Inaplicabilidade compulsória, no âmbito dos tributos estaduais e municipais, dos parâmetros de incidência do princípio da insignificância definidos pela União para os crimes tributários federais

Leia nesta página:

Os critérios definidos pela Administração Federal não podem ser obrigatoriamente utilizados como parâmetros para a aplicação do princípio da insignificância no âmbito dos tributos dos Estados, Municípios e Distrito Federal.

O Superior Tribunal de Justiça reconheceu que o princípio da insignificância é aplicável tanto aos crimes tributários federais, previstos na legislação especial, como ao crime de descaminho, tipificado no art. 334 do Código Penal. De acordo com o entendimento destacado, a  aplicação do referido princípio será possível nos casos em que os débitos tributários estiverem dentro dos limites de valores estabelecidos por ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional para a cobrança da dívida ativa.[1]

A despeito dessa orientação, a Corte decidiu que esses critérios, definidos na Lei nº 10.522/2002[2], não podem ser utilizados como parâmetros para a aplicação do princípio da insignificância [3]no âmbito dos tributos dos Estados, Municípios e Distrito Federal. Nesses casos, a apuração da eventual insignificância dependeria da apreciação das respectivas normas locais.

Sobre essa questão, confira a seguinte ementa:

HABEAS CORPUS. PENAL. ART. 1.º, INCISO II, DA LEI N. 8.137/1990. REITERAÇÃO OU HABITUALIDADE DELITIVAS NÃO CARACTERIZADAS. EXISTÊNCIA DE APENAS UMA AUTUAÇÃO FISCAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE. TRIBUTO ESTADUAL: HIPÓTESE EM QUE TAMBÉM INCIDE A INTELIGÊNCIA DO QUE DECIDIDO POR ESTA CORTE AO APRECIAR O TEMA N. 157 DO REGIME DE RECURSOS REPETITIVOS. TESE FIRMADA NO JULGAMENTO DO HC 535.063/SP, REL. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (STJ, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 25/08/2020). ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA.

1. Não se descura que na hipótese a supressão de imposto ocorreu entre os meses de janeiro a dezembro de 2010. Ocorre que o débito de ICMS de R$ 11.670,45 corresponde ao total do ano de 2010, que foi apurado em circunstância única, nos termos do que fora consignado no Auto de Infração e Imposição de Multa n. 4.020.536-8, e gerou apenas uma certidão de dívida ativa (CDA nº 1.110.422.935).

2. É certo que a reiteração criminosa obsta a aplicação do princípio da insignificância nos crimes tributários. Na hipótese, todavia, o entendimento adotado pela Corte de origem destoa da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, fixada no sentido de que tal condição somente se caracteriza ante a multiplicidade de procedimentos administrativos, ações penais ou inquéritos policiais em curso. No caso, fora considerada apenas uma autuação fiscal. Portanto, não está demonstrada a habitualidade delitiva.

3. Embora trate-se de tributo estadual, incide a inteligência do que decidido pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Tema Repetitivo n. 157, de que está caracterizada a atipicidade material da conduta no caso de "crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda" (REsp 1.709.029/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, julgado em 28/02/2018, DJe 04/04/2018).

4. "Ainda que a incidência do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho, quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00, tenha aplicação somente aos tributos de competência da União, à luz das Portarias n. 75/2012 e n. 130/2012 do Ministério da Fazenda, parece-me encontrar amparo legal a tese da defesa quanto à possibilidade de aplicação do mesmo raciocínio ao tributo estadual, especialmente porque no Estado de São Paulo vige a Lei Estadual n. 14.272/2010, que prevê hipótese de inexigibilidade de execução fiscal para débitos que não ultrapassem 600 (seiscentas) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo - UFESPs, podendo-se admitir a utilização de tal parâmetro para fins de insignificância" (STJ, HC 535.063/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/06/2020, DJe 25/08/2020).

5. Ordem de habeas corpus concedida, para restabelecer os efeitos da sentença que absolveu sumariamente os Acusados.

(HC 564.208/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 18/08/2021)


[1] AgRg no REsp 1877935/RS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 01/03/2021

[2] Art. 20.  Serão arquivados, sem baixa na distribuição, por meio de requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos em dívida ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior àquele estabelecido em ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional. § 1o Os autos de execução a que se refere este artigo serão reativados quando os valores dos débitos ultrapassarem os limites indicados. § 2o Serão extintas, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, as execuções que versem exclusivamente sobre honorários devidos à Fazenda Nacional de valor igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais). § 4o No caso de reunião de processos contra o mesmo devedor, na forma do art. 28 da Lei nº 6.830/1980, para os fins de que trata o limite indicado no caput deste artigo, será considerada a soma dos débitos consolidados das inscrições reunidas. Art. 20-A.  Nos casos de execução contra a Fazenda Nacional, é a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional autorizada a não opor embargos, quando o valor pleiteado pelo exequente for inferior àquele fixado em ato do Ministro da Fazenda.   Art. 20-B. Inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados. § 1o  A notificação será expedida por via eletrônica ou postal para o endereço do devedor e será considerada entregue depois de decorridos quinze dias da respectiva expedição. § 2o  Presume-se válida a notificação expedida para o endereço informado pelo contribuinte ou responsável à Fazenda Pública.  § 3o  Não pago o débito no prazo fixado no caput deste artigo, a Fazenda Pública poderá: I - comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres; e II - averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis.  Art. 20-C.  A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá condicionar o ajuizamento de execuções fiscais à verificação de indícios de bens, direitos ou atividade econômica dos devedores ou corresponsáveis, desde que úteis à satisfação integral ou parcial dos débitos a serem executados. Parágrafo único. Compete ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional definir os limites, critérios e parâmetros para o ajuizamento da ação de que trata o caput deste artigo, observados os critérios de racionalidade, economicidade e eficiência.             

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

[3] Aprofunde a pesquisa em: BITENCOURT, Cezar Roberto. Crimes Contra a Ordem Tributária. Saraiva Educação SA, 2017.DE OLIVEIRA CARLUCCI, Camila. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E SUA APLICABILIDADE NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO. ETIC-ENCONTRO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA-ISSN 21-76-8498, v. 16, n. 16, 2020.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos