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Taxa de administração no contrato administrativo:

natureza jurídica e forma de incidência

01/11/2002 às 00:00
Leia nesta página:

Parecer sobre a natureza da taxa de administração estipulada em contrato administrativo, informando sobre quais custos deve incidir.

Taxa de Administração – Contrato Administrativo – Natureza jurídica – incidência sobre os custos de qualquer natureza – Interpretação do contrato nos termos do edital – Princípios da eficiência e da estrita vinculação ao Instrumento convocatório – gerenciamento empresarial, e conveniência do particular – prejuízos no Contrato Público – possibilidade de reajustamento – indenização devida pelo Poder Público.

Trata-se de consulta formulada por Município, a respeito dos pagamentos que vem fazendo a Empresa privada, por força de contrato de fornecimento de mão-de-obra. A quaestio juris apresentada pode ser assim noticiada:

Segundo informado, o Conselho Municipal de Saúde haveria contratado um escritório de Contabilidade, para que se procedesse a uma espécie de "Auditoria", para verificação dos contratos pertinentes à sua competência.

No que tange, especificamente, ao contrato de nº 242/2000, celebrado com a Empresa, aponta a Auditoria uma eventual impropriedade nos valores pagos pelo Município, na execução dos serviços prestados à Saúde.

A dúvida permeia o fato de que a "taxa de administração" está sendo cobrada sobre os valores pagos em folha, o que incluiria parcelas sobre as quais não deveria incidir, tais como Vales-transporte, Insalubridade etc; ao passo que, segundo relatório prévio, haveria de incidir, tão somente sobre os salários de serviços prestados ou horas trabalhadas.

Ante ao cenário fático delatado, formula-se indagação a respeito do suporte jurídico a respaldar a interpretação e tratamento concedidos, até então, ao contrato in casu. Tendo em vista a urgência solicitada pelo Município e a impossibilidade de preterir outros afazeres para, em prazo tão exíguo, dedicarmo-nos integralmente à presente consulta, esta será respondida de maneira singela e objetiva, sempre, focando muito mais as questões conceituais envolvidas, do que alongadas análises da documentação acostada.


I - A CLÁUSULA SUB EXAMINE

Os questionamentos tangenciam, especificamente à "cláusula quinta - do preço", assim escrita:

O contratante pagará ao contratado, os serviços efetivamente prestados, justificados pelos preços unitários propostos pelo contratado, aplicados às quantidades de hora trabalhada. (... grifos ausentes no original)

Cumpre esclarecer que o presente ajuste se trata de contrato administrativo, dentro de sua melhor forma, cujas características "derivam da supremacia do interesse público sobre o particular, o que se retrata nas faculdades de a Administração modificar unilateralmente a avença, extingui-la, impor sanções ao particular e exigir o cumprimento das prestações. Ressalva-se o interesse econômico do particular, que não pode ser afetado"[1]. Logo, decorrente de regular procedimento licitatório, no qual a Contratada resultou vencedora, por ter cumprido os termos do edital com perfeição e apresentado, por conseguinte o menor valor global.

Por se tratar de contrato administrativo, portanto, faz-se de mister, desde já esclarecer que seus termos, se não idênticos aos redigidos em edital, devem ser interpretados como decorrência natural desse instrumento convocatório, sob pena de se estar incorrendo em teratologias administrativas, puníveis em todas as esferas estatais.

Por isso mesmo, urge colacionar o estipulado no instrumento inaugural do certame, em seu trecho tratante das "Normas contratuais", especificamente, no item "Preços":

46- As quantidades fixadas na "Planilha de Orçamento" são meramente estimadas e destinadas a permitir a uniformização das propostas. A contratada receberá, pelos serviços efetivamente prestados, o valor resultante das quantidades efetivamente executadas. (sem grifos no original)

Logo, a cláusula estipulada no Contrato, deverá ser interpreta em estrita conformidade com os termos do edital... Por isso mesmo, como vem sendo praticado com perfeição pelo Município, na formalização e execução de despesas decorrentes deste ajuste em tela, a "Taxa de Administração" vem incidindo sobre os valores da folha de pagamento.

