NATUREZA JURÍDICA DA REMUNERAÇÃO DE FORNECIMENTO DE SERVIÇO DE ÁGUA E ESGOTO. A jurisprudência dos nossos tribunais superiores consolidou-se no sentido de que a natureza jurídica da remuneração de fornecimento de serviço de água e esgoto é de tarifa ou preço público, consubstanciando, consequentemente, contraprestação de caráter não-tributário, do que decorre não se subsumir ao regime jurídico tributário estabelecido para as taxas. Cobrança que pressupõe a efetiva fruição, pelo consumidor dos serviços.
CONSULTA
Consulta-nos Serviço de Água, Esgoto e Meio Ambiente de Município acerca da existência de precedentes que possam embasar defesa judicial, mediante contestação em Ação Declaratória de Inexigibilidade de Débito, combinada com Repetição de Indébito com Pedido de Tutela Antecipada, relativa à cobrança, pela Consulente, de taxa de fornecimento de serviço de água e esgoto, de munícipe proprietária de lotes de terreno sem edificação, nos quais não haveria consumo ou mesmo sua ligação.
PARECER
A questão central que se coloca é se a simples instalação da rede de distribuição de água e coleta de esgotos, sem que ocorra a sua efetiva ligação para o consumidor e a fruição por este do serviço, configuraria hipótese autorizadora da cobrança, pela Consulente, de remuneração correspondente, como efetivado.
Pretende a Consulente defender a tese de que, tratando-se o valor cobrado de taxa, o procedimento adotado encontra respaldo na Constituição Federal (art. 145, inciso II), no Código Tributário Nacional (arts. 77, caput, e 79), assim como em Lei Municipal (937/71), na medida em que tais serviços foram "postos a sua disposição" e "têm como fato gerador (...) a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição".
Entretanto, em que pese o fato de que outrora se posicionava em sentido diverso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é atualmente pacífica no sentido de que a "remuneração de fornecimento de serviço de água e esgoto é de tarifa ou preço público, consubstanciando, consequentemente, contraprestação de caráter não-tributário, do que decorre não se subsumir ao regime jurídico tributário estabelecido para as taxas" (grifo nosso).
É o teor da recentíssima decisão, cuja ementa segue transcrita, que traz a oportuna indicação de inúmeros precedentes, tanto daquela Corte quanto do Supremo Tribunal Federal:
"PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL.CRÉDITO NÃO-TRIBUTÁRIO. FORNECIMENTO DE SERVIÇO DE ÁGUA E ESGOTO. TARIFA/PREÇO PÚBLICO. PRAZO PRESCRICIONAL. CÓDIGO CIVIL. APLICAÇÃO.
1.A natureza jurídica da remuneração dos serviços de água e esgoto, prestados por concessionária de serviço público, é de tarifa ou preço público, consubstanciando, assim, contraprestação de caráter não-tributário, razão pela qual não se subsume ao regime jurídico tributário estabelecido para as taxas (Precedentes do Supremo Tribunal Federal: RE 447.536 ED, Rel. Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 28.06.2005, DJ 26.08.2005; AI 516402 AgR, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 30.09.2008, DJe-222 DIVULG 20.11.2008 PUBLIC 21.11.2008; e RE 544289 AgR, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 26.05.2009, DJe-113 DIVULG 18.06.2009 PUBLIC 19.06.2009. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça: EREsp 690.609/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 26.03.2008, DJe 07.04.2008; REsp 928.267/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 12.08.2009, DJe 21.08.2009; e EREsp 1.018.060/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 09.09.2009, DJe 18.09.2009)." [01]
Acresça-se a este — demonstrando a superação das controvérsias acerca do assunto no âmbito das instâncias judiciais superiores — o seguinte voto do Ministro Relator Mauro Campbell Marques, acolhido em votação unânime pelos demais integrantes da 2ª Turma do STJ:
"Após intenso debate no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, esta Corte está se adequando à jurisprudência daquele Tribunal, passando a tratar a quantia recolhida a título de prestação do serviço de esgoto como preço público (ou tarifa), e não como taxa. Confiram-se os seguintes precedentes:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. VÍCIOS NÃO CONFIGURADOS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO. NATUREZA JURÍDICA DE TARIFA OU PREÇO PÚBLICO.
[...]
3. ‘O Colendo STF já decidiu, reiteradamente, que a natureza jurídica da remuneração dos serviços de água e esgoto, prestados por concessionária de serviço público, é de tarifa ou preço público, consubstanciando, assim, contraprestação de caráter não-tributário’ (Resp 740967/RS, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Fux, DJ de 28/4/2006).
4. Recurso Especial a que se nega provimento. (REsp 586.565/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJU 7.2.2008).
PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. TARIFA DE ÁGUA E ESGOTO. NATUREZA JURÍDICA DE TARIFA OU PREÇO PÚBLICO. DÍVIDA ATIVA. CRÉDITO NÃO-TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO DECENAL. CÓDIGO CIVIL.
[...]
