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Limitação ao Poder de Emenda do Legislativo em Projetos de Lei de Iniciativa Privativa do Executivo

01/11/2001 às 01:00
Leia nesta página:

Parecer sobre o poder de emendas do Legislativo em projetos de lei de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo, modificando substancialmente o seu conteúdo.

I - Introdução

O chefe do Poder Executivo Municipal encaminhou um projeto de lei ao crivo do Poder Legislativo, que versava sobre a isenção de tarifas de transporte coletivo, ás pessoas portadoras de deficiências, do vírus HIV – AIDS, Renais Crônicos e portadores de Câncer.

Ocorre, no entanto, que a propositura foi aprovada em 2ª discussão pelo Plenário do Poder Legislativo, com Emendas que descaracterizaram e desnaturalizaram todo o texto originariamente encaminhado.

Dessa forma, foi nos encaminhado para análise e emissão de parecer jurídico referente á possibilidade e limitações ao poder de emendas do Legislativo, em projetos de lei de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo.


II – Princípio da Tripartição entre os Poderes e a iniciativa das Leis.

À luz das normas insculpidas no lastro formal da vigente Constituição do País, interessa-nos, para melhor deslinde da questão avençada, um estudo preliminar sobre o princípio constitucional da independência e harmonia entre os poderes e a iniciativa de leis.

A Constituição da República de 1988, assim como as Cartas anteriores, abraçou a consagrada teoria de Montesquieu, na clássica obra O espírito das Leis, sobre a separação dos Poderes, conforme preconiza o seu art. 2º.

O Barão de Montesquieu propôs a criação de órgãos distintos e independentes uns dos outros para o exercício de certas e determinadas atividades.

Foi observando a sociedade que o autor verificou a existência de três funções básicas: uma, produtora do ato geral; outra, produtora do ato especial e uma terceira solucionadora de controvérsias. As duas últimas aplicavam o disposto no ato geral. Seus objetivos, porém, eram diversos: uma, visando a executar, administrar, a dar o disposto no ato geral para desenvolver a atividade estatal; outra, também aplicando ato geral, mas com vistas a solucionar controvérsias entre os súditos e o Estado ou entre os próprios súditos.

Por essas razões é que a doutrina constrói a concepção da criação de órgãos independentes, uns dos outros, para o exercício daquelas funções. E, ainda, esses órgãos, bem como os seus integrantes, submetiam-se ao disposto no ato geral que, por sua vez, haveria de ser fruto da "vontade geral".

O mérito da doutrina de Montesquieu, está na proposta de um sistema em que cada órgão desempenhasse função distinta e, ao mesmo tempo, que a atividade de cada qual caracterizasse forma de contenção da atividade de outro órgão do poder. É o sistema de independência entre os órgãos do poder e inter-relacionamento de suas atividades. É a fórmula dos "freios e contrapesos" a que alude a doutrina americana.

Tem-se, portanto, que o ordenamento constitucional pátrio pauta-se, expressamente, na importância capital de se observar e preservar os limites de competência entre os órgãos do Governo, permanecendo, desse modo, assegurado o respeito, dentro dos postulados constitucionalmente assentados, ao princípio da independência e harmonia dos Poderes. Consectário disso é que cada Poder instituído possui um rol de competências próprias quanto ao exercício de suas funções.

Na órbita municipal, ainda que não figurando o Poder Judiciário em sua composição, é de se assentir que, de igual modo, a independência e harmonia entre os Poderes concretiza-se mediante o entrelaçamento dos Poderes Executivo e Legislativo, quer participando o Executivo da feitura de leis através de atos próprios, quer fiscalizando a Câmara os atos daquele.

A iniciativa das leis está prevista no art. 61 da Constituição Federal, art. 24 da Constituição do Estado de São Paulo e art. 27 da Lei Orgânica do Município de Mauá.

