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Parecer em indenização por erro médico

01/05/2000 às 00:00

Resumo:


  • O caso trata de uma ação de reparação de danos morais movida por Viviane Corrêa Leitão contra o Hospital Infantil São Lucas Ltda.

  • A autora alega que a negligência e imperícia dos médicos do hospital causaram sequelas irreversíveis e enormes gastos econômicos, pedindo indenização por danos morais.

  • O réu contestou alegando falta de culpa dos médicos, contestando a legitimidade passiva e denunciando à lide outros hospitais, além de impugnar o deferimento da assistência judiciária gratuita à autora.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Parecer ministerial em ação de indenização por danos morais por erro médico devido a imperícia e omissão de socorro por parte da equipe que atendeu a autora, causando-lhe longa e delicada internação e seqüelas irreparáveis em decorrência de apendicite mal tratada.

          Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da 8a Vara Cível Residual da Comarca de Campo Grande, MS:

          PARECER MINISTERIAL

          AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS

Autos:

97.0032696-9

Autora:

Viviane Corrêa Leitão

Réu:

Hospital Infantil São Lucas Ltda.

Objeto da ação:

Indenização por danos morais

Causa de pedir:

Imperícia e omissão de socorro da equipe de plantão do réu que causaram internação longa, cirurgias delicadas e seqüelas irreparáveis à autora e enormes gastos econômicos a seus pais.

Embasamento legal:

Artigo 5o, inciso X, da CF c/c Artigos 159, 1.537 a 1.553 do Código Civil e Artigo 6o, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor.

Valor da Indenização:

A ser fixada por arbitramento, em liquidação de sentença


I) Relatório:

Trata-se de ação de reparação de danos morais que Viviane Corrêa Leitão, menor impúbere, move em face do Hospital Infantil São Lucas Ltda.

Narra a peça inaugural que no início do ano de 1996 os representantes legais da autora procuraram o réu, para que esta recebesse atendimento médico, já que estava acometida de febre alta, dores abdominais e forte diarréia.

Após terem feito o pagamento dos valores cobrados, dado que a menor não pode receber os cuidados de que necessitava pelo convênio existente entre aquele nosocômio e o Previsul, ela foi atendida por um médico plantonista que diagnosticou "possível infeção intestinal", sem qualquer outra complicação que exigisse atendimento cirúrgico de emergência.

          Após alguns dias, com a mudança de seu quadro clínico para pior, os genitores da autora removeram-na para a Santa Casa, onde foi diagnosticado "apendicite supurada e peritonite generalizada", em virtude do que a suplicante ficou internada por 60 dias, entre a vida e a morte, inclusive no Centro de Terapia Intensiva. Apesar dos cuidados recebidos, a negligência e imperícia dos médicos da ré ocasionaram na postulante-vítima seqüelas irreversíveis, que lhe ocasionaram inclusive restrições alimentares e que a acompanharão pelo resto da vida.

Em razão do ocorrido, requereu indenização por danos morais, cujo valor deverá ser arbitrado, em liquidação, pelo magistrado.

Fundamentou sua pretensão no artigo 5o, inciso X, da CF c/c artigos 159(1), 1.537 a(2) 1.553 do Código Civil e artigo 6o, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor, e em entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, que citou.

Requereu também as benesses da justiça gratuita e a condenação do réu nos ônus da sucumbências.

Posteriormente, à f. 14, requereu também a juntada dos documentos que se encontram às f. 15 a 349.

          Devidamente citado em 11 de dezembro de 1997, o réu apresentou sua contestação no dia 16/02/98, através da qual alegou, preliminarmente, a incapacidade processual da autora, que, segundo ele, não se fez representar nos autos pelos seus genitores, bem como alegou a ilegitimidade passiva, posto que não houve culpa do médico ou dos médicos plantonistas, que não foram identificados e que não são empregados do réu.

Na mesma ocasião, denunciou à lide a Santa Casa de Campo Grande e o Hospital da Criança, além de ter requerido a aplicação à autora da pena de litigância de má-fé.

Quanto ao mérito, o réu afirmou:

1. não tem vínculo contratual com o Previsul desde 1995, motivo pelo qual a autora foi atendida pelo convênio da Unimed, sendo que o quantum pago pelos pais da autora se refere ao pagamento de apartamento não coberto pelo predito convênio;

2. a menor foi atendida, em 04/01/96, pelo Dr. Palhano e não apresentava sintomas "agudos de apendicite", mas ficou internada para observação, posto que reclamava de dor;

3. no dia 8 de janeiro de 1996, a Dra Regina Maria Araújo Ajala, médica pediatra do réu, percebendo que era caso de apendicite aguda, operou a requerente, no que foi auxiliada pelo Dr. Carlos Yonamine, não sendo, portanto, verdade que a menor foi levada à pressa para a Santa Casa, com o fim de lá ser operada de apendicite;

4. antes de ser transferida para o Centro de Terapia Intensiva na Santa Casa, onde ficou internada na UTI de 25 a 31 de janeiro de 1996, a menor autora foi operada por mais duas vezes no Hospital São Lucas, por motivo de obstrução intestinal. Assim, se vê que a postulante foi submetida a três cirurgia no Hospital São Lucas (documento de f. 370), onde recebeu todos os cuidados médicos necessários;

5. o pedido de reembolso feito ao Previsul (f. 19) contém informações inautênticas, o que demonstra a má-fé da representante da autora. Quer ela reaver o dinheiro gasto com a internação em enfermaria de qualquer modo. Primeiro tentou contra o Previsul e não conseguiu, agora se volta contra o réu, com o mesmo intento.

6. as razões da negativa do reembolso pelo Previsul se encontram a f. 232 (aquela autarquia não cobre gastos com internação em apartamento).

          Quanto ao direito, o réu afirma que o dever do médico é de meio e não de resultado e que a responsabilidade desse profissional depende da comprovação de culpa e do nexo causal entre o dano sofrido e ação ou omissão culposa do facultativo, o que não ocorreu no caso em questão.

          Às f. 377/380, o réu impugnou o deferimento da Assistência Judiciária Gratuita, sob o argumento de que: a) inexiste nos autos afirmação feita pelos interessados de que eles não estão em condição de pagar as custas do processo e os honorários advocatícios, sem prejuízo próprio e de sua família, apenas o patrono da autora fez tal assertiva na petição inicial, que não foi assinada pela autora ou pelos seus representantes legais; b) a autora quer se ver livre apenas do pagamento das custas processuais e dos honorários do advogado da parte contrária, dado que se comprometeu a pagar honorários ao seu patrono (procuração de f. 15); c) se ela pode pagar os honorários do seu advogado, que é de maior valor, pode pagar as custas e os honorários do patrono do réu que é de valor bem menor; d) os genitores, comerciante e funcionária pública, têm condição econômica de constituir advogado e de pagar honorários, não necessitando do benefício da gratuidade da justiça.

          Instado a falar sobre a contestação, a autora alegou basicamente a intempestividade da contestação e requereu o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, com reconhecimento dos efeitos da revelia.

É o que se reputou útil e necessário relatar.


II) Do Parecer propriamente dito:

A) Da Preliminar de intempestividade da contestação:

Há que se dizer, de pronto, que a contestação, em face do retardamento da juntada do mandado cumprido aos autos, que se deu em 15/01/98 (f. 349-v), da suspensão do prazo pelo advento do recesso e das férias forenses de dezembro/97 e janeiro/98 e pela ocorrência de um domingo no dia 15/02/98, não foi apresentada a destempo, o que autoriza a análise de seu conteúdo.

Vencida a preliminar de intempestividade da contestação, cabe a análise das preliminares levantadas pelo réu.

B) Da Preliminar de incapacidade processual:

Não há que se falar em incapacidade processual da autora, posto que ela se faz representar nos autos pelos seus genitores, como se vê pelo instrumento procuratório encontrado à f. 16.

