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Participação dos empregados nos lucros ou resultados da empresa:

incidência de contribuições previdenciárias

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Extenso parecer que aborda situação em que o INSS autuou empresa, exigindo o recolhimento das contribuições sociais sobre a participação nos lucros, dando-lhes natureza salarial, por supostamente ser concedida em desacordo com as formalidades legais.

CONSULTA

            Assunto: Participação nos lucros ou resultados – PLR – prevista no art. 7º, XI da CF.

            A consulente indaga a respeito da participação nos lucros, ou resultados prevista no inciso XI do art. 7º da CF, narrando os fatos, apresentando documentação pertinente e formulando os quesitos.

            Trata-se de autuação feita pelo INSS exigindo da empresa consulente o recolhimento das contribuições previdenciárias, incluídas as prestações do SAT, Salário Educação, SESI, SENAI, SEBRAE e INCRA, incidindo sobre as importâncias pagas a título de Participação nos Lucros ou Resultados – PLR – porque esses pagamentos não teriam atendido aos requisitos previstos na MP 794/94 e reedições, hoje, convertida na Lei nº 10.101, de 19.12.2000. Conferiu-lhes, portanto, natureza salarial, exigindo o pagamento da importância de R$90.207.266,47 referente às competências de 11/1995 a 01/2004.

            Feita a impugnação tempestiva, o auto foi mantido, ensejando a interposição de recurso para o E. Conselho de Recursos da Previdência Social, em 30-9-2005.

            Para subsidiar os argumentos apresentados no citado recurso foi solicitado nosso parecer abordando os diferentes itens consignados na decisão administrativa de primeira instância, que manteve os termos da peça fiscal inaugural, formulando os seguintes quesitos:

            1)Qual o prazo decadencial para a constituição do crédito tributário, em relação à contribuição a que se refere o art. 195, I, a da CF?

            2)A norma do art. 7º, XI da CF, é auto-aplicável? Se não por inteiro em que parte o seria? Os requisitos estabelecidos no art. 2º da Lei nº 10.101/2000, notadamente, no § 1º desse artigo, harmonizam-se com o preceito constitucional em questão, ou, ao contrário, impõem restrições ao seu conteúdo deontológico?

            3)Qual o alcance e conteúdo do § 3º do art. 3º da Lei nº 10.101/2000? Na eventual hipótese dos pagamentos a título de PLR não preencherem os requisitos exigidos pelo art. 2º e seu § 1º da Lei nº 10.101/2000, desde que, desvinculados da remuneração devida aos empregados, esses valores pagos podem ser excluídos da base de cálculo de quaisquer encargos trabalhistas e previdenciários, na forma do caput do art. 3º?

            4)Qual a natureza jurídica do inciso XI do art. 7º da CF, na parte que desvincula a participação nos lucros, ou resultados da remuneração devida ao empregado?

            5)É constitucional o lançamento da contribuição previdenciária sobre pagamentos feitos a título de participação nos lucros, ou resultados?

            6)Qual a natureza jurídica dos instrumentos de ‘acordo sobre participação nos resultados’ firmados pela Empresa e Comissão de Empregados desde 1995 até 2004? Podem ser interpretados isoladamente, ou devem ser analisados em conjunto com os demais dados, notadamente com o Programa de Gestão de Desempenho por Competências e Resultados? Qual o exato sentido da cláusula 6ª contida nesses instrumentos de acordo sobre PLR?

            7)Pode haver incidência de contribuição previdenciária sobre os pagamentos feitos, no período autuado, a título de participação nos lucros, ou resultados? Esses pagamentos preenchem os requisitos da legislação específica?

            8)A exclusão do benefício da PLR para os exercentes de cargos com salários superiores a R$1.500,00, nos exercícios de 1998 e 1999, apontada no item 2.3.3.3 da decisão monocrática, descaracteriza a natureza desse benefício?

