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Inconstitucionalidade da eleição direta para diretores de escolas públicas

01/11/2000 às 00:00
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Parecer pela inconstitucionalidade de projeto de lei complementar estadual para eleição direta para diretores de escolas públicas.

PARECER

1. A senhora presidenta da Associação Catarinense das Fundações Educacionais - ACAFE, Reitora Nara Maria Kuhn Göcks, pede-me estudo sobre a constitucionalidade, a legalidade e eventuais inadequacões técnico-legislativas do contido no Projeto de Lei Complementar n° 16, de 2000, de autoria do deputado presidente da Comissão Técnica de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa do Estado, que tem por objetivo obrigar as instituições municipais de educação superior à realização de eleições diretas para o provimento das funções de reitor de universidade e de diretor ou coordenador de curso, bem como de vice-reitor, vice-diretor e vice-coordenador.

2. Para tanto, o Projeto busca alterar o art. 56 da Lei Complementar Estadual n° 170, de 7 de agosto de 1998, que "dispõe sobre o Sistema Estadual de Educação", cuja redação atual é a seguinte:

"Art. 56. As instituições de educação superior, integrantes ou vinculadas ao Sistema Estadual de Educação, exercerão sua autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial na forma das leis que dispuserem sobre sua criação e organização e na de seus estatutos e regimentos.

Parágrafo único. Para obediência ao princípio da gestão democrática, é assegurada a existência de órgãos colegiados deliberativos de que participarão os segmentos da comunidade acadêmica, local e regional."

3. De acordo com o Projeto, o dispositivo transcrito terá seu parágrafo único transformado em inciso I, e, acrescido dos incisos II e III, passará a ter a seguinte redação:

"Art. 56. As instituições de educação superior, integrantes ou vinculadas ao Sistema Estadual de Educação, exercerão sua autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial na forma das leis que dispuserem sobre sua criação e organização e na de seus estatutos e regimentos:

I - para obediência ao princípio da gestão democrática, é assegurada a existência de órgãos colegiados deliberativos de que participarão os segmentos da comunidade acadêmica, local e regional;

II – os Reitores de Universidades, os Diretores e Coordenadores de cursos e seus respectivos vices, serão eleitos mediante sufrágio universal, com a participação da comunidade universitária;

III – a eleição prevista no inciso anterior obedecerá a proporcionalidade do sufrágio, que será de 50% (cinqüenta por cento) do corpo docente, 30% (trinta por cento) dos alunos matriculados e 20% (vinte por cento) dos funcionários)."

4. Observo que a técnica legislativa adotada na elaboração do Projeto não é a adequada. Ainda que válida fosse a pretensão do parlamentar proponente, a alteração do dispositivo legal questionado não recomenda o emprego de incisos, mas de parágrafos.

A justificativa apresentada pelo autor do Projeto tem o seguinte teor:

"A alteração proposta vai ao encontro dos anseios da comunidade universitária, e está respaldada na Constituição Estadual em seu art. 169, que garante a gestão democrática do ensino através de eleição direta para os cargos de dirigentes, e também na Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei Federal nº 9.394/96 (art. 3º, inciso VIII).

A "Eleição Direta", conforme preceitua o inciso I, do art. 169 da Carta Estadual, deverá ocorrer mediante o sufrágio direto, secreto e universal dos interessados, ou seja, toda a comunidade universitária, que compreende os segmentos do corpo docente e discente.

No nosso entendimento, a Universidade, para atingir o seu mais alto padrão de qualidade, e por conseguinte, atingir os seus fins estatutários e regimentais, deve permitir que a comunidade universitária decida sobre os mais diversos assuntos, sob pena de ser transformada em uma instituição "caça níqueis".

E ainda, no caso das Fundações Educacionais, a escolha direta dos dirigentes deve ser tomada como um princípio básico, uma vez que não são "empresas particulares" e sim entidades paraestatais no cumprimento de funções de interesse público.

