Um tema que recorrentemente eclode nos Tribunais Superiores em relação às contribuições previdenciárias é a discussão envolvendo a natureza indenizatória ou remuneratória de verbas que integram a folha de pagamento. Essa distinção afeta diretamente a dimensão quantitativa da incidência das contribuições previdenciárias.
Na tentativa de se buscar uma tendência de entendimento na jurisprudência, o leading case, representado pelo Recurso Extraordinário 565.160/SC (Tema 20), publicado em agosto de 2017, foi um marco temporal inicial importante para fazer um recorte atualizado do assunto. Na ocasião, firmou-se a seguinte tese: "a contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998".
Como se esperava, o STF não vislumbrou no Tema 20 a natureza de cada parcela, por não reconhecer o colegiado o status constitucional dessa discussão. Limitou-se a estabelecer a amplitude conceitual da expressão “folha de salários” do inciso I, art. 195, CF/88, sobretudo sob a perspectiva da “habitualidade”, para fins de instituição de contribuição social sobre o total das remunerações.
Via de consequência, recorrente tem sido o posicionamento da Corte em rejeitar a análise indenizatória ou remuneratória das verbas que compõem a folha salarial, ficando, pela lógica, a cargo do STJ julgar cada situação em última instância. Todavia, na contramão desse entendimento, o STF reconheceu pontualmente num passado recente a repercussão geral nos seguintes casos: I) salário maternidade (RE 576.967/PR, Tema 72); ii) terço constitucional de férias (RE 1.072.485/PR, Tema 985); iii) horas extras, adicional noturno, adicional pago em turnos nos finais de semana, adicional de insalubridade, 1/3 constitucional de férias gozadas e 13º salário proporcional devido na rescisão do contrato de trabalho (RE 593.068/SC, Tema 163).
O primeiro caso a ser apreciado pelo STF foi o Tema 163, em 31 de outubro de 2018, que visava compreender o termo “remuneração”, para dimensionar a base de cálculo da contribuição previdenciária paga pelo servidor público, submetido ao regime próprio da previdência social (RPPS). A linha de raciocínio desenvolvida pelos magistrados não se apegou à habitualidade das verbas, tão bem esposada no Tema 20, mas baseou-se na incorporação ou não desses valores nos proventos de aposentadoria. A tese firmada ficou com a seguinte redação: não incide contribuição previdenciária sobre verba não incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor público, tais como terço de férias, serviços extraordinários, adicional noturno e adicional de insalubridade.
Tal entendimento despertou uma acalorada retomada da discussão nos tribunais, visando o reconhecimento do caráter indenizatório em outras situações fora do RPPS. Entretanto, na maioria das vezes que essa situação chegou à Suprema Corte, não se reconheceu a correlação do Tema 163 com as contribuições patronais da iniciativa privada, sujeitas ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Ato contínuo, o STF reconheceu, no julgamento do Tema 72, em 05 de agosto de 2020, a inconstitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária patronal sobre o salário maternidade, sob o fundamento que o salário-maternidade não representa uma contraprestação, mas tão somente um benefício previdenciário para garantia assistencial da mulher afastada de suas atividades laborais, prestigiando alguns princípios constitucionais caros, como o direito à maternidade e à infância.
Na sequência, poucos dias depois do julgamento do Tema 72, a Suprema Corte surpreendeu a todos ao assentar um entendimento contrário ao do STJ no REsp 1.230.957 (Tese 479), em sede de recurso repetitivo, sobre o terço constitucional de férias. O Pleno, na ocasião do Tema 985, fixou a tese: "É legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias". A rigor, esclarece-se que tal decisão não deve afetar os efeitos da coisa julgada em relação às contribuições para o RPPS, delimitadas na tese do Tema 163.
E aqui vale uma pequena digressão: embora não faça parte do nosso recorte temático, pela antiguidade dos julgados, merece lembrança alguns temas há muito tempo sem controvérsia, já pacificados nos tribunais. Como olvidar, por exemplo, o RE 478.410, de relatoria do ministro Eros Grau, que afastou a tributação das contribuições previdenciárias sobre os valores pagos em dinheiro, a título de vale-transporte, aos empregados?
Por conseguinte, com exceção dos casos acima, o Supremo não tem reconhecido mais a repercussão geral sobre casos pontuais que demandem a análise da natureza dessas parcelas para a delimitação da base de cálculo das contribuições previdenciárias - foi o que ocorreu, por exemplo, no Ag Reg RE 1.162.671/PB, em 27/09/2019. Por considerar que tais casos são dotados de uma índole infraconstitucional, prevalece (por enquanto) o entendimento do STJ sobre as demais situações.
Nesse sentido, existem certos assuntos sem repercussão geral reconhecida pelo STF, mas com decisões transitadas em julgado em sede de recursos repetitivos no âmbito do STJ, em relação (I) aos pagamentos dos 15 dias que antecedem o auxílio doença (REsp 1.230.957, Tese 479); (II) ao aviso prévio indenizado (REsp 1.230.957/RS, Tese 478); e (III) ao auxílio creche (REsp 1.146.772/DF e súmula 310 do STJ). Além disso, o STJ vem construindo uma jurisprudência robusta, posicionando-se acerca de diversos outros valores excluídos da base de cálculo das contribuições, mas que serão analisadas em outra oportunidade dada a amplitude do tema. Por ora, a ênfase maior era o STF.