4 - O DIREITO, A LEI E A JURISPRUDÊNCIA.
4.1. - Como de todos é conhecido, o Direito do Trabalho surgiu há pouco mais de um século, como um Direito Revolucionário frente ao velho Direito Civil que preservava as marcas da sacralidade dos contratos, que tinha como fundamento a formal igualdade das partes.
O Direito do Trabalho descobriu que a desigualdade real das partes transformava o "pacta sunt servanda" em inesgotável fonte de injustiça, já que, em verdade, a vontade do empregado - a parte mais frágil no contrato - de nada valia.
Pelo novo Direito, foram estabelecidas, por lei, especial proteção à parte mais fraca no contrato. Proteção esta rigorosamente irrenunciável.
Como, com a autoridade de sempre, doutrina o professor e ministro MAURÍCIO GODINHO DELGADO:
"o princípio da inalterabilidade dos contratos sofreu forte e complexa adequação ao ingressar no Direito do Trabalho - tanto que passou a se melhor enunciar, aqui, através de uma diretriz específica, a da inalterabilidade contratual lesiva. Em primeiro lugar, a noção genérica de inalterabilidade perde-se no ramo justrabalhista.
É que o Direito do Trabalho não contingência - ao contrário, incentiva - as alterações contratuais favoráveis ao empregado: estas tendem a ser naturalmente permitidas (art. 468.CLT).
Em segundo lugar, a noção de inalterabilidade torna-se sumamente rigorosa caso contraposta a alterações desfavoráveis ao trabalhador - que tendem a ser vedadas pela normatividade justrabalhista ( arts. 444 e 468,CLT).
Em terceiro lugar, a atenuação civilista da fórmula rebus sic stantibus (atenuação muito importante no Direito Civil) tende a ser genericamente rejeitada pelo Direito do Trabalho." (in Curso de Direito do Trabalho - Ltr - 8ª.Ed. - pags.188/189).
4.2. - Efetivamente, na cabeça do art. 468 está assegurado que "nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições, por mútuo consentimento".
Logo após, fica estabelecida essa condicionante: "e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia".
Deve ainda ser lembrado que a flexibilização introduzida pelo inciso VI, do art.7º, da Constituição Federal, não altera o comando cogente do art. 468/CLT, pois que este é mais dirigido ao direito individual, enquanto a norma constitucional versa sobre flexibilização alcançada por negociação coletiva.
4.3. - Quando a vantagem trabalhista é paga, não em decorrência de lei, mas por ato de liberalidade do empregador, ela também pode se integrar ao contrato de trabalho, ficando, portanto, sob o manto do art. 468/CLT.
Assim, quando o empregador, por ato seu, assegura a seu empregado o pagamento de uma determinada complementação de aposentadoria tal vantagem se integra, imediatamente, ao contrato de trabalho do empregado e não mais poderá ser suprimida pela empresa.
Do mestre AMAURI MASCARO NASCIMENTO colhe-se esta lição:
(in O salário no Direito do Trabalho- Ltr -1975 - pág. 315.)"Se a empresa, por força do contrato, garantir complementação de aposentadoria, estará obrigada a cumpri-la, nos termos em que foi instituída. A natureza jurídica da complementação de aposentadoria é a de benefício previdenciário contratual. Dada a eficácia obrigacional, não pode ser alterada unilateralmente pelo empregador, nem reduzida de valor, muito menos suprimida. Sujeita-se, portanto, às mesmas regras de proteção do trabalhador, previstas no art. 468 da CLT que exige o mútuo consentimento e a inexistência de prejuízos ao empregado, como pressuposto de toda e qualquer alteração de condição emergente do contrato de trabalho."
Evidentemente, estava sendo tratada a complementação de aposentadoria paga pelo Empregador e não por entidade privada de previdência. É o que acontece neste caso concreto, no qual a aposentadoria incentivada é paga pelo Banco do Brasil e não pela PREVI, como demonstrado no item 3.6. acima.
4.4. - Como decorrência da doutrina acima apresentada, o Tribunal Superior do Trabalho, em 1988, fixou o seguinte:
"SÚMULA 288 – COMPLEMENTAÇÃO DOS PROVENTOS DA APOSENTADORIA. – A complementação dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas vigentes na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito."
