DA NATUREZA JURÍDICA DA DESVINCULAÇÃO DA PLR DO CONCEITO DE REMUNERAÇÃO E SUA CONSEQÜÊNCIA
Transcrevamos novamente o inciso XI do art. 7º da Constituição Federal para melhor exame:
‘XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;
É o próprio texto constitucional que exclui, de forma expressa, a natureza remuneratória das participações dos empregados nos lucros, ou resultados auferidos pela empresa. Não bastasse a auto-aplicabilidade da expressão ‘desvinculada da remuneração’, o STF veio espancar qualquer dúvida a respeito proclamando expressamente que, com o advento da MP nº 794/94, a participação nos lucros ficou desvinculada da remuneração.
Ora, se a PLR está excluída do conceito de remuneração, por óbvio, a contribuição social de que trata o art. 195, I, a da CF incidente sobre a ‘folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício’, não poderá levar em conta aquela PLR na definição do fato gerador da contribuição previdenciária. Em outras palavras, a participação nos lucros ou nos resultados não poderá servir de suporte fático da tributação.
Se é certo que cabe ao legislador infra-constitucional definir o fato gerador dos tributos, também é certo que essa definição legal não poderá desrespeitar as limitações constitucionais ao poder de tributar. E uma dessas limitações é exatamente a imunidade tributária. Não importa a denominação ‘imunidade’, ‘isenção’, ‘não-incidência’, ou quaisquer outros vocábulos ou termos utilizados na Constituição Federal. Basta simples exame dos textos constitucionais para verificar que o legislador constituinte utilizou-se de diferentes expressões, ao estatuir, dentre outras, as seguintes imunidades: a imunidade de custas judiciais na ação popular (art. 5º, LXXVIII da CF); a imunidade de taxas, aos reconhecidamente pobres, para expedição de registro civil de nascimento e de óbito (art. 5º, LXXVI, a e b da CF); imunidade recíproca (art. 150, VI, a da CF); imunidade genérica dos partidos políticos, das instituições de educação e de assistência social, dos sindicatos, dos templos e do livro (art. 150, VI, b e c da CF); imunidade do IPI (art. 153, § 3º, III da CF); imunidade do ITR sobre pequenas glebas rurais (art. 153, § 4º da CF); imunidade das contribuições sociais (art. 195, § 7º da CF) etc.
O importante é que as imunidades externam vedações absolutas ao poder de tributar certas pessoas (subjetivas) ou certos bens (objetivas), ou ainda, uns e outros. Por isso, elas tornam inconstitucionais as leis ordinárias que as afrontam.
No caso sob exame, o legislador constituinte, objetivando incentivar as empresas a repartirem seus lucros ou resultados com os seus empregados, promovendo a ‘socialização dos lucros’ como meio de alcançar o justo equilíbrio entre o capital e o trabalho, prescreveu no inciso XI do art. 7º da Carta Política, que a PLR fica desvinculada da remuneração. Em outras palavras, retirou do campo do exercício da competência impositiva prevista no art. 195, I, a da CF tudo o que for pago pela empresa a título de participação nos lucros, ou resultados. Forçoso é concluir que o inciso I do art. 22 da Lei nº 8.212/91, que define a contribuição a cargo da empresa em ‘vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados...’, há de ser interpretado com a exclusão das parcelas correspondentes à participação nos lucros ou resultados. A PLR, uma vez imunizada pela Constituição, jamais poderia integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária, sem gravíssima ofensa ao texto constitucional.
Nesse sentido, muito bem preleciona o professor Paulo de Barros Carvalho:
‘Os preceitos que definem a adjudicação de competências tributárias hão de preceder os dispositivos editados em função dos poderes outorgados. E a proposição não admite comutatividade. Seria incompreensível analisar a norma jurídica que cria o tributo e, portanto, define a incidência, sem antes observar, atentamente, os canais que a Constituição elegeu para esse fim.’