Esta, por seu turno, exprime quais são os valores das quantidades efetivamente executadas, assim compreendidas, como sendo os valores despendidos pela Empresa, com custos de funcionários, na execução do Contrato Público nº 121/2000. Custos de funcionários deverá, necessariamente, incluir todas as despesas decorrentes de remuneração, advinda da efetiva prestação de serviços à Diretoria de Saúde, num mecanismo muito simples, praticado em contratos administrativos desta natureza: contabilizados os valores despendidos com funcionários, aplica-se a "taxa de administração".

Nada de assombroso ou irregular, vez que essa é a regra estipulada pelo edital e que se faz transparecer no próprio contrato posterior.

Dúvidas poderiam ser suscitadas, quanto à expressão "aplicados às quantidades de hora trabalhada"; mas são de logo extirpadas, se aplicadas quaisquer das mais sutis regras de hermenêutica jurídica.

Por óbvio que – não bastasse a interpretação decorrente do edital, já mencionada – a Empresa só poderia receber, sobre as horas trabalhadas, vez que, inadmissível seria o contrato estipular que lhe seriam remetidos valores pelos serviços que não viesse a prestar...

Veja bem: para compreender o que de certa forma é muito simples, mas que, por falta de conhecimentos jurídicos mais profundos se pode complicar, é preciso "somar" os dois dispositivos, do edital e do contrato, pedindo-se vênia para repeti-los:

NO EDITAL:

46- [...]. A contratada receberá, pelos serviços efetivamente prestados, o valor resultante das quantidades efetivamente executadas. (sem grifos no original)

NO CONTRATO:

O contratante pagará ao contratado, os serviços efetivamente prestados, [...] aplicados às quantidades de hora trabalhada. (...)

Clareza solar desponta dessa integração, pois se note que:

  1. A Empresa recebe pelos serviços que presta efetivamente
  2. ("receberá, pelos serviços efetivamente prestados" + "pagará ao contratado, os serviços efetivamente prestados");
  3. A Empresa só recebe quando os serviços são executados
  4. ("efetivamente executadas" + "aplicados às quantidades de hora trabalhada");

Sendo assim, desde já fica esclarecido de que modo se operacionalizam e constituem os débitos do Município com a Contratada, numa nítida noção de probidade administrativa e de regularidade tanto ao contrato e de estrita vinculação ao instrumento convocatório.

Finalmente, destaque-se que a interpretação até então concedida ao contrato e edital, corroboram a boa-fé de ambas as partes, que, per se já fortificam os argumentos ora levantados. WALD esclarece [2]:

Entende a lei que o comportamento posterior das partes é a melhor prova do sentido que deram às respectivas cláusulas, aplicando-se, por analogia, na matéria, o disposto no art. 131, III, do C.Com., de acordo com o qual: ‘O fato dos contraentes posterior ao contrato que tiver relação com o objetivo principal será a melhor explicação da vontade que as partes tiveram no ato da celebração do contrato’".

Muito embora se acredite já estarem plenamente esclarecidas, todas e quaisquer, dúvidas sobre o modo de constituição dos valores pagos pelo Consultante, cumpre informar, a título de conhecimento, alguns pontos eventualmente levantados, mas que não desnaturam os argumentos postos. Ao contrário, corroboram, sobremaneira, a legitimidade e legalidade do contrato sub examine.


II. NATUREZA JURÍDICA DA TAXA DE ADMINISTRAÇÃO

A "taxa de administração" é o instituto jurídico que viabiliza as terceirizações para prestação e continuidade plenos dos serviços públicos, para que se atenda ao princípio da eficiência. Sua natureza jurídica, muito embora aplicada aos contratos públicos, é originalmente privada e deve seguir as normas particulares de conveniência e oportunidade das Empresas, para o oferecimento de seus serviços, visando a atender dentro da melhor expectativa ao interesse público.

O presente item tem por escopo precípuo apresentar algumas considerações que circunscrevem ao instituto, apontado-lhe a natureza jurídica, forma e base de incidência, além de, trazendo ao caso concreto, perceber como vem sendo adequada.

