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Ação coletiva de consumo contra tarifas abusivas de água

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11. BREVE SÍNTESE DA ARGUMENTAÇÃO CONTIDA NESTA PETIÇÃO INICIAL

  1. pleiteia o autor que seja adotado um critério legal, justo, sério e definitivo, que esteja baseado no efetivo e periódico consumo medido por hidrômetro;

  2. pleiteia, em conseqüência, a adoção de medidas fortes do Poder Judiciário para que, de fato, seja compelida a CORSAN a, de uma vez por todas, passar a adotar uma política de colocação de hidrômetros;

  3. pleiteia o autor que sejam eliminadas as PRESUNÇÕES, tanto vigentes na política anterior (os 10 m3 para aqueles que não tinham hidrômetros, as metragens de residências e pequenos comércios), como na atual política instaurada (os mesmos 10 m3 para todos, tanto os que possuem hidrômetro como para os que não possuem);

  4. pleiteia o autor que o consumidor possa saber o que efetivamente utiliza de água, pois, somente assim é que poderá ser educado para evitar o desperdício de bem tão valioso e essencial à vida;

  5. pleiteia o autor que não sejam autorizados aumentos evidentemente abusivos, pois não é possível compactuar com as MAJORAÇÕES ILEGAIS, confessadas pela CORSAN (a análise técnica foi previdentemente feita em documentos apresentados pela empresa);

  6. pleiteia que seja respeitada a Lei que instituiu a AGERGS, entidade da qual, inclusive, participa como Conselheiro um representante idôneo dos consumidores;

  7. pleiteia que seja considerada a situação de VULNERABILIDADE dos consumidores de água da ré, eis que integram CONTRATO DE MASSA MONOPOLIZADO, o que, por si só, evidencia a disparidade de forças. Com a manutenção das ilegalidades, ainda mais desigual e injusta fica a relação de consumo, o que não pode ser aceito;

  8. pleiteia o autor que sejam respeitados os valores da tarifa mínima praticados antes da alteração da política tarifária, obedecidas as categorias de consumo (R$ 5,56 - BÁSICA; R$ 9,91, R$ 19,80 e R$ 19,80-EMPRESARIAL COM., PUB. E IND. – vide quadro de fl. 06. desta inicial), para os consumidores sem hidrômetro;

  9. a presente AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO objetiva também evitar que milhares de ações individuais sejam ajuizadas em todo o Estado, o que poderá causar abarrotamento dos Foros;

  10. pleiteia, por fim, que sejam respeitados os pilares da Lei Consumerista, qual sejam, O PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE, DA HARMONIA DAS RELAÇÕES DE CONSUMO E DA REPRESSÃO EFICIENTE AOS ABUSOS, fazendo com que seja concretizado, também, o PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA, traduzido pela doutrina como DEVERES DE AMPLA COOPERAÇÃO, TRANSPARÊNCIA E AMPLA INFORMAÇÃO.


12. DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA

Os requisitos que ensejam o pedido de tutela antecipada, o fumus boni iuris e o periculum in mora, encontram-se presentes nos autos, inclusive de forma bem notória.

O fumus boni iuris caracteriza-se pela farta documentação juntada aos autos e, ainda, notadamente, pela ausência de consulta ao órgão regulador para implementação da nova política tarifária, da contrariedade expressa a dispositivos de ordem pública e de interesse social assentados no Código de Defesa do Consumidor10, que reveste de ilegalidade o procedimento da requerida, além, é claro, das várias reclamações de consumidores dos mais diversos municípios do Rio Grande do Sul, que insurgiram-se contra a modificação do valor das tarifas de água, gerando clamor público e social, que comprova, à saciedade, as lesões causadas aos consumidores.

O periculum in mora está presente, diante da natural demora de tramitação de uma ação coletiva, a qual oportunizará a continuidade das práticas abusivas, trazendo como resultado a ocorrência de vários reflexos financeiros e sociais pelo inevitável inadimplemento das tarifas (multas) e dos "cortes" (com posterior cobrança de taxas de religação) do abastecimento de água, acarretando prejuízos evidentes e irreparáveis aos consumidores, principalmente tendo-se em conta o baixo nível econômico das pessoas atingidas, ainda mais considerando tratar-se de serviço público essencial.

