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Participação dos empregados nos lucros ou resultados da empresa:

incidência de contribuições previdenciárias

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DA ILEGALIDADE, DESPROPORCIONALIDADE E IRRAZOABILIDADE DA MULTA APLICADA

            Ainda que devido fosse o tributo exigido, e não o é, a multa aplicada está nitidamente em desacordo com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

            Dispõe o art. 35, II da Lei nº 8.212/91, aplicado ao caso sob exame:

            ‘Art. 35. Sobre as contribuições sociais em atraso, arrecadadas pelo INSS, incidirá multa de mora, que não poderá ser relevada, nos seguintes termos:

(Caput com redação dada pela Lei nº 9.876, de 26-11-99).

             .............................................................................................

            II – para pagamento de créditos incluídos em notificação fiscal de lançamento:

            a-vinte e quatro por cento, em até quinze dias do recebimento da notificação;

            b-trinta por cento, após o décimo quinto dia do recebimento da notificação;

            c-quarenta por cento, após apresentação de recurso desde que antecedido de defesa, sendo ambos tempestivos, até quinze dias da ciência da decisão do Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS;

            d. cinqüenta por cento, após o décimo quinto dia da ciência da decisão do Conselho de Recursos da Previdência Social-CRPS, enquanto não inscrito em Dívida Ativa;’ (alíneas com redação dada pela Lei nº 9.876, de 26-11-99).

            Verifica-se, desde logo, que o dispositivo legal estabeleceu uma progressão de alíquotas em função do tempo decorrido para o pagamento do tributo exigido pelo fisco, tudo a conspirar contra os princípios do contraditório e da ampla defesa. Não guarda qualquer proporção com a suposta infração cometida.

            As denominadas ‘multas moratórias’ são impostas pelo legislador de forma arbitrária, sem a menor preocupação com o aspecto da proporcionalidade entre a quantificação do dano efetivo e o seu ressarcimento. Normalmente, começam com uma base de imposição extremada para ir reduzindo o quantum dessa imposição à medida que o sujeito passivo do tributo vai abrindo mão do seu direito de defesa, exatamente como previsto no dispositivo retro transcrito.

            Outrossim, a multa aplicada afronta o princípio da razoabilidade, que está implícito na Carta Política, constituindo verdadeiro limite ao Poder Legislativo, de forma que as leis devem ser elaboradas com justiça, o que pressupõe a observância dos princípios, direitos e garantias individuais contemplados na Carta Magna.

            É o próprio texto constitucional, artigo 150, inciso IV que limita o poder tributário ao prescrever que sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios utilizar tributo com efeito de confisco.

            A legislação tributária, que ultrapassa o limite do razoável, transformando a percepção do tributo em uma renda nova, por meio de exacerbação da multa ou juros, é inconstitucional.

            A irrazoabilidade da multa aplicada fica ainda mais nítida quando se verifica que o próprio auditor do INSS consignou em seu relatório: ‘Esta fiscalização na análise dos documentos que originaram esta Notificação, não encontrou indícios de intenção dos responsáveis pela Empresa de sonegar a contribuição ora apurada’. Resta claro, pois a constatação, pelo fisco, de que os valores pagos a título de PLR aos colaboradores da Consulente realmente configuram verdadeira distribuição de lucros ou resultados, não estando sujeitos à incidência de contribuição social, pelo que, a referida multa encontra-se totalmente divorciada de seu caráter sancionatório.

            Dessa forma, a aplicação da referida multa à Consulente se torna ilegal, além de afrontar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

            Por fim, apenas para argumentar, consigne-se que ainda que devida fosse a contribuição social no caso sob exame, a Consulente faria jus à redução da multa no percentual de 50%, nos termos do § 4º do art. 35 da Lei nº 8.212/91, que vincula a Administração:

            ‘§ 4º Na hipótese de as contribuições terem sido declaradas no documento a que se refere o inciso IV do art. 32, ou quando se tratar de empregador doméstico ou de empresa ou segurado dispensados de apresentar o citado documento, a multa de mora a que se refere o

caput e seus incisos será reduzida em cinqüenta por cento.’ (Incluído pela Lei nº 9.876,de 26-11-99).