Contudo, após muitas idas e vindas, como é natural em processos mais complexos, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, com referência à COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA de parte de empregados do Banco Brasil - e que é objeto deste Parecer - estabeleceu a seguinte Orientação Jurisprudencial:
"ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 69 - BANCO DO BRASIL. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. ALTERAÇÃO DO PLANO DE CARGOS COMISSIONADOS. EXTENSÃO AOS INATIVOS. As alterações na estrutura do Plano de Cargos Comissionados do Banco do Brasil, introduzidas pelas Cartas Circulares DIREC/FUNCI 96/0904 e 96/0957, dentre as quais a substituição do Abono de Função e Representação (AFR) pelo Adicional de Função (AF) e pelo Adicional Temporário de Revitalização (ATR), não autorizam o pagamento de diferenças de complementação de aposentadoria aos inativos por só abrangerem os empregados em atividade, bem como em razão de o Plano de Incentivo à Aposentadoria da época do jubilamento não conter previsão de aplicação de eventual alteração na estrutura dos cargos comissionados àqueles que se aposentassem."
4.5. - Para análise da mencionada OJ, alguns pontos devem ser destacados.
O primeiro diz respeito a parte inicial da Súmula 288/TST, ao afirmar que a complementação de aposentadoria é regida pelas normas vigentes ao tempo da admissão do empregado.
Mas é preciso ter presente a ressalva, do final da Súmula, ao pontuar que serão observadas as alterações posteriores desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito.
É o que vinha sendo observado pelo Banco Brasil até 1996.
Basta atentar para um dos Acórdãos que embasaram a edição da OJ: o de o de Nº E-RR- 488.715/98.4, que trata de quem se aposentou em 1983, mas teve sua complementação de aposentadoria incluída na Incentivada, prevista na PRESI 008/91, pois esta lhe assegurou condição mais favorável, como previsto na Súmula 288/TST.
Mas o tratamento que teve em 1991 lhe foi negado em 1996.
4.6. - Deve ser ainda outra vez ressaltado, como consta nos respeitáveis acórdãos que motivaram a OJ-69/SbDI-1, que as Cartas Circulares DIREC/FUNCI nºs 96/0904 e 96/0957 não cuidaram da complementação de aposentadoria incentivada que era paga pelo Banco do Brasil.
Logo, é bem de ver, que as regras quanto à complementação de aposentadoria incentivada dos empregados do Banco do Brasil não foram alteradas.
Mas o Banco poderia alterá-las a seu único critério?
Poderia se fosse para melhorá-las.
Para piorar o que havia sido assegurado aos empregados que se aposentassem é ação vedada ao empregador, pena de nulidade. É o que decorre da aplicação dos artigos 444 e 468 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Afirmou-se que tais artigos somente se aplicam aos contratos de trabalho em curso, não podendo ser invocado por aposentados. Com todo respeito, deve ser dito que tal afirmação não se aplica ao caso concreto, sendo ela insustentável até mesmo pela ótica do individualista Código Civil de 1916.
Aqui, como já está demonstrado, o Banco assegurou a seus empregados admitidos até 14.4.67, uma complementação de aposentadoria - paga pelo Banco - na qual estaria incluída em sua base de cálculo, a verba remuneratória do cargo comissionado, como está tratado no item 2.4.
Tal garantia foi integrada ao contrato de trabalho dos empregados do Banco e não foi extinta com a aposentadoria deles, o que somente poderia acontecer no cumprimento da lógica do absurdo, pois a promessa era para ser cumprida exatamente quando o empregado se aposentasse.
Logo, esta vantagem contratual perdura mesmo após a aposentadoria e seu descumprimento fere o contrato de trabalho, que, sob esse ângulo, permanece em vigor, sujeito à vedação do art. 468/CLT.
Por conseqüência, o descumprimento do que foi integrado ao contrato de trabalho dos empregados admitidos até 14.4.67, fere de morte o item 1 da Súmula 51, do Tribunal Superior do Trabalho, que prescreve :
"As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento."
Se está integrada no Contrato de Trabalho do trabalhador a complementação de aposentadoria a ser paga pela Empresa, numa espécie de salário diferido, o trabalhador tem direito adquirido a tal vantagem na forma do prescrito no parágrafo 2º, do art. 6º, da Lei de Introdução ao Código Civil, que diz:
"Art. 6º- A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitado o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada:
....................................................................
