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Imunidade tributária do patrimônio da OAB

01/07/1999 às 00:00
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Parecer relativo à imunidade tributária da OAB, a fim de contestar a cobrança de IPTU sobre imóveis de propriedade de seccional

I - Os fatos

A consulente, na qualidade de proprietária de dois imóveis localizados na cidade de Campo Grande, determinados pelo lote 14, quadra 07, inscrição municipal nº0585007140, e lote 17, quadra 07, inscrição municipal nº 05850070174, requereu ao Sr. Prefeito Municipal, em duas oportunidades, o cancelamento de eventuais débitos relativos ao IPTU incidentes sobre os referidos imóveis.

Para requerer o cancelamento, a consulente demonstrou ser autarquia federal de seleção disciplinar e defesa da classe dos advogados e, em razão disso, pleiteou o reconhecimento de que seus bens e rendas gozam de imunidade tributária total. No entanto, tais pedidos não foram acolhidos, uma vez que, a despeito de se ter expressamente reconhecido a consulente como uma autarquia, não se lhe concedeu o beneficio da imunidade tributária, em razão da Procuradoria Jurídica do Município ter entendido que somente a autarquia mantida pelo Poder Público é que faria jus à referida vantagem, requisito este que não estaria preenchido pela consulente.

Indeferidos os pedidos, a consulente tem sido insistentemente cobrada dos valores relativos ao IPTU de seus imóveis. lrresignada com as decisões que não reconheceram a imunidade tributária em relação a seus bens, pretende a consulente, após receber o estudo que se elabora, obter a anulação dos lançamentos de ofício realizados pelo Município de Campo Grande e que se referem ao IPTU dos anos de 1991 a 1995 (inscrições nºs 0585007014-0 e 0585007017-4), com a consequente anulação dos débitos fiscais da consulente junto à pessoa política tributante, decorrentes do mesmo tributo.

Para tanto, será demonstrado, na sequência, que a consulente tem a personalidade jurídica de uma autarquia federal e que a ela não se aplica a exigência de ser mantida pelo Poder Público, sendo que, exatamente em razão disso. seu patrimônio, que está vinculado a suas finalidades essenciais, goza do benefício constitucional da imunidade tributária.


II

A Lei Federal n0 8.906, de 04 de julho de 1994, estabeleceu, no "caput" do seu artigo 44, que a Ordem dos Advogados do Brasil constitui-se em serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tendo por finalidades básicas, "promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil" (inc. II do art. 44). Também a Lei anterior, que havia instituído a OAB ( Lei Federal nº4.215/63), previa exatamente o mesmo (art. 1º).

Assim agindo, o legislador, tendo por normas autorizadoras os artigos 59, XIII, 22, XVI e 37, XIX, todos da Constituição Federal, deu à OAB um nítido perfil de pessoa jurídica de direito público interno, integrante da administração federal descentralizada.

Sabendo-se que a própria Constituição (art. 37, XIX) estabelece serem entidades da administração descentralizada da União as autarquias, mas. as empresas Públicas, as sociedades de economia mista e as fundações públicas, coloca-se a seguinte indagação: em qual desses regimes jurídicos a OAB se enquadra? A única resposta insofismavelmente correta, em face da vestimenta jurídica dada à OAB pela sua lei instituidora, é a de que esta entidade de representação dos advogados integra o regime jurídico das autarquias federais.

Com efeito, a OAB, como organização profissional autônoma e de finalidades corporativas, amolda-se à perfeição na definição de autarquia dada pelo Decreto-lei nº 200/67, que, ao dispor sobre a organização da Administração Federal, assim a delimitou normativamente:

"Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:

I – autarquia – o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receitas próprios, para executar atividades típicas da administração pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada."

Pois bem, a OAB, que tem como seus órgãos integrantes o Conselho Federal, os Conselhos Seccionais, as Subseções e a Caixa de Assistência dos Advogados (art. 45 do EOAB), é uma autarquia, de vez que foi criada mediante lei federal, tem personalidade jurídica de direito público, é órgão autônomo da administração pública federal, realiza atividade de administração de interesses públicos específicos e tem receita e patrimônio próprios.