            Reza, ainda, o art. 32, IV da mesma lei:

            ‘IV – informar mensalmente ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, por intermédio de documento a ser definido em regulamento, dados relacionados aos fatos geradores de contribuição previdenciária e outras informações de interesse do INSS’ (

Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10-12-97).

            Simples leitura dos dispositivos acima transcritos deixa claro que a Consulente está dispensada da apresentação da GFIP, uma vez que conforme restou demonstrado, o pagamento da PLR não constitui fato gerador da contribuição previdenciária.

            A própria declaração do Sr. Auditor do INSS, de que não encontrou indícios de intenção da Consulente de sonegar a contribuição apurada confirma a não-incidência de contribuições previdenciárias sobre os pagamentos feitos a título de PLR.

            Diante disso, na eventualidade de ser mantida a cobrança das contribuições previdenciárias, a Consulente faz jus à redução de 50% da multa aplicada, nos exatos termos do § 4º do art. 35 da Lei nº 8.212/91, uma vez que dispensada de apresentação do documento informador de dados relacionados com o fato gerador da contribuição previdenciária (GFIP), no tocante as parcelas pagas a título de PLR.


DA UTILIZAÇÃO DA TAXA SELIC PARA APURAÇÃO DOS JUROS

            A taxa SELIC tem natureza remuneratória de títulos que não se confunde com tributos, estes submetidos ao princípio da reserva legal. Os títulos podem gerar rendas, mas tributos em si não podem gerar rendas. Sua utilização como sucedâneo de juros moratórios implica aumento de tributo sem lei.

            A taxa Selic é fixada unilateralmente pelo Banco Central, depois de ocorrido o fato gerador, segundo o critério de conveniência e oportunidade para regular o mercado financeiro, nunca situando-se abaixo de 15% aa. Não cabe ao Estado transformar tributo em fonte de renda; cabe-lhe, isto sim, cobrá-lo como receita pública compulsória que é, nos termos e nos limites da lei tributária, para aplicá-lo na consecução dos fins do Estado (despesas públicas).

            A grande variação mensal da Taxa Selic faz com que o valor do tributo, depois de lançado e homologado cresça de acordo com o critério de conveniência do Executivo, que fixa essa taxa de forma unilateral e arbitrária.

            A aplicação da referida Taxa no cômputo dos juros produz verdadeiro efeito multiplicador do tributo.

            Ademais, a aplicação da Taxa Selic no cômputo dos juros moratórios também fere o princípio da legalidade.

            Nos termos do art. 161 do CTN os juros de mora devem ser previstos em lei tributária. Se assim não o forem devem ser calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês (§ 1º).

            Inaplicável o disposto no art. 34 da Lei nº 8.212/91:

            ‘Art. 34. As contribuições sociais e outras importâncias arrecadadas pelo INSS, incluídas ou não em notificação fiscal de lançamento, pagas com atraso, objeto ou não de parcelamento, ficam sujeitas aos juros equivalentes à taxa referencial do Sistema de Liquidação e de Custódia – Selic, a que se refere o art. 13 da Lei nº 9.065, de 20 de junho de 1995, incidentes sobre o valor atualizado, e multa de mora, todos de caráter irrelevável.’ (

Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10-12-97)

            De fato, o art. 13 da Lei nº 9.065/95, invocado pelo art. 34 supra, em nenhum momento definiu a Taxa Selic, limitando-se a estabelecer o seu uso, conforme segue abaixo:

            ‘Art. 13. A partir de 1º de abril de 1995, os juros de que tratam a alínea c do parágrafo único do art. 14 da Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994, com redação dada pelo art. 6º da Lei nº 8.850, de 28 de janeiro de 1994, e pelo art. 90 da Lei nº 8.981, de 1995, o art.84, inciso I, e o art.91 e parágrafo único, alínea a.2, da Lei nº 8.981, de 1995, serão equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente.’