            9)Considerando que, em diligência mencionada no item 17.1 da decisão de primeira instância, o fisco constatou a existência na empresa de ‘um programa gerencial anual (introduzido em 1996) onde se estabelece previamente objetivos a serem alcançados, com posterior acompanhamento (através das Fichas de Gestão de Desempenho por Competência e Resultados), para os níveis Gerenciais/Chefias (Gestores), chamado de Sistema de Gestão de Desempenho’, pode-se afirmar que a manutenção do lançamento da contribuição previdenciária sobre todos os pagamentos feitos a título de PLR atendeu aos princípios básicos que regem o processo administrativo tributário?

            10)A multa aplicada está de acordo com a legislação? Ela obedeceu ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade?

            11)É constitucional a aplicação da Taxa Selic sobre o valor do crédito tributário?

            12)A co-responsabilização dos sócios e procuradores da empresa nos termos da NFLD nº 35.132.833-5, objeto de recurso, tem amparo legal?


PARECER

DA DECADÊNCIA

            Para o exame da decadência das contribuições sociais do art. 195, I, a da Carta Maior, mister se faz definir, primeiramente, a natureza jurídica, bem como a legislação aplicável a essas contribuições sociais.

            Sob a égide da Constituição Federal de 1988, não há mais dissidência jurisprudencial em torno da natureza tributária da referida exação. O Supremo Tribunal Federal, agasalhando o posicionamento da doutrina majoritária, fixou definitivamente o entendimento quanto à natureza tributária das contribuições sociais. É o que ficou decidido no RE nº 138.284-8-CE, Tribunal Pleno, Relator Ministro Carlos Velloso, in RTJ 143/313 e no RE nº 146.733-9-SP, Tribunal Pleno, Relator Ministro Moreira Alves, in DJ 03/03/1993.

            Diante disso, aplicável o disposto no artigo 146, III da CF, que assim prescreve:

            Art. 146. Cabe a lei complementar:

             .............................................................................................

            III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

             .............................................................................................

            b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários.’

            Decorre desse texto constitucional que a matéria concernente à disciplina da decadência e prescrição tributárias ficou reservada à lei complementar, o que afasta a incidência da norma de lei ordinária sobre essa matéria.

            Logo, o prazo decadencial das contribuições sociais do art. 195, I, a da CF somente pode ser o regulado pelo Código Tributário Nacional, lei materialmente complementar, o que afasta, ipso fato, a incidência do prazo decadencial decenal contido na Lei nº 8.212/91, invocado pelo Instituto Nacional do Seguro Social.

            Uma vez identificada a legislação aplicável ao caso sob consulta, faz-se necessário fixar o termo inicial do prazo qüinqüenal de decadência, pelo que passaremos a examinar a modalidade de lançamento em que se enquadram as contribuições previdenciárias objeto de exigência pelo órgão securitário.

            Conforme estabelecido no art. 30 da Lei nº 8.212/91, a contribuição previdenciária enquadra-se na modalidade de lançamento por homologação, caracterizada pela antecipação do pagamento do tributo pelo sujeito passivo sem prévio exame do fisco. No momento em que a autoridade administrativa toma conhecimento da atividade exercida pelo sujeito passivo e a homologa, opera-se simultaneamente a constituição do crédito tributário e sua extinção, conforme se depreende do art. 150 e § 4º do CTN adiante transcritos:

            ‘Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

             .............................................................................................

            § 4º - Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação’.

            Como se verifica das expressões grifadas, o que se homologa não é o pagamento antecipado, mas a atividade exercida pelo obrigado. Isso explica a razão pela qual o fisco, ante o não recolhimento do imposto corretamente escriturado pelo contribuinte em seus livros fiscais, deixa de lavrar o auto de infração promovendo diretamente a inscrição do crédito tributário na dívida ativa. Parte da doutrina, equivocadamente, tem condenado essa prática escorreita alegando violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. A imposição do auto e respectiva notificação só tem lugar quando o fisco deixa de homologar, expressa ou tacitamente, a atividade exercida pelo contribuinte, o que deverá ser feito no prazo de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador. Não cabe ao aplicador alterar a modalidade de lançamento por homologação em lançamento por ofício. A modalidade de lançamento está prevista na lei de regência de cada tributo. A prescrição da lei é no sentido de que, na hipótese de o sujeito passivo descumprir a sua obrigação de antecipar o pagamento do tributo, sem prévio exame do fisco, nos prazos previstos em lei, a Fazenda exercerá o poder-dever de suprir aquela omissão, promovendo o lançamento direto, porém, sempre dentro do prazo decadencial próprio da modalidade de lançamento por homologação. Em outras palavras, o fisco tem o prazo de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador para concordar com as atividades exercidas pelo sujeito passivo, ou, delas discordar, hipótese em que calculará o montante do tributo devido, na forma do art. 142 do CTN, notificando o sujeito passivo para seu pagamento ou impugnação (art. 145 do CTN).

