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Lei estadual sobre nepotismo deve prevalecer sobre a Súmula Vinculante nº 13

30/09/2008 às 00:00
Leia nesta página:

Parecer defende que norma estadual sobre nepotismo deve prevalecer sobre a Súmula Vinculante nº 13, desde que seja anterior a esta.

Resumo: As súmulas vinculantes não são normas primárias (art. 59. da CF) e seus efeitos deverão respeitar o princípio da irretroatividade (art. 5º, XXXVI da CF). no estado de mato grosso do sul a nomeação dos cargos de provimento em comissão obedecerá as regras do art. 27, §§ 7º e 8º da CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, afastando a incidência da súmula vinculante n. 13.


INTRODUÇÃO

Conforme solicitado pelo egrégio Colégio de Procuradores, e em atenção à determinação do Procurador-Chefe do Ministério Público Especial, procedemos a um estudo sobre os efeitos da Súmula Vinculante n. 13, no âmbito da Administração Pública do Estado de Mato Grosso do Sul.


1. Súmulas vinculantes

As súmulas vinculantes foram instituídas pela EC n. 45, de 8 de dezembro de 2004, cujo tema tema foi disciplinado no Título IV, Capítulo III, Seção II, da Constituição Federal, precisamente nos seguintes dispositivos:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

Nos termos exigidos pelo caput do art. 103-A, foi elaborada legislação infraconstitucional, Lei n. 11.417/2006, regulamentando a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado das súmulas vinculantes.

Na dicção de Alexandre de Moraes:

"As súmulas vinculantes surgem a partir da necessidade de reforço à idéia de uma única interpretação jurídica para o mesmo texto constitucional ou legal, de maneira a assegurar-se a segurança jurídica e o princípio da igualdade, pois os órgãos do Poder Judiciário não devem aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias, devendo, pois, utilizar-se de todas os mecanismos constitucionais no sentido de conceder às normas jurídicas uma interpretação única e igualitária."1

Nesse contexto, podemos afirmar que as súmulas vinculantes deverão promover a segurança jurídica nas interpretações jurisdicionais, impedindo uma duração prolongada dos conflitos judiciais e administrativos, servindo, também, como instrumento de efetividade do princípio da celeridade processual (art. 5º, LXXVIII, da CF).


2. SÚMULA VINCULANTE N. 13. E SEUS EFEITOS NA ADMINISTRAção PÚBLICA DE MATO GROSSO DO SUL

A súmula vinculante possui conteúdo cogente para o Poder Judiciário, atingindo, também, a Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Mesmo assim, o conteúdo das súmulas vinculantes não tem o poder de subjugar normas legais preexistentes.

Exemplificando, no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, o provimento para os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração foi disciplinado na Constituição Estadual. Vejamos:

Constituição Estadual:

Art. 27...

§ 7º No âmbito de cada Poder do Estado bem como do Ministério Público Estadual, o cônjuge, o companheiro e o parente consangüíneo ou afim, até o terceiro grau civil, de membros ou titulares de Poder e de dirigentes superiores de órgãos ou entidades da administração direta, indireta ou fundacional, não poderão, a qualquer título, ocupar cargo em comissão ou função gratificada, esteja ou não o cargo ou a função relacionada a superior hierárquico que mantenha referida vinculação de parentesco ou afinidade, salvo se integrante do respectivo quadro de pessoal em virtude de concurso público de provas ou de provas e títulos.

§ 8° É vedado a qualquer servidor o exercício de cargo, emprego ou função sob as ordens imediatas de superior hierárquico, de que seja cônjuge, companheiro ou parente, consangüíneo ou afim, até o terceiro grau civil.

O legislador estadual estabeleceu quais são os critérios a serem observados nos casos de nomeação para os cargos de provimento em comissão.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal editou súmula vinculante sobre a mesma matéria:

Súmula Vinculante 13

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.

Data de Aprovação: Sessão Plenária de 21/08/2008, Fonte de Publicação: DJe nº 162/2008, p. 1, em 29/8/2008, DO de 29/8/2008, p. 1.

