homologado na dita audiência(fls. 42/43).

É o relatório, passo a decidir.


II – MOTIVAÇÃO

De início, assesto que – a princípio – dever-se-ia aplicar o Provimento nº 10/05 da Corregedoria Geral de Justiça, segundo o qual determina que a competência para fiscalizar o sursis processual é da Vara das Execuções de Penas Alternativas(Vempa), devendo assim o Juízo Processante para lá encaminhar os autos presentes(art. 1º do Provimento 10/05).

A despeito da vigência do referido Provimento – data vênia – sempre entendi e entendo que há um equívoco no que se refere a essa faceta do Provimento, isto é, na fixação da competência para fiscalização das condições impostas em sede de sursis processual em prol da VEMPA, haja vista que convencido estou que a competência é do Juízo Processante, do Juízo que homologou o Sursis Processual, e não do Juízo das Execuções Criminais.

E diante de tal impasse jurídico, não obstante todo respeito que devoto e empresto à Corregedoria Geral de Justiça, não me resta outra alternativa senão suscitar o conflito positivo, vez que absolutamente convencido estou que a competência é do Juízo Processante e não do Juízo da Execuções, consoante as razões que a seguir alinhavo.

Dessarte, justifico a necessidade da suscitação do conflito positivo, uma vez que o tema da competência é de importância capital para a boa Administração da Justiçao que por certo, acaso esteja correto meu posicionamento jurídico – evitará nulidades absolutas a serem questionadas e argüidas em todos os feitos processados perante à VEMPA, em sede de sursis processual, a partir da vigência do aludido Provimento, até porque nulidades desse jaez são imprescritíveis.

A meu juízo, pois, o conflito positivo de competência se impõe e que ora o instauro, à luz dos artigos 114 inciso I c/c 115 inciso III do Código de Processo Penal.

Como sabido e cediço, o instituto da competência é de ordem pública ou cogente, sendo definida a competência como a medida da jurisdição ou, segundo magistério de Paulo Rangel, em sua obra Direito Processual Penal, 3ª edição, editora Lúmen Júris, 2000, p. 215, "Competência, assim, é o espaço, legislativamente delimitado, dentro do qual o órgão estatal, investido do poder de julgar, exerce sua jurisdição".

O instituto é importantíssimo, uma vez que significa mesmo um pressuposto processual de validade do processo, de tal sorte que não basta apenas o Juiz achar-se investido do poder de julgar(investidura), mas também que o Juiz tenha competência para o processamento e julgamento da causa, para que haja validade do processo, sob pena de gerar nulidade, conforme assim previsto no artigo 564 inciso I do Código de Processo Penal.

Em sede de competência, pois, assesta a doutrina que há uma regra de ouro inafastável, inconcussa, mandamental e principiológica, qual seja: Juiz competente é o juiz natural do processo, sendo este um princípio processual penal de matriz constitucional!

Em síntese apertada, repartir ou dividir a competência significa repartir ou dividir a jurisdição ou o poder de julgar, sendo esta uma matéria de importância capital à administração da justiça, sob pena de causar nulidade(art. 564 inciso I do CPP), além de ferimento ao princípio do Juiz Natural, este de matriz constitucional.

In casu, o cerne da questão é o seguinte: a quem compete a fiscalização das condições impostas pela suspensão condicional do processo(art. 89 da Lei 9.099/95)?

Ao juízo processante, que homologou o benefício processual, ou ao juízo das execuções, como assim determina o Provimento nº 10/05?

Concessa vênia, entendo que a competência é do Juízo Processante, com estribo em sólida, robusta e farta doutrina, senão vejamos:

LUIZ FLÁVIO GOMES: "A fiscalização e o controle das condições fixadas no ato da suspensão do processo competem ao juízo processante, não ao juízo das execuções. A lei, na verdade, nada disse a respeito no artigo 89(diferente é a disciplina do juizado especial criminal, visto que o art. 60 deixou claro que inclusive da execução ele se encarregará). De qualquer modo, a outra conclusão não se pode chegar. É que, nos termos dos artigos 105, 147 e outros da Lei de Execução Penal, só se fala em competência da Vara das Execuções após o trânsito em julgado da sentença. Em se tratando de suspensão do processo, é evidente que não existe pena nem sentença de mérito nem trânsito em julgado", em sua obra Suspensão Condicional do Processo Penal, editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 1996, p. 337.

