Crime Organizado x Caso Petrobras: o funcionamento histórico e jurídico das organizações criminosas

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O criminalista J. Haroldo dos Anjos, autor do livro "As Raízes do Crime Organizado", explica o funcionamento histórico e jurídico das organizações criminosas.

Quem acha que o crime organizado está limitado ao narcotráfico, se engana. Este tipo de atividade criminosa está inserido em vários setores da sociedade, principalmente na iniciativa pública, onde os escândalos de corrupção não param de aparecer nas manchetes dos noticiários. Um exemplo recente, é o caso Petrobras. A estatal foi praticamente saqueada, por executivos, parlamentares e empresários, num grande esquema criminoso, graças ao emparelhamento político; como contou um dos delatores do processo, o ex-diretor de Abastecimento da empresa, Paulo Roberto Costa.  Funcionários do alto-escalão da Petrobrás usaram seu poder para direcionar contratos a determinadas empreiteiras e cobrar comissões que enriqueceram seus bolsos e de seus comparsas durante anos, apesar das denúncias só estarem vindo à tona agora.

O assunto é complexo, e, para entendermos melhor o funcionamento histórico e jurídico desta prática criminosa, ninguém melhor que o professor e advogado criminalista J. Haroldo dos Anjos, autor do livro “As raízes do Crime Organizado”, para falar sobre o amplo tema, que será dividido em uma série de três entrevistas. Segue a primeira parte:

1) Explique o que é uma Organização Criminosa.

É a organização de quatro ou mais pessoas para praticar infrações penais, cujas penas sejam superiores a quatro anos. Funciona com estrutura ordenada e divisões de tarefas típicas de uma empresa. Ela tem organização, "modus operandi" e visa o lucro. Uma outra característica marcante é a atuação contínua e permanente de seus agentes. Normalmente, esta organização pressupõe o crime de corrupção. Nas pesquisas que fizemos, chegamos à conclusão que quando se fala de organização criminosa, não tenha dúvida, o problema é o agente público infiltrado nessas organizações para manter o esquema e passar informação para obter vantagens de qualquer natureza. O elemento fundamental da organização criminosa é a corrupção do agente público. Não existe organização criminosa sem a participação deste "personagem" na área de repressão, fiscalização e poder político.

2) Já foi comprovado a existência desse fator de participação política?

As estatísticas comprovam. Quando iniciei esses estudos, no final dos anos 90, eu ainda fazia mestrado na UERJ. Naquela época, já se falava em algumas organizações criminosas, como "Esquadrão da Morte" e "Falange Vermelha". Hoje, fala-se em "Comando Vermelho" (CV), "Amigo dos Amigos" (ADA), "Primeiro Comando da Capital" (PCC), entre outras organizações que atuam no Rio de Janeiro e em São Paulo. Tudo teve início com a Máfia na década de 30, mas a prática começou a se difundir nos anos 60. Logo após a Segunda Guerra Mundial, nos EUA, pela primeira vez a imprensa norte-americana passou a usar a palavra "organized crime" para definir a expansão desse fenômeno. Quando surgiu essa expressão, o FBI estava procurando mafiosos italianos da facção "Cosa Nostra", que atuava nos EUA, e concluíram que seus integrantes pertenciam a várias raças, principalmente de famílias ítalo-americanas. Até hoje não se distingue "Máfia" de "Crime Organizado" e, muito menos, "terrorismo". O termo "Máfia" surgiu de uma sigla italiana, originária em Palermo, região da Sicília, por volta de 1282, e significa "Morte á la Francia Italia Anela" (Morte à França, Itália Livre), que nada mais era que uma frase usada por revolucionários italianos que lutavam pela libertação dos sicilianos da colonização francesa. Mas depois tomou outros rumos como extorsão, tráfico de drogas, entre outros crimes.

3) Existe um conceito jurídico para este tipo de crime?

Não, em nenhuma legislação. A palavra "Organized Crime" foi criada pela imprensa americana. Hoje, no Brasil, todo e qualquer grupo criminoso que tem estrutura e pratica crime (sequestro, tráfico, corrupção para desvio de verba pública, jogo do bicho...) a imprensa brasileira chama de "Organização Criminosa". Mas existe diferença. Com a reforma das leis penais, feita em 2013, o Art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, do Código Penal de 1940, que tratava de bando ou quadrilha, foi alterado. Pelo novo conceito, tais crimes agora são tratados como "Associação Criminosa", e se caracterizam quando três ou mais pessoas se juntam para infringir a lei, mas não tem a estrutura ou a dimensão de uma Organização Criminosa. A organização é algo muito maior, tal como uma empresa. Ela possui uma estrutura e tem o caráter de continuidade e permanência da estrutura dos crimes praticados

4) O caso da PETROBRAS é exemplo de uma organização criminosa?