Aparentemente, existe um conflito entre o conteúdo normativo dos §§ 7º e 8º, do art. 27, da Constituição Estadual e o enunciado da Súmula Vinculante n. 13. Vejamos:

Quadro comparativo

Art. 27, § 7º E 8º, da Constituição Estadual.

Súmula Vinculante n. 13.

É vedada a nomeação em cargo de provimento em comissão ou função gratificada, do cônjuge, o companheiro e o parente consangüíneo ou afim, até o terceiro grau civil, de membros ou titulares de Poder e de dirigentes superiores de órgãos ou entidades da administração direta, indireta ou fundacional (§ 7º).

É vedada nomeação em cargo de provimento em comissão, de confiança ou, ainda, de função gratificada do cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau da autoridade nomeante, na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas.

INEXISTENTE

É vedada nomeação em cargo de provimento em comissão, de confiança ou, ainda, de função gratificada do cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento.

É vedado a qualquer servidor o exercício de cargo, emprego ou função sob as ordens imediatas de superior hierárquico, de que seja cônjuge, companheiro ou parente, consangüíneo ou afim, até o terceiro grau civil (§ 8°).

INEXISTENTE

No âmbito da Administração Pública de Mato Grosso do Sul, a regra contida na Constituição Estadual (art. 27, §§ 7º e 8º), afastou a incidência da Súmula Vinculante n. 13, no que for incompatível.

A EC n. 45/2004 não alterou o sistema de controle de constitucionalidade dos atos normativos, e as súmulas vinculantes não substituíram a regra do art. 101, I, alínea "a" da Constituição Federal, que assim dispôs:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

A regra contida na Carta Estadual continua vigente, e só perderá sua eficácia se for declarada inconstitucional, conforme preceitua o art. 23. da Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999.


3. SÚMULA VINCULANTE E SEUS EFEITOS "NORMATIVOS"

A Constituição Federal enumerou, no art. 59, as espécies normativas primárias, e dentre essas não foi inserida a súmula vinculante.

Vivemos no chamado Estado Democrático de Direito (art. 1º da CF), cujo sistema foi construído com fundamentos sólidos, e sob o império da lei (em sentido amplo).

A Constituição Federal definiu a base na qual se "arrimou" a democracia; dentre os pilares, encontra-se o princípio da independência harmônica entre os Poderes Executivo, Legislativo e o Judiciário (art. 2º da CF), cada qual com suas atribuições previamente definidas pelo constituinte originário.

Nesse regime, os poderes constituídos formam um sistema perfeitamente equilibrado, a divisão de poderes implica repartição de funções legislativas, executivas e judiciárias.

É notório que o Poder Legislativo já tinha reduzido suas atribuições com as medidas provisórias (art. 59, V, da CF), porém, essas normas perdem sua eficácia se não forem convertidas em lei pelo Congresso Nacional (art. 62, § 3º, da CF).

Com fundamento nos dispositivos já indicados, podemos afirmar que as súmulas vinculantes não possuem efeitos normativos primários, uma vez que a ordem constitucional estabeleceu de forma diversa.

Por essa razão, entendemos que os enunciados editados pelo Supremo Tribunal Federal deverão ser aplicados exclusivamente na solução de controvérsias existentes nos julgamentos judiciais e administrativos.

Essa exegese é reforçada pela Lei n. 11.417/2008, que regulamentou o art. 103-A da Constituição Federal:

Art. 2º...

§ 1º O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.

...

Art. 8º O art. 56. da Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, passa a vigorar acrescido do seguinte § 3º:

"Art. 56.. ....

§ 3º Se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria enunciado da súmula vinculante, caberá à autoridade prolatora da decisão impugnada, se não a reconsiderar, explicitar, antes de encaminhar o recurso à autoridade superior, as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso." (NR)

Art. 9º A Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 64-A e 64-B:

"Art. 64-A. Se o recorrente alegar violação de enunciado da súmula vinculante, o órgão competente para decidir o recurso explicitará as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso."