C) Da Preliminar de ilegitimidade passiva:

A ilegitimidade passiva também inexiste, posto que o réu não negou que os facultativos que atenderam a autora, Dr. Fernando S. Higa, Dr. Palhano, Dra Regina Maria Araújo Ajala e o Dr. Carlos Yonamine, fossem empregados dela. Aliás, confirmou à f. 360, que o Dr. Palhano era médico plantonista daquele nosocômio, sendo certo que ele se identificou à genitora da autora como um dos sócios daquele hospital, fornecendo-lhe a relação de médicos daquele hospital (doc. anexo). Disse mais, disse que o atendimento se deu pelo convênio Unimed que o réu assinou.

Além do mais, é o hospital que deve comprovar que o médico que atendeu à autora não faz parte de seus corpo clínico. E essa obrigação o réu satisfez.

Nos tratamentos curativos em geral e cirurgia terapêutica - agindo com culpa (negligência, imprudência ou imperícia), tanto na feitura do diagnóstico quando nos procedimentos tomados - o médico e/ou hospital responde pelos danos causados não só econômicos mas também morais. É a decorrência do princípio geral instituído no Artigo 159 c/c. o Artigo 1.545, ambos o Código Civil.

Quanto à matéria os tribunais têm entendido:

"Ilegitimidade de Parte - Passiva - Inocorrência - Indenização - Erro médico - Hospital que presta serviços - Recurso parcialmente provido. Pendendo de produção de provas no sentido de apurar a culpa dos médicos que atenderam o autor, aliado ao fato de o hospital ter o dever de vigilância sobre os profissionais que prestam serviços em suas dependências, é ele parte legítima para figurar no polo passivo da demanda." (Agravo de Instrumento n. 268.247-1 - São Paulo - 7ª Câmara Civil - Relator: Rebouças de Carvalho - 20.09.95 - V.U.)

"Indenização - Responsabilidade civil - Ato ilícito - Negligência médico-hospitalar - Erro médico - Cirurgia plástica paga através de carnet - Deformações nos seios e vagina - Verba devida - Responsabilidade solidária caracterizada - Recurso não provido." (Relator: Cunha de Abreu - Apelação Cível 146.007-1 - São Paulo - 29.08.91)

A ausência ou não de culpa do médico plantonista é matéria de mérito e não de defesa processual. Além do que deve–se deixar claro Isso sem dizer que a responsabilidade subjetiva é só do profissional liberal. O hospital, como fornecedor de serviço, tem responsabilidade objetiva (inteligência do artigo).

D) Da Denunciação à lide da Santa Casa e do Hospital da Criança:

          Em relação a denunciação à lide da Santa Casa de Campo Grande e do Hospital da Criança, deve-se dizer que não cabe, posto que não estão presentes nenhuma das hipóteses previstas nos três incisos do artigo 70 do Código Civil.

Por outro lado, em momento algum, a autora alegou qualquer responsabilidade dos litesdenunciandos, nem o fez o réu denunciante.

Além do que a figura da intervenção de terceiro é estranha ao Código de Defesa do Consumidor, com a exceção prevista no seu inciso I do artigo 101, que só admite o chamamento ao processo.

O código quer que o consumidor veja reconhecido seu direito de indenização prontamente, sem que haja discussão sobre culpa do fornecedor. Não seria justo que o fornecedor ajuizasse ação de denunciação da lide para discutir culpa de outrem que deve indenizar-lhe em regresso, retardando o procedimento indevidamente, por introdução de fundamento novo na demanda. A denunciação da lide é expressamente vedada (art. 88), facultando-se ao fornecedor prosseguir contra o terceiro nos mesmos autos (parágrafo único do artigo 13 do CDC), nas condições e modos previstos na lei protetiva.

Nesse sentido caminham os tribunais do país:

"DIREITO DO CONSUMIDOR – DENUNCIAÇÃO DA LIDE

O instituto da denunciação da lide, por ser um complicador processual por excelência, é incompatível com o objetivo traçado pela Lei 8.078, de 1990, de fornecer proteção rápida e eficaz a toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, e a mais ninguém ( AI 197.382-1, 5.5.93, 7ª Código Civil TJSP, rel. Des. Souza Lima, in JTJ 148/205 -. In Dicionário Jurisprudencial, com referência doutrinárias e de legislação, da Doutora Dagma Paulino dos Reis, 3a edição, RT, p. 573)"

Se o objetivo do réu é eximir-se da responsabilidade, comprovando culpa exclusiva de terceiro, nos termos do artigo 14, § 3o, inciso II, do Codecon, não tem ele interesse de agir. Ademais, é mais fácil para ele comprovar a culpa de terceiro sem esse terceiro nos autos do que com a presença dele e sob o princípio do contraditório.

E) Da Litigância de má-fé:

Efetivamente, as narrações dos fatos feitos na inicial apresentaram algumas omissões, mas isso não tem o condão de levar a uma litigância de má-fé. Se alguma falha houve esta não pode ser imputado à autora e sim ao seu advogado. Os documentos fornecidos pela genitora da requerente ao advogado e que se encontram às f. 15 a 349 demonstram todo o ocorrido e o direito líquido e certo da menor vítima, que de forma alguma está agindo de má-fé.

As possíveis distorções ocorridas na inicial já foram corrigidas nos termos de declarações que seguem em anexo. O Ministério Público resolveu ouvir a genitora da menor reclamante para suprir possíveis deficiências encontradas na peça inaugural e evitar que haja uma indevida condenação por má-fé por parte da autora.

Pelas possíveis omissões encontradas na inicial, não se pode responsabilizar a autora. Seria ela duplamente prejudicada. Primeiramente pelo profissional da medicina e agora pelo profissional do direito.

F) Da Impugnação ao deferimento da justiça gratuita:

A assertiva de que inexiste nos autos afirmação feita pelos interessados de que eles não estão em condição de pagar as custas do processo e os honorários advocatícios, sem prejuízo do sustento próprio e de sua família, não procede. O constante à f. 10 já é o suficiente para o juiz analisar o pedido, deferindo-o ou não.

Tal assertiva é valiosa ao ponto de, em sendo falsa, autorizar a responsabilização criminal dos representantes legais da autora.

A cláusula fixando honorários advocatícios só prejudica o próprio advogado da menor que não fará jus a tais verbas, por constituir tal avença contrário a disposição ilegal. Esse é, inclusive, o entendimento inserto na decisão citada pelo réu à f. 378 (processo 88, n.o 199, do TJ/MS).

Não basta o réu afirmar que o pai e a mãe da autora - por serem, respectivamente, comerciante e funcionária pública - têm condição econômica para constituir advogado e para pagar honorários. Para desfazer a presunção legal de que a autora faz jus a Justiça gratuita é necessário que se faça prova robusta em contrário.

Entender diferentemente é afrontar a lei e causar empecilhos ao exercício do direito constitucional da ação. Além do mais, a legislação consumerista, ao tratar dos instrumentos para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, colocou como uma de suas molas mestras a manutenção da assistência jurídica, integral e gratuita, para o consumidor carente.

Segundo informação do patrono da autora ao Ministério Público, que o contatou, os honorários advocatícios ficaram constando do instrumento procuratório porque, inadvertidamente, foi usada a procuração padrão do escritório, onde já está impressa a cláusula concernente àquela verba.

Mister se faz observar ainda, neste particular, que a forma como tais honorários estão estipulados em contrato padrão ferem o disposto no Artigo 51, inciso X, do Codecon, dado que está a permitir que o causídico fornecedor do seus serviços profissionais fixe o preço que julgar cabível, posto que a tabela da OAB estabelece o limite mínimo para os honorários e não o máximo. Ofende, sem dúvida, tal cláusula o princípio da boa-fé objetiva e da harmonia que deve existir na relação de consumo, trazendo, por conseguinte, desvantagem exagerada ao consumidor e enriquecimento ilícito ao advogado.