            Daí o grande equívoco dos que sustentam a tese de que, no caso de não pagamento do tributo relativo aos valores declarados, a contagem do prazo decadencial se faria na forma do artigo 173, I do CTN, que estabelece o dies a quo da decadência o dia primeiro do exercício seguinte àquele em que o lançamento deveria ter sido efetuado.

            Ora, o que se homologa não é o pagamento, mas toda a atividade procedimental tendente a verificar a ocorrência do fato gerador, levada ao conhecimento da autoridade.

            Outro não é o entendimento de Souto Maior Borges:

            ‘...Compete à autoridade administrativa, ‘ex vi’ do artigo 150, caput, homologar a atividade previamente exercida pelo sujeito passivo, atividade que em princípio implica, embora não necessariamente, em pagamento. E, o ato administrativo de homologação, na disciplina do CTN, identifica-se precisamente com o lançamento (...) conseqüentemente, a tecnologia contemplada no CTN é, sob esse aspecto, feliz: homologa-se a ‘atividade’ do sujeito passivo, não necessariamente o pagamento’.

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            Não se cogitando, na espécie, de dolo, fraude ou simulação (cf. item 13 da NFLD nº 35.132.833-5), o prazo decadencial para a constituição da contribuição previdenciária, nos exatos termos do parágrafo 4º do art. 150 do CTN, é de cinco anos a contar da ocorrência do respectivo fato gerador da obrigação tributária. Enquanto que, no lançamento por homologação, considera-se o ano civil, assim definido no art. 1º da Lei nº 810, de 6-9-1949, para contagem do prazo qüinqüenal de decadência, no lançamento direto leva-se em conta o ano calendário, coincidente com o exercício fiscal. Até nisso diferem as duas modalidades de lançamento, não podendo a autoridade administrativa ou judiciária substituir uma modalidade pela outra, a pretexto de que não houve antecipação do pagamento. No lançamento direto, o crédito tributário tem-se por definitivamente constituído na data da notificação do contribuinte (art. 145 do CTN), passando a fluir dessa data em diante o prazo prescricional de cinco anos para sua cobrança (art. 174 do CTN). No lançamento por homologação, decorridos cinco anos, a contar da data da ocorrência do fato gerador, sem manifestação do sujeito ativo do tributo, tem-se por definitivamente constituído e simultaneamente extinto o crédito tributário (§ 4º do art. 150 do CTN), hipótese em que não se cogita de prazo prescricional.

            Dada a natureza tributária da contribuição previdenciária é manifestamente inconstitucional o prazo decenal, previsto no artigo 45 da Lei nº 8.212/91, por invasão de matéria reservada à lei complementar.

            Nesse sentido a jurisprudência de nossos tribunais:

            ‘EMENTA.

            PROCESSUAL E TRIBUTÁRIO. ICM. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. DECADÊNCIA. PRECEDENTE.

            1. A caducidade opera-se em relação ao direito material de constituir o crédito tributário.

            2. Transcorridos mais de cinco anos do fato gerador até a constituição do crédito tributário, extingue-se definitivamente o direito do fisco de cobrá-lo.

            3. Recurso especial improvido.’

(Resp nº 178433/ SP, Rel.Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 21-8-2000, p. 108).

            ‘EMENTA.

            OBJEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – EXECUÇÃO FISCAL – IMPOSTO DE TRANSMISSÃO INTER VIVOS DE BENS IMÓVEIS (ITBI) – DIFERENÇA DO VALOR INICIALMENTE RECOLHIDO – AÇÃO FISCAL DA FAZENDA APÓS OS CINCO ANOS DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR – INVIABILIDADE – DECADÊNCIA – LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO, COM A EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO – ART. 7º, II, DA LEI Nº 31.194/92 E ART. 150, § 4º DO CTN – EXCEÇÃO ACOLHIDA – AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.’(TJSP, AI nº 2.002.231-5, Rel. Des. Paulo Eduardo Razuk, DOE de 13-04-2005).

            Do exposto, considerando que a notificação do lançamento ocorreu no dia 22-09-2004, resulta claro que estão sob os efeitos da decadência as contribuições sociais, cujos fatos geradores ocorreram antes do dia 22-09-1999.


DA INTERPRETAÇÃO DO

ART. 7º, XI DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

            O art. 7º, XI da CF tem a seguinte redação:

            ‘Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social:

             .............................................................................................

            XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei.’

            Interpretando o dispositivo constitucional supra transcrito encontramos três correntes doutrinárias. A primeira delas entende que existe a necessidade de prévia regulamentação por lei ordinária, tanto da participação nos lucros ou resultados, como também da participação na gestão da empresa para que o preceito constitucional pudesse ser aplicado. A segunda corrente entende que a primeira parte do dispositivo sob comento é auto-aplicável, dependendo de regulamentação apenas a segunda parte concernente à gestão da empresa. E, por fim, existe uma terceira corrente entendendo que a primeira parte do preceito constitucional é auto-aplicável apenas no que diz respeito à desvinculação da PLR da remuneração.

            Examinemos, mais de perto, o posicionamento esposado pela terceira corrente doutrinária, que defende a auto-aplicabilidade da desvinculação da PLR da remuneração e que veio a ser encampado pela jurisprudência de nossos tribunais.

            Conforme preleciona o professor Amauri Mascaro do Nascimento:

            ‘A participação nos lucros assegurada aos trabalhadores pela Constituição Federal de 1988, art. 7º, XI, é desvinculada do salário. Nenhuma dúvida subsiste quanto à referida desvinculação porque está literalmente declarada pela legislação, o que afasta dúvida sobre a mesma. O art. 7º, XI, da Constituição Federal de 1988, na parte final, ao declarar "conforme definido em lei", não está se referindo à participação nos lucros, mas, apenas, à participação na gestão da empresa. Esta depende de lei que lhe dê aplicabilidade. Aquela não. Com efeito, a norma que dispõe sobra a participação nos lucros, ou nos resultados, é desvinculada do salário. A dependência da lei restringe-se à participação na gestão. A segunda parte do texto é que está relacionada com a lei. Com a primeira não ocorre o mesmo. É que pelas suas naturais implicações na empresa, a participação do trabalhador na sua gestão é matéria complexa, que só se justifica excepcionalmente.

            As quantias pagas aos trabalhadores a título de participação nos lucros não têm natureza jurídica salarial. Não são salários. Não se caracterizam como remuneração do trabalho. Não integram o salário.

            Fica afetada a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, que, através do Enunciado n. 251, declara que "a parcela participação nos lucros de empresa, habitualmente paga, tem natureza salarial, para todos os efeitos legais". Essa diretriz jurisprudencial,que até agora tinha suporte no art. 457, § 1º, da CLT, segundo o qual as percentagens pagas a empregado integram o salário, atrita-se com o princípio constitucional, de acordo com o qual as parcelas atribuídas ao trabalhador são desvinculadas do salário. Constituem um pagamento não salarial cuja natureza jurídica é expressada pelo seu nome, participação nos lucros. Assim, as percentagens pagas ao empregado continuam computadas nos salários, salvo a referente à participação nos lucros, por força do princípio constitucional.

            ................................................

