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Trabalho do preso não gera vínculo de emprego

15/11/2006 às 00:00
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A sentença decide pela impossibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício entre preso e órgão do sistema penal, concluindo pelo indeferimento liminar da petição inicial.

PROCESSO Nº: 00676-2006-122-08-00-9 – RECLAMAÇÃO TRABALHISTA
AUTOR: JGS
ADVOGADO:OAB/PA 8410 JARBAS CUNHA DOS SANTOS
RÉU:SUPERINTENDÊNCIA DO SISTEMA PENAL DO ESTADO DO PARÁ - SUSIPE
JUIZ TITULAR:PAULO JOSÉ ALVES CAVALCANTE
DATA:10/11/2006


Sentença

            Considerando ser notório que o CENTRO DE RECUPERAÇÃO AGRÍCOLA SILVIO HALL DE MOURA, indicado pelo autor como réu na presente ação, é estabelecimento penal vinculado à SUSIPE, determino, de ofício, a retificação do pólo passivo da ação, para que nele passe a constar exclusivamente a pessoa jurídica SUPERINTENDÊNCIA DO SISTEMA PENAL DO ESTADO DO PARÁ – SUSIPE, autarquia estadual, devendo a Secretaria promover as alterações cabíveis no rosto dos autos e demais registros processuais.

            Pretende o autor JGS, na presente ação trabalhista, o reconhecimento judicial do vínculo empregatício com a ré SUPERINTENDÊNCIA DO SISTEMA PENAL DO ESTADO DO PARÁ - SUSIPE, alegando ter permanecido custodiado no CENTRO DE RECUPERAÇÃO AGRÍCOLA SILVIO HALL DE MOURA em dois períodos, o primeiro de julho de 1997 a maio de 2000, e o segundo de outubro de 2000 a junho de 2006, totalizando 2769 dias trabalhados como avicultor nesse estabelecimento.

            Afirma que trabalhava das 7h00 às 10h00 e das 13h00 às 16h00, de segunda a sábado, inclusive nos feriados, e que recebia remuneração mensal da ordem de apenas R$ 10,00 (dez reais), muito embora a lei determine o piso mensal equivalente a ¾ (três quartos) do salário mínimo.

            Acrescenta que ao ser dispensado a ré deixou de lhe pagar os direitos "rescisórios e indenizatórios", face ao que pretende também a condenação do ente público ao pagamento da quantia de R$ 21.214,81 (vinte e um mil duzentos e quatorze reais e oitenta e um centavos), a título de diferenças salariais, gratificações natalinas, férias, feriados trabalhados, FGTS + 40%, multas dos arts. 467 e 477, § 8º, da CLT, juros e correção monetária.

            Ressai cristalino, da inicial e dos documentos que a acompanham, notadamente o Ofício nº 793/2006 — CRASHM, de 08/08/2006 (fl. 09), que a "custódia" anunciada pelo autor nada mais é do que a condição de preso (recluso ou detido) em regime semi-aberto que ostentou no estabelecimento penal vinculado à ré nos dois períodos mencionados.

            Tanto o Código Penal, em seu art. 35, § 1º, quanto a Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/1984), instituem a obrigatoriedade do trabalho para o preso comum, sendo que esta última, em seu art. 28, § 2º, dispõe que o trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

            Justifica-se tal exclusão pelo fato de o trabalho do preso não corresponder a uma prestação de serviços como manifestação de um trabalho livre — o que fatalmente conduziria à sua inclusão no ordenamento jurídico trabalhista — mas apenas e simplesmente a uma atividade laborativa obrigatória instituída com caráter de dever social e condição de dignidade humana, justamente para atender ao conteúdo educativo e produtivo do processo inerente à sua ressocialização.

            A própria LEP dispõe que a remuneração do preso, não inferior a ¾ (três quartos) do salário mínimo (art. 29), deverá atender (a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios, (b) à assistência à família, (c) a pequenas despesas pessoais, (d) e ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores (art. 29, § l.°), devendo ser depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em caderneta de poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade (art. 29, § 2.°), ressaltando-se que as tarefas executadas como prestação de serviço à comunidade não serão remuneradas (art. 30).

            Dessa forma, não poderia o autor estranhar o baixo valor da remuneração que lhe foi paga no período de cumprimento de sua pena — R$ 20,00 em espécie e R$ 10,00 depositados em caderneta de poupança, mensalmente, segundo os documentos de fls. 10/11 —, tantos são os descontos legalmente previstos.

            Faço tais digressões no intuito de tentar explicar ao autor que a lei, ao impossibilitar que o preso que trabalhe seja reconhecido como empregado, não comete qualquer injustiça, mas ao contrário, não faz do trabalho um emprego por entender que a sua atribuição é um direito do preso, por ser instrumento de ressocialização.

            Voltando à pretensão do autor, é de se ter presente desde logo, em virtude do óbice legal descrito (art. 28, § 2º da LEP), que a tutela jurisdicional requerida não poderá ser atendida, devendo ser imediatamente negada em homenagem ao princípio da economia processual.

            Assim, face à impossibilidade jurídica dos pedidos, declaro o autor carecedor da ação e, nessa conformidade, com lastro no art. 295, I, e parágrafo único, III, do CPC, indefiro liminarmente a petição inicial, e extingo o processo sem resolução de mérito.

            Defiro ao reclamante os benefícios da justiça gratuita requeridos na peça vestibular (CLT, art. 790, § 3º), pelo que o isento do pagamento das custas processuais no importe de R$ 424,29 (quatrocentos e vinte e quatro reais e vinte e nove centavos), calculadas sobre o valor da causa.

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            Santarém/PA, 10 de novembro de 2006.

PAULO JOSÉ ALVES CAVALCANTE
JUIZ TITULAR

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Trabalho do preso não gera vínculo de emprego. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1232, 15 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16728. Acesso em: 24 abr. 2024.

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