Parecer: redução da maioridade penal

Resumo:


  • A proposta de redução da maioridade penal no Brasil enfrenta o desafio da constitucionalidade, visto que o artigo 228 da Constituição Federal de 1988 estabelece que menores de 18 anos são inimputáveis, sendo protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o que implicaria uma alteração constitucional para sua implementação.

  • Argumentos favoráveis à redução da maioridade penal incluem a percepção de impunidade e a necessidade de punições mais severas para crimes graves cometidos por menores, enquanto os contrários apontam para a ineficácia da medida, dada a precariedade do sistema prisional brasileiro e a vulnerabilidade social dos jovens.

  • É necessário um debate mais amplo sobre políticas públicas eficazes, investimentos em educação e melhor distribuição de renda, ao invés de focar apenas na alteração da idade penal, para endereçar as questões de criminalidade entre jovens no Brasil.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente parecer traz uma breve análise da proposta da Redução da Maioridade Penal no Brasil.

EMENTA: CONSTITUIÇÃO, REDUÇÃO DA MAIORIDADE, ECA, MENOR INFRATOR, CRIMINALIDADE, SOLUÇÕES.

RELATÓRIO

Trata-se de análise da proposta de redução da maioridade penal e sua constitucionalidade, bem como os pontos favoráveis e contrários, necessidade de reformulação do ECA, além das possíveis soluções formulada por Maria Aparecida dos Anjos.

É o relatório. Passo a opinar.

A Constituição Federal de 1988 traz em seu bojo, especificamente no artigo 228, que os menores de 18 anos  são considerados inimputáveis e estão sob a égide do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Tendo em vista o estabelecimento desse limite de idade pela Carta Magna que rege o nosso país, faz-se necessário uma alteração da mesma, através de emenda constitucional. Todavia, a doutrina majoritária acredita que a norma em questão se trata de cláusula pétrea  protegida pelo caráter de imutabilidade, de modo que não pode sofrer alterações, como assegura o § 4º, IV, do art. 60.

 É o entendimento de Araújo: 

 A interpretação sistemática leva a inclusão da regra do artigo 228 nos direitos e garantias individuais, como forma de proteção. E, como há capitulo próprio da criança e do adolescente, nada mais correto do que a regra estar inserida no seu capítulo especifico, embora se constitua em extensão das regras contidas no artigo quinto, objeto da imutabilidade. Não temos dúvida, portanto, que a regra do artigo 228 é extensão do artigo quinto. Entendemos que os direitos e garantias individuais fora do artigo quinto são petrificados porque são extensões interpretativas das matérias lá garantidas.

 Assim, o simples fato de está localizado fora do título que é destinado aos direitos e garantias individuais, não afasta do artigo 228, a natureza de direito fundamental, de uma cláusula pétrea, ou se já, esta norma constitucional não poderá ser alterada, pelo menos enquanto viger nossa ordem constitucional instituída em 1988. ( ARAÚJO, 2001, p.32).

     O artigo 288 da CF, trata de uma garantia assegurada constitucionalmente, ainda que não elencada no artigo 5º da CR/88. É pacífico na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que as cláusulas pétreas (direitos e garantias fundamentais), não são apenas as que se encontram no rol do artigo 5º, da Constituição Federal. Há outras previstas no texto constitucional, como afirma o artigo 5º,§ 2º:

 Art. 2°: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

     A inconstitucionalidade presente na redução da maioridade penal se dá pela necessidade de modificação de uma cláusula pétrea, pois  o simples fato de estar localizado fora do título que é destinado aos direitos e garantias individuais não afasta da referida norma a natureza de direito fundamental.

     Sob o ponto de vista dos defensores do tema, seriam muitos  os benefícios da redução para a sociedade. Estes, argumentam que a sensação de insegurança jurídica vivida pela sociedade, em razão da aparente impunidade dos menores ora praticantes de crimes, seria satisfeita com adoção da medida em nosso ordenamento jurídico já que, para estes, a consciência de que não podem ser presos, faz com que adolescentes sintam maior liberdade para cometer crimes, além do fato de que as punições atuais para menores são muito brandas, tendo em vista que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê punição máxima de três anos de internação para todos os menores infratores, mesmo aqueles que tenham cometido crimes hediondos. A falta de uma punição mais severa para esses casos causa indignação em parte da população.

Nesse sentido, Luiz Ferreira se posiciona:  “ A revolta comunitária configura-se porque o ECA é muito tolerante com os jovens e não intimida os que pretendem transgredir a lei”(FERREIRA, 2001, p.14).

     Para esta corrente, ainda há um outro fator determinante para a redução da maioridade, que é a questão do direito ao voto, embora facultativo, aos menores de idades entre os 16 e os dezoito anos. Estes alegam que existe uma discrepância, uma vez que pode exercer o direito de voto quem, nos termos da lei vigente, não seria imputável pela prática de crimes.

     Dessa forma, se de um lado nossa Constituição Federal considera o menor de dezoito e maior de 16 inimputável (artigo 228), por outro, permite que exerça o direito ao voto (artigo 14, § 1º, inciso II, alínea c). 

Haveria, portanto, segundo estes, distinção na Carta Magna acerca da maioridade penal e da maioridade eleitoral.

     Contrários à essa corrente, os que são contra a redução acreditam que se trata de uma proposta ineficaz, uma vez que o sistema prisional brasileiro, que teoricamente possui função de ressocialização, na prática, é algo desumano, que, ao invés de recuperar o jovem para reinseri-lo na sociedade, permite o contato com indivíduos experientes e perigosos, os quais influenciam o menor a continuar a praticar atos infracionais ao cumprir sua pena, já que estes ainda não têm uma personalidade completamente formada e se tornam suscetíveis a este tipo de situação. Tal proposta afeta principalmente jovens em condições sociais vulneráveis, aqueles que possuem um baixo nível socioeconômico e não têm acesso à educação de qualidade.