Não é outro o entendimento esposado pelos doutrinadores pátrios, que, ao analisarem o regime jurídico das pessoas jurídicas integrantes da administração pública descentralizada, situam a OAB, em uníssona voz, como uma autarquia, ainda que de regime especial, mas sempre uma autarquia de serviço, em razão da especialidade de suas funções e prerrogativas, ou, como preferem alguns doutrinadores, uma autêntica corporação pública, espécie do gênero autarquia.

Talvez quem melhor definiu o verdadeiro regime jurídico da OAB entre nós tenha sido o saudoso e insuspeito mestre THEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, que em seu clássico "Tratado de Direito Administrativo" (Livraria Freitas Bastos, 41º ed., 1966, vol. II, p. 268 a 272) dedicou um capítulo específico a este assunto, tendo exarado esta preciosa lição:

O exercício das profissões liberais pressupõe, no nosso regime constitucional, condições de capacidade intelectual e requisitos de ordem moral que obrigam o Estado a exercer uma fiscalização contínua.

Não somente as profissões de advogado e engenheiro, mas ainda a de químico, médico, guarda-livros, Tc estão subordinados a regulamentos especiais, cuja importância, sob o ponto de vista técnico, deve ser salientada. O que nos interessa, porém, neste capítulo, é o estudo das organizações profissionais autônomas que se substituem ao Estado no exercício das funções peculiares a este, de fiscalização de serviços profissionais.

Nesta qualidade, tais entidades acham-se integradas dentro do sistema administrativo e exercem verdadeiro serviço público de todo equiparado aos dos demais órgãos da administração pública. À Ordem dos Advogados do Brasil foi criada pelo artigo 17 do Decreto nº 19.408, de 18 de novembro de 1930, como órgão de seleção, defesa e disciplina da classe dos advogados em toda a República. Os dispositivos dos decretos posteriores, isto é, 20.784 de, 14 de dezembro de 1931, 21.592, de 1 de julho de 1932, 22.039, de 1 de novembro de 1932, e 22.266, de 28 de dezembro de 1932, foram consolidados pelo decreto 22.478, de 20 de fevereiro de 1933.

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A Ordem dos Advogados tem, no nosso regime administrativo, uma posição muito peculiar, porque se apresenta com um caráter eminentemente corporativo em contraposição com a maioria das demais entidades autárquicas, que se constituem com uma base patrimonial, a fim de explorar serviços públicos descentralizados.

Apesar de seu caráter corporativo, isto é, de se constituir como associação de pessoas e não de bens, a Ordem dos Advogados foi criada como um serviço público federal, executando funções de natureza essencialmente estatais, atribuídas especificamente ao Estado ou por órgãos por ele organizados que realizam o serviço público por uma delegação do poder público.

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A Ordem dos advogados apresenta-se, em nosso regime administrativo, como um serviço público inteiramente autônomo quanto à sua composição e nomeação dos seus órgãos diretores e quanto ao exercício das funções que lhe são atribuídas pela lei. Por outro lado, esta lhe assegura, também, completa autonomia patrimonial.

.........................

Finalmente, caracterizam-se as funções da Ordem como natureza especificamente estatal, pois se visa fiscalizar o exercício da profissão de Advogado, impor penalidades e verificar as condições de capacidade e a validade dos diplomas expedidos pelos institutos de ensino.

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Não cabe, aqui, o exame detalhado dos inúmeros problemas sugeridos pela tese ora posta em evidência. Basta que fique demonstrada a natureza de direito público desse organismo disciplinador das atividades de uma certa categoria de profissionais, e da importância preponderante que tem, na vida coletiva e nas atividades subordinadas diretamente à alta vigilância do Estado.

A Ordem dos Advogados é uma autarquia, tem personalidade de direito público, porque teia uma capacidade reservada aos órgãos do Estado, que preferiu delegar essas funções a uma corporação e classe, constituída pelos seus próprios membros e dirigida pelos representantes da própria classe" (destaques nossos).