Nessa perspectiva, permito-me ressaltar que a Constituição da República outorga ao Chefe do Poder Executivo, em caráter de exclusividade, a prerrogativa de deflagrar o processo legislativo de leis que disponham sobre criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica e que fixem ou aumentem a sua remuneração, organização administrativa; matéria tributária e orçamentária; serviços públicos; criação, estruturação e atribuições dos Ministérios e órgãos da administrativa pública, entre outros. É o que esta expresso nas alíneas do inciso II, § 1º do art. 61, da Carta Política.

Cabe ressaltar, que a Lei Orgânica do Município de Mauá, nos incisos do art. 27, reforçou a privatividade do Chefe do Poder Executivo Municipal, para a iniciativa de leis, que disponham sobre a matéria avençada, acolhendo em seu texto o disposto no art. 61, § 1º, II, da Carta Política.

Nesse contexto, a Lei Fundamental da República elegeu determinados núcleos temáticos para o efeito de, ao discriminá-los de modo taxativo, submetê-los, em regime de absoluta exclusividade, á iniciativa de determinados órgãos ou agentes estatais.

A cláusula de reserva pertinente ao poder de instauração do processo legislativo traduz postulado constitucional de observância compulsória, cujo desrespeito precisamente por envolver usurpação de uma prerrogativa não compartilhada configura vício juridicamente insanável.

O projeto de lei sob exame concede isenção de tarifas de transporte coletivo às pessoas portadoras de deficiências, portadoras do vírus HIV – AIDS, Renais Crônicos e portadores de Câncer. O transporte coletivo urbano é um serviço de utilidade pública que o Município presta diretamente ou por delegação, podendo ser executado diretamente pela Prefeitura, por autarquia municipal, por entidade paraestatal do Município ou por empresas particulares, através de concessão ou permissão.

É inquestionável, portanto, que a matéria objeto da proposta legislativa em apreço é de iniciativa legiferante privativa do Alcaide Municipal, por tratar-se de normas-disposições que disciplinam um serviço público.


III – Limitações ao poder de emenda.

Neste diapasão, faz-se necessário delimitar-se o alcance do poder de emenda do Legislativo aos projetos de iniciativa privativa do Executivo.

Num sistema constitucional democrático como o nosso, em que os três Poderes constituídos são dotados de autonomia e têm estabelecidas atribuições distintas e específicas que lhes garantem a necessária independência e relacionamento harmonioso, seria totalmente afrontoso ao Legislativo se a própria Constituição Federal impusesse, de um lado, a aprovação de projetos de lei, e impedisse, de outro lado, que emendas viessem a adequá-los na conformidade do consenso dos parlamentares, visto que isto significaria subtrair do Legislativo importante parcela de sua mais expressiva e relevante função, ou seja, a legislativa.

Contudo, quando o projeto a ser emendado pelo Legislativo é de competência constitucional atribuída, com exclusividade, a sua iniciativa, ao Chefe do Executivo, toda cautela faz-se necessária para que, a título de emendar (acrescentando, suprimindo ou modificando), não transforme o Legislativo no titular daquela iniciativa que a Carta Magna e a Lei Orgânica do Município reservou ao Executivo, ou, em outras palavras, a título de emendar não acabe o legislador por substituir o projeto inicial.

A apresentação de emendas, encarada pelo Profº Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "como uma iniciativa acessória ou secundária, segundo o direito positivo brasileiro é a proposta de direito novo já proposto, sendo reservado aos membros do Poder Legislativo o poder de emendar"(Do Processo Legislativo. São Paulo: Saraiva. 3. ed., 1995).

Por ser o Legislativo o veiculador da vontade popular, a ele é conferido como função típica e exclusiva, o poder de emendas aos projetos cuja iniciativa seja ou não de sua competência. È o Texto Constitucional da República que assegura o poder de emenda, ao mesmo tempo que o limita em determinadas hipóteses, nos termos do art. 63.

O direito de emendar constitui parte fundamental do poder de legislar; sem ele o Legislativo se reduziria a um simples ratificador da vontade do titular da iniciativa ou em simples votante.

