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MP propõe ação civil pública por improbidade administrativa por desvios de verbas do Fundef no Piauí

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01/06/2000 às 00:00
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2. DA LEGITIMIDADE DE AGIR

23. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 129, inciso III, conferiu ao Ministério Público, enquanto função institucional,

"promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos".

24. De igual modo a Lei 7.347/85, a denominada Lei da Ação Civil Pública, com a nova redação dada pela Lei n° 8.884, de 11/06/1994, em seu artigo primeiro dispõe que:

"Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

I - ao meio ambiente;

II - ao consumidor;

III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

25. Não é outra a orientação seguida pelos nossos Tribunais. A título de exemplo:

"Ação Civil Pública. Atos de improbidade administrativa. Defesa do Patrimônio Público. Legitimação ativa do Ministério Público. Constituição Federal, Arts. 127. e 129, III. Lei 7.347/85 (Arts. 1º, IV, 3º, II, e 13). Lei 8.429/92 (ART. 17). Lei 8.625/93 (Arts. 25. e 26). 1. Dano ao erário municipal afeta o interesse coletivo, legitimando o Ministério Público para promover o inquérito civil e ação civil pública objetivando a defesa do patrimônio público. A Constituição Federal (art. 129, III) ampliou a legitimação ativa do Ministério Público para propor Ação Civil Pública na defesa dos interesses coletivos"

(RESP. 154128/SC, DJ 18/12/98, Rel. Min. Milton Luiz Pereira).


3. DA COMPETÊNCIA DESTE JUÍZO

26. A competência deste juízo para julgar a presente ação impõe-se pelo caráter estadual do FUNDEF e pela natureza cível da Ação de improbidade administrativa, excluindo, portanto, o foro privilegiado do Sr. Prefeito Municipal – art 29, inciso X da Constituição Federal, que se aplica, tão só, ao julgamento de crimes, como já decidiu o STF.

27. Ao contrário do comumente propalado, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino e de Valorização do Magistério é constituído, predominantemente, por recursos estaduais. Com efeito, consoante o § 1° do art. 1° da Lei n° 9.424, de 24 de dezembro de 1996, o fundo é constituído, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de 15% dos seguintes impostos: ICMS, Fundo de Participação dos Estados e dos Municípios e do Imposto sobre produtos industrializados devido aos Estados e ao Distrito Federal.

28. A União, ainda segundo o mesmo artigo em seu § 3°, apenas participa a título de complementação, caso, ainda no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, seu valor por aluno não atinja o mínimo definido nacionalmente.

29. Numa palavra: a União pode ou não contribuir para formação do FUNDEF. (É verdade que, no caso do Piauí, a União contribui sensivelmente. Porém, tal fato não altera o caráter estadual do fundo. Lembre-se, para tanto, que a jurisprudência já pacificou no sentido de, em se tratando de verbas decorrentes de convênio com a União, a competência é da justiça estadual).

30. Daí que o Tribunal de Contas da União, através de seu plenário, na decisão n° 834/1998, em consulta formulada pelo Presidente da Câmara Municipal de Uruçuí, Vereador Osmar Alexandre Moreira, tendo como Relator Min. Humberto Souto, assim ementou:

"Consulta acerca da possibilidade de utilização dos valores do FUNDEF, recebidos pelo Município, para cálculo do limite da despesa com remuneração de vereadores, previsto na Constituição Federal, artigo 29, VII. Não conhecimento da consulta, por não versar sobre matéria da competência deste Tribunal e não ter sido formulada por nenhuma das autoridades elencadas no artigo 216 do Regimento Interno do TCU. Envio de cópia da Decisão, com Relatório e Voto, ao interessado. Arquivamento do processo". DOU 11/12/1998.

32. E, em seu voto, justifica: os recursos que compõem o FUNDEF são originários de receitas pertencentes aos Estados e Municípios, em quase sua totalidade, descaracterizando assim a natureza federal dos mesmos. Por conseqüência, cabem aos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios, no âmbito de suas competências, a fiscalização das despesas decorrentes da aplicação desses recursos, disciplinando inclusive a forma de organização, controle e apresentação das prestações de contas.

33. De outro lado, é claro a natureza cível da ação de improbidade administrativa. Ela decorre de mandamento constitucional, que, no § 4° do art. 37. – justamente aquele referente à Administração Pública – dispõe "os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível ".(grifo nosso).

34. Portanto, a Ação de Improbidade administrativa há de ser proposta sem prejuízo da ação penal cabível. De fato, seu objetivo é outro como prevê o texto constitucional: a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário.