§ 2º - Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem."
E o direito adquirido está assegurado também pelo art. 5º. XXXVI, da Carta Cidadã de 1988.
Não há como sustentar-se que tais princípios constitucionais, legais e jurisprudenciais não se apliquem a este caso.
4.7. - No caso concreto, data venia, a situação é mais grave.
Como já foi dito, as mencionadas Cartas- Circulares não tocaram na Aposentadoria Incentivada prevista na PRESI 008/91 e não invalidaram a previsão da letra c, do item 8 do referido ato, que determinou a inclusão, na base de cálculo da complementação, da verba remuneratória do cargo comissionado, atualmente denominada de Abono de Função e Representação (AFR), mesmo que exercido em caráter de substituição.
A conclusão de que a AFR ficará congelada não decorreu de ato expresso do Banco do Brasil - que nem poderia fazê-lo como já demonstrado neste Parecer - ela decorreu de interpretação das normas internas do Banco.
A interpretação desconsiderou, é com a máxima vênia que se afirma, o princípio da proteção e sem tal princípio não há como se justificar o Direito do Trabalho.
Como doutrina o professor e Ministro AUGUSTO CÉSAR LEITE DE CARVALHO:
"Em três momentos se revela, mais claramente, o princípio da proteção. Estamos a cuidar, nesse passo, das seguintes técnicas (ou princípios derivados, como prefere parte da doutrina):
a) a regra do in dubio pro operario
b) a norma mais favorável
c) a condição mais favorável.
Sobre a regra in dubio pro operario, devemos frisar que se trata de técnica de interpretação: quando a norma permite interpretação dúbia ou mais de uma interpretação, deve prevalecer aquela que aproveita o trabalhador. (...) Em princípio, toda norma trabalhista parte desse mesmo pressuposto e, se mais de um princípio lhe couber, é de preferir-se aquele que justifica sua existência, ou seja, privilegia-se a exegese que se mostra apta a oferecer uma condição mais justa de trabalho." (inDireito Individual de Trabalho - Forense-2004- pág. 53).
Como já foi sustentado neste Parecer, item 3.4., não há qualquer dúvida quanto à letra e ao espírito na PRESI 008/91 em fazer integrar, na base de cálculo dos proventos do aposentado, a verba remuneratória do cargo comissionado sem possibilidade de seu congelamento.
Mas devo, para maior precisão da interpretação, arrolar o pensamento do Min. LUIZ PHILIPPE VIEIRA DE MELLO FILHO ao dizer:
"... agrava-se a circunstância de que a norma assecuratória da integração da aludida verba na complementação da aposentadoria tem a seguinte redação: (...) verba remuneratória do cargo comissionado, ATUALMENTE denominada Abono de Função e Representação (AFR). Indaga-se: Por quê atualmente? Porque se tratava da nomenclatura dada à parcela à época do Plano de Incentivo, alterado, posteriormente para adicional de Função(AF) e Adicional Temporário de Revitalização(ATR).(...) Daí porque reconheço que a decisão da Turma, ao indeferir as diferenças salariais ora postuladas, contrariou a orientação constante das Súmulas 51,I, e 288 do Tribunal Superior do Trabalho" (cfr.E-ED-RR-1129-2002-020-10-00).
Esse pensamento do MIN. VIEIRA DE MELLO FILHO, infelizmente, não prevaleceu e no Acórdão acima este fato está registrado.
Mas no mesmo sentido de acolhimento das postulações dos aposentados podem ser referidos os seguintes Acórdãos: E-ED-RR-1049/2004-014-10-00.0. SDI-1. Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula. DJ. 29/6/2007; RR-390/2005-005-10-00.8. 1.ª T. Rel. Min. Lélio Bentes Corrêa. DJ. 1/8/2008; RR-1129/2002-020-10-00.5. 2.ª T. Rel. Min. José Simpliciano Fernandes. DJ. 30/11/2007; RR-252/2003-010-10-85.5. 3.ª T. Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi. DJ. 23/2/2007; RR-1079/2003-017-10-00.4. 4.ª T. Rel. Min. Maria de Assis Calsing. DJ. 27/6/2008; RR-948/2003-019-10-00.6. 6.ª T. Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga. DJ. 4/4/2008 e RR-645257/2000.5. 8.ª T. Rel. Min. Dora Maria da Costa. DJ. 29/2/2008.