            A doutrina brasileira, influenciada pela legislação (CLT, art. 457, § 1º), que considera percentagens salário, posicionou-se, pela natureza jurídica salarial, sendo essa opinião até agora manifestada, dentre outros, por José Martins Catharino, para quem "no nosso direito positivo é salário a participação determinada de acordo com a percentagem sobre lucros ou em relação às entradas, toda vez que seja feito o contrato de trabalho"; por Luiz José de Mesquita, ao afirmar que "esse pagamento incorpora-se, para o futuro na remuneração"; e por Délio Maranhão, ao dizer que "a participação nos lucros é, pois, salário".

            Todavia, essas opiniões, ressalve-se, foram expendidas antes da nova Constituição, e agora são diferentes, em razão da alteração da lei. Basta exemplificar com o magistério do Min. Arnaldo Lopes Süssekind (Instituições de direito do trabalho, em co-autoria com Délio Maranhão e Segadas Vianna, 13. ed., São Paulo, LTr, 1993, v. 1): "Modificação de relevo ocorreu com a natureza jurídica da prestação paga ao empregado a título de participação nos lucros da empresa. A doutrina e a jurisprudência dos nossos tribunais sempre afirmaram sua natureza salarial (Súmula TST n. 251). Hoje, todavia, a prestação paga como participação nos lucros ou nos resultados está expressamente ‘desvinculada da remuneração’, isto é, não constitui salário e, por via de conseqüência, não pode ser computada: a) no pagamento do salário devido ao empregado; b) na base de incidência dos depósitos do FGTS, das contribuições previdenciárias e de outros tributos cujo fato gerador seja a remuneração do empregado; c) no cálculo de adicionais, indenizações e outras prestações que incidam sobre a remuneração".

             .......................................................................

            Não sendo salários, os valores pagos a título de participação nos lucros não serão considerados para efeito de incidência de ônus sociais, trabalhistas, previdenciários ou fiscais.

            A participação nos lucros não entra no salário-base do empregado para fins de recolhimento do fundo de garantia, do cálculo de indenizações de 13º salário, de remuneração das férias e do repouso semanal, de pagamento de adicionais salariais, de gratificações, prêmios, abonos, de recolhimento de contribuições previdenciárias etc.’

            No mesmo sentido a lição do ilustre mestre Arnaldo Süssekind, que assim afirma:

            ‘A obrigatoriedade da participação, tantos nos lucros, ou resultados, como na gestão, ficou dependendo de lei regulamentadora dessa norma. Não obstante, ela gerou, desde logo, efeitos jurídicos no tocante à natureza da prestação paga, a título de participação, seja em virtude de convenção ou de acordo coletivo, seja em decorrência de estatuto ou regulamento de empresa. Porque "desvinculada da remuneração", os valores da participação nos lucros, ou nos resultados, não mais constituem salários e, assim, não podem ser computados: a) para complementar o salário devido ao empregado; b) da base de incidência dos depósitos do FGTS, das contribuições previdenciárias e de outros tributos cujo fato gerador seja a remuneração do empregado; c) no cálculo de adicionais, indenizações e outras prestações que incidem sobre a remuneração ou o salário. Daí ter o TST cancelado o seu Enunciado n. 251.’’

            Reafirmando a desvinculação da PLR da remuneração, o prof. Walter Ceneviva proclama:

            ‘Existente há decênios no direito brasileiro, mas sem aplicação útil, a participação nos lucros, ou resultados, está no inc. XI. Seu conceito é sempre desvinculado da remuneração, ou seja, constitui vantagem a mais, assegurada ao trabalhador, vedada a compensação com verbas pagas a título salarial.’

            Nesse sentido, também dispõe Valentin Carrion:

            ‘2. A

participação nos lucros e nos resultados contém duas faculdades muito acertadas: a desvinculação da remuneração as livrará do pesado ônus da integração às demais verbas devidas ao empregado......a participação não substitui a remuneração, nem pode ser base de incidência de encargo trabalhista ou previdenciário; pagamento com periodicidade mínima de 6 meses....... "A nova disposição constitucional deixa sem efeito o Enunciado 251 do Tribunal Superior do Trabalho" (Celso Bastos, Comentários à Constituição, v. 2, p. 445).’

