Parecer:redução da maioridade penal

Resumo:


  • A constitucionalidade da redução da maioridade penal é amplamente debatida, com argumentos favoráveis e desfavoráveis.

  • Posicionamentos favoráveis à redução alegam benefícios para a sociedade, enquanto os desfavoráveis apontam que a medida não resolveria os problemas de criminalidade.

  • A reformulação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é apontada como uma alternativa mais eficaz para lidar com a questão da criminalidade juvenil.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Redução Da Maioridade Penal, Redução Da Criminalidade, Constitucionalidade, Estatuto Da Criança E Do Adolescente.

EMENTA: REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL, REDUÇÃO DA CRIMINALIDADE, CONSTITUCIONALIDADE, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.

1 RELATÓRIO

            Trata-se de consulta formulada pela Empresa Fictícia XX, que solicita parecer sobre a temática “Redução da maioridade penal”, assim como seus pontos favoráveis e desfavoráveis, a possibilidade de redução da criminalidade nacional, além da possível necessidade de reformulação no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

            Eis o relatório.

            Passo a opinar.

2 FUNDAMENTAÇÃO

2.1 CONSTITUCIONALIDADE DA PEC 171-93

            A constitucionalidade ou não da PEC 171-93, conhecida como PEC da Maioridade Penal é um ponto amplamente debatido e divergente na doutrina pátria. Sem entrar no mérito da criminalidade, somente nas questões procedimentais da PEC, os defensores da constitucionalidade desse dispositivo entendem que a imputabilidade penal não se encaixa como um direito e garantia fundamental previsto no art. 60, § 4.º, IV, “d” da Constituição Federal de 1988. Sendo assim, por não ser considerada cláusula pétrea, a mudança do art. 228 da Carta Magna poderia ser feito através de emenda constitucional, com aprovação por dois turnos, em cada Casa no Congresso Nacional, por pelo menos três quintos dos membros.

            Outros doutrinadores, como Pedro Lenza, sustentam que apesar da imputabilidade penal ser reconhecida pelo STF como direito e garantia fundamental mesmo fora do rol do art. 5º da Constituição Federal (ADI 939, Min. Sydney Sanches), não há objeções para a mudança do critério objetivo da imputabilidade, visto que o poder de reforma constitucional só esbarra nas cláusulas pétreas se a proposta de emenda constitucional tiver tendência a abolir algum direito e garantia individual. Entende Pedro Lenza que:

“Embora parte da doutrina sustente de modo distinto, para nós é perfeitamente possível a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, uma vez que a Constituição, ao estabelecer os limites materiais ao poder de reforma, apenas não admite a proposta de emenda (PEC) tendente a abolir direito e garantia individual.” (Carta Forense, A redução da maioridade penal é constitucional? SIM!, Pedro Lenza)           

2.2 POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS

            Superado a questão constitucional da PEC 171-93, passamos a análise do mérito. A redução da maioridade penal é uma questão polêmica, em que se encontram debates em todos os âmbitos da sociedade. A PEC 171-93 tem como objetivo alterar a redação do art. 228 da Constituição Federal, transformando em penalmente inimputáveis os menores de dezesseis, os quais seriam regidos por legislação especial, no caso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A proposta de alteração normativa aguarda votação no Senado.

            Como dito anteriormente, a sociedade (tanto os doutrinadores, os civis e até o governo) se divide muito em relação a esse tema. Uma grande parte (segundo pesquisa do DataFolha divulgada em 22/06/2015, 87% dos entrevistados) acredita que a diminuição do critério objetivo da inimputabilidade penal trará benefícios a toda a sociedade. Os argumentos mais utilizados são:

            a) o sufrágio: o adolescente de 16 anos já tem a faculdade do poder de voto. Os militantes desse posicionamento acreditam que, se o maior de 16 anos já é considerado suficientemente capacitado para participar das decisões políticas, este também é suficientemente capacitado para arcar com as consequências de um ato criminoso como um adulto.

            b) impunidade: o adolescente que, sabendo que mesmo cometendo um ato contra a lei, não incorrerá nas mesmas penas que um adulto, tem maior incentivo à criminalidade. Por vezes, são até recrutados por organizações criminosas, “chefes do crime”, pois sabem que muitas vezes o menor de 18 anos sai impune, tendo em vista a ineficácia das medidas socioeducativas constantes do ECA.

            c) desenvolvimento acelerado: atualmente, com as tecnologias de informação cada vez mais avançadas, considera-se que os jovens estão se desenvolvendo intelectualmente cada vez mais rápido. Sendo assim, a norma de 1988 estaria devassada, tendo em vista que o discernimento dos menores de 18 anos atualmente é maior que na promulgação da Constituição Federal.

2.3 POSICIONAMENTOS DESFAVORÁVEIS

            Apesar de grande parte da sociedade em geral, serem a favor da redução da maioridade penal, grandes doutrinadores de renome e também importantes entidades de classe como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) já se manifestaram publicamente contrários. Para esses que são contra, a redução da maioridade penal não resolveria os problemas ligados à violência urbana praticada por menores infratores. Sobre isso, destaca MIRABETE (2007).