A taxa de administração, expressa geralmente por um índice percentual, configura-se como toda e qualquer vantagem ou utilidade que se possa auferir da execução de um contrato. Nesse sentido aproxima-se em muito do conceito privado de "lucrum" (ganho, provento, vantagem), ou, no dizer de SILVA [3], "proveito, ganho, interesse, resultado, benefício, vantagem, utilidade", ou mais extensamente:

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Tudo o que venha a beneficiar a pessoa, trazendo um engrandecimento a seu patrimônio, seja por meio de bens materiais ou simplesmente de vantagens, que melhorem suas condições patrimoniais, estende-se um lucro.

No direito público, especialmente nos contratos administrativos, a taxa de administração reflete com exatidão essa vantagem legal, a que a Empresa terceirizada faz jus pelo fiel adimplemento de suas obrigações. O Direito Administrativo reconhece-a como legítima, vez que do contrario, estaria-se enriquecendo indevidamente aos cofres públicos, em detrimento de empresas que lhes prestassem serviços. A doutrina estudiosa do assunto reconhece a necessidade de parcerias e terceirização, face ao princípio da eficiência, advindo explicitamente com a Reforma administrativa do Estado. Bem explicita e reconhece Eduardo Tess Filho [4]:

Quando a administração pública terceiriza partes de sua responsabilidade pela prestação de serviços à população ou pela realização de obras públicas, abrem-se a empresas de todos os portes e tamanhos oportunidades de negócios, que podem ser bastante atraentes.

Nessa mesma esteira, a constitucionalista e Procuradora- Geral do Estado de Minas Gerais, Cármen Lúcia Antunes Rocha [5]:

O Estado Contemporâneo busca novas formas de ação, mais comprometidas com a dinâmica febrilmente célere, que caracteriza as demandas sociais deste final de século, e mais consentânea com a principiologia democrática de maior participação a que aspiram os cidadãos.

A taxa de administração, portanto, é um plus, incidente sobre o valor de "venda" de determinado labor ou produto, a fim de que o particular se sinta incentivado e compensado pela contratação com a Administração Pública. Se tomada materialmente, significa a exata quantidade de valores ou bens materiais que excedem ao valor de custo do contrato; alguns, contudo, tomam-na em acepção formal, como "um percentual" que, do mesmo modo, fará acrescentar aquele plus (ou excedente sobre preço de custo).

De um modo ou outro, sua sistemática de incidência é bastante simples. Principalmente, nos procedimentos licitatórios, em que os ofertantes juntam planilhas de composição de preços: a licitante apresenta tudo aquilo que compõe os seus custos, somando salários, vantagens decorrentes de leis e normas trabalhistas; outras espécies de remuneração; encargos e emolumentos; tributos devidos pela execução do objeto contratual; materiais descartáveis, perecíveis ou com necessidade de reposição; enfim, todas as formas de suas despesas. Sobre esse montante, que estará sobre sua responsabilidade, aplica um percentual que acha gratificante o bastante para que consiga executar o objeto contratual dentro da melhor expectativa, sob penas de lei. O valor final será exatamente o quanto se repassa à Empresa que, após custear suas despesas e cumprir suas obrigações, aufere seu justo lucro.

Ora, ressalta evidente que, uma empresa que tem dentre seus objetos sociais a terceirização de mão-de-obra, quando pratica sua atividade empresarial de "terceirização de pessoal", deverá obter lucro, mesmo porque, este é o objetivo peculiar de qualquer empresa...

Nesse mesmo diapasão, a Empresa presta os serviços ao Município, nos moldes com que sua conveniência privada de administração e gerenciamento de recursos, permite-lhe fazer dentro da melhor expectativa do Poder e do interesse públicos.

Sendo assim, uma vez estipulado o valor global que deverá mensalmente receber do Poder Público – ressalte-sedecorrente de concorrência pública em que resultou vencedora, após analisada sua proposta e planilha de composição de preço, não poderá alterar esses preços, salvo nas hipóteses legais e fatos imprevisíveis.