            A definição que melhor se enquadra à taxa em questão é a constante da Circular Bacen nº 2.868/99, repetida na Circular Bacen nº 2.900/99, que assim dispõe:

‘Define-se Taxa SELIC como a taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) para títulos federais.’

            Referida taxa, portanto, reflete a liquidez dos recursos financeiros no mercado, especificamente quanto à média de juros. Todavia, não se tem uma definição legal quanto à sua verdadeira natureza jurídica, haja vista que até o presente momento não há lei, em sentido estrito, instituindo-a.

            A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça já considerou inconstitucional o uso dessa taxa para fins tributários, conforme ementas abaixo transcritas:

            RECURSO ESPECIAL. FAZENDA NACIONAL. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE AQUISIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TAXA SELIC. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONHECIDO. ILEGALIDADE. POSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO.

            A Taxa SELIC para fins tributários é, a um tempo, inconstitucional é ilegal. Como não há pronunciamento de mérito da Corte Especial deste egrégio Tribunal que, em decisão relativamente recente, não conheceu da argüição de inconstitucionalidade correspectiva (cf. Incidente de Inconstitucionalidade nestes autos), permanecendo a mácula também na esfera infraconstitucional, nada está a empecer seja essa indigitada taxa proscrita do sistema e substituída pelos índices oficiais de correção monetária.

            A utilização da Taxa SELIC como remuneração de títulos é perfeitamente legal, pois toca ao BACEN e ao Tesouro Nacional ditar as regras sobre os títulos públicos e sua remuneração. Nesse ponto, nada há de ilegal ou inconstitucional. A balda exsurge quando se transplantou a Taxa SELIC, sem lei, para o terreno tributário. Determinando a lei, sem mais esta ou aquela, a aplicação da Taxa SELIC em tributos, sem precisa determinação de sua exteriorização quântica, escusado obtemperar que mortalmente feridos de frente se quedam os princípios tributários da legalidade, da anterioridade e da segurança jurídica. Fixada a Taxa SELIC por ato unilateral da Administração, além desses princípios, fica também vergastado o princípio da indelegabilidade de competência tributária.

            Afastada a aplicação da Taxa SELIC, deve incidir, em substituição, a correção monetária pelos coeficientes oficiais, pois esta representa apenas a atualização do valor real do débito, corroído pela inflação. A esse respeito, é orientação pacífica no Documento: 557620 - EMENTA / ACORDÃO - Site Certificado- DJ: 12/08/2003 Página 1 de 2 âmbito desta Corte que a partir da vigência da Lei n. 8.383/91, a correção monetária na repetição de indébito deve ser feita pela UFIR.

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            Recurso especial provido.’

(Resp nº 215.881-PR, Relator Min. Franciulli Netto, DJ de 30-06-2003, p. 163).

            ‘RECURSOS ESPECIAIS - EMPRESA CONTRIBUINTE – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A REMUNERAÇÃO DE ADMINISTRADORES, AUTÔNOMOS E AVULSOS - COMPENSAÇÃO - PRETENSA APLICAÇÃO DA TAXA SELIC - ILEGALIDADE - MANTIDOS OS JUROS DE MORA DE 1% AO MÊS, CONTADOS A PARTIR DO TRÂNSITO EM JULGADO, APLICADOS PELA CORTE DE ORIGEM - SÚMULA 188/STJ - RECURSO ESPECIAL DO INSS - LIMITES INTRODUZIDOS PELAS LEIS NS. 9.032/95 E 9.129/95 - CRÉDITOS ANTERIORES ÀS LEIS LIMITADORAS - NÃO-INCIDÊNCIA DA RESTRIÇÃO - CABIMENTO DE EXPURGOS INFLACIONÁRIOS - RECURSOS ESPECIAIS IMPROVIDOS - JULGADO EM 19/09/2002.