G) Quanto ao mérito da causa:

A fim de se verificar se ocorreu ou não culpa dos facultativos que atenderam a autora, expor-se-á em seguida alguns dados teóricos que se julga indispensáveis a análise da questão.

          1) Das obrigações assumidas pelos médicos nos tratamentos curativos e nas cirurgias terapêuticas:

Certo é afirmar que, normalmente, a obrigação assumida pelo médico é de meio e não de resultado, o que leva a conclusão de que o médico se obriga, nos tratamentos curativos em geral e nas cirurgias terapêuticas, a tratar do doente com zelo, diligência e carinho, utilizando os recursos de sua profissão e arte. Isso porque a medicina não é uma ciência exata.

Assim, o médico que age com culpa (negligência, imprudência ou imperícia), nos tratamentos curativos e nas cirurgias terapêuticas, tanto na coleta de dados, quanto na feitura do diagnóstico e nos procedimentos tomados, deve responder pelos danos causados, tanto econômicos quanto morais. É a decorrência do princípio geral instituído no Artigo 159 c/c o Artigo 1.545, ambos o Código Civil, este último com a seguinte redação:

"Art. 1.545. Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência, ou imperícia em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir, ou ferimento".

Sendo certo que estas disposições não foram revogadas pelo Código de Defesa do Consumidor, que, apesar de prevê que a responsabilidade em geral pelos vícios do serviço é objetiva, dispõe, em seu Artigo 14, § 4º. que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais, aí incluído o médico, será apurada mediante a verificação de culpa.

          2) Da responsabilidade dos hospitais:

Há que se observar aqui que a responsabilidade subjetiva é do médico, como profissional liberal, e não do hospital, cuja responsabilidade é objetiva.

          3) Dos Passos a serem seguidos pelo médico para tratamento das doenças:

Os profissionais da medicina, para tratar o doente com zelo, diligência e carinho, utilizando-se de forma adequada dos recursos de sua profissão, devem percorrer os seguintes passos:

          a) saber de antemão qual é a queixa principal do paciente, isto é, saber do doente porque ele o procurou;

          b) traçar a história clínica do doente, através da narração feita pelo próprio paciente;

          c) fazer exame físico (contato físico do médico com o paciente);

          d) solicitar exames complementares, que podem ser a) laboratorial (de sangue, fezes e urina); b) Raio X; c) ultra-sonografia (ecografia); e outros;

          f) levantar a hipótese diagnóstica (diagnóstico não definitivo);

          g) fazer o diagnóstico definitivo. Os tratamentos futuros terão como base esse diagnóstico, que, em sendo errado, comprometerá todo o tratamento; e

          h) realizar a conduta ou procedimento correto para viabilizar a cura ou até mesmo para buscar apenas a amenização da dor do doente, quando a cura não é possível. Esta conduta pode ser clínica (como. por exemplo, internação) ou cirúrgica (operação).

          4) Motivos dos erros médicos:

Os erros médicos são possíveis e ocorrem por vários motivos. Dentre esses motivos, pode-se citar os seguintes:

a) o fato de não ser a medicina uma ciência exata e estar em constante evolução;

b) constante surgimento de doença novas;

c) desqualificação dos profissionais de medicina (ou por falta de interesse pessoal ou em virtude da degeneração do ensino superior);

d) falta de paciência necessária de alguns profissionais da medicina, em seguir os passos necessários até chegar ao diagnóstico definitivo;

e) displicência e, até, descaso de alguns médicos, principalmente em relação aos casos que julgam serem de pequena importância ou por se tratar de doentes desfavorecidos de recursos materiais; e

f) pura omissão, negligência, imprudência e/ou imperícia médica, chegando até as raias, em alguns casos, do dolo eventual.

          5) O que vem a ser apendicite, quais os cuidados que requer e como diagnosticá-la:

Apendicite é a inflamação do apêndice, que é uma pequena saliência do ceco, com a forma de dedo de luva, situada na primeira parte do intestino grosso.

O tratamento da apendicite (que é geralmente sua extirpação, conhecida como apendicectomia) deve ser feito de imediato, posto que sua demora (de 24 a 48 horas) ocasionará fatalmente a perfuração do apêndice com vazamento fecal para as cavidades abdominais, causando a peritonite(3) (infecção generalizada do abdome) "e/ou formação de abscesso(4) apendicular." (Manual de Clínica Médica, de R.M. Macklis, M. E. Mendelsohn & G. H. Mudge, Jr., Tradução de Maria de Fátima Azevedo e Jacob Israel Lemos, Ed. Medsi, 1985, p. 214).

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A faixa de incidência da doença varia de literatura para literatura. A maioria delas, porém, coloca a idade de 12 anos como uma idade de grande incidência dessa doença.

          Manifestações clínicas da apendicite. Quadro. "O quadro clássico inicia-se com desconforto epigástrico(5), anorexia (falta de apetite), vômitos e náuseas. Após algumas horas a dor se desvia para a FID (fossa ilíaca direita), às vezes localizando-se no ponto de McBurney (ver ilustração em anexo). Entre os achados associados estão febre, leucocitose com desvio para a esquerda, constipação e sinal do psoas e do obturador." (Manual de Clínica Médica, de R.M. Macklis, M. E. Mendelsohn & G. H. Mudge, Jr., Tradução de Maria de Fátima Azevedo e Jacob Israel Lemos, Ed. Medsi, 1985, p. 214).

Richard Stillman, no seu livro Cirurgia – diagnóstico e tratamento, traduzido por André Luiz Becker et alli – Porto Alegre: Artes Médicas, 1991, ao tratar de apendicite, na p. 604, assim dispõe:

"Sintomas: Dor epigástrica, náuseas, vômitos, depois dor localizada.

          Sinais: Sensibilidade sobre o local do apêndice (que pode variar).

          Diagnóstico: usualmente baseado apenas nos achados clínicos; radiografia de abdômen pode ser útil.

          Tratamento: apendicectomia."

A literatura médica existente sobre o assunto é unânime em afirmar que há uma dificuldade muito grande para se diferenciar, principalmente nas crianças, a apendicite da gastroenterite(6). Além do que ela pode camuflar outros distúrbio abdominais, entre eles a pancreatite. Dessa forma o médico deverá lançar mão do diagnóstico diferencial, fazendo-se as eliminações necessárias (processo de eliminação).

Jean H. Gilles, MD, FRCPC e outros, no livro Plantão (on call) – princípios e protocolos, traduzido por Gabriel Prolla e Ricardo Ossanay, Artes Médicas, Porto Alegre, 1991, demonstra que o diagnóstico das dores abdominais requer maiores cuidados do profissional da medicina:

"As causas de dor abdominal localizada são numerosas. Um sistema útil para abordar o problema é o diagnóstico diferencial pela localização. A figura 4-1 (em anexo) ilustra o diagnóstico diferencial pelo localização." (página 41).

No mesmo sentido, dispõe o já citado Manual de Clínica Médica de R.M. Macklis:

"IV Diagnóstico Diferencial. O principal diagnóstico diferencial é a apendicite versus gastroenterite." (página 214).

          No caso de dúvida, deve o médico optar pela imediata intervenção cirúrgica, fazendo a apendicectomia, posto que o retardo poderá trazer complicações letais. Tal operação não trará dano algum ao paciente, mesma na hipótese de não se estar diante de uma apendicite aguda, posto que, neste caso, o profissional poderá extirpar o apêndice, realizando uma cirurgia profilática. Essa extração prematura não trará nenhum prejuízo para o paciente, já que a medicina ainda não descobriu utilidade alguma para essa saliência. O que não pode ocorrer é retardar uma operação de apendicite, colocando o enfermo em situação de alto risco de vida.