"Art. 64-B. Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em violação de enunciado da súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal."

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Os enunciados editados na forma fixada pelo art. 103-A da Constituição Federal não substituem as normas legais preexistentes, no entanto, nos processos administrativos ou judiciais, os órgãos competentes deverão examinar a controvérsia à luz das súmulas vinculantes.


4. SÚMULA VINCULANTE e o princípio da irretroatividade

A Constituição Federal adotou mecanismos para proteção do chamado Estado Democrático de Direito, dentre os quais destacamos o princípio da irretroatividade da lei:

Constituição Federal:

Art. 5º....

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

O Supremo Tribunal Federal decidiu reiteradamente que o preceito previsto no art. 5º, XXXVI, da Carta Magna tem incidência obrigatória a todas as leis e atos normativos (Agravos Regimentais em Recursos Extraordinários nos 193.569-4, 194.098-1, 198.294-3, 199.335-0, 199.370-8, 199.409-7, 199.636-7).

Adotar a irretroatividade da lei é garantir a tranqüilidade e a certeza aos superiores interesses do indivíduo e da sociedade.

Já vimos que as súmulas vinculantes não podem ser denominadas de normas stricto sensu, ou seja, aquelas que obedeceram a um processo legislativo regular e foram aprovadas pelo Poder Legislativo, legítimos representantes da vontade popular.

Por outro lado, não podemos negar seus efeitos no âmbito dos processos judiciais e administrativos, contudo, a aplicabilidade das súmulas vinculantes deverá guardar consonância com o sistema constitucional vigente, que vedou expressamente a irretroatividade de qualquer norma.

Ao comentar os efeitos da súmula vinculante o Ministro Celso de Mello, confirmando o que havia dito o Ministro Carlos Ayres Brito, asseverou que:

"...as súmulas vinculantes não têm efeito retroativo. Segundo Celso de Mello, os verbetes passam a vigorar – considerada a matéria nela veiculada, a partir da data da sua publicação em dois órgãos oficiais, no Diário da Justiça e no Diário Oficial da União. "A partir desta publicação, os efeitos vinculantes passam a obrigar", concluiu."

<https://www.amatra13.org.br/noticia_geral.php?id=914>. Acesso em 24/09/2008. Às 14:30 Hs.

Nesse desiderato, podemos afirmar que os enunciados das súmulas vinculantes não têm aplicabilidade em atos ocorridos antes de sua vigência, do contrário, estaríamos negando todo o sistema constitucional vigente.

O constituinte derivado deixou claro no caput do art. 103-A, da Carta Política, que os efeitos dessa súmula operam somente a partir da sua publicação, impedindo expressamente os chamados efeitos retroativos.

Por mais absurda que seja a hipótese, ao admitirmos que uma súmula vinculante seja capaz de desconstituir atos administrativos ocorridos antes da sua edição, teríamos que analisar no caso concreto a incidência da regra decadencial prevista no art. 54, da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que limitou em cinco anos o prazo para Administração anular seus atos.


Conclusão

As súmulas vinculantes não são normas primárias (art. 59. da CF), e seus efeitos deverão respeitar o princípio constitucional da irretroatividade (art. 5º, XXXVI).

No Estado de Mato Grosso do Sul, os critérios para o provimento dos cargos em comissão, declarados em lei de livre nomeação e exoneração, foram disciplinados na Constituição Estadual (art. 27, §§ 7º e 8º).

A Súmula Vinculante n. 13. não tem incidência na Administração de Mato Grosso do Sul, uma vez que os efeitos de seu enunciado conflitam, em parte, com o texto da Constituição Estadual.

É o parecer.


Notas

1 Direito Constitucional, Vigésima Primeira Edição, Pg. 544. Editora Atlas.

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Sobre o autor
Enio Martins Murad

assessor jurídico do Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso do Sul. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Administrativo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MURAD, Enio Martins. Lei estadual sobre nepotismo deve prevalecer sobre a Súmula Vinculante nº 13. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1917, 30 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16865. Acesso em: 22 dez. 2024.

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