Por fim, cabe ressaltar que a eleição direta permite um maior controle da gestão universitária, uma vez que todos os atos daquele que é eleito pelo sufrágio universal passam a ser fiscalizados pela comunidade universitária, além da fiscalização do Ministério Público e do Tribunal de Contas do Estado." (os grifos são do Deputado autor do Projeto)

5. Cabe registrar que o Projeto e sua Justificativa se fazem acompanhar de estudo atestando sua pertinência e jurisdicidade, o qual, embora apócrifo, merece referência, já que incorporado aos autos do processo legislativo (pp. 4 a 11).

6. Esse estudo, sem dúvida feito por apedeuta jurídico ou solerte que convencido de suas limitações intelectuais preferiu esconder-se no anonimato, oferece uma interpretação equivocada e pedestre da Constituição, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal n° 9.394, de 1996) e da Lei Complementar Estadual nº 170, para recomendar que todas as instituições de ensino superior radicadas no Estado de Santa Catarina e submetidas para fins de controle ao Sistema Estadual de Educação devam adotar o mesmo critério de escolha de dirigentes que vigora na Fundação Universidade Regional de Blumenau – FURB, conforme previsto na legislação daquele Município.

7. Parte o estudo do pressuposto de que o Sistema Estadual de Educação, no tocante ao ensino superior, compreende as instituições criadas pelos Municípios, para assim enfatizar a competência da Assembléia Legislativa de dispor sobre a matéria através de projeto de iniciativa parlamentar.


II - PRECISANDO OS FATOS

8. Ainda que deva me ater aos aspectos jurídicos e técnico-legislativos inerentes ao Projeto de Lei Complementar, permito-me ressaltar desde logo que não encontra fundamento na realidade a insinuação de que se não adotarem a eleição direta com voto universal para a escolha de seus dirigentes as fundações universitárias municipais filiadas à ACAFE serão transformadas em instituições "caça níqueis", à semelhança das "empresas particulares" (?).

9. Com efeito, partindo de um pressuposto falso, isto é, de que todas as empresas privadas são caça níqueis (como, por exemplo, as empresas abrangidas pelas federações patronais), levanta o ínclito parlamentar suspeitas infundadas sobre a capacidade gerencial instalada nas instituições municipais de educação superior, o que constitui verdadeiro despautério.

10. A propósito, é bom notar que todas as fundações universitárias municipais catarinenses contam com confiáveis mecanismos de controle interno, cujo órgão superior é um Conselho altamente eclético, chamado Curador, ou Fiscal, ou Deliberativo, constituído por representantes dos corpos docente e discente, de servidores, da comunidade local e regional e do Poder Público instituidor, e isso é gestão democrática.

11. Mais: de forma permanente esses Conselhos contam com o apoio técnico de auditores independentes ou de outras formas de auditoria externa, para assegurar eficácia a suas ações fiscalizadoras, independentemente dos critérios adotados para a escolha dos dirigentes e demais agentes cujas contas e atos administrativos ou financeiros estejam sujeitos a seu controle.

12. Além disso, porque cobram mensalidades escolares, as fundações universitárias municipais catarinenses estão submetidas aos rigores da Lei Federal n° 9.870, de 23 de novembro de 1999, que substituiu a Lei Federal n° 8.170, de 17 de janeiro de 1991, e as que a modificaram. Assim, estão obrigadas a "divulgar, em local de fácil acesso ao público, o texto da proposta de contrato, o valor das mensalidades, o número de vagas por sala-classe, no período mínimo de quarenta e cinco dias antes da data final para a matrícula" e sujeitas, neste aspecto, à fiscalização da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (arts. 2° e 4°).