No "Manual Merck de Medicina – Diagnósticos e Tratamento, em sua 15a edição, Editora Roca, p. 842, vê-se confirmada a assertiva acima:

"Diagnóstico e Diagnóstico Diferencial

(....). O índice de 20 a 30% de apêndices normais removidos mostra que a preocupação que demanda da certeza absoluta do diagnóstico, pode levar a retardo na operação e a um índice inaceitável de perfurações.

(....).

Contudo, o clínico sensato pensará em apendicite em qualquer paciente com início súbito de dor.

(....).

          Prognóstico

          Com cirurgia precoce, a letalidade é baixa, o paciente tem alta em 4 a 5 dias e a convalescença geralmente é rápida e completa. Com complicações, o prognóstico é mais sério; em se desenvolvendo o abscesso apendicular, a resolução final pode levar muitas semanas."

          6) Evolução da apendicite para a peritonite e criação de abscesso e sintomas da peritonite:

Diz a literatura médica que um quadro de apendicite quando agravado causará a perfuração do apêndice, fazendo com que as fezes do paciente sejam depositadas na cavidade abdominal o que poderá ocasionar a peritonite e/ou abscesso apendicular (Manual de Clínica Médica, de R.M. Macklis, M. E. Mendelsohn & G. H. Mudge, Jr., Tradução de Maria de Fátima Azevedo e Jacob Israel Lemos, Ed. Medsi, 1985, p. 214).

Nota-se, no caso concreto, a tipificação da situação descrita pela doutrina médica, de forma agravada, posto que foi diagnosticado na menor peritonite e abscesso.

Segundo o Manual Merck de Medicina – Diagnósticos e Tratamento, em sua 15a edição, Editora Roca, p. 843, o início da peritonite

"é marcado por dor abdominal intensa, localizada ou difusa. Nos pacientes tratados com esteróides, a dor e a sensibilidade podem ser mascaradas. Nos estágios iniciais, como desenvolve-se íleo paralítico, está presente distensão abdominal moderada, geralmente com náuseas e vômitos e, ocasionalmente, com diarréia. Estão presente hipersensibilidade dolorosa do abdome, descompressão brusca e espumo muscular acentuado; a descompressão brusca pode ocorrer sem a hipersensibilidade à palpação direta. Mais tarde, o abdome fica sem ruídos à ausculta. O exame retal revela sensibilidade pélvica e pode mostrar um abscesso pélvico. As radiografias simples do abdome podem mostrar preenchimento gasoso difuso de delgado e colo e ausência de alças bem-definidas. A tomografia e a ultra-sonografia são úteis na detecção de abscessos intra-abdominais.

Febre, taquicardia, calafrios, taquipnéia e leucocitose são sinais de sepse; respiração rápida e superficial sugere irritação diafragmática com imobilização. Soluços e dor no ombro indicam envolvimento diafragmático. O vômito, inicialmente de origem reflexa, geralmente persiste, indicando íleo. Os olhos ficam encovados e a boca seca; o colapso circulatório pode ser fatal; finalmente, o abdome está tenso e distendido e aparece o "fácies hipocrático" tipicamente contraído".

Quando a menor compareceu no hospital do réu, pediu insistentemente que o médico passasse um remédio para dor e este insensível a situação da criança não lhe deu a mínima, passando apenas digesan. Era a menor a própria descrição do sintoma de peritonite, em carne e osso, diante do médico.

Todos os exames físicos e complementares sugeridos para o caso não foram feitos.

          7) Sintomas da gastroenterite e os exames necessários para diagnosticá-la:

É uma inflamação simultânea do estômago e do intestino causada por vírus, parasitas, bactérias ou intoxicação.

Ensina a literatura médica que

"O caráter e gravidade dos sintomas depende da natureza e dose do irritante , a duração da ação, a resistência do paciente e a extensão do envolvimento GI. O início é freqüentemente súbito e, às vezes, dramático, com anorexia, náusea ou vômito; borborigmo, espasmos abdominais e diarréia, com ou sem sangue e muco. Pode ocorrer mal-estar, dores musculares e prostração.

O vômito e diarréia persistentes levam a desidratação grave choque, com colapso vascular e insuficiência renal oligúrica. Se o vômito causar perda excessiva de líquidos, ocorre alcalose metabólica com hipocloremia; se a diarréia for mais intensa, é mais provável haver acidose. A hipocloremia pode resultar tanto do vômito quanto da diarréia excessivos. Pode ocorrer hiponatremia, particularmente se líquidos não-eletrólicos forem usados na reposição. A desidratação grave e o desequilíbrio ácido-básico podem produzir cefaléia e sintomas de irritabilidade nervosa e muscular.

O abdome pode estar distendido e flácido; nos casos graves, pode estar presente defesa. As alças intestinais distendidas por gás podem ser vistas e palpadas. O borborigmo(7) é auscultado mesmo sem diarréia ( importante característica diferencial do íleo paralítico). A PA pode estar reduzida, o pulso rápido e a temperatura elevada. Podem estar presentes os sinais de depressão do líquido extracelular". (Manual Merck de Medicina – Diagnósticos e Tratamento, em sua 15a edição, Editora Roca, p. 866).

Para o diagnóstico da gastroenterite a predita obra ensina que

"o exame e a cultura das fezes estão indicados, exceto se os sintomas cederem em 48h". E vai além ao dizer que " estes e outros diagnósticos diferenciais podem exigir cultura de alimentos, vômito, fezes urina e sangue: testes de aglutinação específicos (positivos após cerca de 1 semana) podem também ser úteis".

Embora haja grande dificuldade para se diferenciar a peritonite da gastroenterite, o simples exame físico poderia ajudar no diagnóstico diferencial, posto que na gastroenterite o abdome estará distendido e flácido, ao contrário da peritonite, que ele estará rígido. Mais ainda, na gastroenterite o abdome faz barulho característico, semelhante ao que faz quando se sopra com um tubo dentro de um copo d´água. Uma simples auscultação(8) dessa região ajudaria o médico a fazer o diagnóstico exato. A peritonite também poderia ser facilmente reconhecida com a simples palpação por sobre a região do apêndice, posto que a paciente não agüentaria de dor e "urraria".

Mesmo no caso de firme convicção de que se tratava de gastroenterite, o fato de o sintoma ter persistido por mais de 48 horas, o facultativo já estava obrigado a solicitar o exame de fezes, o que não fez.

          8) Sintomas da pancreatite e os exames necessários para diagnosticá-lo:

Segundo o Manual de Clínica Médica, de R.M. Macklis, M. E. Mendelsohn & G. H. Mudge, Jr., Tradução de Maria de Fátima Azevedo e Jacob Israel Lemos, Ed. Medsi, 1985, p. 215, "pancreatite é uma inflamação aguda ou crônica do pâncreas. Ainda segundo a predita obra literária, a pancreatite aguda deve ser diferenciada das outras causas de inflamação abdominal: coletitíase, cálculos no ducto comum, obstrução ou perfuração intestinal, gravidez ectópica, doença inflamatória pélvica, úlcera péptica. Já a pancreatite crônica deve ser diferenciada das síndromes de má absorção, divertículos, carcinoma pancreático.

Embora a literatura médica sobre o assunto obrigue o médico a diferenciar a pancreatite das outras inflamações abdominais, o médico do réu não procurou tomar mínimas iniciativa para que isso ocorresse.