35. A jurisprudência também é neste sentido. O Tribunal de Justiça de Sergipe, por exemplo, em decisão datada de 24/04/96, tendo como relator Des. Luiz Rabelo Leite, assim decidiu:

"Improbidade Administrativa - Reparação de danos - Prefeitos e ex-Prefeitos municipais - atos praticados durante exercicio funcional – procedimento de natureza cível - competência do Tribunal de Justiça determinada pelo artigo 29, X da CF e Art. 106. da Constituição Estadual - prerrogativa de função - garantia restrita determinada pela Lei Maior Estadual não inclui matéria de reparação cível – remessa dos autos ao juízo de primeiro grau. Ação Civil Publica".

E o Tribunal de Justiça do Paraná:

"Ação Civil Pública proposta contra Prefeito Municipal. Ato de improbidade administrativa. Competência do Juízo cível da respectiva comarca. O Prefeito Municipal tem o Tribunal de Justiça como seu juiz natural apenas em se tratando de ações penais, não cíveis".

(Agravo de Instrumento. Foz do Iguaçu, 2ª Câmara Cível. Des. Munir Karam, julg. 10/02/99).


4. DO DIREITO

36. A Constituição Federal de 1988 deu particular atenção à Administração Pública. Os contínuos, constantes e corriqueiros danos praticados, durante décadas, contra o patrimônio público levou o constituinte a erigir um conjunto de princípios e de regras capazes não só de dificultar os ataques ao erário público, mas em dotar a sociedade de instrumentos para, em ocorrendo aqueles, reparar e coibi-los, punindo o agente infrator.

37. Assim, estabelece-se, pela primeira vez na história constitucional brasileira, que "a Administração Pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade ...". (grifo nosso).

38. Dentre os instrumentos citados, está a Ação de Improbidade administrativa prevista na própria Lei Fundamental no § 4º do mesmo art. 37. retrocitado:

""os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".

Tal artigo foi regulamentado pela Lei nº 8429/92.

39. Os fatos enumerados no item I desta petição configuram, sem qualquer margem de dúvida, atos de improbidade administrativa, tipificados nos arts. 9,10 e 11 da Lei nº 8.429/92. É o que passamos a demonstrar.

4.1. DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO

40. As condutas descritas no item 1.1 – utilização de notas fiscais inidôneas – além de constituírem dano ao patrimônio público, configuram, igualmente, enriquecimento ilícito por parte do Sr. Prefeito Municipal, Luiz Cavalcante e Meneses, e da Secretária de Finanças do município, Bárbara Maria Meneses de Neres Brito. De fato, os cheques, que deveriam ser nominais às empresas e pessoas emissoras das notas fiscais, foram descontados diretamente no caixa do Banco do Brasil. As assinaturas no verso dos cheques dão conta de que os autores de tal façanha foram o Sr. Prefeito Municipal, Luiz Cavalcante e Meneses e a Secretária de Finanças do município, Bárbara Maria Meneses Neres Brito. Assim, ao incorporarem os referidos valores ao seu patrimônio pessoal, se enriqueceram ilicitamente.

41. De modo igual, no item 1.5 – obras, contratos superfaturados – o Sr. Prefeito Municipal, Luiz Cavalcante e Meneses, e a Secretária de Finanças, Bárbara Maria Meneses Neres Brito, ao contratarem os serviços da Unidade Escolar "Lauro Machado Torres" por preço superior ao de mercado, e utilizando o mesmo procedimento, incorporaram as quantias de R$ 16.606,96 (dezesseis mil, seiscentos seis reais, noventa seis centavos) – cheque nº 1193 – e R$ 18.200,00 (dezoito mil, duzentos reais) – cheque nº 1080.

42. Neste sentido, o art. 9º da denominada Lei de Improbidade administrativa, dispõe

Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

.....................................................................

XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei

4.2. ATOS LESIVOS AO ERÁRIO

43. Não resta dúvida nenhuma que ao utilizar notais fiscais inidôneas, ao realizar licitações fraudulentas, ao dispensar licitações indevidamente, ao contratar serviços por preços superiores aos valores de mercado, ao efetuar despesas não autorizadas pelo FUNDEF, o Sr. Prefeito, com a participação da Secretária de Finanças, causou graves lesões ao erário do município de Piripiri.

44. Incorreu, assim, no art. 10. da Lei nº 8.429/92, preceitua que

" Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malabaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei . . .".