13. Forçoso também registrar que as fundações universitárias municipais filiadas à ACAFE, em face do disposto no art. 7° - B da Lei Federal n° 9.131, de 24 de novembro de 1995, na redação dada pela Lei n° 9.870, de 1999, porque são instituições de educação sem finalidade lucrativa, estão obrigadas a:

- elaborar e publicar em cada exercício social demonstrações financeiras, com o parecer do conselho fiscal, ou órgão similar;

- manter escrituração completa e regular de todos os livros fiscais, na forma da legislação pertinente, bem como de quaisquer outros atos ou operações que venham a modificar sua situação patrimonial, em livros revestidos de formalidades que assegurem a respectiva exatidão;

- conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos, contado da data de emissão, os documentos que comprovem a origem de suas receitas e a efetivação de suas despesas, bem como a realização de quaisquer outros atos ou operações que venham a modificar sua situação patrimonial;

- submeter-se, a qualquer tempo, à auditoria pelo Poder Público;

- destinar seu patrimônio a outra instituição congênere ou ao Poder Público, no caso de encerramento de atividades, promovendo, se necessário, a alteração estatutária correspondente;

- comprovar, sempre que solicitada pelo órgão competente, a aplicação dos seus excedentes financeiros para os fins da instituição de ensino e a não-remuneração ou concessão de vantagens ou benefícios, por qualquer forma ou título, a seus instituidores, dirigentes, sócios, conselheiros ou equivalentes."

14. Antes dessa legislação (lei ordinária), tida ou dada como mais moderna mas que com mais palavras diz a mesma coisa, as fundações educacionais municipais catarinenses sempre mantiveram e têm mantido respeito ao disposto no art. 14 do Código Tributário Nacional (Lei Federal n° 5.172, de 25.10.66, lei ordinária à época de sua feitura, mas que tem força de lei complementar na atualidade):

"Art. 14......................

I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação no seu resultado;

II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção de seus objetivos institucionais;

III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão."

15. Desse modo, afigura-se descabido estimular, na busca de palanque eleitoreiro, que somente a eleição direta dos dirigentes das instituições educacionais será capaz de proporcionar real eficácia à atuação do Ministério Público e do Tribunal de Contas de Contas Estado – que são instituições permanentes dotadas de dignidade constitucional -, para bem poderem cumprir as respectivas missões fiscalizadoras.

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16. Despropositado também se apresenta insistir em que apenas com a adoção de eleições diretas para a escolha de seus dirigentes a Universidade atingirá o "seu mais alto padrão de qualidade", pois a forma de investidura do reitor, diretores e coordenadores de cursos nada tem a ver com a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão.

17. Restabelecida a verdade verdadeira, verifica-se inexistir na realidade catarinense pertinente à educação superior (dois terços das oportunidades educacionais são proporcionados por fundações educacionais municipais desprovidas de assistência financeira direta do Estado ou da União) suporte fático real que autorize a inovação legislativa pretendida pelo Deputado autor do Projeto e seus assessores anônimos.

18, Em outras palavras: a vontade de legislar não encontra amparo na realidade; logo, não está presente a necessidade de legislar. Falta ao Projeto, portanto, o suporte fático, a relação social reclamadora de lei estadual reguladora das relações de ensino. Está, assim, o Projeto desprovido de jurisdicidade, merecendo, só por isso, ser arquivado.


III - O DIREITO

19. A Constituição Federal põe como princípio a ser explicitado em lei o da gestão democrática do ensino, nos termos seguintes:

"Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

...............

VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;"

Já a Constituição do Estado, prescrevia em sua redação original, que:

"Art. 162. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

...............

VI - gestão democrática do ensino público, adotado o sistema eletivo, mediante voto direto e secreto, para escolha dos dirigentes dos estabelecimentos de ensino, nos termos da lei".

20. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 123 – SC (DJU de 12.9.97), declarou inconstitucional a expressão "adotado o sistema eletivo, mediante voto direto e secreto, para escolha dos dirigentes dos estabelecimentos de ensino", isso significando que, no tocante à gestão democrática do ensino, enquanto princípio, tanto a Constituição Federal como a do Estado adotam atualmente os mesmos dizeres.