A lição retro-exposta tem o grande mérito de sumariar o pensamento de toda a nossa doutrina administrativa, pois nenhum doutrinador de expressão deixa de situar a OAB no regime jurídico das autarquias. É o que faz, por exemplo, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, mestre de lições sempre precisas e admiráveis, ao demonstrar o alcance da expressão autarquia:

"Autarquia, consoante o exposto, é expressão ampla. Refere-se ao instituto jurídico correspondente a uma determinada técnica de administração pública: a técnica de administrar interesse públicos através de demiurgos, pessoas jurídicas auxiliares da administração central.

Por isso mesmo – em face da amplitude da noção – aplica-se indistintamente a realidades muito diversas entre si, ora discrepantes pelos objetivos, ora pela forma de organização, ora pela amplitude das funções, ora pela diversidade ou especialidade de seus fins, ora pela estrutura jurídica, ora pela estreiteza ou lassidão dos vínculos que a relacionam com a administração central, mas, de qualquer forma, sempre igualadas pelo radical comum, suprareferida: correspondem a uma técnica estatal de realizar administração pública através de uma pessoa jurídica intermediária, projeção personalizada do Estado.

Por isso mesmo é noção extensa, que pode abrigar em seu bojo tanto pessoas criadas para a realização de um único e específico cometimento – por exemplo, acorrer à assistência hospitalar dos necessitados – quanto pessoas incumbidas da persecução simultânea de diversificados escopos – tais as comunas e departamentos, na França, responsáveis pela polícia administrativa local e pelos serviços públicos que interessem aos residentes em suas áreas geográficas.

Não é de estranhar, pois, que a expressão tanto albergue entidades que prestam serviços materiais como verbi gratia a assistência médica, o ensino o fornecimento de energia, de transportes, quanto compreenda entidades que não prestam serviços materiais, se não apenas fiscalizam atividades ou as coordenam, como as ordens profissionais, que regulamentam e fiscalizam o exercício das profissões liberais ou as corporações profissionais, que coordenam atividades produtivas" ("Natureza e Regime Jurídico das Autarquias", RT, 1968, p. 6).

A OAB, portanto, por força das funções e prerrogativas que lhe foram conferiras pela Lei 8.906/94 e também em razão do Estatuto revogado (Lei nº 4.215/63)-, que estabelece o complexo de regras jurídicas formadoras de seu regime jurídico, é uma autarquia corporativa, ou uma corporação profissional pública, espécie do género autarquia, pois é integrada por um conjunto de pessoas físicas - os corporados, membros da entidade -, com personalidade de direito público, endereçado a uma finalidade pública específica - a gestão de certos serviços públicos -, destacados "do centro" - União, Estados ou Municípios. Dando sequência a este escólio doutrinário, aduz o eminente Professor J. CRETELLA JR.:

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"Quando, por exemplo, o Decreto nº 19.408, de 18 de novembro de 1930, pelo art. 17, criou a Ordem dos Advogados do Brasil, atribuindo-lhe a natureza de órgão de seleção, defesa e disciplina da classe dos Advogados em toda a República e, a seguir, o Regulamento da Ordem, em seu art. 22, dispôs que a entidade criada constitui serviço público federal, implicitamente lhe outorgou a natureza autárquica corporativa.

A União, pessoa jurídica pública política de existência necessária, poderia, evidentemente, desempenhar os serviços que a Ordem exerce, inclusive arvorando-se em defensora da classe dos advogados. Quem melhor, no entanto, do que os próprios corporados, elegendo seus dirigentes, poderia desempenhar tão relevante serviço público federal?

Para selecionar, defender e disciplinar a classe dos advogados, no exercício de seus serviços profissionais, a União outorgou a uma entidade da Administração indireta – a Ordem dos Advogados do Brasil -, pessoa jurídica pública administrativa – corporação pública – tarefas tão complexas. Administrar por interposta pessoa é administrar de modo indireto. E a Ordem dos Advogados do Brasil é, nesse caso, Administração indireta federal"("Administração Indireta Brasileira", Forense, 25ª ed., 1987, p. 264/265).