E em igual sintonia doutrinária, assim também entendeu a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, em parecer aprovado pela Corregedoria e de autoria do Magistrado Adilson de Araújo, publicado no Diário Oficial do Estado(DOE), de 10 de abril de 1996, p. 30, -- conforme citação extraída da obra Juizados Especiais Criminais, editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2ª edição, p. 300, de autoria coletiva de ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, ANTONIO FERNANDO SCARANCE FERNANDES e LUIZ FLÁVIO GOMES.

Nesse diapasão, registre-se o valioso magistério da Promotora de Justiça Dra. Greciany Carvalho Cordeiro, que apesar de reportar-se à fiscalização das condições do sursis processual em caso de réu residente em comarca diversa(o que implica na expedição de precatória) -- em brilhante artigo no qual se insurge contra orientação da Corregedoria Geral do Ministério Público do Estado do Ceará – defendeu e defende a tese que, uma vez homologado o sursis processual no juízo processante, e sendo o réu residente em outra comarca, a deprecata deve ser remetida para o Juizado Especial onde reside o réu, ou até mesmo para um Juízo Criminal Comum(segundo entendo), mas nunca e jamais para uma Vara das Execuções Criminais, uma vez que não há sentença condenatória a ser executada, consoante assim bem ressalta a nobre Promotora de Justiça, in verbis:

"Não obstante poucos doutrinadores tenham tratado acerca desse assunto, a posição que nos parece mais correta é a de que a competência para a fiscalização e o controle das condições fixadas por ocasião da suspensão condicional do processo não pertence à Vara das Execuções Criminais, uma vez que inexiste sentença condenatória a ser executada. Logo, é inconteste, que tal competência caberá ao Juizado Especial."(

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Em sede jurisprudencial, por seu turno, o Superior Tribunal de Justiça também já se manifestou sobre o tema, in verbis:

"PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. LEI Nº 9.099/95. SUSPENSÃO DO PROCESSO. FISCALIZAÇÃO. JUIZ DO PROCESSO. PRECATÓRIA.

As condições estabelecidas no sursis processual concedido nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95, de 1995, devem ser objeto de fiscalização pelo Juiz do processo, situando-se fora da competência do Juízo da Vara das Execuções Penais.

Residindo o réu em lugar diverso da Comarca onde teve curso o processo, é competente para a fiscalização das condições do sursis o Juízo para quem for distribuída a precatória.

Conflito conhecido. Competência do Juízo Suscitado."

(CC nº 1085/MG – in DJ 17/11/97 – Rel. Min. Vicente Leal) (STJ, Ccomp. 25.264/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 3-5-1999, DJU, 7-5-1999, p. 109).

Ademais, para bem firmar a competência do Juízo Processante na fiscalização do Sursis Processual, é de ressaltar-se que a natureza jurídica da decisão que homologa o benefício processual – na esteira dos postulados que informam a Justiça Penal Consensual teleologicamente inserta na Lei 9.099/95 – é de que se trata de uma mera decisão interlocutória e não de uma sentença, na medida em que a decisão não encerra a lide penal, não exaure a jurisdição criminal, não condena e não absolve o réu, mas unicamente e exclusivamente suspende o curso da ação penal, mediante a imposição de condições, que não se constituem em pena e que, por isso mesmo, tal decisão não pode ser fiscalizada ou executada pela Vara das Execuções Criminais.

Nesse aspecto, indague-se aqui se a Lei de Execuções Penais(Lei nº 7.210/84) prevê ou não a suspensão condicional do processo no rol da sua competência material?

