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Município que demora a pagar créditos empenhados não pode alegar prescrição

16/12/2012 às 15:12
Leia nesta página:

Parecer analisa caso concreto em que créditos empenhados em 2009 e inscritos em “restos a pagar” no orçamento de 2011 permanecem válidos, operando-se a renúncia à prescrição pelo Município.

Consulente: F. Serviços de Limpeza Transporte e Comércio de Petróleo Ltda.

Assunto: Compensação de débitos do ISS objetos de execução fiscal pela Prefeitura de Anápolis – GO – com créditos da Consulente-executada pelos serviços prestados à exequente, créditos esses formalmente reconhecidos, por meio de empenhos, liquidação e inserção em “Restos a Pagar” no orçamento anual de 2011. Alegada prescrição e cancelamento dos empenhos.


CONSULTA

A Consulente, por intermédio de seu ilustre advogado, Dr. Fernando Rodrigues da Silva Alves Costa, pede o nosso parecer sobre a matéria ementada, formulando os seguintes quesitos:

a) A Prefeitura Municipal, através de sua competente Secretaria reconhecendo os créditos lançando os EMPENHOS em 2009, pedidos estes protocolizados em 2003 e somente analisados (por culpa exclusiva dela mesma) em 2009, pode alegar prescrição? Ocorreu prescrição?

b) A Prefeitura não era obrigada a fazer a retenção das obrigações tributárias como substituta tributária?

c) A Prefeitura não era obrigada a promover a retenção das obrigações tributárias antes de fazer qualquer pagamento a fornecedores? Logo não seria obrigada a fazer a compensação de ofício?

d) A Prefeitura somente despachou os protocolos de 2003 pendentes em 2009. Esta demora pode ser imputada em seu próprio favor no cômputo de prazos?

e) Os pagamentos feitos paulatinamente nos anos de 2004, 2005, 2006, 2007 (alegando a conveniência orçamentária), são passíveis de imputar ao particular os ônus, os prejuízos para incluir a última parcela em ano que a mesma considera prescrito?

f) A Prefeitura preferiu a penhora de precatórios por alegar que o mesmo era considerado/equiparado a dinheiro? No pedido de compensação feito dentro do prazo de vigência de lei de anistia municipal, pediu-se a compensação e/ou pagamento com as reduções, já que o precatório penhorado tem natureza jurídica de empenho. Indaga-se: para penhorar os precatórios os mesmo têm natureza jurídica de dinheiro? Para pagar débitos municipais do mesmo contribuinte com a Municipalidade, não pode ter esta mesma natureza jurídica de dinheiro?

g) A primeira execução fiscal teve pagamento parcial no ano de 2005, feito com empenho emitido pago, cujo dinheiro fora usado na boca do caixa para pagamento das guias dos débitos contidos na Execução Fiscal 1. Anulado o pagamento por entenderem ter havido desorganização e irregularidade administrativa, por aceitar pagamento supostamente extemporâneo com base em anistia municipal (pago valor principal e correção com redução da multa e juros). Não devolveram o dinheiro da empresa. Este valor específico não pode ser computado como abatimento total ou parcial da execução fiscal n° 01?

h) E o direito de defesa do contribuinte a opor todas essas matérias pode ser exercitado em que tempo? O direito de exceção, de defesa é prescritível? Tais matérias podem ser alegadas em qual via eleita? Exceção, Embargos, Mandado de Segurança, Ação Ordinária?

i) Cabe alguma medida extra-judicial nas Cortes de Contas? A atitude da Adm. Pública Municipal tem algum amparo e reflexo, além do financeiro, como no Administrativo e Penal?

j) Qual o melhor caminho jurídico a ser adotado?


Dos fatos

A Consulente prestou inúmeros serviços à Prefeitura de Anápolis tornando-se credora dela conforme notas fiscais de serviços devidamente protocolizadas na repartição municipal competente.

Parte desses créditos foram pagos pela Prefeitura nos anos de 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007, sendo que os saldos remanescentes foram programados para pagamento em  2009. Houve inclusão no orçamento de 2009 com emissão de empenhos que após serem liquidados não foram pagas até o final do exercício, sendo inscritos em “Restos a Pagar” no orçamento anual de 2011.

