Parecer sobre locação de imóveis pelo Poder Público

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Trata-se de um estudo acerca das possibilidades jurídicas para a locação de imóveis pelo Poder Público.

Parecer n° 05/2016

Proc. n° ____/2016

Assunto: Consulta acerca de locação de imóveis

Interessado: Secretário de Desenvolvimento Social

Ementa: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. LOCAÇÃO DE IMÓVEIS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. POSSIBILIDADE DE  CHAMAMENTO PÚBLICO OU DE DISPENSA DO CERTAME LICITATÓRIO. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIAS AOS DITAMES INSERTOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERATIVA DO BRASIL E NA LEI 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1993, DE FORMA CUMULATIVA. ORIENTAÇÃO CONFORME O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO E AUTORIZADA DOUTRINA.

I – RELATÓRIO

                        Cuida-se de consulta formulada pelo gestor da pasta indicada no timbre desta peça, com o escopo de orientação quanto às balizas inarredáveis a serem observadas na temática “locação de imóveis pela Administração Pública”. Registre-se que não há processo administrativo formalizado, mas o desfecho conclusivo consignado alfim servirá de diretriz para todas as locações levadas a efeito por esta Secretaria, se assim determinado pela autoridade pública correlativa.

                        Eis o relatório circunscrito ao que de essencial.

II – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

II.a) Notas preambulares

                       

                        À guisa de partida, insta sublinhar que a Constituição da República Federativa do Brasil, no art. 37, inciso XXI, e a Lei 8.666/93 dispõem sobre a regra da obrigatoriedade de realização de procedimento licitatório antes da contratação de bens e serviços pela Administração Pública.

                        Entrementes, a própria CRFB prevê que a retrorreferida regra não é de incidência absoluta e coube à Lei de Licitações indicar as hipóteses “excepcionais” de contratação sem o rigor atinente à licitação, é dizer, de forma direta.      

                        Tais hipóteses “não convencionais” referem-se aos art. 17, 24 e 25 do Estatuto Licitatório e correspondem, respectivamente, aos casos de licitação dispensada, dispensável e inexigível.

                        No que tange à inexigibilidade, a competição é inviável e a Lei de Licitações possui um rol exemplificativo (art. 25). Noutro vértice, no que pertine à dispensa vislumbra-se a possibilidade de competição, podendo ser dispensável, nas situações taxativamente inseridas no art. 24, ou dispensada a teor dos também casos taxativos dos incisos I e II do art. 17, todos, dispositivos da supracitada Lei.  

                        In casu, o objeto da pretensa contratação diz respeito à locação de bem imóvel destinado a uma finalidade pública específica, hipótese a qual se subsume, perfeitamente, ao conteúdo normativo talhado no art. 24, inciso X da Lei de Licitações.

                       

II. b) Da Lei 8.666/93

                        Empós de uma minudente análise do Estatuto de Licitações, mais precisamente do art. 24, inciso X, verifica-se, em rápidas tintas, que o citado dispositivo legal prevê os seguintes requisitos/critérios para a utilização dessa hipótese de contratação direta:

  • Destinação do imóvel ao atendimento das finalidades precípuas da Administração;
  • Existência de motivos (necessidade de instalação e localização) que condicionem a sua escolha, e
  • Preço compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia.

    

                        Destarte, o tripé de pressupostos acima indicados são de observância cogente (obrigatória), uma vez que derivam da lei, sendo, aliás, autoexplicativos, o que, diga-se de passo, dispensa quaisquer comentários complementares ou suplementares.

                        Adite-se, ainda, que com o advento do Pós-positivismo jurídico, marco filosófico do novo Direito Constitucional, não basta a observância à lei, mas sim e principalmente, à Constituição, conforme restará demonstrado nas linhas seguintes.