Sim, com todos elementos de sua definição legal: poder político, agentes públicos, estrutura ordenada e divisão de tarefas. Um esquema típico de uma empresa organizada, com sólida estrutura em caráter permanente, para assegurar continuidade e estabilidade do negócio, sempre oculto com a finalidade de desvio e verbas públicas para financiamento de campanhas eleitorais. Mas, do ponto de vista jurídico, não existe um conceito fechado de uma organização criminosa porque esta legislação em vigor não é uma norma penal do ponto de vista substancial, apenas traça parâmetros para fins de investigação criminal, com os meios e recursos para obtenção de provas a serem usadas nos procedimentos criminais.

5) Como assim? O prof. Luis Flávio Gomes, de São Paulo, diz o contrário. Ele afirma que agora temos um conceito de crime organizado.

Com todo respeito ao professor, não se define terrorismo ou crime organizado no mundo inteiro, em nenhuma lei ou convenção internacional. Esse tipo de crime é muito complexo, por isso o conceito é aberto, elástico, abstrato e vago. É preciso estar diante de um fato concreto para se dizer se é ou não uma organização criminosa. No meu livro, tentei um conceito, seria: "uma associação de duas ou mais pessoas para prática de ilícitos penais, civis e administrativos, com sólida estrutura permanente para exploração de negócios macroeconômicos, de âmbito nacional e internacionalmente com fins lucrativos."

6) Mas o que a Lei Brasileira diz sobre isto? Afinal, o que é uma Organização Criminosa?

A Lei nº12.250/13 que se encontra em vigor desde o ano passado não define precisamente o conceito de uma organização criminosa, mas considera, para efeitos legais, que seria a "associação de 4 (quatro) ou mais pessoas que cometem infração penal de qualquer natureza com penas superiores a 4 (quatro) anos, mas comina pena de 3 (três) a 8 (oito) anos para seus integrantes".

7) Então a lei não tem congruência e o conceito continua com deformação jurídica pela falha legislativa?

Sim. Por exemplo, o jogo do bicho não é considerado uma organização criminosa. Mas um ladrão de bode e de gado no sertão nordestino que se associa para cometer furtos permanentemente, com divisão de tarefas, é uma organização criminosa. Também ladrões de galinhas que se associam para praticar furtos durante a noite, pulando muros de vizinhos são uma organização criminosa. Já uma quadrilha especializada em golpes de cartões de créditos e extorsão com chantagens de fotos de mulher nua pela internet não é uma organização criminosa. O crime deles tem pena de, no máximo, 3(três) anos, e ninguém vai preso ou para cadeia porque a pena é menor que 4 (quatro) anos. Na minha opinião, essa lei do crime organizado foi feita para beneficiar os ricos e prender os pobres, principalmente, porque essas infrações por ela tratadas - na Lei nº 12.850/13 - são crimes corporativos praticados sem violência ou grave ameaça, portanto ninguém vai ficar preso, embora, diante da dimensão macroeconômica desses delitos coletivos, são crimes de poder patrocinados sempre por políticos e agentes públicos.

8) O que mais motiva essas Organizações?

O fator preponderante que define o Crime Organizado está no meu livro. Costumo sempre dizer que o crime organizado e o poder público são parceiros, em virtude da cobiça pelo principal instrumento de persuasão: "o poder, como ferramenta de trabalho, e o dinheiro como principal mercadoria". Não existe nenhuma organização criminosa sem a conivência de agentes públicos que visem o lucro e outras vantagens de qualquer natureza.

9) Sem citar nomes, recentemente um político disse o seguinte, durante as campanhas eleitorais: "querem ter poder para terem muito dinheiro. Querem muito dinheiro para se manterem no poder".

Perfeito. É exatamente isso que acontece. Este é fator de uma organização criminosa: poder e dinheiro. É assim que se estabelece os esquemas.

10) E ai surge a corrupção como elemento principal do crime organizado.

Exato! Para resumir: a corrupção é o principal instrumento do crime organizado e existe no setor público e privado. Não é por acaso que agora tem uma lei anticorrupção que trata dos crimes de corrupção privada. Costumamos falar apenas da corrupção pública, do agente público, do policial, do funcionário público, do fiscal e até do guarda de trânsito, mas existe a corrupção privada infiltrada no sistema público, bancário e econômico.

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Sobre os autores
J. Haroldo dos Anjos

Advogado, sócio do J. Haroldo & Advogados Consultoria Jurídica.

Mônica Marinho

Jornalista e assessora de imprensa. Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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