         “A redução da maioridade penal não é a solução para os problemas derivados da criminalidade infantil, visto que o cerne do problema da criminalidade se reluz em decorrência das condições socialmente degradantes e economicamente opressivas que expõe enorme contingente de crianças e adolescentes, em nosso país, à situação de injusta marginalidade social.” (MIRABETE, 2007, p.217).

Além disso, observa-se que os crimes cometidos por menores de 18 (dezoito) anos, perfaz a totalidade de apenas 10% do total de crimes no Brasil, ou seja, ao contrário do que a mídia sensacionalista divulga, cerca de 90% de todos os crimes cometidos no Brasil tem como sujeito ativo os maiores de 18 anos, conforme Saraiva:

“Estudos recentes demonstram que a questão da chamada delinquência juvenil representa menos de 10% dos atos infracionais praticados no País se cotejados os números com aqueles praticados por imputáveis (...)” (SARAIVA, 1999: p. 117).

            É importante a ressalva de que a maioria dos crimes cometidos por indivíduos menores de 18 anos são em relação ao patrimônio e não contra a vida, ou seja, os crimes contra a vida são considerados verdadeira exceção. Utilizando dados informados pelo ILANUD (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente) durante os anos de 2000 a 2001, chegou-se a conclusão de que 58,7% das acusações em face de menores infratores dizem respeito a crimes contra o patrimônio.  Já no tange a esfera dos crimes contra a vida representam apenas 2% dos atos imputados aos adolescentes.

Outro fator de relevante destaque, diz respeito ao fato de que, diminuindo a maioridade penal, os jovens serão recrutados cada vez mais cedo para o cometimento de crimes, ou seja, aquele indivíduo que antes era recrutado para o crime com 16 anos será recrutado com 12, formando assim uma cadeia relacionada à idade, devendo, por essa lógica, diminuir a maioridade penal ad aeternum, até alcançar o nascimento.

            É imprescindível também, observar que, atualmente, o sistema prisional brasileiro perpassa por questões relativas ao desrespeito aos direitos e garantias fundamentais tendo como principal problema a superlotação dos mesmos. Como se sabe, a prisão tem como o escopo precípuo a ressocialização e, nitidamente, não há como ressocializar um menor de 18 anos ao colocá-lo junto a inúmeros presos em sua maioria reincidentes e com a maturidade díspar. Embora a PEC 171-93 objetive a separação dos presos menores de 18 dos outros, sabe-se que na prática não é o que irá acontecer, pois, o sistema carcerário brasileiro não comporta essa separação.

            Outro ponto desfavorável à redução da maioridade penal é o caráter de retrocesso, visto que a principal causa para o almejo da população em relação à redução, está no fato da pretensão punitiva particular, ou seja, na vingança privada, a qual era utilizada nos primórdios da humanidade.

2.4 A REFORMULAÇÃO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE (ECA)

            O Estatuto da Criança e do adolescente (ECA) prevê que o adolescente ou criança menor de 18 anos não tem condições para a punição dos crimes como adultos, visto que o legislador utilizou o caráter biológico para definir a culpabilidade, observando que o menor não tem o desenvolvimento necessário para o cumprimento pena da mesma forma que os maiores de 18 anos, sendo considerado, portanto inimputável. Ao considerar o menor inimputável, não significa dizer que o mesmo ficará impune, pois, existem medidas específicas para os menores que cometem algum ato infracional, as quais estão elencadas no ECA. Para os adolescentes entre 12 a 18 anos são tomadas medidas de proteção ou se necessário medidas socioeducativas, art. 112 do ECA, tais como:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I - advertência;

II - obrigação de reparar o dano;

III - prestação de serviços à comunidade;

IV - liberdade assistida;

V - inserção em regime de semi-liberdade;

VI - internação em estabelecimento educacional;

É importante ressaltar, que os direitos básicos elencados no ECA são frequentemente violados, não possuindo a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o seu desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência (art. 3º da Lei 8.069), optando, muitas vezes, o menor por conta da ausência de perspectiva de melhoria de vida, pelo cometimento de atos infracionais. Para minimizar essa situação, os autores ADORNI, BODINI E LIMA (1998) descrevem pontos considerados precípuos para solucionar o caso da criminalidade dos jovens infratores, como o implemento de planos de ação governamentais que insiram jovens em programas sociais de voluntariados; a possibilidade do acessos de crianças e jovens a uma educação de boa qualidade, com profissionais preparados e qualificados para receber esses sujeitos já marcados pela vida criminosa; apresentação à sociedade de políticas públicas que envolvam não apenas os próprios jovens, mas suas famílias, organizando uma conjuntura social ampla, dentre outros.

 As medidas socioeducativas elencadas no ECA também não são cumpridas com efetividade,  ou seja, existe uma lei que prevê a punição dos menores infratores, entretanto necessita passar por uma reformulação, com meios que tornem possível a ressocialização eficaz concomitante com a finalidade pedagógica  pautando-se na condição do desenvolvimento do menor infrator, a respeito disso, pontua o promotor de justiça RAMIDOFF (2014)

Até as medidas socioeducativas são mal aplicadas no Brasil, pois todo mundo só quer a internação dos adolescentes que cometem alguma infração. No entanto, o que vai ajudar um adolescente que está subtraindo dinheiro por causa de droga, por exemplo, é uma medida de tratamento e inclusão, e não jogá-lo na Febem ou instituições similares.