Do exposto, claro está que à OAB foi outorgado o regime autárquico, uma vez que a mesma atende aos requisitos conceituais de uma verdadeira autarquia, tida por MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, professora titular de Direito Administrativo da USP, como "a pessoa jurídica de direito público, criada por lei, com capacidade de auto-administração, para o desempenho de serviço público descentralizado, mediante controle administrativo exercido nos limites da lei" ("Direito Administrativo", Atlas, 2ª ed., 1991. p 270).

Oportuno se torna dizer que, embora se reconheça a natureza autárquica da ordem dos Advogados do Brasil, é ela uma autarquia especial ou sui generis, sendo autarquia no sentido lato da expressão, eis que não se subordina a qualquer controle, vínculo funcional ou hierárquico no tocante ao seu ente criador, conforme expressamente prevê seu atual Estatuto (art. 44, parágrafo 1º, da Lei 8.906,94). E assim deve ser porque a OAB tem ampla autonomia administrativa e organizacional, não se incluindo entre as autarquias administrativas sujeitas, por exemplo, a prestação de contas perante o Tribunal de Contas, até por não receber a OAB qualquer ajuda, auxilio ou subvenção da União, pois custeia seus serviços com a contribuição paga pelos inscritos nos seus quadros.


III. A imunidade tributária do patrimônio da OAB

Definido o regime jurídico da consulente, compete-nos, neste tópico, demonstrar que, por força de comandos constitucionais explícitos e implícitos, seu patrimônio não poderia ter sido objeto de lançamento do IPTU, haja visto a existência de regra de imunidade que exclui da competência tributária do Município de Campo Grande a onerarão dos bens pertencentes à OAB.

Como já se disse, o Município de Campo Grande, por intermédio de sua ilustrada Procuradoria Jurídica, não deixou de reconhecer a consulente como uma autarquia federal. Ocorre, porém, que essa mesma Procuradoria entendeu ser necessária a manutenção da autarquia pelo Poder Público para que a mesma possa usufruir do beneficio constitucional da imunidade tributária.

Com precisão maior, a questão em causa consiste em saber se a expressão "instituída e mantida pelo Poder Público", a qual se encontra no § 2º do artigo 150 da Constituição Federal, se prende exclusivamente ao seu antecedente próximo "fundações", ou se alcança, também, o que o precede, ou seja, as "autarquias", uma vez que o teor do citado dispositivo é este:

"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradasao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

............................

VI - instituir impostos sobre:

  1. patrimônio,, renda ou serviços, uns dos outros;

.............................

§ 2º A vedação do inciso VI, a, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculadas a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes".

Ao esposar o entendimento exarado nos citados pareceres, não se houve com o habitual acerto a ilustrada Procuradoria Municipal, pois adotou interpretação equivocada e assistemática, olvidando-se das lições dos doutos no sentido de que o método por excelência da interpretação do Direito é o sistemático, que permite ao intérprete e ao aplicador uma visão grandiosa e harmônica do ordenamento jurídico.

E que, conforme será demonstrado, a correta interpretação da regra de imunidade tributária prevista no § 2º do artigo 150, deverá levar a autoridade judicial a concluir que a expressão "instituídas e mantidas pelo Poder Público" refere-se unicamente às fundações públicas, com a exclusão das autarquias do seu raio de abrangência. Interpretação que chegue a este resultado, terá, certamente, trilhado o magno caminho dos princípios e regras informadoras do sistema constitucional tributário, com o soerguimento da riqueza do método de interpretação sistemático e teleológico, em desfavor da pobreza do método literal, canhestro e apressado utilizado pelo Município de Campo Grande, por intermédio de sua Procuradoria Jurídica.

De início, cumpre afirmar que a consulente realmente não é mantida pelo Poder Público, haja visto que a mesma não recebe qualquer ajuda, auxilio ou subvenção do Tesouro Nacional, Estadual ou Municipal, sendo que o custeio de seus serviços se dá exclusivamente com o valor que arrecada a título de contribuição dos inscritos nos seus quadros, mais os valores pagos a título de Inscrições e multas impostas aos seus membros, além de eventuais legados e doações.

Pois bem, o fato de a consulente não ser mantida (rectius: receber fornecimento de meios materiais) por qualquer entidade pública é requisito constitucional válido para excluí-la do benefício da imunidade concedida às autarquias? Aqui também a resposta só pode ser uma: não, a autarquia não precisa ser mantida pelo Poder Público para gozar do beneficio constitucional sob enfoque.