45. Ao utilizar notas fiscais inidôneas, ou seja, ideologicamente falsas, o Sr. Prefeito Municipal e a Secretária de Finanças feriram o disposto no art. 64. da Lei nº 4.257/89 – que trata sobre o ICMS :

"Constitui infração toda ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que importe em inobservância, por parte de pessoa física ou jurídica, de norma estabelecida por lei, decreto, regulamento ou ato administrativo de caráter normativo, destinado a complementá-lo".

46. Feriram, ademais, a Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, sobretudo seu art. 58. e seguintes, que tratam da emissão de notas de empenho, documento utilizado para registro de operações que envolvem despesas orçamentárias realizadas pela Administração Pública.

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47. Desnecessário dizer, ainda, que as transações correspondentes nunca existiram. As "notas fiscais" apontadas são apenas papéis. Houve, por conseguinte, uma saída de dinheiro sem a entrada respectiva de materiais ou serviços.

48. A licitação é o procedimento pelo qual a Administração Pública seleciona a melhor proposta para determinada obra ou prestação de serviço. Mas não só. Como ensina Antônio Roque Citadini, ela "se constitui no principal instrumento de realização de outros princípios constitucionais como os da moralidade administrativa e do tratamento isonômico dos eventuais contratantes com o Poder Público". Portanto, não basta escolher a melhor proposta; necessário se faz escolher observando os princípios constitucionais de toda Administração Pública.

49. Ora, os procedimentos licitatórios referidos no item 1.2 contrariaram as normas previstas na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Nas licitações de nsº 029/99, 095/98 e 026/99, houve, na verdade, simulação de licitação, pois, efetivamente, as empresas Livraria e Papelaria A Perereca, Almeida Araújo & Cia ltda – as vencedoras – e O. C. Sampaio não participaram do procedimento licitatório, como demonstramos naquele item.

50. Nas licitações de nºs 092/98 e 097/98 – sob a modalidade Carta Convite – inocorreu disputa pois ou duas das empresas possuíam o mesmo número do telefone ou pertenciam a marido e mulher, que, como se vê, praticaram, igualmente, atos de improbidade. Por isso, os proprietários das empresas J. S. B Indústria e Comércio, R. Rodrigues e Corel – Comércio Representações, Importações e Exportações ltda figuram no pólo passivo da presente ação.

51. Neste aspecto – fraude em licitações – tanto o Sr. Prefeito Municipal, a Secretária de Finanças, como Antônio Nunes Viana e Marcela Maria de Melo – membros da Comissão Permanente de Licitação – incorreram no inciso VIII do art. 10. da Lei nº 8.429/92, ou seja, frustraram a licitude do processo licitatório.

52. Nas licitações em que foram vencedoras as empresas pertencentes aos cunhados do Sr. Prefeito, há clara violação ao princípio da moralidade inserto não só no art. 37, caput, da Constituição Federal, como o art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho 1993. Atente-se para o tipo de modalidade de licitação empregado pelo Sr. Prefeito – carta convite. É convidar a raposa para tomar conta das galinhas.

53. Pelo princípio da moralidade, o bom administrador – ensina Maurício Antônio Ribeiro Lopes, in Ética e Administração Pública, RT, 1993 – "é o órgão da Administração Pública que, usando da sua competência para o preenchimento das atribuições legais, se determina não só pelos preceitos vigentes, mas também pela moral comum. Se os primeiros delimitam as fronteiras do lícito e do ilícito, do justo e do injusto positivos – a segunda espera dele conduta honesta, intrínseca e extrínsecamente conforme à função realizada por seu intermédio". Será que para o homem comum, os Srs. Francisco Ubirajara Medeiros e João Alencar Brito venceram as licitações pela competência ou pelo menor preço ou por serem cunhado do Sr. Prefeito?

4.3. ATOS CONTRÁRIOS AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS

54. Inexiste, igualmente, dificuldade para mostrar, como já fizemos ao longo da petição, que os atos aqui relatados e praticados pelo Sr. Prefeito Municipal, pela Secretária de Finanças e, quanto às licitações, por Antônio Nunes Viana e Marcela Maria de Melo, contrariam, frontalmente, os princípios da Administração Pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

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Sobre o autor
Fernando Ferreira dos Santos

promotor de Justiça no Piauí, mestre em Direito Público pela UFC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Fernando Ferreira. MP propõe ação civil pública por improbidade administrativa por desvios de verbas do Fundef no Piauí. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -1126, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/noticias/16139. Acesso em: 23 nov. 2024.

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