É cognoscível, que se o ECA fosse efetivamente obedecido com o propósito para o qual foi criado, diminuiria de forma decisiva o índice dos jovens infratores, pois o seu principal objetivo diz respeito a promoção do bem-estar do adolescente, estabelecendo medidas que devem ser cumpridas de acordo com a capacidade individual de cada um. Na prática, não se observa essas medidas, visto que a maioria dos jovens são levados à FEBEM muitas vezes sem o cometimento de crimes graves, mas, apenas como uma forma mais fácil de punir os infratores, conforme JUSSARA GOES (2014) :

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“Se o ECA fosse realmente respeitado, o número de internos na Febem seria muito baixo, pois o estatuto diz que só deve estar lá quem cometeu crimes graves, o que representa um número pequeno. Isso permitiria se trabalhar de verdade, com profissionais capazes de ajudá-los a mudar seu projeto de vida."

2.5 A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E DIMINUIÇÃO DA CRIMINALIDADE

A mídia, frequentemente divulga que a redução da maioridade penal seria um passo decisivo para a redução da violência, visto que haveria um nexo causal no qual uma punição mais repressiva reduziria o índice de violência. Inúmeros estudos foram feitos até se chegar à conclusão de que essa premissa não é verdadeira. Não existe relação de causalidade direta entre a adoção de soluções punitivas mais repressivas e a redução da violência.

Observa-se ainda, conforme dito anteriormente, que as prisões têm como escopo a ressocialização e, traçando um parâmetro com o sistema carcerário brasileiro atual não cumpre sua função para qual foi designada. Estudos confirmam que o índice de reincidência é de 70%, ou seja, a punição mais severa não assegura o não cometimento de crimes, pois, o sistema por si é falho e, ao invés de formar seres humanos prontos paras se ressocializarem, forma indivíduos que ao sair da prisão, voltam para o crime. Conforme Foucalt (1999, p. 292)

 “As prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode-se aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e de criminosos permanece estável, ou, ainda pior, aumenta.”

            Além disso, observa-se que o que gera o cometimento de crimes são as condições sociais degradantes e opressivas nas quais os jovens estão submetidos, colocando por terra a teoria das janelas quebradas (Windows broken theory) e a política law e order, as quais preveem que uma maior repressão, mesmo nos crimes menores, tem o condão de reduzir a violência,  sobre isso, Zaffaronni:

“O novo “popularismo penal” [...] é uma demagogia que explora o sentimento de vingança das pessoas, mas, politicamente falando, é uma nova forma de autoritarismo. A violência aumenta porque aumentou a miséria. Os anos 1990 foram os anos do festival do mercado: os pobres ficaram mais pobres e alguns ricos, nem todos, mais ricos. Os mesmos autores dessa política de polarização da sociedade são os que hoje pedem mais repressão sobre os setores vulneráveis da população. [...] No final, eles não são vulneráveis a essa violência. A “guerra” que pedem é a “guerra” entre pobres. [...] Essa política dos chamados comunicadores sociais e dos políticos sem programa, que só querem mais poder policial, no fundo é a neutralização da incorporação das maiorias à democracia.”

            Como se sabe, o direito penal deve ser utilizado em ultima ratio, pois deve-se levar em conta o principio da proporcionalidade e o princípio da intervenção mínima. O que se observa hoje no Brasil é a tendência cada vez mais crescente da população a uma punição exacerbada, saindo dos limites necessários, para satisfazer os anseios relacionados à vingança. Ao invés de utilizar a repressão como forma de punição dos jovens, deve-se implementar políticas públicas que tenham como o escopo a valorização e o respeito do indivíduo, especialmente dos menores, que carecem de uma maior proteção legal.

3 CONCLUSÃO

Em face do exposto, OPINAMOS pela inconstitucionalidade da proposta de emeda constitucional 171-93 e também opinamos de forma contrária à redução da maioridade penal, tendo em vista que essa mudança não melhoraria o quadro de violência brasileiro. Pelo contrário, aumentaria os índices de crimes cometidos, por conta da grande reincidência verificada nos presídios nacionais e também pelo recrutamento de organizações criminosas à jovens cada vez mais novos.

A solução para diminuir os atos infracionais dos menores de 18 anos seria a efetivação dos institutos descritos no Estatuto da Criança e Adolescente, punindo esses jovens de forma proporcional à sua idade e educando-os para que eles tenham uma perspectiva de vida digna.

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Sobre os autores
Aline Oliveira Nunes

Graduanda de Direito da Faculdade de Ilhéus - CESUPI

Vanessa dos Santos

Graduanda de Direito da Faculdade de Ilhéus - CESUPI.

Taiana Levinne Carneiro Cordeiro

Advogada criminalista, professora de penal e processo penal da faculdade de Ilhéus/BA, professora de cursinho preparatório para concurso, especialista em processo penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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