21. A propósito, colhe-se no voto proferido pelo Ministro-Relator, Carlos Velloso, a seguinte passagem:

"Pessoalmente, penso que o sistema de eleição de diretores de escolas públicas não é o melhor e de democrático só tem a aparência. O que se exige de um diretor de escola é o saber abrangente de uma série de questões científicas e do conhecimento humano. A eleição, por parte de toda a comunidade - professores, alunos, pais de alunos, servidores - muita vez tem presente menos o conhecimento científico e mais a capacidade de agradar e de fazer promessas vazias".

22. Todavia, permanece em vigor o art. 169, I, da Constituição do Estado de Santa Catarina, voltado ainda nos dias de hoje apenas para Universidade do Estado de Santa Catarina -UDESC, a única instituição mantida pelo próprio Estado – ou para quaisquer outras instituições que o Estado venha a criar, jamais para instituições municipais existentes ou que venham a ser criadas por Municípios.

23. Diz o dispositivo em que se apegam o Deputado e seus auxiliares anônimos:

"Art. 169. As instituições universitárias do Estado exercerão sua autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial na forma de seus estatutos e regimentos, garantida a gestão democrática do ensino através de:

I – eleição direta para os cargos dirigentes;"

24. Ora, essa disposição, em face do princípio federativo, é inaplicável aos Municípios criadores das fundações universitárias filiadas à ACAFE e sob a supervisão do Poder Público Estadual para fins de verificação do cumprimento da legislação educacional.

25. Além de sua duvidosa constitucionalidade jamais questionada por quem de direito (preceito de Constituição e não de lei estadual de iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo), essa regra só se aplica às universidades do Estado, isto é, às criadas e mantidas pelo Estado de Santa Catarina, e portanto não autoriza a Assembléia Legislativa a legislar sobre assuntos da economia interna dos Municípios, tais como aqueles que dizem respeito às relações administrativas entre os Poderes Públicos municipais e as instituições de educação superior criadas em virtude de lei municipal.

26. Aliás, se o preceptivo também afetasse as instituições municipais por certo já estaria sendo observado há muito tempo - desde a promulgação da Constituição Estadual de 1989 -, sendo dispensável portanto a atual tentativa de lei estadual integradora, conforme restará demonstrado.

O Conceito de Normas Gerais ou Diretrizes e Bases da Educação

27. O modelo de organização político-administrativa do Estado brasileiro, como posto pela Constituição da República Federativa do Brasil, se comparado com outros modelos federativos, tem notória particularidade: juntamente com a União e os Estados são considerados membros da federação o Distrito Federal e os Municípios (CF, arts.1º e 18).

28. Todas as pessoas político-administrativas internas, cada uma delas atuando no respectivo território, são dotadas de competências legislativas e executivas exclusivas (CF, arts. 21, 22, 25, § 1°, 30 e 32, § 1°) ao lado das quais, sobre certas matérias, são previstas competências legislativas concorrentes (CF, art. 24) e competências executivas comuns (CF, art. 23).

29. Esse modelo de organização estatal, singular e complexo, singularidade e complexidade que deitam raízes profundas em nossa história, é, acima de tudo, imutável sem ruptura da ordem jurídica (CF, art. 60, § 4º, I), ressalvada a aquiescência do Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição em última instância.

30. Pois bem, nossa federação, por suas particularidades, precisa operar a categoria normativa norma geral ou diretrizes e bases, cuja vagueza e imprecisão têm mobilizado a doutrina mais autorizada e exigido o maior esforço do Supremo Tribunal Federal para precisar-lhe o sentido, o alcance e a abrangência, para que não resulte desfigurada a repartição constitucional de competências traçada pela Constituição Federal.

31. Em verdade, as normas gerais constituem uma particularidade dentro da particularidade, um mecanismo voltado para a mantença da unidade nacional e idealizado pelo Poder Constituinte para garantir a segurança e a certeza jurídicas na organização estatal que concebeu.