No edital da concorrência pública de que resultou o contrato ora analisado, a Consultante apresentou o requisito fundamental para que restasse vencedora: o menor preço global. Cumpriu com perfeição todas as etapas do certame, inclusive, classificação e habilitações.

Se atualmente se questiona os termos da proposta que apresentou à época, há que se asseverar dois pontos cruciais: primeiro a fase é preclusa, haja vista que seu preço, se inexeqüível ou inadequado, deveria ter sido questionado à época, no momento da abertura dos envelopes com propostas comerciais; segundo, a planilha de composição de preços pode, por razões de gerenciamento empresarial e por previsão editalícia, ser alterada a qualquer tempo, desde que não se frustre os objetivos da licitação, por exemplo, majorando indevidamente o valor global. Hely Lopes [6] é enfático ao destacar;

O conteúdo do contrato é a vontade das partes expressa no momento de sua formalização. Daí a necessidade de cláusulas que fixem com fidelidade o objeto do ajuste e definam com precisão os direitos, obrigações, encargos e responsabilidades dos contratantes, em conformidade com o edital e a proposta vencedora. [...]

Tanto assim, que o próprio edital já prevê, na sua cláusula do "Preço" que "As quantidades fixadas na ‘Planilha de Orçamento’ são meramente estimadas e destinadas a permitir a uniformização das propostas...".

A planilha apresentada demonstrava com perfeição o percentual de "taxa de administração", a qual incidiria sobre os valores dos custos (expressos, por exemplo, na folha de pagamentos). Procedimento legítimo e legal, com espeque na legislação pertinente, tribunais pátrios e estudiosos do assunto.

Por sinal, as adequações são sempre necessárias, haja vista que os custos se sobrelevam e o preço ofertado continua, durante o contrato, sempre o mesmo...


III. PREJUÍZOS À EMPRESA - NECESSIDADE DE REEQUILÍBRIO

À época em que firmou o contrato com o Município, certamente, este se demonstrava vantajoso, com possibilidades de bom faturamento e perfeita realização do objeto contratual.

No entanto, pelo que se denota de demonstrações contábeis mais pormenorizadas que refogem aos escopos cruciais deste estudo, atualmente, a Empresa está, mensalmente, acumulando prejuízos com a execução do ajuste.

Nesse sentido, cabe colacionar o festejado Hely Lopes Meirelles [7]:

A recomposição de preços por fatos supervenientes, que antes só se fazia por via judicial, é, modernamente admitida por aditamento ao contrato [...]. Mas, mesmo que não se faça o aditamento revisional durante a execução do contrato, permanece com o particular contratado o direito à indenização, a ser cobrada administrativa ou judicialmente...

Sendo assim, visto que a taxa de administração inicialmente apresentada de 146,73% incidente sobre aqueles custos não os vem cobrindo, segundo demonstrações contábeis, reserva-se à Empresa o pedido de Reequilíbrio ou Reajustamento do Contrato celebrado com o Município.

É o parecer, s.m.j.

Belo Horizonte, 07 de outubro de 2002.


Notas:

[1] TCM-CE: Processo nº 5380/01 e 10.763/01; Informação nº 147/01; Interessado : Funcet – Fundação de Cultura, Esporte e Turismo, 17/05/2001.

[2] WALD, Arnold. Juros contratuais- Contratos administrativos. Revista dos Tribunais, ano 2, n.5, p. 156, out. /dez., 1993.

[3] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 119.

[4] Obras e Serviços Públicos: noções básicas em Concessão ou Permissão.

[5] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Sobre uma nova legislação de licitações para o Brasil. Boletim de Licitações e Contratos. São Paulo: NDJ, 1996. n. 06. p. 277.

[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 203.

[7] MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p. 226.

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Sobre o autor
Arthur Magno e Silva Guerra

advogado em Belo Horizonte (MG), professor universitário, mestre em Direito Constitucional pela UFMG, especialista em Direito Público Municipal pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUERRA, Arthur Magno Silva. Taxa de administração no contrato administrativo:: natureza jurídica e forma de incidência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16528. Acesso em: 18 nov. 2024.

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