          9) Da culpa dos médicos plantonistas e dos seus erros grosseiros:

Conforme se conclui pela leitura das declarações prestadas pela Senhora Vicentina Aparecida Corrêa Leitão (termo em anexo), os médico plantonistas do Hospital Infantil São Lucas - primeiramente o Dr. Higa e, posteriormente, o Dr. José Antônio Palhano, tiveram oportunidades ímpares para fazer um diagnóstico correto da doença da autora, de modo a evitar todos os transtornos e perigos pelos quais ela passou, mas não souberam aproveitar tais oportunidades. Lendo a literatura médica sobre o assunto e o relato feito pela mãe da menor autora, tem-se a nítida impressão de que os médicos do réu haviam combinado para fazer de tudo para que a vítima reclamante não tivesse o tratamento correto e morresse. Não é possível que, com a clareza dos sintomas e com a forte recomendação médica de que em caso de dúvida deve-se optar pela ocorrência de apendicite e fazer de imediato a cirurgia, um médico com 16 anos de profissão possa cometer um erro crasso desse sem estar agindo, pelo menos, com dolo eventual.

Embora o primeiro médico que atendeu a menor soubesse de sua queixa principal, ele sequer ouviu a narração da paciente para saber o que ela havia ingerido nos momentos antecedentes ao surgimento das dores, para saber com certeza que se tratava de intoxicação alimentar.

A mãe da menor foi firme em suas declarações quando afirmou:

          "Inquirida, declarou: Que no dia 03 de janeiro de l996, por volta das 09 horas a menor Viviane Correia Leitão apresentou os primeiros sintomas, quais sejam: febre, diarréia, vômito e dor abdominal e às 11 horas a declarante a levou ao Hospital São Lucas, sendo atendida pelo médico de plantão, Dr. Higa. O médico, sem realizar qualquer exame, disse que o quadro apresentado poderia ser conseqüência de algum alimento ingerido, então receitou digesan e soro caseiro e nesse momento a menor solicitou ao médico que receitasse um remédio para amenizar a dor que estava sentindo, ao que o Dr. Higa respondeu que não iria receitar nenhum medicamento para dor, porque primeiro a paciente necessitava expelir tudo o que lhe estivesse fazendo mal. Disse que a paciente poderia retornar para sua casa e recomendou repouso. Contudo, mesmo tomando a medicação sugerida os sintomas não desapareceram."

A displicência do facultativo foi tamanha que, apesar da dúvida de que foi acometido ("poderia ser"), não fez os exames físicos imprescindíveis nem requisitou os exames complementares necessários, tais como exame de sangue, fezes, urina, raio x, etc.

Com o diagnóstico feito, sem qualquer coleta de dados, demonstrou ser o médico precipitado, negligente e imperito. O seu erro foi grosseiro, bem como criminoso foi o procedimento que adotou.

Foi leviano o clínico. deixou-se enganar pela diarréia(8), posto que, segundo a literatura médica existente, é um sintoma raro nos casos de apendicite. A oitiva atenta da história clínica da paciente e o exame físico tirariam qualquer dúvida, porventura existente. Mas se persistisse a insegurança deveria ele ter feito os exames laboratoriais necessários. Se mesmo assim a dúvida continuasse, a prescrição correta e imediata seria a apendicectomia, como já demonstrado acima.

Confundiu o médico plantonista dor na barriga com dor de barriga, posto que não ouviu com a paciência e a atenção devida a história clínica. O exame físico seria outro auxiliar inestimável, posto que o simples fato de fazer a menor subir a mesa para exame já daria ao clínico o matéria suficiente para o diagnóstico correto (a criança jamais iniciaria a subida à mesa com a pena direita, por instinto de defesa do local dolorido), sem, no entanto, desprezar a palpação correta, feita na forma descrita à f. 225/226 do livro Manual de Exame Clínico, de Fernando Bevilacqua e outros, Editora Cultura Médica Ltda., 10a edição, RJ (cópia em anexo).

O Dr. José Antônio Palhano, não agiu com menor negligência, imperícia, desídia e descaso que seu antecessor. O quadro descrito pela próprio mãe, que dizia que a filha repuxava a perna direita e negava-se a esticá-la era um indicador certo da evolução do quadro de apendicite para peritonite.

Mesmo depois da genitora da autora ter sugerido que poderia ser apendicite, o referido facultativo continuava em seu erro, apesar de estar contrariando todas as recomendações da medicina alopática para o caso que se lhe apresentava.

A narração da Senhora Vicentina Aparecida Corrêa Leitão forneceu elementos necessários para qualquer leigo fazer o diagnóstico correto. O Dr. Palhano, no entanto, não deve sequer ter olhado para a menor, posto que seu quadro clínico indicava o mal do qual ela estava acometida.

Para notar os absurdos cometidos por este clínico, basta ler a transcrição das declarações que a genitora da autora fez sobre o caso na Promotoria de Justiça dos Direitos Constitucionais do Cidadão e das Vítimas de Infrações Penais:

"Que a declarante, naquele mesmo dia, por volta das 22 horas percebeu que sua filha apresentava um quadro pior do que pela manhã, com febre alta, vômito e dor localizada à direita do ventre, abaixo do umbigo; bem como dor na perna direita. Momento em que a declarante decidiu levar Viviane Correia Leitão novamente ao Hospital São Lucas. Lá chegando a menor foi atendida pelo Dr. José Antônio Palhano, que de pronto se identificou como um dos sócios do hospital. A declarante disse ao médico que desconfiava que o caso poderia ser apendicite, porém o Dr. Palhano refutou tal declaração dizendo que Viviane Correia Leitão estava com uma forte intoxicação alimentar e que seus dezesseis anos de profissão o capacitavam para tal diagnóstico. Que a declarante solicitou ao médico a realização dos exames necessários, todavia o Dr.. Palhano disse que não era necessário e que o tratamento era clínico e não cirúrgico, assegurando à declarante que se fosse caso de cirurgia ele encaminharia a paciente para tal atendimento, já que o hospital estava preparado para tal situação. A menor ficou internado no Hospital São Lucas até o dia 06.01.96. Durante tal período a paciente recusava todo tipo de alimento que lhe era oferecido, pois tinha desconforto gástrico e não suportava cheiro de alimento. Que a menor também não conseguia tomar banho, porque não suportava o cheiro do sabonete. Recebendo alta médica por se encontrar "melhorada" (f.39 dos autos do processo). Que quando retornou para sua casa, por volta das 11 horas, a menor voltou a apresentar febre alta e vômito, com o agravante de sentir fortes dores no abdômen, assim como distensão e rigidez deste, falta de apetite e ainda não suportava o cheiro de alimentos que começava a passar mal. No domingo (07.01.96) a declarante telefonou para o Dr. Palhano informando sobre o estado de saúde da sua filha. Como resposta o Dr. Palhano lhe informou que os sintomas apresentados pela menor estavam em conformidade com a forte intoxicação que ele havia diagnosticado. Que o Dr. Palhano afirmou que não era para forçarem a menor a se alimentar. Que a declarante chamou sua mãe para que então preparasse uma alimentação diferente para a menor, porém mesmo assim Viviane não se alimentava. Que a mãe da declarante também achava que o caso se tratava de apendicite. Que toda a família da declarante se reuniu em sua casa e todos concordaram com a possibilidade de ser apendicite o problema que Viviane tinha. Que a menor não apresentou qualquer melhora, motivo pelo qual a declarante levou-a na segunda-feira (08.01.96), por volta das 07 horas, novamente, ao Hospital São Lucas. Lá chegando a menor foi atendida pelo Dr. Palhano. Sem solicitar qualquer exame médico, o Dr. Palhano disse que Viviane Correia Leitão apresentava um quadro de pancreatite e quis internar a paciente, entretanto a declarante não permitiu a internação sem a realização do exame de sangue. Que o Dr. Palhano então requisitou a realização de exame de sangue na menor. Que o resultado do exame ficou pronto por volta das 16 horas, porém a declarante não conseguiu localizar o Dr. Palhano para que este pudesse interpretar o resultado obtido. Em ato continuo a declarante se dirigiu até o Hospital São Lucas para que qualquer médico pudesse lhe dizer o resultado do exame, até porque sua filha quase não conseguia andar. Que foi atendida pela Dr. Lídia, que estava de plantão. Que a Dra. Lídia ao ler o resultado do exame e fazer exame físico, naquele mesmo dia 08.01.98, disse que era possível para perceber que há mais ou menos cinco dias a apendicite tinha estourado. Que então a Dra. Lídia, após pedir a permissão da mãe, chamou com urgência a Dr. Maria Regina Ajala para dar início a cirurgia de apêndice na menor. Ao terminar a cirurgia, a Dra. Maria Regina confirmou o que a Dra. Lídia havia dito, ou seja, que a apêndice da paciente havia estourado há mais ou menos cinco dias, o que ficou constando do na guia de solicitação (f. 53 dos autos)."