32. São assim as normas gerais, conforme se colhe na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e nas lições de doutrinadores da maior suposição, enunciados de leis, complementares ou ordinárias, que têm por função explicitar princípios constitucionais que requeiram um mínimo homogêneo de observância obrigatória e uniforme no território nacional, ou prevenir conflitos de competência entre as pessoas políticas, ou suprir eventuais lacunas constitucionais.

33. Sobre o significado da expressão normas gerais em nosso direito constitucional positivo, vale a pena registrar a sistematização proposta por Lúcia Valle Figueiredo (Direito: Competências Administrativas dos Estados e Municípios). Max Limonad, São Paulo, 1995, p.240), para quem:

"a) disciplinam, de forma homogênea, para as pessoas políticas federativas, nas matérias constitucionalmente permitidas, para garantia da segurança e certeza jurídicas;

b) não podem ter conteúdo particularizante que afete a autonomia dos entes federados, assim não podem dispor de maneira a ofender o conteúdo da federação, tal seja, não podem se imiscuir em assuntos que devam ser tratados exclusivamente pelos Estados e Municípios;

c) estabelecem diretrizes sobre o cumprimento dos princípios constitucionais expressos e implícitos."

34. Onde a regência da diversidade não comprometer os princípios constitucionais, vale a norma posta pela pessoa política competente. Em razão disso, não podem ser tidas como normas gerais ou de diretrizes e bases as que postas em leis federais esgotam o assunto objeto de normatização, ou que se preocupam com pormenores, ou que por uma ou outra forma invadam a competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.

35. Do mesmo modo, não é instrumento introdutor de norma geral a legislação estadual supletiva que contenha aqueles atributos minimizadores da competência municipal.

36. Na hipótese de a lei nacional (ou da estadual suplementar) se destinar ao estabelecimento de diretrizes e bases ou normas gerais e extravasar seu campo de atuação, o preceito se aplica apenas ao ente da Federação produtor da lei.

37. É antiga a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre os limites a serem observados pelas Casas Legislativas quando cuidam do ensino, em face do princípio federativo. Assim, nem sempre o que consta de uma lei federal obriga os Estados e nem tudo o que prescreve lei estadual atinge seus Municípios. Se o enunciado do dispositivo extravasa seu âmbito material de validade, resolve-se tudo prestigiando o princípio federativo.

38. No regime da Carta Federal de 1969, o Supremo Tribunal Federal em substancioso acórdão (Representação n° 1.454-DF, Relator o Ministro Octavio Gallotti; RTJ 125, pp 997/1.004), e oferecendo interpretação conforme à Constituição a preceito da lei que então dispunha sobre as diretrizes e bases da educação superior (Lei Federal n° 5.540, de 1968), estabeleceu:

"Universidades e estabelecimentos oficiais de nível superior.

A determinação do número dos componentes das listas destinadas à escolha de seus dirigentes, não sendo matéria de diretriz e base, escapa à competência legislativa da União, em relação às entidades oficiais de ensino, situadas fora do âmbito federal (Constituição, art. 8°, XVII, q e art. 177), valendo, apenas, no que concerne às mantidas pela União.

Representação julgada improcedente, desde que se interprete o § 1° da Lei n° 5.540/68, com a redação dada pela de n° 6.420/77, como somente aplicável às Universidades e estabelecimentos superiores, no âmbito federal." (grifei)

39. Já na vigência da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIn nº 51-9-RJ (DJU de 17.9.93), voltou a cuidar da matéria para, uma vez mais afastar a possibilidade de os critérios de escolha de dirigentes universitários serem tratados no campo das normas gerais ou diretrizes e bases da educação.