Porém, algumas questões vêm à tona quando se trata do poder de emendar os projetos de lei cuja, iniciativa é reservada ao Poder Executivo.

Fundamenta-se essa regra de reserva não apenas no princípio de separação dos poderes, mas também num critério de conveniência e oportunidade administrativa.

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A exclusividade da iniciativa atinge a matéria e os interesses a ela vinculados. É de se ter em mente, que o interesse da Administração Pública é que constitui a ratio essendi primordial da reserva de iniciativa ao Executivo.

O Prefeito Municipal é, além do Chefe do Poder Executivo, também o Chefe da Administração Pública local, por cujos interesses tem que zelar, e só ele está em condição de saber quais são esses interesses e como agir para resguardá-los.

Ora, se a exclusividade é conferida também quanto à regulamentação dos interesses referentes à matéria reservada, claro está que o poder de emenda do Legislativo encontra aí um limite de atuação.

Não se pode admitir emendas que modifiquem os interesses contidos no projeto de lei, pois isso seria infringir a regra da reserva.

Reserva-se ao Executivo a regulamentação dos interesses vinculados às matérias previstas no § 1º do art. 61 da constituição Federal, e não compete ao Legislativo mudar a fixação desses interesses.

Tal disposto, é de observância obrigatória pelos Estados Membros (art. 25 C.F.) e pelos Municípios (art. 29 C.F.).

A Lei Orgânica do Município de Mauá, em seu art. 27 e incisos, ratificou o disposto na Constituição Federal, em relação a reserva de leis.

Os projetos de iniciativa exclusiva do Executivo, não comportam emendas alterando os limites dos interesses que o titular do poder de iniciativa propõe proteger com a apresentação do projeto.

Pela posição do titular da iniciativa (Chefe da Administração local), cabe a ele definir o interesse administrativo; compete a ele, como superintendente da coisa pública, resolver quanto às necessidades desta. Ao Legislativo, cumpre tão-só aprovar ou rejeitar a proposição, sendo admitidas apenas as emendas que não descaracterizem ou não desnaturem o projeto inicialmente apresentado.

Assim, em consonância com o que foi dito sobre o poder de emenda de que é detentor o Poder Legislativo, podemos afirmar que o poder de emenda é o poder de modificar os interesses, nos limites da matéria do projeto de lei, a que se refere. Em conseqüência, não será admissível emenda que vise à rejeição pura e simples do texto formulado por quem detém a exclusividade da iniciativa. De igual forma, não poderá ser considerada emenda que pretenda introduzir conceito completamente estranho ao texto do projeto a que se refere.

Em assim agindo, o Legislativo usurpa a competência privativamente atribuída ao Executivo e, com tal atitude, afronta o princípio da Tripartição dos Poderes, do qual é corolário a regra da iniciativa legislativa (art. 2º c/c o art. 61, § 1º, da Constituição Federal).

A inserção de emendas substanciais que, por sua natureza, descaracterizam e desnaturam a vontade do titular da iniciativa, constitui afronta ao ordenamento jurídico-constitucional. A extrapolação dos limites do poder de emenda, atinge o Texto Constitucional em seus alicerces, em suas vigas mestras representadas pelos princípios constitucionais norteadores de todo o sistema.

As emendas apresentadas pelo Legislativo, ao projeto de lei de autoria do Poder Executivo, desfiguraram e desnaturaram a vontade do Alcaide, inviabilizando por diversos motivos a sua aplicabilidade, portanto, estão maculadas de inconstitucionalidade e ilegalidade, por ofensa ao princípio da separação e harmonia entre os Poderes, cominando com o insanável vício de iniciativa.


IV – Conclusão.

Diante do exposto, o projeto de lei em comento é inconstitucional e ilegal por ofensa aos diplomas legais supra mencionados.

Esse é o nosso entendimento, que segue para ciência e superiores deliberações.

Mauá, 03 de julho de 2000.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Limitação ao Poder de Emenda do Legislativo em Projetos de Lei de Iniciativa Privativa do Executivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16434. Acesso em: 23 dez. 2024.

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