A resposta é não, e de fácil deslinde,

pela simplória leitura de o artigo 66 incisos I a X da LEP, vez que ali não se avista nada a respeito, importando-se concluir que, se nada se avista é porque a Vara das Execuções Criminais não tem competência para executar as condições do sursis processual, não podendo assim – data máxima vênia – o Provimento nº 10/2005 da Corregedoria Geral de Justiça e as Leis Complementares que lhe dão respaldo(nºs 100 e 101/2005) ampliarem a competência de uma Lei Federal, qual seja, a própria Lei de Execução Penal.

E ratificando tal postura doutrinária, trago à baila outro pronunciamento de relevo, da lavra de ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, ANTONIO FERNANDO SCARANCE FERNANDES e LUIZ FLÁVIO GOMES, inserido na obra Juizados Especiais Criminais, São Paulo, editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 1997, p. 286, in verbis: "A decisão do juiz que determina a suspensão do processo não julga o mérito, isto é, nem absolve nem condena nem julga extinta a punibilidade. Não se trata de sentença, portanto. Muito menos de mero despacho. Só resta admitir que é uma decisão interlocutória(decisão que não encerra o processo). Sobrestamento não é encerramento. Não se pode confundir o ato que suspende o processo com o que aplica imediatamente a pena alternativa(art. 76)."

Ora, em suma: se não é uma sentença, se não julga o mérito da lide penal, é notório que se trata apenas e tão-somente de uma decisão interlocutória, decisão essa que não encerra o processo, até porque o sursis processual pode ser revogado na hipótese de o réu ou autor do fato descumprir quaisquer das condições impostas, a teor do art.89 § 3º e 4º da Lei 9.099/95.

Assim é que, por conseguinte, convencido estou que se trata de uma mera decisão interlocutória e não de uma sentença condenatória e que, ipso facto, a competência para executar o sursis processual é do Juízo Processante(o Juiz Natural, art 5º incisos XXXVII e LIII da Carta Magna) e jamais do Juízo das Execuções Penais -- sendo este absolutamente incompetente, em razão da matéria(art. 69 inciso III do CPP), além do que, como sabido, pelo fato de a competência da Vara de Execuções Penais somente consumar-se após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ex vi artigos 105 e 147 da Lei de Execução Penal.

Alfim, malgrado a consideração funcional que empresto aos mandamentos da Corregedoria Geral de Justiça, entendo que o Julgador, na condição de primeiro guardião da Constituição Federal da República, não pode e não deve omitir-se diante de suposta ou eventual inconstitucionalidade, não só por dever de ofício, mas também em respeito aos princípios processuais penais constitucionais – sob pena de assistir a Carta Magna esvair-se numa mera peça de retórica, em uma folha de papel em branco, em um nada jurídico!

Por derradeiro, concluo que o conflito positivo de competência se impõe, posto que advindos de Juízes de Direitos de igual instância, conflito este que ora suscito nos próprios autos, nos moldes dos arts. 114 inciso I e 115 inciso III e 116 do Código de Processo Penal.


III – CONCLUSÃO

em razão da natureza da infração(arts. 69 inciso III c/c 74) do Código de Processo Penal c/c art. 89 da Lei 9.099/95 e com estribo no Princípio do Juiz Natural(artigo 5º incisos XXXVII e LIII) da Constituição Federal.

De conseguinte, DE OFÍCIO SUSCITO O CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA entre este Juízo da 1ª Vara Criminal e o Juízo da Vara de Execuções das Medidas e Penas Alternativas(VEMPA) desta Comarca, com arrimo nos artigos 113, 114 inciso I, 115 inciso III e 116 do Código de Processo Penal, determinando ainda a remessa dos autos ao Egrégio Tribunal de Justiça, à luz do artigo 116 caput do Código de Processo Penal e nos moldes Código de Organização Judiciária e do art. 210 do Regimento Interno do TJ/SE.

Publique-se. Registre-se e Intimem-se, a Promotoria de Justiça e a Defesa.

Após, de imediato, remeta-se ao TJ/SE com as cautelas legais.

Cumpra-se.

Aracaju, 13 de dezembro de 2005.

JOÃO HORA NETO

MAGISTRADO

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Competência para aplicar sursis processual:: conflito positivo entre vara criminal e vara de execuções criminais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 947, 5 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16668. Acesso em: 19 abr. 2024.

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