40. Nesse caso, a Suprema Corte disse ser imprópria a pretensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro de, com fundamento no princípio da autonomia universitária e sem base em lei de iniciativa do Presidente da República, adotar a eleição direta para os cargos de reitor e vice-reitor, para, uma vez mais, afastar a possibilidade de a matéria estar compreendida no conceito de norma geral, frisando em seus votos:

a) o Ministro Néri da Silveira que:

"Não tenho,

em realidade, como questão relativa à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, mas, sim, como matéria de natureza administrativa." (grifei)

b) o Ministro Sepúlveda Pertence que:

"Entendo, na verdade, que não há afronta à competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, que demanda essencialmente, a edição de normas de incidência geral."(grifei)

41. Não por outra razão, a Lei Federal n° 9.192, de 21 de dezembro de 1995, cuida apenas de disciplinar a escolha dos dirigentes das instituições públicas federais, isto é, integrantes do Sistema Federal de Ensino, mas sem adotar a eleição direta, estabelecendo quanto às instituições não-federais, o seguinte:

- os dirigentes de universidades ou estabelecimentos isolados particulares serão escolhidos na forma dos respectivos estatutos e regimentos, ainda que essas instituições estejam vinculadas ao Sistema Federal;

- nos demais casos, isto é, nos casos de instituições estaduais ou municipais, o dirigente será escolhido conforme estabelecido pelo respectivo sistema de ensino, vale dizer, segundo o disposto na lei estadual ou na municipal criadora da entidade prestadora dos serviços educacionais.

42. Pelo mesmo motivo, a LDB não cuida da escolha de dirigentes educacionais, embora trate de estabelecer diretrizes destinadas a assegurar a eficácia do princípio constitucional da gestão escolar democrática.

Gestão democrática e escolha de dirigentes

43. Dispõe o art. 56 da LDB que:

"Art. 56. As instituições públicas de educação superior obedecerão ao princípio da gestão democrática, assegurada a existência de órgãos colegiados deliberativos, de que participarão os segmentos da comunidade institucional, local e regional.

Parágrafo único. Em qualquer caso, os docentes ocuparão setenta por cento dos assentos em cada órgão colegiado e comissão, inclusive nos que tratarem da elaboração e modificações estatutárias e regimentais, bem como para a escolha de dirigentes."

44. Na Lei Complementar n° 170, de 1998, o dispositivo correspondente tomou igual número. Seu conteúdo é o seguinte:

"Art. 56. As instituições de educação superior, integrantes ou vinculadas ao Sistema Estadual de Educação, exercerão sua autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial na forma das leis que dispuserem sobre sua criação e organização e na de seus estatutos e regimentos.

Parágrafo único. Para obediência ao princípio da gestão democrática, é assegurada a existência de órgãos colegiados deliberativos de que participarão os segmentos da comunidade acadêmica, local e regional."

45. Comparadas as fórmulas literais legislativas transcritas, observa-se que ambas se preocupam em regular o princípio constitucional da gestão democrática do ensino público, previsto no art. 206, VI, da Constituição Federal.

46. Nota-se, porém, dissintonia entre elas, pois a lei catarinense omite a presença mínima de docentes (70%) em todos e quaisquer órgãos coletivos das instituições de educação superior e não faz referência à presença daquele contingente de docentes no processo de escolha de dirigentes educacionais.

47. Trata-se de norma geral o disposto no parágrafo único do art. 56 da LDB? Penso que não. Realista, portanto a lei complementar geral catarinense, que deixou ao Estado de Santa Catarina, quase que ausente da educação superior, e aos Municípios, a grande força catarinense nesse patamar da educação, cuidar cada um por suas leis específicas do que lhes pertence.

48. Aliás, veiculasse aquele dispositivo da LDB norma geral ou diretriz da educação nacional teria que abranger também as escolas mantidas pela iniciativa privada, o que não acontece. O preceptivo alcança, portanto, apenas as instituições públicas federais.

49. A propósito dos 70% da presença de docentes nos órgãos colegiados das instituições de educação superior, cumpre advertir que no dia em que a administração pública brasileira descobrir ser possível fazer distinção entre docentes e pesquisadores (na prática isso já vem acontecendo) nos planos de carreira dos profissionais da educação, a União terá , logo e logo, que mudar a LDB naquilo que a ela, somente a ela União, se aplica.