A resposta negativa sustenta-se, em primeiro lugar, em razão do seguinte: toda e qualquer autarquia, em razão de imposição legal e doutrinária (que desvenda seu perfil jurídico), é detentora de recursos e patrimônio próprios.

Com referência à lei, basta fazer rápida menção ao inciso 1 do artigo 59 do Decreto-lei 200/67, já citado anteriormente, para demonstrar que a autarquia, por se constituir em serviço autônomo e descentralizado, necessariamente deverá possuir receita e patrimônio próprios, sob pena de completa desfiguração de seu regime jurídico.

Por sua vez, a doutrina, ao desvendar referido regime jurídico, não deixa de mencionar que uma das características básicas das autarquias é o de possuir patrimônio e recursos próprios, conforme nos dá conta o Professor CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, in verbis:

"Em razão de sua personalidade, os negócios que a lei lhe confiou ao criá-la e definir-lhe os fins, bem como os interesses que prosseguirá, para bem atender ao comando legal, seus são seus, são próprios, no mais pleno sentido da palavra. Do mesmo modo, todos os poderes em que tenha sido investido pela lei, assim como os órgãos que a constituam, os bens que possua ou venha a adquirir e reversamente os deveres, responsabilidades ou obrigações que contraria são diretamente pertinentes a ela. Eis , pois, que a autarquia tem administração própria, órgãos próprios, patrimônio próprio, recursos próprios, negócios e interesses próprios, direitos, poderes, obrigações, deveres e responsabilidade próprios" ("Prestação de Serviços Públicos e Administração Indireta", RT, 2ª ed., 1987, p. 61/62. sem destaque no original).

Também do conceito de autarquia elaborado pelo saudoso HELY LOPES MEIRELLES, percebe-se tal requisito, conforme segue:

"Autarquias são entes administrativos autônomos, criados por lei específica, com personalidade jurídica de direito público interno,   patrimônio próprio e atribuições estatais específicas" ("Direito Administrativo Brasileiro", RT, l5ª ed., 1990, p. 301, destaque nosso).

Ora, se assim é, a ponto de não se encontrar posicionamento doutrinário diverso, inexiste qualquer razão de ordem jurídica que dê sustentação à tese do Município de Campo Grande - no sentido da necessidade das autarquias serem mantidas pelo Poder Público -, pois, conforme restou assentado, a autarquia - como a consulente -, por ter patrimônio e recursos próprios, não necessita de ser mantida por qualquer entidade pública, uma vez que possui plenas condições de gerir-se a si própria.

Vê-se, portanto, que a tese do Município de Campo Grande começa a esboroar-se, porquanto razão alguma existe para sustentar que uma autarquia pode ou deve ser mantida pelo Poder Público, já que é um corolário natural da personalidade jurídica desta entidade da administração pública descentralizada a circunstância de não depender de subvenção financeira do ente criador para a manutenção dos serviços por ela prestados. Com razões dessa ordem, verifica-se que é de nenhuma sustentação jurídica o querer estender às autarquias exigência que não se coaduna com seu regime jurídico, restando nítido que a expressão constitucional "instituídas e mantidas pelo Poder Público" (art. 150. parágrafo 2º) refere-se somente às fundações públicas, estas sim, conforme se verá a seguir, passíveis de instituição e manutenção pelo Poder Público.

Admitir-se o contrário seria desconhecer que as normas jurídicas incidem, exclusivamente, no campo dos comportamentos possíveis, representando arrematado absurdo deôntico regular a conduta impossível (PAULO DE BARROS CARVALHO), que no caso seria a que desse pela extensão da cláusula sob enfoque às autarquias.

