PRINCÍPIO DA INCORPORAÇÃO
Outra afirmativa utilizada pelos juristas que entendem não ser possível a modificação desejada pela consulente é a de que, para os empregados que vêm se beneficiando pelo modo atual como a empregadora calcula seu reembolso, haveria a obrigação, desta, de incorporar a diferença média até aqui recebida, à remuneração daqueles trabalhadores, por considerar que o recebimento por período prolongado teria feito com que os trabalhadores tivessem adicionado tais valores aos seus orçamentos por responsabilidade exclusiva do empregador, de modo que a supressão repentina não pode se dar, sem que se ofereça tal compensação.
Mais uma vez, data vênia, somos compelidos a divergir daqueles que proclamam esta necessidade.
Simplesmente porque, a teoria da incorporação, em matéria de Direito do Trabalho, no Brasil, foi utilizada durante pequeno período se comparado com o tempo total de sua instituição, por via do Enunciado n° 76, do colendo TST, que rezava:
TST – Enunciado n° 76. O valor das horas suplementares prestadas habitualmente, por mais de 02 anos, ou durante todo o contrato, se suprimidas, integra-se no salário para todos os efeitos legais.
Este Enunciado deixou de compor a jurisprudência trabalhista brasileira ainda em 1.989, por via da Resolução Administrativa n° 01, que aprovou o Enunciado n° 291, do mesmo Tribunal, com o seguinte teor:
TST – Enunciado 291. A supressão, do serviço suplementar prestado com habitualidade, durante pelo menos 1 (um) ano, assegura ao empregado o direito à indenização correspondente ao valor de 1 (um) mês das horas suprimidas para cada ano ou fração igual ou superior a seis meses de prestação de serviço acima da jornada normal.
Lembra-se que os Enunciados esclarecem o entendimento da instância superior da Justiça do Trabalho sobre determinada questão. Norteiam, sem vincular, as instâncias inferiores e oferecem subsídios aos recursos das partes interessadas.
As principais conseqüências trazidas, na prática, pela alteração do entendimento dos Tribunais Trabalhistas, quanto a este tema, são as seguintes:
a)Restou reconhecido o direito de o empregador suprimir a realização de horas extraordinárias, sem que esteja obrigado a incorporar a média de horas extra habituais ao salário do empregado eventualmente atingido pela supressão, pois;
b) a integração ao salário, por ocasião da supressão, prevista na redação do Enunciado nº 76, passa a ser devida na forma de indenização, em parcela única;
Reitere-se por fundamental à compreensão do problema e de sua solução, que, em matéria de Direito do Trabalho, no Brasil, somente quanto a horas extras habitualmente prestadas, ainda assim, pelo tempo em que vigorou o conteúdo do Enunciado n° 76, do TST, se cogitou de incorporar ou fazer integrar seu valor médio ao salário do empregado atingido pela supressão, no momento de suprimir.
Portanto, concluímos que a teoria da incorporação não foi abraçada pelo legislador brasileiro, quanto à matéria trabalhista, e, mesmo a jurisprudência, a utilizou por período relativamente pequeno, para abandona-la de vez, em 1.989, fazendo prevalecer, a partir daí, somente quanto a horas extras, a necessidade de se indenizar, em parcela única, o empregado que, vindo de realizar horas extras de forma habitual, as tivesse suprimidas de seu cotidiano.
Para encerrar nosso raciocínio jurídico sobre o tema e, entendemos nós, sepultar definitivamente a dúvida suscitada pelos que defendem a teoria da incorporação, pedimos vênia para trazer à colação, parte do voto formulado, no dia 19.08.2004, próximo passado, pela Ministra Maria Cristina Peduzzi e adotado pela Subseção de Dissídios Individuais – 1 (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho ao afastar (não conhecer) embargos, em recurso de revista, interpostos por um ex-empregado que tinha por objetivo reformar decisão anterior da 4ª Turma do TST que lhe negou a percepção de horas extraordinárias correspondentes ao período em que exerceu mandato de dirigente sindical:
"Como já foi decidido, a remuneração das horas extras não integra definitivamente a remuneração do trabalhador", considerou a relatora após lembrar que "há muito o TST, ao editar o Enunciado nº 291, cristalizou o entendimento de que a supressão do pagamento do valor das horas extras habitualmente prestadas acarreta tão-só o pagamento de indenização, não havendo de falar em recomposição pecuniária do período de supressão".
Na primeira manifestação do TST sobre a causa, a 4ª Turma vedou o pedido do trabalhador:
"Com efeito, a pretensão da parte poderia no máximo resumir-se a pedido de indenização pelas horas extras que deixou de receber, mas não a incorporação delas ao salário, para perpetuar seu pagamento sem a correspondente prestação de jornada suplementar", registrou o acórdão.
"Se para condições normais a jurisprudência do TST é contrária à integração dessa parcela, não se pode admitir que no afastamento para o exercício de mandato sindical o empregado possa integrar as horas extras que não mais prestou",
DO SALÁRIO CONDIÇÃO
Ao contrário do que se apregoa, o direito brasileiro se afastou da teoria da incorporação ou integração, para consagrar o conceito de salário condição.
Salário condição é a parte da remuneração do trabalhador que se sobrepõe ao seu salário básico e com este não se confunde.