50. Quanto à escolha de dirigentes, a Lei Federal nº 9.192, de 1995, antecipando-se à LDB, atende à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que espanca eventuais dúvidas sobre a matéria: cabe aos sistemas, no exercício de sua autonomia, sobre ela dispor.

51. A Lei Complementar n° 170, de 1998, segue este caminho: se ao Estado pertence a instituição, cabe a ele sua disciplina; ao que ao Município pertence, compete a regulação a essa pessoa política.

52. Assim dispondo, a atual lei catarinense, na medida em que prestigia o princípio federativo, dá realce às multiformes concepções organizacionais de educação superior aqui consolidadas, sem que em nenhum momento ponha em risco a observância do princípio democrático.

53. Todavia, se prevalecer o entendimento de que o parágrafo único do art. 56 da LDB também veicula uma norma geral da educação nacional, explicitadora do princípio da gestão democrática, então terá que se concluir que o Projeto não pode prosperar, pois:

- não assegura a presença obrigatória de 70% de docentes nos órgãos colegiados;

- exclui a presença obrigatória de representantes da comunidade local e regional do processo eleitoral;

- a figura esdrúxula do voto ponderado ou proporcional que a lei nacional não menciona.

Sistemas de Ensino e Competência Legislativa

54. Na linguagem da Lei Complementar n° 170, de 1998, o Sistema Estadual de Educação, no que diz respeito à educação superior, compreende (art. 11, I e II) instituições integrantes e instituições vinculadas (arts., 12, I; 54; 56; 58 e 59).

55. São integrantes do Sistema Estadual as instituições de educação superior criadas pelo Poder Público estadual; são vinculadas ao Sistema Estadual as criadas pelo Poder Público municipal.

56. Qual a razão determinante da distinção? O motivo da distinção reside no fato de o chamado Sistema Estadual de Educação ter a missão de controlar as relações de educação em nível superior que se passam tanto no âmbito das instituições pertencentes ao próprio Estado como no âmbito de instituições pertencentes a seus Municípios, ou seja, instituições de esferas político-administrativas distintas.

57. Não por outra razão, a LDB prescreve que o Sistema Federal de Ensino também compreende as instituições particulares que atuam na educação superior, mas não passa pela cabeça de quem quer que seja que só por isso sejam elas membros integrantes da administração pública federal.

58. Está claro, destarte, que o Sistema Federal compreende as instituições privadas, assim como o Sistema Estadual compreende as instituições municipais, mas para fins de autorização de funcionamento e fiscalização do cumprimento da legislação do ensino. Não as compreendem para fins administrativos.

59. Tem-se, pois, que no território catarinense coexistem, sob o controle do Poder Público Estadual, instituições integrantes do aparelho administrativo-educacional do Estado e instituições a ele vinculadas mas que integram o aparelho administrativo-educacional dos respectivos Municípios.

60. Cabe ressaltar que a diferenciação das instituições em integrantes e vinculadas marca o caráter autonomista da lei orgânica do Sistema Estadual e sua nítida obediência ao princípio federativo tal como consagrado entre nós, caracterizado pela presença do Município como membro da federação brasileira.

61. Disso resulta que as instituições de educação superior que o Sistema Estadual de Educação compreende, além de atender às normas gerais nacionais sobre educação e ensino e às normas também gerais da Lei Complementar nº 170, de 1998, precisam ainda observar o disposto:

nas leis estaduais particularizantes, se instituições integrantes do Sistema estadual;

nas respectivas leis municipais particularizantes, se instituições vinculadas ao Sistema estadual para fins de controle de suas ações no campo do ensino superior;

62. Aqui tendo chegado, não se deve jamais olvidar que em Santa Catarina consolidou-se a prática de os Municípios manterem a educação superior por intermédio de fundações próprias.