Assim, forte no art. 84, § 3º e § 5º, do Código de Defesa do Consumidor, que tem o escopo também de prevenir o dano e tornar eficaz as medidas de defesa do consumidor desde logo, requer o Ministério Público que:

a) SEJA DETERMINADO à demandada:

a.1- a suspensão, de forma imediata, de todos os efeitos gerados por sua nova política tarifária, retornando a proceder o cálculo das tarifas de água e de esgoto com a mesma metodologia vigente até o mês de agosto do corrente ano. Excepciona-se neste pedido o retorno às presunções de 10 metros cúbicos de consumo para as economias sem hidrômetro e eventuais fixações de preço com base na metragem das economias;

a.2- proceda a imediata devolução, mediante desconto discriminado nas próximas duas faturas de água, dos valores cobrados a mais de consumidores com base na nova política tarifária;

a.3- se abstenha, de forma imediata, de interromper qualquer suspensão do abastecimento de água que tenham sido motivados pelo não pagamento das faturas de água dos meses de setembro e outubro do corrente ano, e que tenham se utilizado da nova política tarifária para o cálculo do valor a ser pago pelo usuário;

a.4- que providencie a religação, no prazo de 48 horas, dos serviços de água cujo corte tenha se originado do não pagamento das tarifas dos meses de setembro e outubro do corrente ano, isentando estes consumidores do pagamento de qualquer multa ou taxa de religação em função do corte;

b) que seja submetida à AGERGS, em respeito à Lei n.º 10.931/97, qualquer eventual e futura modificação de política tarifária ou qualquer modificação do valor das tarifas da requerida;

c) que veicule durante duas semanas, em dez dias intercalados, mas sem exclusão do domingo, em três jornais de grande circulação do Estado, COMUNICADO com dimensões de metade de página, na parte das publicações legais, informando sobre os provimentos liminares eventualmente deferidos, bem como que eles foram determinados pelo "Poder Judiciário em Ação Coletiva de Consumo intentada pela Promotoria de Defesa do Consumidor (Ministério Público Estadual)".

Essa medida objetiva dar ciência aos consumidores e a sociedade em geral relativamente aos provimentos eventualmente deferidos, a fim de que a conduta ilegal da empresa pare IMEDIATAMENTE DE GERAR EFEITOS E PREJUÍZOS À COMUNIDADE.

Objetiva, também, dar ciência erga omnes da decisão, para consumidores de outras Comarcas, vez que a área de atuação da requerida abrange diversos municípios do Rio Grande do Sul, a fim de que estes possam ter conhecimento de que existem caminhos para impugnar a conduta ilegal da requerida, oportunizando a fiscalização e o conhecimento, igualmente, de Promotores e Juízes.

Visa, ainda, o ressarcimento do dano moral coletivo (art. 6º, inciso VI, do CDC), tendo em vista a notoriedade do clamor público e social da questão, a merecer um resposta eficaz no sentido de que os órgãos públicos e o Poder Judiciário estão atentos na defesa da cidadania e do respeito ao Estado de Direito.

d) requer, ainda, a cominação de multa pecuniária por ocorrência no montante de 5.000 UFIR’s, ou outro índice legal que venha a substituir este, para o caso de descumprimento dos provimentos representados pelo item "a", sub-itens "a.3" a "a.4" (inclusive), que eventualmente sejam deferidos. Para o caso de descumprimento do pedido representado pelos item "a", sub-itens "a.1’’ e "a.2", e itens "b" e " c", todos anteriores, requer a fixação de multa diária equivalente a 5.000 UFIR’s.

e) por fim, os provimentos ora requeridos tem cunho mandamental e executivo, devendo ser dito, entretanto, que as multas requeridas não prejudicam as eventuais sanções pelo crime de desobediência, sabido que os desrespeitos às ordens do Poder Judiciário caracterizam tal tipificação, bem como relevando as determinações do artigo 84, § 5º, do CDC.


13. DO MÉRITO

ANTE O EXPOSTO, requer o Ministério Público a procedência integral do pedido, tornando-se definitivos todos os provimentos postulados a título de tutela antecipada, bem como condenando-se ainda a requerida nos seguintes termos:

  1. no cumprimento da obrigação de fazer, consistente em suspender todos os efeitos da nova política tarifária, retornando à sistemática anteriormente vigente no que tange ao cálculo das tarifas de água e esgoto;

  2. no cumprimento de obrigação de fazer ou não-fazer, consistente em não mais se utilizar de qualquer critério de PRESUNÇÃO de metros cúbicos consumidos ou de metragens de unidades de consumo, para o fim de fixação do preço final ao consumidor;

  3. no cumprimento de obrigação de fazer ou não-fazer, consistente em não mais praticar qualquer alteração tarifária que atinja o consumidor direta ou indiretamente, sem que antes tenha havido autorização por parte da AGERGS;

  4. no cumprimento de obrigação de fazer ou não-fazer, no sentido de que a empresa-ré respeite critério objetivo de aferição da condição de carência de determinadas economias (CATEGORIA SOCIAL), critério este a ser determinado pelo Poder Judiciário;

  5. à obrigação de indenizar (interesses e direitos individuais homogêneos de consumidores) na forma mais ampla e completa possível, os danos materiais e morais causados aos consumidores que, foram vitimados pela nova estrutura de cálculo das tarifas da requerida;

  6. ao pagamento de eventual perícia a ser realizada na fase de liquidação de sentença, na qual serão aferidos os prejuízos individuais dos consumidores, evitando a propositura de milhares de ações individuais de liquidação de sentença, na hipótese da alínea "e" acima;