            É, outrossim, entendimento pacífico na doutrina especializada de que na regulamentação de norma constitucional auto-aplicável, o legislador ordinário deverá ater-se a explicitar o seu conteúdo sem inovar quer diminuindo, quer aumentando o seu alcance.

            Nesse sentido, muito bem preleciona o professor Celso Ribeiro Bastos:

            ‘Em outras palavras, as normas de aplicação são as normas ‘cheias’, que não demandam complementação, e, muito pelo contrário, se forem complementadas, deverão sê-lo com muita cautela, já que sua estrutura basta a si mesma, a qualquer regulamentação posterior poderá extrapolar os limites da constitucionalidade. Já salientamos alhures em obra com o Prof. Carlos Ayres de Brito que: ‘Logo, prescindem de qualquer normação complementar, pois nada se pode introduzir em algo que já é, por si só, compacto. Estamos diante de uma realidade normativa inelástica, insuscetível de modelagem por outro cinzel que não o do próprio constituinte. Daí a sua absoluta alergia e repúdio aos eventuais atentados da lei infraconstitucional, quanto àquele núcleo mandamental compacto.’

            É importante lembrar, também, a advertência de Luis Roberto Barroso na interpretação dos direitos fundamentais:

            ‘Essa tarefa exige boa dogmática constitucional e capacidade de trabalhar o direito positivo. Para fugir do discurso vazio, é necessário ir à norma, interpretá-la, dissecá-la e aplicá-la. Em matéria constitucional é fundamental que se diga, o apego ao texto positivado não importa em

reduzir o direito à norma, mas ao contrário, em elevá-lo à condição de norma, pois ele tem sido menos que isso (v. supra). O resgate da imperatividade do texto constitucional e sua interpretação à luz de boa dogmática jurídica, por óbvio que possa parecer, é uma instigante novidade neste país acostumado a maltratar as suas instituições.’

            Ainda que se entenda que a primeira parte do dispositivo sob comento não é de eficácia plena, é de se invocar a lição de José Afonso da Silva, que assim proclama:

            ‘A norma constitucional dependente de legislação também entra em vigor na data prevista na Constituição. Sua eficácia integral é que fica na dependência da lei integrativa. A distinção não é acadêmica. Tem consequëncias práticas de relevo. Pois tais normas, desde que entram em vigor, são aplicáveis até onde possam, devendo notar-se que muitas delas são quase de eficácia plena, interferindo o legislador ordinário tão-só para aperfeiçoamento de sua aplicabilidade’.

            Confirmando o entendimento doutrinário retro mencionado a jurisprudência de nossos tribunais vem reafirmando a auto-aplicabilidade do art. 7º, XI da CF, na parte em que prevê a desvinculação da PLR da remuneração, qualquer que seja a natureza da norma em questão, conforme ementas abaixo transcritas:

            ‘EMENTA.

            RECURSO ESPECIAL. ALÍNEA ‘A’. TRIBUTÁRIO. SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO. VERBAS PERCEBIDAS PELOS EMPREGADOS A TÍTULO DE PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS. NÃO INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO 7°, INCISO XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA DE EFICÁCIA CONTIDA, APENAS EM PARTE. ART. 28, § 9°, LETRA ‘J’, DA LEI N. 8.212/91.

            RECURSO NÃO CONHECIDO.

            A questão merece ser apreciada no âmbito exclusivamente infraconstitucional, notadamente à luz do art. 28, § 9°, letra j’, da Lei n. 8.212/91, com observância do inciso XI do artigo 7° da Carta Magna.

            Deve prevalecer o entendimento segundo o qual a análise da aplicação de uma lei federal não é incompatível com o exame de questões constitucionais subjacentes ou adjacentes. A competência somente seria deslocada para a Máxima Corte se a v. decisão recorrida tivesse julgado o feito única e exclusivamente sob o prisma constitucional, o que se não verifica na espécie.