63. Dessas fundações, todas instituídas em virtude de leis municipais, atualmente uma é pública pura, a Fundação Universidade da Região de Blumenau - Furb, e as demais são fundações governamentais submetidas a regime de direito privado, sendo variáveis os graus do atrelamento de cada uma delas ao Poder Público.

64. Esse fato caracterizador da civilização catarinense precisa ser levado em conta na interpretação da lei estadual em vigor e do Projeto que quer modificá-la, para que a Constituição não seja atropelada.

Ainda os Sistemas de Ensino e Competência Legislativa

65. De acordo com o art. 211, caput, da Constituição Federal, "a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino".

66. Essa disposição autoriza o Estado a legislar para os Municípios sobre como organizar o seus sistema de educação ? É evidente que não. O que a Constituição federativa diz é a que a organização e o funcionamento dos sistemas deve tender para a colaboração. Nada mais.

67. Daí afirmar José Afonso da Silva que o Município, em face de sua autonomia constitucional expressamente consagrada (CF, arts. 18 e 30), detém:

(...) competência exclusiva(...) em matéria administrativa, para ordenar sua Administração, como melhor lhe parecer" (Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª ed. Malheiros, São Paulo, 2000, p.625).

68. Vale aqui também lembrar Hely Lopes Meirelles, que jamais se cansou de assinalar:

"Mas, a despeito de ser palmar essa verdade, e de a ter dito com inexcedível clareza a Lei Magna, intromissões ainda existem, por parte de poderes e órgãos estranhos ao Município, que interferem arbitrariamente nos serviços locais, com sensíveis prejuízos para a Administração e manifesto desprestígio para os poderes municipais, lesados na sua autonomia." (Direito Municipal Brasileiro. 6ª ed. Malheiros, São Paulo, 1993, p.100).

69. Não estou a negar a competência legislativa suplementar do Estado (CF, art. 24, § 2°) para pôr normas gerais sobre educação, desde que se contenham dentro dos limites em que se desenvolvem as relações ensino. O que estou a negar é a capacidade legislativa do Estado para interferir no âmbito da administração municipal, na qual se inserem os critérios de escolha dos dirigentes das escolas municipais, ainda de que nível superior.

70. Seria amesquinhar o princípio constitucional da autonomia administrativa e da capacidade de auto-organização dos Municípios permitir que o Estado pudesse impor normas de conduta administrativa às municipalidades.

71. O Estado de Santa Catarina não mantém as fundações universitárias municipais. Logo, sobre elas e para elas não pode legislar sob o pretexto de estar legislando sobre educação.


IV - CONCLUSÕES

72. Do exposto, resulta demonstrado:

a) a precariedade técnico-legislativa do Projeto, cuja correção formal é impossível, em face de sua própria precariedade material;

b) a falta de jurisdicidade do Projeto, na medida em que inexiste relação social ou relação educacional que mereça ser objeto de lei estadual suplementar;

c) a ilegalidade do Projeto, porquanto contraria a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, desvirtuando o sentido e o alcance de suas normas gerais;

d) a inconstitucionalidade do Projeto por, além de versar sobre assunto que não pertence ao Estado e sua Assembléia Legislativa, implicar invasão da competência legislativa exclusiva dos Municípios, ferindo o princípio federativo.

Impõem-se, destarte, o puro e simples arquivamento da proposição.

Florianópolis, 7 de outubro de 2000

FLÁVIO ROBERTO COLLAÇO
Advogado e Consultor Jurídico da Acafe
OAB/SC n° 7.428

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Sobre o autor
Flávio Roberto Collaço

Advogado em Santa Catarina. Ex-membro do Conselho Estadual de Educação. Ex-Procurador-Geral do Estado de Santa Catarina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COLLAÇO, Flávio Roberto. Inconstitucionalidade da eleição direta para diretores de escolas públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16258. Acesso em: 23 dez. 2024.

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