Demais disso, consultem-se todos os comentaristas da atual Constituição Federal e todos eles, sem exceção de nenhum, sequer farão alguma correlação entre as expressões autarquias e manutenção pelo Poder Público interpretação equivocada dada ao parágrafo 2º do artigo 150 -, já que se tem por óbvio que a expressão "instituídas e mantidas" refere-se exclusivamente às fundações públicas. A propósito, convém citar os comentários elaborados pela Fundação Prefeito Faria Lima - CEPAM:

"Confere-se tratamento quase idêntico ao do parágrafo 1º, do art. 19, do texto anterior, em sua parte visto que agora foram incluídas as fundações, quer sejam instituídas pelo Poder Público, quer sejam por ele apenas mantidas" ("Breves Anotações à Constituição de 1988", Atlas, 1990, p. 350).

Mas não são somente esses argumentos, de percepção clara e objetiva, que deverão levar ao julgamento de inteira procedência do pedido a ser formulado em demanda judicial, eis que outras razões ainda existem.

Comecemos pela seguinte: pertence à história do direito constitucional brasileiro o estendimento às autarquias da imunidade tributaria recíproca prevista no artigo 150, inciso VI, alínea "a", da atual Carta Magna, pois a mesma já vinha prevista nas Constituições de 1967 (art. 20, parágrafo 1º) e 1969 (art. 19, parágrafo 1º), sendo que nas mesmas não havia qualquer exigência de ser a autarquia mantida pelo Poder Público para gozar do beneficio.

Aliás, não se pode deixar de mencionar a circunstância de a própria lei instituidora da OAB ter feito menção expressa à imunidade tributária de seus bens, conforme consta do seguinte dispositivo:

"Art. 45

 ........................

§ 5º. A OAB, por constituir serviço público, goza de imunidade tributária total em relação a seus bens, rendas e serviços".

Se antes nunca houve a exigência de a OAB ser mantida pelo Poder Público para gozar do beneficio da imunidade tributária, hoje também não há. consoante se está a demonstrar. E não há tal exigência em relação às autarquias porque a expressão "instituídas e mantidas pelo Poder Público" só se refere às fundações públicas. Vejamos como se equaciona essa questão.

O Estado, como se sabe, para consecução de seus fins e visando a sua descentralização administrativa, cria, de modo ordinário, entidades (pessoas jurídicas), com a finalidade de atender a um serviço público específico. Exemplo disso são as sociedades de economia mista e as empresas públicas (pessoas jurídicas de direito privado), as autarquias (pessoas jurídicas de direito público) e as fundações (que podem ser pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado).

Portanto, o Estado, no que diz respeito às fundações governamentais, "tanto pode criar pessoas’ de direito público como pessoas de direito privado para oferecerem aos administrados os serviços que entender sejam-lhes úteis. É a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello ("Prestação", cit., p. 147), ao dizer que da vontade do Estado podem nascer entidades públicas e privadas. Pública é a que responde a um regime de direito público, e privada é a que atende a um regime de direito privado, estatuídos, um e outro, nos atos de criação e instituição" (DIOGENES GASPARINI, "Direito Administrativo", Saraiva, 1989, p. 187).

Ora, o dispositivo constitucional inserido no parágrafo 2º do artigo 150 fez expressa opção pelas fundações públicas, pois são essas que necessitam de instituição direta por lei e de manutenção pelo Poder Público, com exclusão das fundações privadas e das autarquias. Esta é a lição de IVES GANDRA DA SILVA MARTINS ao comentar o referido parágrafo, in verbis:

"O artigo referido reproduz em parte o disposto no art. 19, parágrafo 1º da Emenda Constitucional nº 1/69. A novidade reside no albergar as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público. Não a qualquer fundação é estendida a imunidade, mas àquelas do próprio Poder Público.

.................................

As fundações do Poder Público, agora abrigadas pelas proteções constitucionais, possui idêntico tratamento mesmo se tiverem finalidades lucrativas, acréscimo do texto atual plenamente justificado". ("Comentários à Constituição do Brasil", Saraiva, 1990, 6º vol., tomo 1, p. 194e 196).