2. A jurisprudência do E. STJ é no sentido de que a natureza jurídica do valor cobrado pelas concessionárias de serviço público de água e esgoto é tributária, motivo pelo qual a sua instituição está adstrita ao Princípio da Estrita Legalidade, por isso que somente por meio de "lei em sentido estrito" pode exsurgir a exação e seus consectários. Nesse sentido os seguintes arestos: (RESP n.º 848.287/RS, Rel. Min. José Delgado, DJ de 14.09.2006; RESP n.º 830.375/MS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 30.06.2006; RESP n.º 782270/MS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 07.11.2005; RESP n.º 818.649/MS, Rel. Min. José Delgado, DJ de 02.05.2006; RESP n.º 690.609/RS, Rel. Min. José Delgado, DJ de 19.12.2005)
3. O Colendo STF, não obstante, vem decidindo, reiteradamente, tratar-se de tarifa ou preço público, consubstanciando, assim, contraprestação de caráter não-tributário (Acórdãos: RE-ED 447536 / SC - Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, DJ 26-08-2005, EDcl no RE n.º 456.048/SC, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 06.09.2005, e Decisões monocráticas: AG n.º 225.143/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 23.02.1999; RE n.º 207.609/DF, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 19.09.1999, RE n.º 424.664/SC, Rel. Min. Cézar Peluso, DJ de 04.10.2004, RE n.º 330.353/RS, Rel. Min. Carlos Brito, DJ de 10.05.2004, AG n.º 409.693/SC, Rel. Min. Cézar Peluso, DJ de 19.05.2004, AG n.º 480.559/SC, Rel. Min. Cézar Peluso, DJ de 19.05.2004, RE n.º 488.200/MS, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 13.09.2006, RE n.º 484.692/MS, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 29.05.2006, RE n.º 464.952/MS, Rel. Min.ª Ellen Gracie, DJ de 23.03.2006)
[...]
5. A jurisprudência do E. STF uniformizou-se no sentido de considerar a remuneração paga pelos serviços de água e esgoto como tarifa, afastando, portanto, seu caráter tributário, ainda quando vigente a Constituição anterior (RE n.º 54.491/PE, Rel. Min. Hermes Lima, DJ de 15.10.1963)
6. Consectariamente, malgrado os débitos oriundos do inadimplemento dos serviços de água e esgoto terem sido inscritos como dívida ativa, e exigidos mediante execução fiscal, em observância à Lei de Execuções Fiscais, não se lhes pode aplicar o regime tributário previsto nas disposições do CTN, in casu, os relativos à prescrição/decadência, porquanto estes apenas pertinentes às dívidas tributárias, exatamente por força do conceito de tributo previsto no art. 3º do CTN.
[...]
8. Recurso Especial provido. (REsp 856.272/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJU 29.11.2007)." [02]
Ilustrando o posicionamento no Supremo Tribunal Federal, é oportuno trazer recente julgado, tendo como Relator o Ministro Ricardo Lewandowski:
"Por fim, ressalte-se que o entendimento adotado no mérito do caso em questão está em consonância com a jurisprudência desta Corte. Nesse sentido, o AI 516.402-AgR/SE, Rel. Min. Gilmar Mendes, cuja ementa a seguir transcrevo:
‘Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Água e esgoto. Cobrança. Natureza Jurídica. Preço público. Precedente. 3. Prequestionamento. Ocorrência. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.’
No mesmo sentido, menciono as seguintes decisões, entre outras: RE 447.536-ED/SC, Rel. Min. Carlos Veloso; AI 705.936/MS, Rel. Min. Gilmar Mendes; AI 225.143/SP, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 503.759/MS, Rel. Min. Carmen Lúcia; RE 537.138/MS, Rel. Min. César Peluso." [03]
Por outro lado, estando, no caso sob exame, frente a preço público ou tarifa, resta colacionar a seguinte lição de Hely Lopes Meirelles: [04]
"Dentre os preços, os mais importantes são os públicos ou tarifas, cobrados pela utilização dos bens e serviços públicos. As tarifas remuneratórias de serviços públicos distinguem-se das taxas porque não são compulsórias, mas cobradas somente dos usuários que os utilizam efetivamente, se e quando entenderem fazê-lo, ao passo que as taxas são devidas pelo contribuinte desde que o serviço, de utilização obrigatória, esteja à sua disposição."
Isto posto, entendemos que, além de não existir embasamento que possa servir de subsídio à defesa, considerando a atual jurisprudência, pacífica, das nossas Cortes Superiores de Justiça, a ação judicial posta, em sendo alçada à decisão daquelas, pela via recursal, certamente resultará em desfavor da Consulente.
Ademais, diante da informação carreada, no sentido de que o procedimento adotado para a cobrança encontra respaldo na legislação municipal, afigura-se conveniente que ela seja objeto de oportuna revisão.
É o parecer.
GUILHERME LUÍS DA SILVA TAMBELLINI
Notas
- REsp 1.117.903/RS. Grifamos.
- AgRg no REsp 856.378/MG. Grifo nosso.
- Ag. Rg. no RE 544.289-6/MS. Grifamos.
- Direito Municipal Brasileiro, 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 239.