            A Taxa SELIC para fins tributários é, a um tempo, inconstitucional e ilegal. Como não há pronunciamento de mérito da Corte Especial deste egrégio Tribunal que, em decisão relativamente recente, não conheceu da argüição de inconstitucionalidade correspectiva (cf. Incidente de Inconstitucionalidade no Resp 215.881/PR), permanecendo a mácula também na esfera infraconstitucional, nada está a empecer seja essa indigitada Taxa proscrita do sistema e substituída pela dos coeficientes oficiais de correção monetária.

            A Taxa SELIC ora tem a conotação de juros moratórios ora de remuneratórios, a par de neutralizar os efeitos da inflação, constituindo-se em correção monetária por vias oblíquas. Tanto a correção monetária como os juros, em matéria tributária, devem ser estipulados em lei, sem olvidar que os juros remuneratórios visam a remunerar o próprio capital ou o valor principal. A Taxa SELIC cria a anômala figura de tributo rentável. Os títulos podem gerar renda; os tributos, per se, não. Determinando a lei, sem mais esta ou aquela, a aplicação da Taxa SELIC em tributos, sem precisa determinação de sua exteriorização quântica, escusado obtemperar que mortalmente feridos quedam-se os princípios tributários da legalidade, da anterioridade e da segurança jurídica.

            Fixada a Taxa SELIC por ato unilateral da Administração, além desses princípios, fica também vergastado o princípio da indelegabilidade de competência tributária. Se todo tributo deve ser definido por lei, não há esquecer que sua quantificação monetária ou a mera readaptação de seu valor, bem como os juros, devem ser, também, previstos por lei.

            "A utilização da taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a 12% (doze por cento) ao ano"

            (Enunciado 20, aprovado na Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal).

            Verificada a inaplicabilidade da Taxa SELIC, convém observar que o mesmo não se dá em relação aos juros de mora na repetição de indébito ou na compensação, ainda que o lançamento do tributo questionado se dê por homologação.

            À luz do disposto no artigo 167, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, e na Súmula n. 188 deste Superior Tribunal de Justiça, nas ações de repetição de indébito, o termo inicial dos juros moratórios se dá a partir do trânsito em julgado da sentença.

            É pacífico o entendimento deste Sodalício no sentido da não-incidência de juros compensatórios na restituição ou compensação de crédito tributário.

            Os índices a serem aplicados na repetição de indébito são: o IPC para o período de outubro a dezembro de 1989, e de março de 1990 a janeiro de 1991; o INPC a partir da promulgação da lei n. 8.177/91 até dezembro de 1991 e a UFIR a partir de janeiro de 1992, em conformidade com a Lei n. 8.383/91 (cf. REsp 216.261/SC, Relator Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 18.02.02).

            É pacífico o entendimento desta Corte no sentido de que as limitações para a compensação de créditos tributários instituídas pelas Leis ns. 9.032/95 e 9.129/95 só se aplicam a partir da entrada em vigor dos referidos atos normativos, não tendo eficácia retroativa. Os créditos decorrentes de recolhimentos efetuados antes da vigências das leis referenciadas devem ser compensados sem a limitação.

            Recursos especiais improvidos. (Resp nº 205375/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Franciulli Netto, DJ de 29-11-2004, p. 271).

            Diante do exposto, patente a ilegalidade e inconstitucionalidade dos juros aplicados, que transformam o tributo em verdadeiro instrumento gerador de rendas.

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Sobre os autores
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Sydney Sanches

respectivamente ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e especialista em Direito Tributário e Financeiro pela FADUSP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi ; SANCHES, Sydney. Participação dos empregados nos lucros ou resultados da empresa:: incidência de contribuições previdenciárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 962, 20 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16671. Acesso em: 19 abr. 2024.

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