Sem ouvir a história clínica, sem fazer os exames físicos necessários, sem requisitar qualquer exame complementar, insistiu que era caso de intoxicação alimentar, tendo descrito à f. 40 que a menor estava acometida de gastroenterite e desidratação, quando ela já estava com apendicite supurada, lançando pus e fezes por toda a cavidade abdominal.

Deixou-se, levianamente, se enganar também pela diarréia(9) de que era acometida a menor. Desprezou todos os outros sintomas e todos os ensinamentos acadêmicos recebidos nos bancos da faculdade de medicina.

A atitude deste médico foi mais que negligente, foi criminosa. Seu diagnóstico e a conduta que teve foram reflexo de sua atitude irresponsável inicial.

Cometeu ele erro grosseiro. No momento que percebeu que não tinha mais como enganar a mãe com sua cretina irresponsabilidade, desapareceu. Teve oportunidade de corrigir os erros iniciais, mas não o fez. Acovardou-se. Valendo-se de sua experiência profissional, percebeu que o caso estava já perdido e não poderia ele se comprometer nessa altura dos acontecimentos. Tentou jogar o homicídio para outro, mas graça a uma providência divina, este não ocorreu.

Há de se concluir que os erros grosseiros desses dois profissionais que atenderam a autora foram os responsáveis direto por todos as conseqüências advidas à menor vítima. Sendo eles, um empregado do réu e outro o seu sócio (doc anexo), inevitável é a responsabilização do réu.

          9) Do erro cometido pelas médicas que fizeram a apendicectomia:

Em caso de peritonite, que é uma inflamação generalizada dos intestinos, causados pelas fezes e pus que vazaram através da apêndice, o procedimento que deve ser feito, após a extração da apêndice, é fazer uma limpeza cuidadosa de toda a cavidade abdominal, com muito soro e antibiótico, isto com a finalidade de retirar toda matéria fecal e pus, combater os germes lá existente (bactérias gran -) e mesmo para fazer uma assepsia completa até no local não afetado diretamente. A omissão na feitura desse procedimento leva a criação de abscessos, inflamação e infecção generalizadas, com destruição dos órgãos localizados no abdômen e, por conseqüência, a morte só paciente, salvo se o procedimento correto for tomado em curto espaço de tempo e com eficácia.

A Dr. Regina M. Araújo Ajala fez um laudo médico correto ("Criança apresentando quadro de dor abdominal, localizada no FID + vômito + febre há 5 dias. (ilegível) finais de irritação peritonial localizada no FID", f. 53), fez um diagnóstico quase completo, pois omitiu a peritonite, que está relatada no relatório de f. 370, item 1 ("apendicite", f. 53) e prescreveu o procedimento parcialmente correto, posto que não prescreveu a necessidade de se fazer a limpeza cuidadosa e completa de toda cavidade abdominal, após a extirpação da apêndice ("apendicectomia, f. 53").

Embora na descrição da operação, que se encontra à f. 54-v, se tenha afirmado que foi feita a limpeza da cavidade (sem mencionar qual cavidade), é certo afirmar que esta limpeza não foi feita ou foi feita de forma completamente inadequada ou a operação foi tão mal feita que continuou vazando fezes do intestino grosso para a cavidade abdominal da criança através de algum orifício resultante da operação. O mais provável é que esta limpeza não tenha sido feita, isto porque: a) não foi pedido à genitora da menor naquela oportunidade o fornecimento de soro e de antibiótico para tanto, apesar de a quantidade que deveria ser usada não poderia ser jamais inferior a 5 litros de soros; b) não seria admissível que uma profissional da medicina pudesse, após extirpar a apêndice, deixar de fechar o orifício criado, para que por ali continuasse vazando fezes para o organismo da menor autora; c) se a limpeza tivesse sido feita, as outras três operações teriam sido desnecessárias (a 2a cirurgia para resolver problema de obstrução intestinal, quando foi retirado 40 cm de intestino da menor, por estar necrosado; a 3a, para resolver problema de abdome agudo(10) e obstrução intestinal, com a drenagem de hematoma infectado; e a 4a, quando efetivamente foi feita a lavagem que deveria ter sido feita por ocasião da primeira operação).

As declarações da mãe da autora, que se encontram em anexo a este parecer, confirmam as conclusões tiradas acima:

"Que após a realização do exame Viviane piorava cada vez mais. Que a declarante entrou em desespero, chorando muito, até que em um determinado momento deparou com a Dra. Regina nos corredores do hospital. Que a Dra. Regina olhou para a declarante com descaso e disse: ‘vou dar alta para Viviane e internar a mãe dela’. Aumentando ainda mais o sofrimento e desespero da declarante. Que após a realização do Raio-X a Dra. Regina disse que se a menor não melhorasse com a medicação prescrita seria submetida a uma intervenção cirúrgica na manhã do dia seguinte (17.01.96), em virtude de que com o estouro da apendicite se criou um líquido infeccioso no intestino (abcesso). Que a cirurgia para retirar tal abscesso e as aderências das alças intestinais devido aos abcessos, foi realizada no dia 17.01.96. Que após a segunda intervenção cirúrgica a menor não apresentou melhora, permanecendo internada.

(....).

Que por volta das 18 horas, naquele mesmo dia, a menor começou a vomitar e ter febre, momento em que as enfermeiras se mobilizaram para medicar a paciente, porém a declarante não permitiu tal procedimento e entrou em contato com o Dr. Abdul K. Y. Omais para que ele fosse até o Hospital São Lucas olhar a paciente, já que a declarante não tinha mais confiança no hospital e nos médicos. Que o Dr. Abdul reafirmou à declarante que antes era preciso uma permissão do Dr. Carlos Augusto Yonamine e da Direção do Hospital São Lucas. Que a declarante solicitou tal permissão, sendo-lhe concedida. Que no mesmo dia o Dr. Abdul foi até o Hospital São Lucas e informou à declarante sobre a gravidade do estado clínico da paciente, dizendo que somente pegaria o caso se a menor fosse transferida para o CTI da Santa Casa e também fosse providenciado sangue para a terceira cirurgia. Que a intervenção cirúrgica começou a zero hora do dia 25.01 e terminou às 05 horas do mesmo dia. Que após a cirurgia o Dr. Carlos Augusto Yonamine informou à declarante que havia realizado uma jejunostomia (para separar o intestino grosso do jejuno) na paciente e que havia extirpado mais ou menos quarenta centímetros do intestino, na parte entre o delgado e o jejuno, com o objetivo de proteger o intestino grosso que se encontrava bastante afetado. Que a declarante ao receber a notícia do médico desmaiou e foi socorrida pelo sua irmã, irmão e cunhado. Que a declarante após retomar consciência do desmaio não tinha forças para ver sua filha, necessitando de apoio constante da sua família. No mesmo dia (25.01.96), por volta das 10 horas a menor foi removida para o CTI da Santa Casa, permanecendo neste centro de terapia até o dia 31.01, sendo removida, então, para um apartamento daquele mesmo hospital, onde permaneceu até o dia 07.02, quando recebeu alta. Que a paciente antes de receber alta apresentava um perigoso quadro febril, porém os médicos não conseguiam descobrir a causa, e como último recurso deram alta a paciente que de imediato obteve melhoras."

