Danos morais: atentado ao pudor

06/02/2015 às 10:09
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Agressão por parte do demandado, sob a alegação de que o demandante teria praticado ato obsceno contra a filha daquele, na época com 8 anos de idade. Pedido de indenização por danos morais.

Juizado Especial Cível de Carazinho

Processo                     009/3.04.0001886-0

Autor                          

Réu                            

Data                           10 de outubro de 2005

Prolator                       Marco Aurélio Martins Rocha

Vistos.

...., já qualificado nos autos, ajuizou AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS contra ...., também já qualificado, aduzindo que fora agredido pelo réu, em sua casa, sob a alegação de que teria praticado ato obsceno contra a filha daquele, na época com 8 anos de idade.

Disse que houve violação de sua integridade física e de sua residência, dando azo à indenização por danos morais e que ocorreu transação no juizado criminal.

Colacionou textos legais e jurisprudência que entendeu pertinentes, teceu considerações sobre os danos morais e sua quantificação, requerendo a condenação do réu ao pagamento do equivalente a 35 salários mínimos.

Juntou documentos.

As tentativas de conciliação resultaram inexistosas.

Em contestação, asseverou que o autor esteve em sua casa quando não estava e lá teria baixado as calças e mostrado seu órgão genital para sua filha, sendo que após tomar conhecimento do ocorrido agiu instintivamente, cumprindo seu papel de pai, quando dirigiu-se para a casa do autor e lá foi alertado por este a tomar conta de sua filha, razão pela qual partiu para a agressão.

Sustentou não ser caso de obrigação de indenizar já que sua conduta poderia ser típica e antijurídica mas não culpável, já que inexigível conduta diversa devendo o artigo 5o, inciso X, da Constituição Federal ser interpretado em conjunto com o artigo 227.

Entendeu não ter havido qualquer dano moral, expendeu ser caso de retorsão, tendo em vista agressões mútuas que ocorreram e requereu a improcedência do pedido.

Em audiência foram ouvidas as partes e quatro testemunhas.

É o sucinto relatório.

Passo ao parecer.

Na situação em apreço é preciso salientar que não resta dúvida que existem condutas consideradas justas pela consciência social que não se encontram acobertadas pelas causas de exclusão de antijuridicidade.

Ora, dentro destes parâmetros, não se poderia considerar um ato juridicamente reprovável quando praticado em circunstâncias tais que tornam não exigível uma conduta conforme o direito. Na hipótese, seria caso de identificar-se a inexigibilidade de conduta diversa na conduta do réu, pelas circunstâncias em que se deram os fatos e seus antecedentes.

E aí se está considerando a inexigibilidade de conduta diversa como uma causa supralegal de exclusão da culpabilidade, com base nos costumes e nos princípios gerais de direito em que se fundamenta a inexigibilidade (trata-se a filha do réu de uma criança, menina, com 8 anos de idade, sozinha em casa, que se vê diante da atitude do autor [e aqui, frente aos próprios termos da inicial, não se cogita acerca da conduta do autor, em sentido próprio, mas da conduta do réu]).

Ora, "Este procedimento [de se considerar a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade] segundo Aníbal Bruno, encontra sobretudo oportunidade nos crimes por    omissão, em que a pressão da situação total do momento anula no agente a capacidade de agir em cumprimento ao dever que lhe incumbe, deixando-o inativo, a permitir que se consume o resultado danoso (Damásio de Jesus, Comentários ao Código Penal - Parte Geral, 1°. vol., Ed.Saraiva, 1985, p. 388).

De qualquer modo, a adoção de tal causa supralegal deveria ser reduzida a casos excepcionais ('atendendo a situações excepcionalíssimas’, p. 389). A maioria dos autores os restringem apenas aos crimes omissivos ou aos culposos. E mesmo os que estendem aos comissivos dolosos insinuam que se deve proceder com a máxima reserva, quando o juiz nota evidente a não exigibilidade de outra conduta por parte do agente, mas não vê na letra da lei uma saída exata e adequada para absolvição (Revista dos Tribunais, vol. 595, p. 408, no corpo do acórdão).