Enquanto o salário básico, que não pode ser inferior ao mínimo legal, é devido ao empregado, independentemente de qualquer outro fato ou fator, além da prestação normal do trabalho, em consonância com o contrato de trabalho, pois "os riscos da atividade econômica" correspondem à empresa (art. 2° da CLT), o salário condição só pode ser aceito como sobre-salário, tornando-se devido ao empregado, além do salário básico, na medida em que se verifique causa que lhe dê suporte à existência, tal como: realização de horas extras; trabalho desenvolvido em ambiente de insalubridade; trabalhado realizado em condições de periculosidade, nos casos de transferência do local de trabalho do empregado, o adicional de transferência etc. etc.
Exemplo claro e prático do que é o salário condição, encontramos no art. 10 da Lei n° 7.064, de 06/12/1.982, que dispõe sobre a situação dos trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior.
(...)
Art. 10 - O adicional de transferência, as prestações "in natura", bem como quaisquer outras vantagens a que fizer jus o empregado em função de sua permanência no exterior, não serão devidas após seu retorno ao Brasil.
Contudo, e aí vai a principal característica do salário condição, desaparecida ou suprimida a causa originária de pagamento do salário condição, imediatamente cessa a obrigação de pagar, não sendo devida nenhum incorporação ou indenização.
É o que se verifica no art. 10 de Lei n° 7.064/82, ou seja, as vantagens a que faz jus o empregado somente são devidas enquanto este prestar serviços no exterior. Voltando ao Brasil, desaparecida a causa (prestação de serviços no exterior) que deu origem ao pagamento das vantagens, suprimido será o pagamento.
Corrobora esse entendimento, a jurisprudência trabalhista brasileira atual, conforme a seguir:
TST – Enunciado 80. A eliminação da insalubridade mediante fornecimento de aparelhos protetores aprovados pelo órgão competente do Poder Executivo exclui a percepção do respectivo adicional
TST – Enunciado 248. A reclassificação ou a descaracterização da insalubridade, por ato da autoridade competente, repercute na satisfação do respectivo adicional, sem ofensa a direito adquirido ou ao princípio da irredutibilidade salarial.
TST – Enunciado 265. A transferência para o período diurno de trabalho implica a perda do direito ao adicional noturno.
TST – Enunciado 277. As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos.
Comprova-se, assim, que, contrariamente ao que pode parecer ao analista perfunctório, vige no Brasil o entendimento de que o salário condição, uma vez suprimida a causa que o originou, deve ser suprimido sem que surja, para o empregado atingido, o direito a indenização ou incorporação.
Ora, se esse é o entendimento dos Tribunais Superiores quanto ao pagamento, ainda que prolongado, de valor conceituado como salário, que dizer de um valor transferido ao empregado indevidamente, que, conforme a própria lei define, não possui caráter salarial, nem pode ser incorporado à sua remuneração para quaisquer efeitos?
Haveria fundamento para que o Poder Judiciário determinasse a incorporação ou integração daquele valor ao salário dos empregados?
Sobejamente provado está que NÃO!
Vejamos caso recentíssimo, julgado em 03.08.2.004, pela Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em que determinada pessoa jurídica, agiu exatamente como pretende agir a consulente: suprimiu pagamento indevido que, de boa-fé, fazia a seus empregados havia meses.
Detecta a irregularidade, consistente no pagamento de adicional de periculosidade a empregados que, efetivamente, não trabalhavam em local de risco, imediatamente suprimiu a empregadora, o pagamento de tal adicional.
Determinado empregado que, nas mesmas condições dos que receberam irregularmente, não foi contemplado no período em que houve o pagamento indevido aos demais, ajuizou reclamação reivindicando o recebimento daquele adicional, no mesmo número de parcelas percebido pelos companheiros.
A causa foi ter ao TST que, determinando fosse feito o pagamento ao ex-empregado preterido, na mesma quantidade de meses oferecida aos demais, em momento algum questionou a legalidade da supressão do pagamento em relação a todos, a partir do momento em que se percebeu que, de boa-fé a empresa pagava pelo que não devia, pois que a lei não obriga; nem vislumbrou, o TST, a obrigação de o empregador proceder à incorporação daquele valor aos salários dos empregados que o receberam, ainda que indevidamente, durante certo tempo, ou, finalmente, não condicionou, o TST, a supressão do pagamento, pelo empregador, ao oferecimento de indenização aos empregados que receberam o adicional irregular.
CONCLUSÃO
Pelos fundamentos de Direito trazidos, conclui-se, de modo claro e pacífico, que a consulente, ante quadro consubstanciado no desconto, a menor, que efetua do valor a que tem direito como reembolso pelas despesas que suporta na aquisição do vale-transporte, ainda que durante prolongado lapso, tem direito de proceder a alteração da base salarial incorreta para a correta, sem que tal medida constitua alteração contratual unilateral lesiva aos interesses de seus empregados, nem que revista ato capaz de originar passivo trabalhista suscetível de sofrer correição judicial ordenadora de incorporação aos salários dos empregados atingidos, ou do pagamento de indenização.
Não obstante nosso profundo respeito às opiniões em sentido contrário, assim como aos profissionais que as esposam, esta é a conclusão a que chegamos e que submetemos à douta apreciação superior.