  7. à obrigação de indenizar os danos, inclusive morais, causados aos interesses difusos, com base no art. 6°, VI, do CDC, revertendo o pagamento em favor do Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados, nos termos do art.13 da Lei n.º 7.347/85;

  8. ao cumprimento da obrigação de fazer, consistente na instalação de hidrômetros em todas as economias de sua área de atuação, em prazo a ser fixado por Vossa Excelência, a começar pelas economias industriais, comerciais e residenciais;

  9. ao cumprimento da obrigação de fazer consistente em publicar, às suas custas, em três jornais de grande circulação do nosso Estado, em dez dias intercalados, com dimensões de meia página, em uma das dez primeiras páginas de ambos os jornais, a parte dispositiva da sentença condenatória, a fim de que os consumidores tomem ciência da sentença, que deverá ser introduzida pela seguinte informação: "Acolhendo pedido veiculado em ação coletiva de consumo ajuizada pela Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, o juízo da [__] ª Vara Cível condenou a CORSAN – Companhia Riograndense de Saneamento nos seguintes termos:[...]". O pedido, além de servir para recompor o dano moral coletivo sofrido pelos consumidores, também tem como objetivo restabelecer a harmonia e a confiança no mercado de consumo, relativamente a setor (saneamento básico) que tantos problemas tem causado a consumidores ultimamente;

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  10. a imposição de multa diária à ré, em valor equivalente a 5.000 UFIR’s, ou índice que vier a substituir este, a incidir em cada caso de descumprimento das obrigações de fazer, representadas pelos itens "a" até "d"; "f", "h" e "i", todos acima, nos termos do artigo 11 da Lei n.º 7.347/85, a ser recolhida ao Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados;

  11. a publicação do edital ao qual se refere o art. 94. do CDC;

  12. a citação da demandada para que, querendo, conteste a ação, sob as penas de revelia e confissão;

  13. a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, inclusive o depoimento pessoal dos representantes legais da requerida, a oitiva de testemunhas, a produção de prova pericial, caso necessário, e a juntada de novos documentos. Pleiteia-se, outrossim, o reconhecimento da inversão do ônus da prova, na forma já exposta nesta petição inicial.

Dá-se à causa o valor de alçada.

Porto Alegre, 8 de novembro de 1999.

Paulo Valério Dal Pai Moraes, Promotor de Justiça.

Alexandre Lipp João, Promotor de Justiça.

Alcindo Luz Bastos da Silva Filho, Promotor de Justiça.


NOTAS

  1. A expressão "inquérito civil público" será utilizada ao longo da petição inicial apenas como ICP.

  2. Essa Resolução é de 1º de setembro de 1999 e "Dá nova redação aos Arts. 74. e 96 do REGULAMENTO DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO e estabelece outras providências", estando juntada no ICP nas fls. 40/43.

  3. No serviço de esgoto o percentual é sempre variável de 80% a 60% do valor do consumo de água, conforme verse sobre esgoto tratado ou não, ou seja, coletado, respectivamente.

  4. A partir da colocação de hidrômetros nas economias que atualmente não o possuem, estes consumidores poderão estar consumindo mais do que 10 m3, o que importa em aceitar que tenham e que efetivamente venham a pagar mais, pelos mesmos critérios resultantes da atual política tarifária.

  5. "Código Brasileiro de Defesa do Consumidor", Ed. Forense Universitária, 6ª edição, 1999, p. 131.

  6. Sessão de julgamento realizada no dia 28.10.99.

  7. A respeito da variação do CMS, em decorrência do efetivo consumo de água pelos consumidores, pode-se exemplificar a situação da seguinte forma (ambos com hidrômetro): o consumidor "A" consome 3 m3, enquanto o consumidor "B" (localizado na mesma rua, ao lado da casa do consumidor "A"), consome 1 m3; o consumidor "A" terá um CMS de R$ 12,00 e o "B" de R$ 14,00. Ambos deverão pagar o mesmo valor expresso em suas contas d’água, o que, por si só, já é abusivo e enganoso. Como pode um custo fixo ser variável !?

  8. Revista Direito do Consumidor, vol. 7, Ed. RT, p. 33.

  9. Revista Direito do Consumidor, vol. 1, Ed. RT, p. 217/218.

  10. O art. 1º do CDC é claro neste sentido: "O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos do art. 5º, inc. XXXII, 170, inc. V, da Constituição Federal e art. 48. de suas Disposições Transitórias." (grifo nosso).

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Sobre os autores
Alexandre Lipp João

promotor de Justiça em Porto Alegre (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JOÃO, Alexandre Lipp ; SILVA FILHO, Alcindo Luz Bastos et al. Ação coletiva de consumo contra tarifas abusivas de água. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -1157, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/noticias/16036. Acesso em: 8 dez. 2025.

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