Essas considerações decorrem todas de uma premissa fundamental, qual seja, condutas consideradas justas pela consciência social.

Mas, tenho que a conduta do réu não pode ser considerada justa, sob pena de adotar-se critérios anárquicos, que viriam trazer não só embaraço e incerteza à aplicação da lei, como seria o caos da própria justiça. A violência dos dias atuais está a exigir de todos um comportamento menos piegas e indulgente.

O ordenamento jurídico pátrio põe à disposição dos cidadãos normas que permitem a repressão e o banimento de condutas como a praticada pelo autor, mas é preciso que haja o conhecimento de tais condutas por parte das autoridades. Que não fique encoberto pelo manto da vergonha ou de uma equivocada mitomania.

Se de fato houve o ato ofensivo à filha do réu, deveria o mesmo buscar as autoridades, polícia, Conselho Tutelar, mas não agredir o autor, fazendo justiça pelas próprias mãos.

As agressões, nesse passo, não são negadas pelo réu, restando presente a responsabilidade e a ofensa ao patrimônio ideal do autor.

Carlos Alberto Bittar refere que na fixação do quantum devido, a título de dano moral, deve o julgador atentar para: a) as condições das partes; b) a gravidade da lesão e sua repercussão; e c) as circunstâncias fáticas. Afirma ainda que lhe parece de bom alvitre analisar-se primeiro: a) a repercussão na esfera do lesado; depois, b) o potencial econômico- social do lesante; e c) as circunstâncias do caso, para finalmente se definir o valor da indenização, alcançando-se, assim, os resultados próprios: compensação a um e sancionamento a outro (Reparação Civil por Danos Morais: A Fixação do Valor da Indenização, Revista de Jurisprudência dos Tribunais de Alçada Civil de São Paulo, v. 147, set./out. 1994, pág. 11).

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No mesmo sentido é a lição do Des. Sérgio Gischkow Pereira, na ap. cív. 593133689, da Eg. 6ª Câmara do TJRGS:  “Critérios para o arbitramento do dano moral: a) a reparação do dano moral tem natureza também punitiva, aflitiva para o ofensor, com o que tem a importante função, entre outros efeitos, de evitar que se repitam situações semelhantes, de vexames e humilhações aos clientes dos estabelecimentos comerciais; b) deve ser levada em conta a condição econômico-financeira do ofensor, sob pena de não haver nenhum caráter punitivo ou aflitivo; c) influem o grau de culpa do ofensor, as circunstâncias do fato e a eventual culpa concorrente do ofendido; d) é ponderada a posição familiar, cultural, social e econômico-financeira da vítima; e) é preciso levar em conta a gravidade e a repercussão da ofensa.

Destarte, conforme a prova produzida nos autos, e mormente as circunstâncias do fato e a culpa concorrente do ofendido arbitro a indenização, de forma simbólica, em R$ 5,00 (cinco reais).

Assim exposto, opino pela PROCEDÊNCIA PARCIAL do pedido aduzido pelo autor, para condenar o réu ao pagamento, a título de indenização por danos morais, do valor de R$ 5,00 (cinco reais), acrescidos de juros a contar do trânsito em julgado da presente decisão, e correção monetária a contar da data da decisão.

Sem condenação em custas e honorários advocatícios, ex vi artigo 55 da Lei n° 9.099/95.

À consideração superior.

Homologada,

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Carazinho, 10 de outubro de 2005.

Marco Aurélio Martins Rocha

Juiz Instrutor

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Sobre o autor
Marco Aurélio Martins Rocha

Advogado, Juiz Leigo no Rio Grande do Sul, Especialista em Direitos Reais. Especialista em Gestão e Tutoria em EAD, Metodologia do Ensino em Sociologia e Filosofia, Licenciando em História.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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