Assim, rui por terra a invocação do art. 28, § 9º, j, da Lei nº 8.212/91 feita pela r. decisão recorrida no sentido de que apenas a PLR ‘paga ou creditada de acordo com a lei específica’ deixa de integrar o salário-de-contribuição para os fins de tributação.
Ora, a exclusão da participação nos lucros ou resultados do conceito de remuneração não é algo que dependa de definição legal. Implementada a norma imunizante, a PLR fica ipso fato excluída do conceito de remuneração. E já vimos que essa implementação, na pior das hipóteses, deu-se com o advento da MP 794/94 não bastasse a auto-aplicabilidade do conceito de desvinculação salarial.
A toda evidência, o texto constitucional obstou o exercício da atividade legislativa da União para impor contribuição previdenciária sobre lucros ou resultados distribuídos pela empresa a seus empregados. Difere completamente da isenção ou incentivo fiscal que se dá no plano infraconstitucional.
Daí porque, ‘data máxima vênia’, juridicamente irrelevantes tanto a invocação feita pelo fisco do § 6º do art. 150 da CF, que cuida da especialidade da lei isentiva, como também do apego ao art. 111 do CTN, que prescreve um método de interpretação literal para normas que instituem isenções.
Por isso, obediente ao preceito constitucional, a MP nº 794/94 veio prescrever em seu art. 3º:
‘Art. 3º. A participação de que trata o art. 2º não substitui ou complementa a remuneração devida a qualquer empregado, nem constitui base de incidência de qualquer encargo trabalhista ou previdenciário.’
DO EXAME DA LEI Nº 10.101/00, ANTIGA MP Nº 794/94
Procurando não interferir nas relações entre a empresa e seus empregados e atento ao disposto no art. 11 e no § 4º do art. 218 da CF e, sobretudo, procurando respeitar o verdadeiro conteúdo do inciso XI do art. 7º da Carta Política, de sorte a não extrapolar os limites da constitucionalidade, o legislador ordinário, no art. 2º da Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000, fruto da conversão da Medida Provisória nº 1.982/77, de 23 de novembro de 2000, por sua vez, mera reedição da Medida Provisória nº 794/94, limitou-se a indicar duas alternativas para a participação nos lucros ou resultados:
‘Art. 2º A participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos pelas partes de comum acordo:
I – comissão escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria;
II – convenção ou acordo coletivo.
§1º Dos instrumentos decorrentes da negociação deverão constar regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas, inclusive mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo, podendo ser considerados, entre outros, os seguintes critérios e condições:
I – índices de produtividade, qualidade ou lucratividade da empresa;
II – Programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente.
§ 2º O instrumento de acordo celebrado será arquivado na entidade sindical dos trabalhadores.’
O caput facultou às partes a escolha de um dos procedimentos. No caso da consulente, foi escolhida a Comissão de Empregados com a interveniência do sindicato da classe. O seu § 1º, por sua vez, facultou a inclusão nos instrumentos de acordo, dos critérios indicados nos incisos I e II a título meramente exemplificativo. A redação do referido dispositivo não deixa dúvidas de que os critérios elencados, exemplificativamente, nos incisos I e II, não são obrigatórios, ao utilizar a expressão ‘podendo ser considerados, entre outros’.
Nesse sentido é a lição do ilustre Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
‘A exigência da participação direta, desde a Constituição anterior, desapareceu. Existe, por isso, toda a flexibilidade, hoje, para o encontro da fórmula adequada para a participação do trabalhador nos lucros da empresa. Essa participação, ressalte-se, não deve visar ao aumento da remuneração do trabalhador, mas sim contribuir para a sua integração á empresa.’
Cumpre observar, ainda, que o § 3º, do art. 3º, da Lei nº 10.101/2000 dispõe:
§ 3º Todos os pagamentos efetuados em decorrência de planos de participação nos lucros ou resultados, mantidos espontaneamente pela empresa, poderão ser compensados com as obrigações decorrentes de acordos ou convenções coletivas de trabalho atinentes à participação nos lucros ou resultados.’