Às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, ou seja, às Fundações Públicas, o Texto Constitucional faz menção em outros dispositivos, a saber: arts. 22, XXVII, 37, XVII, 71, II, III e IV e 169, parágrafo único, numa clara demonstração de que, por existirem outras espécies de fundações, somente a fundação pública é que gozará do beneficio da imunidade tributária. E isto se dá por uma boa razão: como as fundações particulares e as fundações privadas instituídas pelo Poder Público gozam do regime jurídico de direito privado, elas têm ampla autonomia para a consecução dos seus objetivos. O mesmo já não ocorre com as fundações públicas, que necessitam da manutenção do Poder Público para sua sobrevivência, por pertencerem ao regime jurídico de direito público, com todas as consequências daí advindas.

De mais a mais, a regra do parágrafo 2º do artigo 150, na parte em que prevê a instituição da entidade pelo Poder Público, somente se estende às fundações porque estas é que podem não ser criadas por lei - tal é o caso das fundações particulares ou das fundações privadas instituídas pelo Estado -,ao passo que as autarquias jamais poderão deixar de ser criadas por lei especifica (vide, a propósito, o disposto no artigo 37, inciso XIX, da Constituição de 1988).

A lição de CELSO RIBEIRO BASTOS, ao comentar o inciso XIX do artigo 37 da atual Carta Magna, está de acordo com a conclusão tirada acima:

"Já no que diz respeito à referência feita pelo inciso à fundação pública, impõe-se, de pronto o reconhecimento de que a exigência constitucional de lei não é extensiva a toda e qualquer entidade fundacional, mas tão-somente àquela que tiver a natureza pública. O texto constitucional consagra a distinção entre fundação regida pelo direito comum e aquela disciplinada pelo direito público. Portanto, a exigência da criação por intermédio de lei é restrita às fundações de direito público.

Todavia, isto não significa que as fundações privadas não necessitem de qualquer espécie de norma autorizadora. A distinção fundamental reside no papel desempenhado pela lei num e noutro caso. Na pública a lei institui a fundação na privada, autoriza a sua instituição, que se processa, contudo, na forma do direito privado, tal como convém à entidade dessa natureza." ("Comentários à Constituição do Brasil", Saraiva, 1992, 3º vol., tomo III, p. 141, sem destaque no original).

De consequência, referida expressão, na parte em que prevê a manutenção da entidade pelo Poder Público, também somente se estende às fundações (no caso, às fundações públicas), pois, como é de correntio conhecimento, existem fundações, as privadas e as particulares, por exemplo, que não dependem de qualquer subvenção para a sua sobrevivência.

Nítido está que a expressão "instituídas e mantidas pelo Poder Público" só tem sua razão de ser quando relacionada às fundações públicas, pois inexistem razões que a relacione às autarquias.

Parece, inclusive, que uma simples leitura do texto sob análise (parágrafo 2º do art. 150) é suficiente para repelir a interpretação dada pela Procuradoria Municipal. De fato, pretendesse o legislador estender às autarquias a expressão "instituídas e mantidas pelo Poder Público", teria colocado uma vírgula logo após a palavra "fundações", pois com isto estaria a abranger as autarquias e as fundações. A ausência deliberada da vírgula, que teria a finalidade de abrigar, na oração seguinte, as duas espécies de entidades estatais, faz com que se torne impossível estender às autarquias algo que só tem sua razão de ser quando vinculado unicamente às fundações públicas.

Por derradeiro, deve ser sustentado que, ainda que inexistisse a regra de imunidade prevista no § 2º do artigo 150, as autarquias, mesmo assim, continuariam a beneficiar-se desta modalidade de não-incidência tributária, haja vista que tanto a doutrina, "como a jurisprudência pacífica, na vigência da carta de 1946, assentiram em que as autarquias gozavam de plena imunidade, por implícito no princípio constitucional que resguardava as entidades políticas da recíproca imposições tributárias". (LUIZ RAFAEL MAYER, "Imunidade Tributária – Autarquia", RDA 129/258).