            A letra fria desse dispositivo da Carta Maior embora não totalmente auto-aplicável ou de eficácia contida, é plenamente eficaz num ponto, mesmo antes da Medida Provisória n. 794/94, de 29 de dezembro de 1994, ou seja, no que diz respeito à desvinculação entre participação nos lucros e remuneração do trabalhador.

            Recurso não conhecido.’

( Resp nº 283.512, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 31-03-2003, p. 190). No mesmo sentido os Resps ns. 381.246-RS, DJ de 23-6-2003, p. 312 e 438.712-RS, DJ, de 12-5-2003, p. 284, ambos de relatoria do mesmo Min. Franciulli Netto).

            ‘EMENTA.

            PREVIDENCIÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS NOS LUCROS DA EMPRESA. CARÁTER NÃO SALARIAL DA PARTICIPAÇÃO.

            1.O art. 7º inciso XI da CF é auto-aplicável no que se refere à desvinculação da "remuneração" da "participação dos empregados nos lucros da empresa", porque qualquer regulamentação que viesse a ser feita por lei ordinária não poderia dispor de forma diferente quanto à desvinculação de ambos.

            2.O parágrafo 4º do art. 201 da CF não se aplica à participação nos lucros porque esta, ainda que paga continuamente por vários anos, jamais poderá ser considerada "habitual", pois, pela sua natureza, estará sempre presente a possibilidade de que em determinado exercício haja prejuízo ao invés de lucro.

            3.Incabível, portanto, a cobrança de contribuição previdenciária sobre a participação nos lucros da empresa.

            -Apelação e remessa oficial improvidas.’ (TRF 5ª Região, AC nº 114325-SE, Rel. Juiz Castro Meira, DJ de 23-2-2001, p. 468).

            ‘EMENTA.

            CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. INCIDÊNCIA SOBRE PARCELAS RECEBIDAS PELOS EMPREGADOS A TÍTULO DE PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS DA EMPRESA. INADMISSIBILIDADE.

            1. O artigo 7º, XI, da Constituição Federal confirma o direito dos trabalhadores urbanos e rurais em participar nos lucros ou resultados da empresa, desvinculada da remuneração. Nestes limites, a regra sempre foi plenamente eficaz, com aplicabilidade imediata.

            2. Existe a possibilidade desta eficácia ser contida mediante a superveniência de uma lei, nos exatos termos do próprio dispositivo constitucional, mas que de forma alguma poderá dispor sobre vincular a participação nos lucros à remuneração. O que poderá ser feito, tão-somente, é regulamentar-se sobre a extensão desta participação nos lucros, se maior ou menor, mas sempre desvinculada da remuneração.’ (TRF 4ª Região, AG nº 199804010117973-RS, Rel. Juiz Tania Terezinha Cardoso Escobar, DJU de 5-4-2000, p. 68).

            ‘EMENTA.

            EXECUÇÃO FISCAL. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS. ART. 7, XI DA CF. MP 794/94.

            - A participação nos lucros ou resultados da empresa, conforme demonstrada nos autos, e prevista no inciso XI do artigo 7º da Constituição Federal, não integra a base de cálculo para o salário-de-contribuição, mesmo no período anterior ao advento da MP 794/94, sob pena de se negar vigência ao direito do trabalhador constitucionalmente previsto, e considerando-se ainda, que não há qualquer sustentação jurídica para que se afirme que a distribuição de lucro ao trabalhador, tinha caráter remuneratório, ante a ausência de disposição legal neste sentido.’ (REO nº 1999.71.11.002879-0/RS, Rel. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, DJU de 17-12-2003, p. 308).

            ‘EMENTA.

            PREVIDENCIÁRIO - CONTRIBUIÇÕES: INCIDÊNCIA - PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS (CF ART. 7º, XI).

            1. Concedida a participação nos lucros antes da regulamentação

            legislativa, sobre tal parcela não incide a contribuição previdenciária.

            2. Natureza jurídica do instituto, derivada da previsão constitucional de abrangência plena.

            3. A participação nos lucros não integra o salário. Revogado, no particular, o teor da Súmula 251 do TST.

            4. Recurso e remessa improvidos.’ (TRF 1ª Região, AC nº 1998.01.00.057692-1/MG, Rel. Juíza Eliana Calmon, DJ de 23-4-1999, p. 287).