Mas tudo o que foi articulado neste Parecer demonstra, "data venia", que a melhor posição no equacionamento do problema dos aposentados do Banco do Brasil, beneficiários da PRESI 008/91, está nos acórdãos supra referidos.
5 - C O N C L U S Ã O
5.1. - Após esta longa exposição, necessário é fixar algumas conclusões, que, em seguida, serão colocadas.
A - A OJ parte da premissa de que, pelas Cartas Circulares DIREC/FUNCI 96/0904 e 96/0957, o Abono de Função e Representação (AFR) foi substituído pela Adicionalde Função (AF) e pelo Adicional Temporário de Revitalização (ATR);
B - Ora, se se admite que a AFR foi substituída pelas AF e ATR, é de se concluir que ocorreu a hipótese da letra c, do item 8, da PRESI 008/91, confirmado pelo Parecer da DEASP - 075, de 18.02.91, ao tratar, no Anexo 4, do percentual de recomposição dos aposentados, inserindo esta justificativa, para fundamentar a alteração anunciada:
"Evitar que eventuais reestruturações ou alterações que venham a ocorrer nas verbas que compõem a base de cálculo provoquem distorções no valor da aposentadoria."
Para que tal ocorresse, no mencionado parecer ficou garantido que toda vez que ocorresse alteração em qualquer das parcelas referidas no item precedente, haveria o conseqüente recálculo do benefício global.
É o que está minuciosamente descrito nos itens 2.3 e 2.4 supra.
Como também ficou demonstrado - no item 3.5. - o Parecer DEAS - 075/91, que é uma interpretação autêntica da PRESI 008/91, foi aprovado pelo Diretor de Recursos Humanos, Sr. Celso de Freitas Cavalcanti, bem como pelo Presidente do Banco do Brasil, Sr. Alberto Policaro. (doc. Anexo).
C - As parcelas AF e ATR substituíram a AFR mas foi mantida a mesma natureza desta: verba remuneratória do cargo comissionado, como previsto na muito citada letra c do item 8 da PRESI 008/91.
Desse modo, imperiosa é a revisão do valor pago pelo Banco do Brasil para os beneficiários da Aposentadoria Incentivada instituída em 1991.
D - Pode até ser difícil fazer o cálculo do devido a cada um, mas isto já aconteceu na implantação da PRESI 008/91, como remarcado no item 3.5 supra.
De qualquer sorte, tal dificuldade não altera a natureza liquida e certa do direito dos aposentados.
5.2. - As Cartas-Circulares referidas não cuidaram da complementação da aposentadoria incentivada.
Logo, restou intacta a PRESI 008/91.
Como também demonstrado, se elas tivessem afirmado a revogação da PRESI 008/91, elas estariam ferindo os artigos 444 e 468/CLT, bem como o § 2º, do art. 6º, da Lei de Introdução ao Código Civil, combinado com o inciso XXXVI, do art. 5º, da Constituição Federal, e ainda estariam descumprindo as Súmulas 51 e 288 do Tribunal Superior do Trabalho.
5.3. - Não há, nem seria razoável que houvesse, qualquer ato do Banco do Brasil mandando pagar comissão de cargo comissionado para os aposentados.
O que existe é a determinação da integração do valor da verba paga ao cargo comissionado na base de cálculo dos proventos dos aposentados, que foram admitidos até 14.4.1967.
Daí poder ser afirmado, como cansativamente sustentado neste Parecer, que do fato de as Cartas-Circulares não mandarem pagar verba do cargo comissionado aos aposentados, não se pode inferir que elas não devessem continuar integradas - com as ulteriores alterações - na base de cálculo dos proventos da aposentadoria.
5.4. - Por derradeiro, o que se espera, com muita confiança, é que o Tribunal Superior do Trabalho, pelas razões ora apresentadas, reveja a OJ mencionada, como uma homenagem à humildade intelectual que sempre caracterizou aquela Casa, sempre voltada à causa da Justiça Social, que é a razão de ser da própria Justiça do Trabalho.
É o meu parecer.
Brasília, julho de 2010
José Luciano de Castilho Pereira
Ministro Aposentado do Tribunal Superior do Trabalho
Advogado – OAB-DF 25.225
José Simpliciano Fontes de Faria Fernandes
Ministro Aposentado do Tribunal Superior do Trabalho