Amparado no art. 364 e seguintes do Código Tributário Municipal – Lei Complementar n° 136/2006 – a Consulente requereu a compensação dos créditos empenhados e não pagos no valor original de R$ 1.715.141,67 (um milhão, setecentos e quinze mil, cento e quarenta e um reais e sessenta e sete centavos) com o montante dos débitos do ISS objetos de duas execuções fiscais, cujos valores somados ficam aquém dos créditos atualizados da Consulente-executada.

Esclareça-se, de início, que o art. 364 e seguintes do Código Tributário de Anápolis guardam harmonia com o disposto no art. 170 do Código Tributário Nacional – Lei n° 5.172, de 25-10-1966, de aplicação no âmbito nacional.

Devidamente processado o pedido de compensação foi ele objeto de parecer da Procuradoria Geral do Município de Anápolis que opinou pela prescrição da maior parte dos créditos compensandos.

A Gerência de Arrecadação, com aval do Secretário Municipal da Fazenda, considerou prescritos os valores objetos de compensação, com exceção do valor de R$ 10.183,89.

A Prefeitura da Anápolis, após reconhecer os créditos da Consulente espelhados em 19 notas de empenho em 2009, devidamente liquidados (tornados líquidos e certos), em razão do pedido de compensação, resolveu repentinamente considerar prescritos a maioria desses créditos e procedeu ao cancelamento dos empenhos de 2009, conforme Decreto Orçamentário n° 91, de 30-08-2011 – SEPLAN, publicado no Diário Oficial do Município de 16-11-2011. Estranha-se a demora na publicação do ato.

Esses são os fatos, em apertada síntese.


PARECER

A compensação requerida pela Consulente está fundamentada nas disposições legais do Código Tributário do Município de Anápolis que vincula a administração municipal.

A importância do seu crédito líquido e certo decorre dos empenhos levados a efeito pela Prefeitura de Anápolis em 2009 seguidos de liquidação desses empenhos, fato que pressupõe prévia inclusão orçamentária (art. 167, II da CF).

De fato, o art. 59 da Lei n° 4.320/64 – legislação de regência nacional das normas gerais de Direito Financeiro – dispõe que “o empenho da despesa não poderá exceder o limite dos créditos concedidos”.

Mas, o que é o empenho?

A sua definição está no art. 58 da Lei n° 4.320/64:

“Art. 58. O empenho de despesa é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição.”

É preciso entender que não é o empenho que cria a obrigação de pagar. Essa obrigação é preexistente, porque  ela deriva de contrato celebrado pela administração. O empenho visa garantir os diferentes credores do poder público à medida que representa reserva de recursos na respectiva dotação ou no saldo existente.

Por isso, o empenho materializa-se por meio de um documento denominado nota de empenho, nos termos do art. 61 da Lei n° 4.320/64:

“Art. 61. Para cada empenho será extraído um documento denominado "nota de empenho" que indicará o nome do credor, a representação e a importância da despesa bem como a dedução desta do saldo da dotação própria.”

No caso sob exame, vários são os empenhos efetuados cujos créditos foram, inclusive, disponibilizados no site de transparência pública do TCM-GO.

As despesas públicas representadas por esses empenhos foram objeto de liquidação de que trata o art. 63 da Lei n° 4.320/64:

“Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.

 § 1° Essa verificação tem por fim apurar:

 I - a origem e o objeto do que se deve pagar;

 II - a importância exata a pagar;

 III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.

§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços   prestados terá por base:

I - o contrato, ajuste ou acôrdo respectivo;

II - a nota de empenho;

III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.”

Portanto, as importâncias objetos de compensação são líquidas e certas, satisfazendo plenamente os requisitos exigidos pelo Código Tributário Municipal de Anápolis para extinguir as execuções fiscais por via de compensação.

Entretanto, por ausência de recursos financeiros, não houve pagamento da despesa pública liquidada (tornada líquida e certa) inserindo-se nos “Restos a Pagar” do exercício de 2011, na forma do art. 36[1] da Lei n° 4.320/64:

“Art. 36. Consideram-se Restos a Pagar as despesas empenhadas mas não pagas até o dia 31 de dezembro distinguindo-se as processadas das não processadas.”