            ‘EMENTA.

            TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS: NATUREZA JURÍDICA. NÃO-INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. CF/88, ART. 7º, INCISO XI.

            I - A participação nos lucros preconizada na Constituição Federal de 1988, art. 7º, inciso XI, não tem caráter salarial, razão por que não devem incidir contribuições previdenciárias sobre ela.

            II - O inciso XI do art. 7º da Constituição é norma programática de eficácia contida, pendente de regulamentação, mas dotado de normatividade.

            III - Apelação e remessa improvidas.’ (TRF 1ª Região, AC nº 1998.01.00.061612-3-MG, Rel. Juiz Candido Ribeiro, DJ de 17-8-2001, p. 32).

            Conforme se vê, parcela ponderável dos doutrinadores é pela auto-aplicabilidade da primeira parte do inciso XI do art. 7º sob comento.

            Contudo, em relação à desvinculação da PLR da remuneração tanto a doutrina como a jurisprudência de nossos tribunais, com exceção a do Supremo Tribunal Federal, que analisou a questão sob outro enfoque, como adiante se verá, são unânimes no sentido da auto-aplicabilidade. E nem poderia ser de outra forma, pois o conceito de desvinculação da PLR da remuneração é unívoco. Nenhuma lei infraconstitucional poderia considerar vinculado, total ou parcialmente, aquilo que a Lei Maior desvinculou.

            Registre-se, todavia, a bem da verdade, que a decisão monocrática proferida pelo Min. Gilmar Mendes do STF ((RE 380.636-SC, DJ de 24-10-2005, p. 0057), com base no que teria sido assentado no Mandado de Injunção nº 102 impetrado pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pombos (Rel. p/ acórdão Min. Carlos Velloso, DJ de 25-10-2002) chegou a dizer que a ‘regulamentação do art. 7º, XI da Constituição somente ocorreu com a edição da Medida Provisória nº 794, de 1994, que implementou o direito dos trabalhadores na participação nos lucros da empresa. Desse modo, a participação nos lucros somente pode ser considerada desvinculada da remuneração (art. 7º, XI da Constituição Federal) após a edição da citada Medida Provisória’.

            No mesmo sentido a decisão monocrática proferida no RE 351.506-RS de que foi Relator o Min. Eros Grau.

            É curioso notar, no entanto, que no invocado Mandado de Injunção, o Plenário da Corte Suprema não chegou a examinar o mérito do pedido, julgando prejudicada a ação conforme ementa do V. Acórdão:

            ‘Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por votação majoritária, reconhecer a legitimidade ativa da entidade sindical para impetrar mandado de injunção coletivo, vencido o Ministro Relator. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, também por votação majoritária, julgou prejudicada a ação de mandado de injunção, em face da superveniência de medida provisória disciplinando o art. 7º, inciso XI, da Constituição Federal, vencido o Ministro Sepúlveda Pertence.

(MI nº 102, Rel. p/ Acórdão Min. Carlos Velloso, DJ de 25-10-2002).

            Seja como for, para o caso sob consulta, cujo período de autuação fiscal é posterior à regulamentação pela MP nº 794/94, é indiferente o posicionamento doutrinário e jurisprudencial no que se refere à auto-aplicabilidade ou não do preceito constitucional objeto de análise. O importante é que a própria Corte Suprema deixou bem claro que, a partir do advento da MP nº 794/94, o dispositivo constitucional que determina a desvinculação dos lucros ou resultados da remuneração percebida pelos empregados, passou a ter plena eficácia. É o que basta.

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Sobre os autores
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Sydney Sanches

respectivamente ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e especialista em Direito Tributário e Financeiro pela FADUSP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi ; SANCHES, Sydney. Participação dos empregados nos lucros ou resultados da empresa:: incidência de contribuições previdenciárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 962, 20 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16671. Acesso em: 19 abr. 2024.

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