Durante o ano de 2014, valendo-se do argumento da necessidade do estabelecimento de medidas temporárias de contenção de gastos no âmbito do Poder Executivo, o Prefeito de Goiânia editou os Decretos nº 1.248, de 15/05/2014, e nº 2.718, de 14/11/2014, que, dentre diversas medidas, determinam a suspensão do pagamento de vantagens pecuniárias legalmente devidas aos servidores públicos municipais previstas da Lei Complementar nº 011/1992.
Inicialmente, de acordo com o art. 2º do Decreto nº 1.248/2014, a suspensão de concessão de gratificações e do pagamento de diferenças salariais retroativas teria o prazo temporal de seis meses. Contudo, com a edição do Decreto nº 2.718, a suspensão foi prorrogada “até o fim do exercício orçamentário e financeiro de 2015”, ou seja, 31/12/2015.
Diante de tal quadro, há que se questionar: não obstante a situação financeira e orçamentária do Município de Goiânia, seria juridicamente admissível que um ato emanado unilateralmente pelo Chefe do Poder Executivo jogasse por terra diversos direitos dos servidores democraticamente assegurados em leis?
Vejamos.
No preâmbulo de ambos os decretos, supostamente editados com base no poder regulamentar do Chefe do Poder Executivo Municipal, consta como fundamentação legal “o disposto no art. 115, II, IV e VIII da Lei Orgânica do Município de Goiânia. A bem da verdade, a Lei Orgânica do Município de Goiânia, em observância ao princípio da simetria, nada mais faz do que reproduzir os parâmetros para o exercício do poder regulamentar do Chefe do Poder Executivo estabelecidos no art. 84, incisos IV e VI, da Constituição Federal.
Ora, considerando que o exercício do poder regulamentar é materializado pela edição de decreto, considerados atos normativos secundários e, assim, hierarquicamente inferiores às leis em sentido estrito, é inadmissível, sob o prisma constitucional, a expedição de decreto com o claro propósito de suspender a eficácia de ato normativo hierarquicamente superior, independentemente da excepcionalidade do contexto que fundamenta a ação do Poder Executivo. Tal é o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria: “o STF assentou que é vedado ao chefe do Poder Executivo expedir decreto a fim de suspender a eficácia de ato normativo hierarquicamente superior” (RE nº 582.487(AgR), DJe 25/09/2012).
Destarte, é patente a impossibilidade jurídica de edição de um decreto pelo Prefeito (como nos casos dos Decretos nºs. 1.248/2014 e 2.718/2014), com o claro propósito de suspender os efeitos práticos das vantagens e garantias instituídos aos servidores municipais na Lei Complementar nº 011/1992. Em outras palavras, admitir tal possibilidade seria aceitar que um ato normativo secundário (decreto), editado unilateralmente pelo Chefe do Poder Executivo, seria apto a sustar efeitos de uma lei complementar, aprovada de forma democrática e plural mediante o devido processo legislativo.
Em caso exatamente similar ao versado nos autos, o colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Medida Cautela na ADI nº 1410, concluiu que a suspensão, mediante decreto, do pagamento de vantagens a servidores públicos previstas em lei era inconstitucional, por extrapolar os limites do poder regulamentar. Destaca-se da ementa do julgado: “ato pelo qual restou suspenso, pelo prazo de 120 dias, o pagamento de acréscimos pecuniários devidos aos servidores estaduais, decorrentes de concessão de vantagens e benefícios funcionais. Relevância do fundamento segundo o qual falece competência ao Chefe do Poder Executivo para expedir decreto destinado a paralisar a eficácia de ato normativo hierarquicamente superior, como a lei” (ADI nº 1410 (MC), DJ 01/02/2002, p. 84).
Resta evidenciando, portanto, que os Decretos nºs. 1.248/2014 e 2.718/2014, que paralisam a eficácia prática das gratificações e vantagens previstas na Lei Complementar nº 011/1992, são inconstitucionais.