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Inconstitucionalidade da exigência da expedição de bilhete de passagem por emissor de cupom fiscal pelas empresas de ônibus

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10/05/2007 às 00:00
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VIII - BREVES COMENTÁRIOS À LEI FEDERAL INSTITUIDORA DA "OBRIGATORIEDADE" DO USO DO ECF

8.1 A imposição da obrigatoriedade do ECF pretendida pelo Fisco catarinense na emissão de bilhetes de passagens rodoviárias, tem como fonte Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997 (DOU de 11.12.97), que alterou a legislação tributária federal, para introduzir a seguinte inovação:

Art. 61. As empresas que exercem a atividade de venda ou revenda de bens a varejo e as empresas prestadoras de serviços estão obrigadas ao uso de equipamento Emissor de Cupom Fiscal - ECF.

§ 1º Para efeito de comprovação de custos e despesas operacionais, no âmbito da legislação do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, os documentos emitidos pelo ECF devem conter, em relação à pessoa física ou jurídica compradora, no mínimo:

a) a sua identificação, mediante a indicação do número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF, se pessoa física, ou no Cadastro Geral de Contribuintes - CGC, se pessoa jurídica, ambos do Ministério da Fazenda;

b) a descrição dos bens ou serviços objeto da operação, ainda que resumida ou por códigos;

c) a data e o valor da operação.

§ 2º Qualquer outro meio de emissão de nota fiscal, inclusive o manual, somente poderá ser utilizado com autorização específica da unidade da Secretaria de Estado da Fazenda, com jurisdição sobre o domicílio fiscal da empresa interessada.

COMENTÁRIO

8.2 Extrai-se da dicção desse dispositivo que ele está voltado para o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e para a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (§ 1º), que são tributos federais. Ora, a Constituição não autoriza a União, no tocante ao controle de seus tributos, a estabelecer obrigações tributárias acessórias que obriguem os Estados a adotá-las na fiscalização de seus impostos. Não por outra razão, o legislador foi cauteloso, tanto que depois de mencionar no "caput" a expressão "estão obrigadas" mitigou-a no § 2º, para reconhecer a licitude do emprego de outros meios de emissão de nota fiscal previstos na legislação de cada um dos Estados, reguladora do ICMS.

8.3 Por aí se vê que a lei federal não obriga nem autoriza os Estados a exigir o ECF, porque não pode fazê-lo.

Art. 62. A utilização, no recinto de atendimento ao público, de equipamento que possibilite o registro ou o processamento de dados relativos a operações com mercadorias ou com a prestação de serviços somente será admitida quando estiver autorizada, pela unidade da Secretaria de Estado da Fazenda, com jurisdição sobre o domicílio fiscal da empresa, a integrar o ECF.

Parágrafo único. O equipamento em uso, sem a autorização a que se refere o caput ou que não satisfaça os requisitos desta, poderá ser apreendido pela Secretaria da Receita Federal ou pela Secretaria de Fazenda da Unidade Federada e utilizado como prova de qualquer infração à legislação tributária, decorrente de seu uso.

COMENTÁRIO

8.4 Esse artigo, no "caput", delega às unidades federadas a competência para autorizar o uso do equipamento. Todavia, nenhum ente federado precisa cumprir o preceito legal, tendo em vista que em face do princípio federativo a União não pode obrigar os Estados a funcionar como agentes dela. Em outras palavras, nenhuma sanção pode ser aplicada à unidade federada que se recusar a autorizar o uso do ECF. E lei desacompanhada de sanção, conforme dizem os doutos, é uma faca sem lâmina.

Art. 63. O disposto nos arts. 61 e 62 observará convênio a ser celebrado entre a União, representada pela Secretaria da Receita Federal, e as Unidades Federadas, representadas no Conselho de Política Fazendária - CONFAZ pelas respectivas Secretarias de Fazenda.

COMENTÁRIO:

8.5 Esse artigo trata os Estados como se fossem "serviçais" da União, dispondo sobre uma modalidade de convênio que não encontra amparo da Constituição. Aliás, por ser lei ordinária federal reguladora do sistema tributário da União, não é reconhecida nem pelo Ministério da Fazenda.