Mister se faz deixar claro que as duas primeiras operações, onde ocorreram os equívocos médicos acima relatados, foram realizadas pelos médico do Hospital Infantil São Lucas. Já a terceira e quarta cirurgias, que foram realizadas para corrigir os erros cometidos anteriormente e para se realizar a limpeza adequada, foram feitas, a terceira, com auxílio de médicos do Hospital da Criança, embora ainda realizada no hospital do réu e a quarta foi realizada no Hospital da Criança. A descrição dos procedimentos realizados na quarta operação se encontram à f. 107-v, cabendo salientar que nestas duas oportunidades foi solicitado da mãe da Viviane grande quantidade de soro fisiológico e antibiótico, com o fim de se proceder a lavagem adequada da cavidade abdominal.

A declaração da Senhora Vicentina demonstra muito bem onde existiu os descuidos médicos e das próprias enfermeiras que cuidaram de Viviane:

"Que a declarante não tem nada do que reclamar da equipe médica que realizou a terceira e quarta cirurgia na sua filha, bem como da Santa Casa e Hospital da Criança, porém no que diz respeito ao serviço de enfermagem do Hospital São Lucas a declarante diz que todas as enfermeiras tratavam a sua filha e ela própria de maneira rude. Que a menor tinha medo das enfermeiras, já que elas a tratavam com grosseria. Que durante os períodos noturnos quando a paciente passava mal a declarante não encontrava enfermeiras para socorrer sua filha e era necessário procurar por todo o hospital e que a declarante inúmeras vezes encontrava-as dormindo nos leitos vazios daquele hospital. Que no dia 24.01.96, por volta das 15 horas uma enfermeira de plantão levou uma medicação para a menor tomar e como a paciente estava com muito desconforto gástrico não conseguiu ingeri-la. Que então a declarante comunicou à enfermeira que sua filha não conseguiu ingerir a medicação que ela havia deixado. Oportunidade em que a enfermeira respondeu que a Viviane era uma menina muito dengosa. Que neste momento a declarante começou a chorar, já que se encontrava muito debilitada emocionalmente por tudo o que estava acontecendo. Que a declarante disse à enfermeira que sua filha estava com febre e muito mal. Que mais ou menos duas horas após esse acontecimento a menor piorou e a declarante foi chamar o Dr. Abdul. Que então o Dr. Abdul convocou a equipe médica do Hospital da Criança para realizar a terceira cirurgia na paciente, que se encontrava internada no Hospital São Lucas. Que a declarante não reclamou do atendimento prestado pelas enfermeiras no Hospital São Lucas, à época dos fatos temendo uma represália em forma de medicação para sua filha."

Os sofrimentos pelos quais passaram tanto a menor quanto seus pais e irmãos, os quais estão claramente descritos no já mencionado termo de declarações, se deveu, primeiramente, aos péssimos trabalhos desenvolvidos pelos dois primeiros médicos que atenderam a autora vítima e, posteriormente, em face de duas operações mal feitas, posto que se a lavagem das cavidades abdominais tivesse sido realizada em qualquer uma das duas primeiras operações, não teria havido a necessidade de qualquer uma das operações subseqüentes e a menor jamais passaria por tantos transtorno, risco de vida, UTI e por conseqüências gravíssimas que deverão ser por ela suportada, quiçá, pelo resto de sua vida.

          10) Dos danos morais e do seu valor:

No que tange à indenização por danos morais, há de se afirmar nesta altura a sua dúplice natureza, como bem vêm entendendo a doutrina e jurisprudência. Com efeito, não se pode deixar o agente dos danos impunes nem sem as compensações devida a vítima em face de tão aviltante comportamento, que lhe causou dor, humilhação e prejuízo a sua saúde física, moral e psíquica, como está evidenciado nos documentos que se faz juntar, principalmente no termo de depoimento prestado pela genitora da autora.

A simples comprovação da ofensa feita à vítima e à sua família já justifica a pretensão da autora.

Vale, nesse passo, citar a jurisprudência:

"Hoje em dia, a boa doutrina inclina-se no sentido de conferir à indenização do dano moral caráter dúplice, tanto punitivo do agente, quanto compensatório, em relação à vítima (cf. Caio Mário da Silva Pereira, "Responsabilidade Civil", Ed. Forense,1989, p. 67). Assim, a vítima de lesão a direitos de natureza não patrimonial (CR, art. 5º, incs. V e X) deve receber uma soma que lhe compense a dor e a humilhação sofridas, e arbitrada segundo as circunstâncias. Não deve ser fonte de enriquecimento, nem ser inexpressiva" (TJSP - 7ª C. - Ap. - Rel. Campos Mello - j. 30.10.91 - RJTJESP 137/186-187).

"O dano simplesmente moral, sem repercussão no patrimônio não há como ser provado. Ele existe tão-somente pela ofensa, e dela é presumido, sendo o bastante para justificar a indenização"(TJPR - 4ª C. - Ap. - Rel. Wilson Reback - j. 12.12.90 - RT 681/163).

Em relação ao "quantum" da indenização pelos danos morais, vale a pena dizer que não representa um ressarcimento, no sentido rigoroso do termo, e, sim, uma compensação ou satisfação simbólica. Para se estabelecer o "quantum" na indenização por danos morais, deve-se considerar a situação pessoal do ofendido e as posses do ofensor. Portanto, estipulando uma quantia que não resulte em enriquecimento ilícito, nem que seja inexpressiva. Sendo esta a análise do ilustre doutrinador Caio Mário da Silva Pereira:

"A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva."(Responsabilidade Civil cit., n.49, p.67)

O Ministério Público, em se tratando de danos morais resultante de acidente de trabalho, tem requerido, nas ações propostas pela Promotoria de Justiça do Acidentado do Trabalho e Vítimas de Infrações Penais, a condenação em 150 salários mínimos, o que equivaleria, mais ou menos, R$ 19.500,00.

Em 1995, em uma dessas ações, o Poder Judiciário, aplicando o princípio da razoabilidade, condenou o Estado de Mato Grosso do Sul ao pagamento, por danos morais, de R$ 15.000,00, o que constitui, logicamente, apenas um ponto de referência para esse magistrado.

          11) Sobre a contestação do réu:

Embora já se tenha dito tudo ou quase tudo que de essencial existe a respeito da causa, é mister fazer algumas considerações sobre a contestação do Hospital São Lucas, rebatendo-a de forma articulada, na ordem que foi exposta pelo requerido.

1) O fato de o réu ter ou não vínculo contratual com o Previsul em nada altera a realidade dos fatos nem lhe isenta de suas responsabilidades, pois a ação versa sobre danos morais e não trata de ressarcimento.

2) Diz o réu que a menor foi atendida, em 04/01/96, pelo Dr. Palhano e não apresentava sintomas "agudos de apendicite", mas ficou internada para observação, posto que reclamava de dor. Esqueceu-se ele, por conveniência, de citar que na parte da manhã do dia 03/01/96, a autora havia sido atendida pelo Dr. Higa (receita em anexo), que, como o seu antecessor, foi negligente e imperito em sua arte, posto que não este facultativo não se conduziu com toda a diligência na aplicação dos conhecimentos científicos, para alcançar, o quanto possível, a cura da enferma submetida a seus cuidados.