Se a severidade da pena fosse realmente algo eficaz para a diminuição da criminalidade no Brasil, como no caso da vigência da lei dos crimes hediondos, por exemplo, na qual ocorreram restrições de benefícios e mais rigorosidade no sistema prisional, o índice de crimes deste tipo teria diminuído significativamente, porém, não foi o que ocorreu.

Muitos estudos no campo da criminologia e das ciências sociais têm demonstrado que não existe uma relação direta de causalidade entre a adoção de soluções punitivas e repressivas e a diminuição dos índices de violência.

No sentido contrário, no entanto, observa-se que são as políticas e ações de natureza social que desempenham um papel importante na redução das taxas de criminalidade.

A redução da imputabilidade penal para os 16 anos nada contribuiria para a prevenção e repressão da criminalidade, visto que o sistema dos adultos nada resolve. Ao Contrário, vem-se revelando produtor e reprodutor de delinquência e violência. (SILVA, 2006, p.12).

     Através de uma persuasão midiática, grande parte da sociedade acredita que os crimes cometidos por menores superam o índice de atos infracionais cometidos por adultos, o que é mito. Acredita-se que esta é uma prática comum e que, assim, devem ser punidos como cidadãos adultos e, levando em consideração os dias atuais, existe uma margem de impunidade da justiça, o que é inverídico.

A redução do limite de idade no direito penal comum representaria um retrocesso na política penal e penitenciário brasileiro e criaria a promiscuidade dos jovens com delinquentes contumazes. O ECA prevê, aliás, instrumentos eficazes para impedir a prática reiterada de atos ilícitos por pessoas com menos de 18 anos, sem os inconvenientes mencionados. (MIRABETE, 2007, p.220).

     Decerto, o aumento do número de atos infracionais cometidos por esses jovens não significa que essa proporção seja superior aos ilícitos cometidos por adultos. Porém, casos específicos não justificam a redução da maioridade penal. Um sistema socioeconômico historicamente desigual e violento só pode gerar mais violência.

A partir dos 12 anos, qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato cometido contra a lei. Essa responsabilização, executada por meio de medidas socioeducativas previstas no ECA, têm o objetivo de ajudá-lo a  recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta de acordo com o socialmente estabelecido. É parte do seu processo de aprendizagem que ele não volte a repetir o ato infracional.

Por isso, não se deve confundir impunidade com imputabilidade, já que a última, segundo o Código Penal, é a capacidade da pessoa entender que o fato é ilícito e agir de acordo com esse entendimento, fundamentado em sua maturidade psíquica.

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A  maioridade penal definida pelo código penal vigente não é causadora da situação de violência em nosso país, e a solução para a criminalidade e delinquência juvenil está na não aplicação eficaz do Estatuto da Criança e do Adolescente. Em relação a isso, aponta Mirabette:

A redução do limite de idade no direito penal comum representaria um retrocesso na política penal e penitenciário brasileiro e criaria a promiscuidade dos jovens com delinquentes contumazes. O ECA prevê, aliás, instrumentos eficazes para impedir a prática reiterada de atos ilícitos por pessoas com menos de 18 anos, sem os inconvenientes mencionados. (MIRABETE, 2007, p.220).

     O ECA  não regulamenta a impunidade, como muitos dizem, ele prevê um sistema especial para responsabilizar o menor infrator dentro da condição de cada um e  traz instrumentos eficazes para impedir a prática reiterada de atos ilícitos pelos menores infratores. O menor que cometer um crime, não ficará impune, será responsabilizado com medidas socioeducativas, podendo ter até a sua liberdade privada como é estabelecida pelo artigo 122 do citado estatuto.  

     Muitos adolescentes que são privados de sua liberdade não ficam em instituições preparadas para sua reeducação, reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. O jovem pode ficar até nove anos em medidas socioeducativas, sendo três anos interno, três em semiliberdade e três em liberdade assistida, com o Estado acompanhando e ajudando a se reinserir na sociedade.

Deste modo, não há necessidade de reformulação no Estatuto da Criança e do Adolescente já que o déficit se encontra nas  políticas públicas ineficazes, que não colocam em prática o que está disposto no referido Estatuto.

Conclusão

Diante do exposto, pode-se afirmar que a redução da idade penal no Brasil é inviável, uma vez que se faz necessário alteração de direito e garantia fundamental. Na situação em que se encontra o nosso país, no qual  jovens não possuem uma educação adequada para enfrentar com maturidade os desafios que a vida oferece, a ausência de políticas  públicas que propiciem ao menor infrator outras alternativas, o déficit educacional e a ineficaz aplicação do ECA são fatores determinantes para o aumento do índice da criminalidade  entre jovens.

Assim, cabe ao Estado propiciar melhoria de qualidade desses jovens, dando-lhes oportunidades, pois a falta de estrutura familiar e social aponta-se como uma grande influência que motiva esses jovens à prática de atos ilícitos. Sem a participação conjunta do Estado, da sociedade e da família, sem investimentos em políticas públicas, como educação e melhor distribuição de rendas, jamais serão solucionados os problemas de criminalidade entre os jovens no nosso país.

É o parecer.

Ilhéus, 31 de outubro de 2015.

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Sobre as autoras
Lílian Nunes

Acadêmica de Direito na Faculdade de Ilhéus – CESUPI

Taiana Levinne Carneiro Cordeiro

Advogada criminalista, professora de penal e processo penal da faculdade de Ilhéus/BA, professora de cursinho preparatório para concurso, especialista em processo penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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