No caso vertente, trata-se de despesas processadas, pois já havia o ato de liquidação, isto é, o reconhecimento pela administração da importância líquida e certa em relação aos créditos do credor.

Após ter reconhecido os créditos da Consulente e ter tomado todas as providências administrativas para a extinção da despesa pública pelo pagamento, a administração pública resolveu cancelar os empenhos a pretexto de prescrição dos créditos da Consulente.

Em tese, o cancelamento do empenho é possível juridicamente. O seu cancelamento, todavia, não implica cancelamento da dívida pública que deriva do contrato e não do empenho, como já vimos.

Entretanto, invocar a prescrição, neste contexto refletido na presente consulta, como sendo a razão do cancelamento dos empenhos caracteriza, sem sombra de dúvidas, desvio de finalidade, além de manifesto desvio de conduta ético-moral. Implica violação em bloco de todos os princípios que regem a administração pública, enumerados no art. 37 da CF: legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência e, também, o princípio da razoabilidade que está implícito, porque esse princípio se coloca como um limite à ação do próprio legislador. Tanto é que a Constituição do Estado de São Paulo o consagra em seu art. 111.

Ora, resulta com lapidar clareza que os atos de empenho, liquidação e inserção dos créditos da Consulente em “Restos a Pagar” na Lei Orçamentária Anual de 2011, implicou renúncia de eventual prescrição que pudesse estar alcançando os aludidos créditos.

De fato, esses atos administrativos praticados pela Prefeitura de Anápolis são absolutamente incompatíveis com a inexistência da sua obrigação de pagar em face da prescrição.

Efetivamente, dispõe o art. 191 do Código Civil vigente:

“Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.”

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No caso, nem de renúncia se trata, porque não ocorreu a prescrição. Realmente, os pagamentos parciais dos créditos da Consulente feitos pela Prefeitura de Anápolis ao longo dos anos de 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007, por óbvio, importaram na interrupção da prescrição a cada pagamento feito. Ainda, que assim não se entenda, a renúncia da prescrição é inquestionável.

Salta aos olhos, pois, que a administração municipal agiu com má-fé e inusitado desvio de poder, que beira às raias do crime de abuso de autoridade.

Exerceu o poder que legitimamente detinha (cancelar os empenhos por falta de recursos financeiros, por exemplo) para alcançar uma finalidade ilícita (fazer desaparecer a sua obrigação de pagar, pouco depois de ter tornado líquido e certo o crédito da Consulente). Os créditos da Consulente, confessados e reconhecidos pela administração pública que os inseriu em sua lei de meios, por um passe de mágica, desapareceram em um instante seguinte.

O desvio de finalidade infere-se do exame da motivação do ato praticado. E essa motivação não pode residir no decurso do prazo prescricional, porque a administração pública inseriu os créditos da Consulente nos “Restos a Pagar” no recente exercício de 2011, com a observância da legislação de regência da matéria. A verdadeira motivação reside na vontade do agente público de não cumprir a obrigação legal e regularmente contraída pelo Município de Anápolis.

Além de violentar o princípio da legalidade e da moralidade pública, o agente público que assim procedeu incorreu na prática do ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, inciso I, da Lei n° 8.429, de 2-6-1992 que assim prescreve:

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;”

A pena prevista para essa infração consiste no ressarcimento integral do dano, perda de função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos e o pagamento da multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente  (art. 12, III, da Lei n° 8.429/92).

No caso, o dano será representado pelo valor da condenação que o Município de Anápolis vier a sofrer pela prática de ato ilícito.

Positivamente, a Prefeitura de Anápolis não pode negar a compensação requerida pela Consulente nos termos da lei municipal, sob o fundamento de prescrição dos créditos objetos de compensação.

Considerando que os dispositivos legais constantes do Código Tributário do Município de Anápolis vinculam a administração municipal (princípio da legalidade), o Município inadimplente poderá ser compelido judicialmente a operar a extinção das execuções fiscais por via de compensação, mediante a propositura de ação judicial competente.