3) Nada autoriza o réu a afirmar que a menor não apresentava sintomas de apendicite aguda. O Dr. José Palhano nem sequer fez o exame físico necessário na criança. Além do mais, foi a própria médica do réu, a Dra Regina Maria Araújo Ajala, que, no 8 de janeiro de 1996, após ter tomado conhecimento do exame de sangue feito na criança e, posteriormente, realizado a intervenção cirúrgica na mesma, disse que a apendicite havia estourado há cinco dias. Fazendo-se as contas chega-se folgadamente no dia 03/01/96, quando, pela noite (às 11h 45m), a vítima foi atendida pelo referido facultativo, que também não prestou à autora os cuidados conscencioso a que estava devido, tanto é que desleixou de colocar em prática conhecimentos científicos basilares, de conhecimento de qualquer acadêmico de medicina.

4) Efetivamente, no dia 8 de janeiro de 1996, a Dra Regina Maria Araújo Ajala, médica pediatra do réu, após analisar o exame de sangue feito a pedido da mãe da autora, já que o Dr. Palhano se negava terminantemente a fazer qualquer exame, quer físico quer laboratorial, chegou a conclusão de que se estava diante não de uma apendicite aguda, simples, mas de uma apendicite supurada, conforme atesta o documento de f. 370, firmado pelo Dr. Carlos Yonamine, médico que, segundo o réu, auxiliou a Dra Regina na cirurgia.

5) Diz o réu que não é verdade que a menor foi levada à pressa para a Santa Casa, com o fim de lá ser operada de apendicite. Efetivamente, a menor não foi levada às pressas à Santa Casa para ser operada, mas foi levada, às pressas, a pedido da mãe, após a terceira cirurgia, para não morrer no Hospital São Lucas, onde os médicos só cometeram erros grosseiros contra a indefesa vítima.

6) O fato de a autora ter sido operada por mais duas vezes no Hospital São Lucas, por motivo de obstrução intestinal, antes de ser levada para a UTI da Santa Casa, onde ficou de 25 a 31 de janeiro de 1996, não significa que só por este motivo ela tenha recebido todos os cuidados médicos necessários no hospital do réu.

7) O fato de o pedido de reembolso feito ao Previsul (f. 19) conter ou não informações inautênticas, nada tem a ver com a presente demanda e não demonstra, de forma alguma, que a representante da autora está agindo, nesta ação, com má-fé. A questão com o Previsul já está posta em juízo (documento em anexo) e caberá tão somente ao juiz que está presidindo os autos decidir sobre todos os pontos controvertido referente ao caso.

8) A afirmação de que a autora "quer de qualquer modo reaver o dinheiro gasto com sua internação em enfermaria" não procede, posto que com a presente ação ela não visa receber o quantum despendido com os referidos gasto, mas busca a indenização pelos danos morais que sofreu e vem sofrendo. Em relação aos gastos feitos, os pais da autora ingressou, como já dito, ingressaram com a ação competente em face do Previsul.

9) O réu não deve estar preocupado em fazer, no presente feito, a defesa do Previsul, poste que, além de não ter procuração para tal, a defesa da predita autarquia estadual deverá ser feita em sede própria.

          Inquestionável, deve-se dizer, em relação ao mérito da causa, que o dever do médico é de meio e não de resultado e que a responsabilidade desse profissional depende da comprovação de culpa e do nexo causal entre o dano sofrido e ação ou omissão culposa do facultativo. O que não é correto afirmar é que tais pressupostos não foram demonstrados nos autos.

Indubitavelmente, ficou comprovado que os médicos que atenderam a menor autora não agiu de forma a proporcionar-lhe todos os meios necessários para que ela recuperasse sua saúde. Pelo contrário, causaram-lhe prejuízos maiores, que quase a levaram a óbito, tudo por agirem com negligência e imperícia e por cometerem erros grosseiros nos diagnósticos feito e nos procedimentos adotados.

Ora, nessas condições, claro ficou que a autora entrou com um quadro clínico grave e evoluiu para um quadro gravíssimo em conseqüência da não feitura dos exames necessários, que detectaria, sem dúvida, a apendicite em seu início e com uma simples e pronta intervenção cirúrgica tudo estaria resolvido. Nesse parâmetro fica delineada a negligência do profissional que a atendeu naquele nosocômio.

A obrigação de meio do médico não o autoriza a complicar, com sua negligência e imperícia, a situação clínica da paciente, de grave para gravíssima, aliás é essa obrigação que exige que ele tome todas as medidas para, pelo menos, minorar do sofrimento do seu cliente. O simples fato de os médicos do réu não terem feito e exigido os exames necessários já demonstra, por si só, o não cumprimento do seu dever.

Não fosse o atendimento precário inicial, a menor não passaria por todas as complicações e operações que passou, tendo como saldo negativo seqüelas graves que a acompanharão pelo resto da vida e que estão comprovadas nos documentos juntados aos autos, além de grandes sofrimentos causados a seus pais.

O nexo causal entre o dano sofrido e ação ou omissão culposa do facultativo é inquestionável pelo fato de que se os médicos tivessem realizados todos os exames necessários, o quadro não se complicaria para onde se complicou e uma simples operação de apendicite teria resolvido o problema.

Os prejuízos morais, psicológicos e econômicos causados tanto a autora quanto aos seus genitores e irmãos foram enormes, que dinheiro algum pode pagar, mas a condenação poderá minorar os desgastes sofridos.

A responsabilidade dos profissionais da medicina está mais que comprovada. A responsabilidade da empresa ré independe de culpa. Sua responsabilidade é objetiva, bastando tão somente a existência do nexo de causalidade, já comprovado.

          Diante do exposto, o Ministério Público opina pela não acolhida das preliminares argüidas pelas partes, bem como é pela procedência total da ação, com a condenação do réu pelos danos morais causados a autora, aplicando-se o princípio da razoabilidade na fixação do valor da indenização.

Por oportuno, o órgão ministerial requer a juntada dos documentos que seguem em anexo, para a instrução da causa, nos termos do artigo 83, II, do Código de Processo Civil.

Caso V. Ex.a optar por designar audiência de instrução e julgamento, o Ministério Público requer, também nos termos do mesmo artigo acima citado, a oitiva da mãe da menor, Senhora Vicentina Aparecida Corrêa Leitão (com endereço nos autos), do Dr. Carlos Augusto S. Yonamine (Hospital São Lucas), do Dr. Abidu Carim Y. Omais (Hospital da Criança) e do Senhor Raimundo Holanda Campelo, Rua Estevão Casal de Caminha, 204, Vilas Boas, Campo Grande, MS.

Termos em que
pede deferimento.

, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência, ou imperícia em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir, ou ferimento."
  • Inflamação do peritônio, que é uma membrana serosa que reveste internamente as cavidades abdominal e pélvica (peritônio parietal) e órgãos nelas contidos (peritônio visceral).
  • Abscesso - pus acumulado numa cavidade formada em meio dos tecidos orgânicos, ou mesmo num órgão cavitário, em conseqüência de processo inflamatório; apostema.
  • Epigástrico, relativo ao epigástrio, que a parte superior do abdome, entre os dois hipocôndrios.
  • Gastrenterite (ou gastroenterite) é a inflamação simultânea do estômago e dos intestinos.
  • "borborigmo. 1. Ruído de maior ou menor intensidade produzido, no abdome, pelo deslocamento de gases em meio de líquidos do tubo gastrintestinal".
  • "Auscultar. Aplicar o ouvido a (o tórax, o abdome, etc.) para conhecer os ruídos que se produzem dentro do organismo."
  • "Poucos pacientes têm diarréia, mas este sinal é mais provável na enterite regional ou virótica" (Manual Merck de Medicina – Diagnósticos e Tratamento, em sua 15ª edição, Editora Roca, p. 841)
  • "Abdome agudo. Patol. Distúrbio abdominal que exige cirurgia de urgência."
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    Sobre o autor
    Amilton Plácido da Rosa

    Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    ROSA, Amilton Plácido. Parecer em indenização por erro médico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16268. Acesso em: 22 dez. 2024.

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