Está-se aqui a falar da imunidade ontológica, que "corresponde a uma exigência natural do sistema. Em certo sentido é um subproduto dele. Contém-se, , implicitamente, no próprio esquema constitucional, como) verdadeira decorrência de sua composição. Não se trata de uma liberdade do constituinte mas da resultante imediata da adoção de certos princípios que definem o sistema federativo. Por isso mesmo, parece—nos, mesmo à falta de previsão, deve ser reconhecida, pois é solicitada pela própria lógica do regime. É precisamente o caso de imunidade recíproca dos entes públicos. Sua insubmissão a impostos deflui implicitamente da harmonia entre eles. Além disso seria inconveniente que Estados, Municípios, Distrito Federal e União estivessem a salvo do gravame fiscal e suas autarquias, simples serviços personalizados das mesmas entidades, devessem sofrê-lo. A interpretar de outra forma insidir-se-ia na seguinte desarrazoada conclusão: quando as pessoas políticas optam por processos administrativos havidos por seus legisladores como mais oportunos, eficientes ou racionais, devem sofrer, embora indiretamente, ônus tributário que inexistiria se abandonassem o propósito de aprimorar a prestação de certos serviços" (CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, "Natureza e Regime Jurídico das Autarquias", RT, 1968, p.462/463).

Portanto, a imunidade recíproca concedida aos Estados, Municípios, Distrito Federal e União Federal, deve ser estendida. ainda que inexistente texto expresso - e em razão de se estar a falar de uma imunidade ontológica -, às autarquias, já que estas são entes criados por aquelas pessoas políticas e que herdam os privilégios e condições do ente criador. Tributar a autarquia federal, como bem diz J. CRETELLA JR. ("Comentários à Constituição de 1988", Forense Universitária, vol. VII, p. 3.563), é o mesmo que tributar a própria União. Seria, de fato, artifício irreal e incompreensível dispensar-se tratamento desigual, sem justificação, entre o centro (Estado) e a entidade menor (autarquia), conforme aduz a doutrina especializada (LUIZ RAFAEL MAYER, RDT 4/157; WALTER THAUMATURGO JÚNIOR, RDT 2.930/329; SUELI ALVES DE SOUZA, RDA 43/408 e AGUIAR DIAS, RDA 44/747).

Cabe dizer, ainda, que os dois imóveis de propriedade da consulente, acima identificados, estão vinculados às suas finalidades essenciais de órgão de seleção e disciplina da classe dos advogados no Estado de Mato Grosso do Sul.


IV

Sendo certo que a consulente é uma autarquia criada pela União, compete à Justiça Federal de 1ª instância processar e julgar eventual demanda a ser por ela ajuizada, conforme expressa previsão do Texto Constitucional (art. 109, I, que, em razão de sua supremacia hierárquico-normativa, tem o condão de afastar qualquer outra regra estabelecedora de foro privilegiado porventura existente em favor do Município de Campo Grande.

A matéria, aliás, já foi objeto de conflito de competência suscitado perante o E. Superior Tribunal de Justiça, tendo este, na oportunidade, por unanimidade de votos, decidido que:

"A OAB, por, seu Conselho Federal, suas seccionais e subseções, é entidade atípica, inominada e, embora não classificada na própria lei que a instituiu, nº 4.215, de 27.4.63, tem seu perfil de serviço público federal, definido no art. 139, por isso que se enquadra na moldura dos limites expressos no art. 109, I, da CF; que estabelece competência à Justiça Federal para processar e julgar os feitos, como no caso, em que figura como interessada, na condição de autora, ré, assistente ou oponente" (RT 665/175).

Percebe-se, pois, a olhos vistos, que é da Justiça Federal de 1º grau a competência ratione personae para processar e julgar demanda a ser aforada pela OAB, nos exatos termos do dispositivo constitucional retrocitado.


V - Conclusão

Exposto nosso pensamento a respeito do assunto, concluimos ser viável o ajuizamento de demanda para obter o reconhecimento judicial da imunidade tributária que beneficia o patrimônio da Ordem dos Advogados do Brasil.

Como pedido a ser formulado, sugerimos o pleito de anulação dos lançamentos de oficio realizados pelo Município de Campo Grande e que se referem ao IPTU dos anos de 1991 a 1995, referentes aos imóveis de propriedade da OAB. bem corno e por consequência para que sejam anulados os débitos fiscais da consulente junto ao Município de Campo Grande, decorrentes do mesmo tributo e referentes aos mesmos imóveis.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Imunidade tributária do patrimônio da OAB. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16273. Acesso em: 23 dez. 2024.

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