Esse parágrafo, na verdade, parte do princípio da auto-aplicabilidade da primeira parte do inciso XI do art. 7º da CF/88 ao permitir a compensação dos pagamentos espontaneamente feitos pela empresa, a título de participação nos lucros e resultados, com as obrigações decorrentes de acordos ou convenções coletivas de trabalho atinentes ao mesmo tipo de participação.
Ora, se a lei está permitindo a compensação de valores pagos espontaneamente, desde que não tenham natureza salarial, com aqueles referentes ao cumprimento da obrigação resultante de acordos e convenções retro referidos, é porque aqueles valores têm a mesma natureza jurídica desses últimos.
Sintetizando, podemos afirmar que a Lei nº 10.101/2000, que tem origem na MP 794/94, explicitou a aplicabililidade plena do preceito constitucional em questão, na parte que desvincula a participação nos lucros ou resultados da remuneração do trabalhador.
DA NATUREZA JURÍDICA DOS INSTRUMENTOS DE ACORDO SOBRE PARTICIPAÇÃO NOS RESULTADOS FIRMADOS PELA EMPRESA E COMISSÃO DE EMPREGADOS
O exame dos instrumentos de ‘acordo sobre participação nos resultados’ firmados pela Empresa e a Comissão de Empregados desde 1995 até 2004, revelam que se trata de exteriorização das importâncias a serem pagas aos empregados a título de PLR, apurada de conformidade com o ‘Programa de Gestão e Desempenho por Competências e Resultados’, e do demonstrativo de resultados dos períodos respectivos.
Assim, esses instrumentos não representam a fixação dos direitos substantivos da participação, mas meras regras adjetivas dessa participação. A quantificação da PLR de cada empregado resulta da análise dos Demonstrativos de Resultados e do ‘Programa de Gestão e Desempenho por Competências e Resultados’ já referidos, que embora não mencionados formalmente nos diversos instrumentos de acordo, deles fazem parte integrante. É o que resulta da interpretação lógica e sistemática do conjunto de documentos apresentados pela consulente.
Os instrumentos de acordo não podem ser interpretados isoladamente, mas em confronto com os demais dados que conduziram à apuração do quantum da PLR de cada empregado. Daí porque, irrelevante o fato de o instrumento ter sido firmado em determinada data, e o pagamento ter-se efetivado poucos dias após, pois, repita-se, os instrumentos de acordo representam mera materialização do montante do resultado a ser partilhado entre os empregados a título de PLR, apurado de conformidade com critérios pré-estabelecidos.
Por oportuno, convém explicitar o sentido exato da cláusula sexta, contida nesses instrumentos de acordo sobre a PLR. Ela prescreve, invariavelmente, em todos os instrumentos que até o mês de novembro vindouro a EMPRESA apresentará uma proposta estabelecendo o programa de metas para o exercício financeiro seguinte, ao qual ficará subordinado o pagamento de quaisquer valores a título de participação nos resultados. A sua leitura ocular dá a entender que a PLR que está sendo paga, na forma referida em cada instrumento de acordo, não foi precedida de prévia apuração, de conformidade com o ‘Programa de Metas’ do exercício a que se refere a distribuição da PLR.
Evidente que, por um descuido, houve a reprodução literal do disposto na cláusula sexta do primeiro instrumento de acordo, firmado em 16 de novembro de 1995, o qual realmente não levou em conta o ‘Programa de Metas’ previamente estabelecido, pela simples razão de que a Medida Provisória nº 794, que regulamentou a norma constitucional em questão, é datada de 29 de dezembro de 1994.
Outrossim, quanto à existência do ‘Programa de Metas’ para os exercícios de 1996 em diante, o próprio fisco a constatou, mediante conversão do julgamento em diligência, conforme consta do item 17.1 da Decisão-Notificação nº 21.004/0563/2005, onde está afirmado que:
‘Verificou-se que a empresa possui um programa gerencial anual (introduzido em 1996) onde se estabelece previamente objetivos a serem alcançados, com posterior acompanhamento (através das Fichas de Gestão de Desempenho por Competência e Resultados), para os níveis Gerências/Chefias (Gestores), chamado de Sistema de Gestão de Desempenho...’