Poderá, também, se quiser, nomear esses créditos à penhora, ou ingressar com a ação ordinária de cobrança.

Feitas essas considerações passaremos a responder aos quesitos formulados.

a) Os créditos da Consulente objetos de empenhos em 2009 e inscritos em “Restos a Pagar” no orçamento de 2011 permanecem válidos. Eventual prescrição preexistente resultou em renúncia dela pela Prefeitura ao teor do art. 191 do Código Civil vigente.

b) Se a Prefeitura era credora por tributos devidos pela Consulente era de sua obrigação promover a retenção do pagamento até que fosse operada a compensação.

c)  Sim. A Prefeitura de Anápolis era obrigada a proceder a compensação dos créditos da Consulente com os débitos de tributos, por expressa previsão do art. 377 do Código Tributário do Município de Anápolis – Lei Complementar n° 1361/2006.

d)  Não. Não houve demora na solução do pedido de compensação imputável à Consulente. O largo tempo decorrido por inércia do poder público não pode beneficiar a administração que deu causa à demora. A prescrição é um instituto jurídico que visa punir o credor que se queda inerte. Não é o caso da Consulente que aduziu a sua pretensão compensatória, tempestivamente, com base em dispositivos do Código Tributário de Anápolis. A análise do pedido e decisão não dependem da Consulente.

e) Os pagamentos feitos pela administração pública ao logo dos anos de 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007 implicaram interrupção do prazo prescricional, não bastasse o fato de que o posterior empenho e inscrição em “Restos a Pagar” no exercício de 2011 implicaram, à toda evidência, renúncia de eventual  prescrição que pudesse ser argüida.

f)  Tanto os créditos tributários do Município, quanto os créditos representados por precatório têm natureza jurídica de dinheiro. Tanto é assim que a penhora de precatório emitido contra a entidade política credora de tributos resolve-se com a compensação.

g) Se em 2005 foi utilizado parte dos créditos da Consulente representado pelo valor empenhado para pagamento de débitos sob execução fiscal, e se esse pagamento foi posteriormente anulado por ter havido desorganização e irregularidade administrativa, impunha-se o estabelecimento do statu quo, isto é, restabelecer o crédito da Consulente para ser deduzido do montante do crédito tributário sob execução fiscal n° 01.

h) O direito da Consulente na defesa de seu crédito pode ser exercido no prazo da prescrição qüinqüenal, a contar da data de inserção de seu crédito em “Restos a Pagar” no orçamento de 2011, pois este ato administrativo implicou renúncia tácita de eventual prescrição que possa ter havido.

É nosso entendimento, entretanto, que essa prescrição não ocorreu, conforme resposta dada ao quesito da letra “d”. Para os que entendem o contrário é o caso de se aplicar a regra do art. 191 do Código Civil vigente.

Todos os meios processuais referidos no quesito são viáveis. Esclareço que o mandado de segurança deverá ser impetrado no prazo de 120 dias a contar de 16-11-2011, data da publicação do ato de cancelamento dos empenhos. Entretanto, o mandado de segurança não surtiria o efeito prático desejado, que é o recebimento do crédito pelo Consulente.

Quanto à exceção de preexecutividade, só poderá ser arguida antes da penhora.

i)  Sim. Pode ser feita representação ao Tribunal de Contas competente por ato de improbidade administrativa, decorrente do cancelamento dos empenhos com o desvio de finalidade, com todas as consequências já expostas no corpo deste parecer.

j) Pode-se, se em termos, nomear à penhora os direitos creditórios ou ingressar com ação ordinária de cobrança contra a Prefeitura do Município de Anápolis.

É o nosso parecer s.m.j.

São Paulo, 6 de fevereiro de 2012.

__________________________

Kiyoshi Harada

OAB/SP 20.317


Nota

[1] Esse dispositivo está em vigor porque o art. 41 da Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar n° 101/2000, que cuidava da matéria foi vetado.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Município que demora a pagar créditos empenhados não pode alegar prescrição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3455, 16 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/23247. Acesso em: 5 nov. 2024.

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