I - Relatório
Trata-se de questionamento acerca do cômputo, ou não, dos encargos previdenciários (contribuição patronal) dos servidores das Câmaras Municipais e dos Vereadores, no conceito de folha de pagamento tratado no §1º, do art. 29-A, da Constituição Federal de 1988.
II - Fundamentação
Para que melhor se compreenda a questão, faz-se necessária a leitura do dispositivo constitucional:
"Art. 29-A. O total da despesa do Poder Legislativo Municipal, incluídos os subsídios dos Vereadores e excluídos os gastos com inativos, não poderá ultrapassar os seguintes percentuais, relativos ao somatório da receita tributária e das transferências previstas no §5º do art. 153 e nos arts. 158 e 159, efetivamente realizado no exercício anterior:
(omissis)
§1º A Câmara Municipal não gastará mais de setenta por cento de sua receita com folha de pagamento, incluído o gasto com o subsídio de seus Vereadores." (Grifou-se)
De outro lado, a Lei Complementar n.º 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal -, em seu art. 18, conceitua despesa total com pessoal, da seguinte forma:
"Art. 18. Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como despesa total de pessoal: o somatório dos gastos do ente da federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência."
§1º Os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados como "Outras Despesas de Pessoal".
§2º A despesa total com pessoal será apurada somando-se a realizada no mês de referência com as dos onze imediatamente anteriores, adotando-se o regime de competência." (Destacou-se)
Fazendo-se cojeto entre o dispositivo constitucional e o dispositivo da Lei Complementar, verifica-se que os mesmos tratam de matérias e conceitos diferentes.
A Carta Magna trata de folha de pagamento, para estabelecer o limite de gastos com esse item em até 70% (setenta por cento) de sua receita. De outro lado, o art. 18, da LRF conceitua o que seja despesa total com pessoal e, em seus arts. 19 e 20, estabelece os limites de gastos com esse item vinculado às receita corrente líquida.
Vejamos:
"Art.19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:
(...)
III – Municípios: 60% (sessenta por cento).
(...)
Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais:
(...)
III – na esfera municipal:
a) 6% (seis por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver;
b) 54% (cinquenta e quatro por cento) para o Executivo.
(...)"
Não há choque entre os conceitos, já que tratam de situações e limites distintos. Não há que se vislumbrar qualquer contrariedade entre o texto constitucional e o texto da Lei Complementar, vez que os parâmetros de verificação e apuração dos limites são diversos.
A Constituição Federal considera como base de cálculo a receita da Câmara Municipal, composta pelo somatório da receita tributária e das transferências, enquanto que a LRF se vale do conceito de receita corrente líquida, este último correspondendo ao somatório das receitas contínuas arrecadadas durante um ano, compreendendo a arrecadação no mês em referência e nos onze meses anteriores, excluídas as duplicidades. (art. 2º, IV e §§, da LRF)
Assim, fica claro que não existe vinculação entre o limite estabelecido na Constituição e aquele estabelecido na LRF, já que, como demonstrado, estes têm bases de cálculo diversas e, ainda, parâmetros de apuração diferentes, sendo considerado, para a Carta Magna, os gastos com folha de pagamento, e, para a LRF, a despesa total com pessoal, como já exposto ao norte (despesa total com pessoal, inclui a própria folha de pagamento mais os encargos dela decorrentes, conforme enunciado no art.18 da LRF).
Reforça esta distinção a conjugação entre o disposto no art. 19, da LRF e o que determina o art. 169, da Constituição Federal/88.
Diz o texto constitucional:
"Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar."
Vê-se que a Constituição, quando quer tratar de despesa total com pessoal, o faz de forma especial. Não há como se confundir folha de pagamento e a despesa de pessoal de que trata o art. 169, da CF/88 c/c o art. 19, da LRF.
O art. 169, da CF/88 dependia de regulamentação, por lei complementar, o que foi feito pela LRF, enquanto que o art. 29-A e seu §1º têm aplicação imediata.
A Constituição é clara quando quer incluir os encargos patronais nos limites que impõe, deixando a cargo de Lei Complementar a fixação destes. Esta última findou por estabelecer como parâmetro de apuração dos limites de seus artigos 19 e 20, as despesas totais com pessoal, nos termos do art. 18, da LRF.
Logo, não há que se discutir se, quando falou em "folha de pagamento", a Carta Magna quis incluir, também, as obrigações sociais e previdenciárias dela decorrentes, pois, quando quer assim fazê-lo, o faz expressamente, conforme já demonstrado.
Isto posto, é possível se estabelecer a diferença entre os conceitos contidos na CF/88 e na Lei Complementar n.º 101/2000. O primeiro trata de folha de pagamento, pura e simplesmente, sem incluir os encargos previdenciários dela decorrentes. É estabelecido o limite de gasto de até 70% (setenta por cento) com folha de pagamento, tendo como base de cálculo a receita da Câmara Municipal, que é composta pelo somatório das receitas tributárias e as transferências.
Já a LRF, impõe limites com despesa total de pessoal, esta definida em seu art. 18, caput, considerando como base de cálculo a receita corrente líquida do Município.
Assim, os conceitos de que trata a Lei de Responsabilidade Fiscal, quais sejam despesa total com pessoal (art. 18, da LRF) e receita corrente líquida (art. 19 c/c art. 2º, IV e §§, da LRF), são maiores que aqueles da Constituição Federal, que compreendem folha de pagamento, em sentido estrito, e receita da Câmara Municipal (§1º, do art. 29-A), composta pelo somatório da receita tributária e das transferências previstas no §5º do art. 153 e nos arts. 158 e 159, da CF/88.
Uma vez delimitados os campos de incidência e apuração dos limites de ambos os ordenamentos, pode-se concluir que, para efeito do disposto no §1º, do art. 29-A, da CF/88, folha de pagamento não inclui outras despesas senão aquelas exclusivamente relacionadas ao pagamento da remuneração dos servidores e dos subsídios dos Vereadores, bem como exclui os encargos previdenciários a cargo dos Vereadores, abstraídos os gastos com inativos e pensionistas (art. 29-A, caput, da CF/88), e os encargos de responsabilidade da Câmara Municipal.
É o parecer, s.m.j.
Belém, 17 de abril de 2006.
THIAGO SALES REDIG
OAB/PA 12.210