8.6 Com efeito, o Decreto nº 5.949, de 31.10.2006, que dispõe sobre a estrutura regimental do Ministério da Fazenda, no Anexo I, art. 15, ignora a lei federal relativa ao ECF, dizendo:

Art. 15. Ao Conselho Nacional de Política Fazendária compete:

I - promover a celebração de convênios, para efeito de concessão ou revogação de incentivos e benefícios fiscais do imposto de que trata o inciso II do art. 155 da Constituição, de acordo com o previsto no § 2º, inciso XII, alínea "g", do mesmo artigo e na Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975;

II - promover a celebração de atos visando o exercício das prerrogativas previstas nos arts. 102 e 199 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), como também sobre outras matérias de interesse dos Estados e do Distrito Federal;

...

8.7 E não se pretenda dizer que a expressão "outras matérias de interesse dos Estados e do Distrito Federal", constante da parte final do inciso II do art. 15 supratranscrito autorize o entendimento de que valendo-se de convênios realizados no âmbito do CONFAZ tudo é permitido a esses entes federados.


IX - CONCLUSÃO

9.1 Examinado, por todos os ângulos que me ocorreram examinar o problema levantado pelo consulente, concluo que a exigência do ECF na emissão de passagens rodoviárias, tal como posta pelo Decreto nº 4.719, de 18.09.06, que introduziu a Alteração nº 1.190 no art. 145 do Anexo 5 do RICMS, na medida em que se apresenta como um ingrediente fiscal impraticável por todas as empresas de transporte coletivo de passageiros, significa uma exigência marcada com as cores da inconstitucionalidade; um arco-íris de inconstitucionalidades. As empresas que quiserem adotar o equipamento, de acordo com suas conveniências, com certeza poderão fazê-lo, sempre mediante prévia autorização do Fisco. Nada mais que isso, sendo importante deixar sempre lembrado que o impraticável não é atributo caracterizador da regra legal legítima e válida; é atributo do não-Direito.

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9.2 Aliás, o fato de ter tocado na "praticabilidade" da regra jurídica, me traz à lembrança o seguinte legado de Alfredo Augusto Becker, para a ciência do Direito Tributário:

(...) A regra jurídica deve ser, construída, não para um mundo ideal, mas para agir sobre a realidade a social. Não se pode conceber outro direito positivo a não ser aquele destinado a este mundo em que nós vivemos.

Se for desejado e concebido um direito positivo para um mundo imaginário ideal, o resultado será – é verdade – um Direito Positivo do outro mundo, mas também para aquele Outro Mundo.

...

Com efeito, deste esquecimento resultará um direito positivo destinado exclusivamente a uma sociedade formada por indivíduos Santos e Geniais ou onde, ao menos aqueles incumbidos de interpretá-lo e defender sua eficácia, reúnam estas duas virtudes integrais. [04]

9.3 Não vejo na atitude do Fisco catarinense ao exigir o ECF como equipamento obrigatório para a expedição de passagens rodoviária a presença da genialidade ou da santidade. O que vejo é a expressão de um contundente desrespeito à Constituição.


Notas

  1. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 3ª Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo. 1999, p. 146.

  2. CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 7ª edição. Malheiros Editores Ltda. São Paulo, 2001, pp 414/415.

  3. Essas reuniões a que se refere a Lei Complementar nº 24 determinaram a criação, na estrutura do Ministério da Fazenda, de um órgão que atualmente é denominado CONFAZ – Conselho Nacional de Política Tributária. Sua função primordial é a de promover os acordos sobre isenções, benefícios e incentivos relativos ao ICMS, também sendo aproveitado o funcionamento do órgão para a celebração de acordos sobre outros assuntos que digam respeito aos interesses fiscais das unidades federadas. Mas, o CONFAZ não é órgão legislativo, dotado de competência para a criação de obrigações tributárias.

  4. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo. Saraiva, 1963, pp. 64 e 65.

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Sobre o autor
Flávio Roberto Collaço

Advogado em Santa Catarina. Ex-membro do Conselho Estadual de Educação. Ex-Procurador-Geral do Estado de Santa Catarina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COLLAÇO, Flávio Roberto. Inconstitucionalidade da exigência da expedição de bilhete de passagem por emissor de cupom fiscal pelas empresas de ônibus. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1408, 10 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16766. Acesso em: 28 mar. 2024.

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