II.c) Da Constituição da República Federativa do Brasil

                        Pelo princípio da hierarquia das normas (pirâmide normativa) preconizada pelo jusfilósofo Hans Kelsen, apresentado em sua exitosa obra “Teoria Pura do Direito”, a Constituição está na cúspide da pirâmide normativa, devendo todas as demais espécies de normas observá-la, extraindo dela seu fundamento de validade.    

                        À toda evidência, atualmente, com a incidência do novel marco filosófico do Direito Constitucional, repise-se, restou superada a ideia de respeito cego e irrestrito à lei, impondo-se, sobretudo, a observância à Constituição, tal como bem leciona o mestre Luís Roberto Barroso in Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo, 3ᵃ ed., São Paulo, 2012, págs. 399/400 (1° trecho) e 271/272 (2° trecho):  

Vinculação do administrador à Constituição e não apenas à lei ordinária.

Supera-se, aqui, a ideia restrita de vinculação positiva do administrador à lei, na leitura convencional do princípio da legalidade, pela qual sua atuação estava pautada por aquilo que o legislador determinasse ou autorizasse. O administrador pode e deve atuar tendo por fundamento direto a Constituição e independentemente, em muitos casos, de qualquer manifestação do legislador ordinário. O princípio da legalidade transmuda-se, assim, em princípio da constitucionalidade ou, talvez mais propriamente, em princípio da juridicidade, compreendendo sua subordinação à Constituição e à lei, nessa ordem.

A doutrina pós-positivista se inspira na revalorização da razão prática, na teoria da justiça e na legitimação democrática. Nesse contexto, busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral da Constituição e das leis, mas sem recorrer a categorias metafísicas. No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo nesse paradigma em construção, incluem-se a reentronização dos valores na interpretação jurídica, com o reconhecimento de normatividade aos princípios e sua diferença qualitativa em relação às regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre a dignidade da pessoa humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação entre o Direito e a ética.”

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                                                               (negritos do advogado nos dois trechos)

                        Assim, com amparo nas linhas traçadas supra, tem-se, invariavelmente, que a aplicação da CRFB ao caso sob exame faz nascer a imposição pertinente ao atendimento dos princípios básicos da Administração Pública, máxime o da impessoalidade.

                        Nessa vereda, há duas possibilidades igualmente consentâneas e viáveis para a locação de bens imóveis pelo Poder Público, sendo a primeira mais rara e a segunda mais recorrente na práxis administrativa: (a) “chamamento público”, ou (b) dispensa de licitação, com arrimo jurídico no art. 24, X, Lei de Licitações.

                        No que tange ao “chamamento público”, de maior (e quase que exclusiva) utilização em nível federal, cuida-se de uma consulta ao mercado imobiliário acerca das ofertas disponíveis para a locação, sendo que a Administração informa o seu desiderato de realizar a locação em determinado local ou região e determina suas condições, tais como metragem da área útil, localização, garagens disponíveis etc.

                        Noutro viés, há a “dispensa de licitação”, esta a qual é dispensável, é dizer, o art. 24 do Estatuto indica as hipóteses em que a licitação é juridicamente viável, embora a lei dispense o administrador de realizá-la.           

                       

                        Sem embargo, não é suficiente o respeito apenas à tríade de requisitos previstos no art. 24, X da Lei 8.666/93, conforme demonstrado alhures, mas em obséquio ao princípio da força normativa da Constituição e da impessoalidade, impõe-se o seguinte:

“ao proceder à compra ou à locação de imóvel, o art. 24, inciso X, da Lei 8.666/93, somente quando identificar um imóvel específico cujas instalações e localização evidenciem que ele é o único que atende o interesse da administração, fato que deverá estar devidamente demonstrado no respectivo processo administrativo” (Acórdão 444/2008 do TCU)                                                                 (negritou-se)

                        Nesse toar, eis o magistério de Marçal Justen Filho, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11ª Edição, p. 250:

A ausência de licitação deriva da impossibilidade de o interesse sob a tutela estatal ser satisfeito através de outro imóvel, que não aquele selecionado... Antes de promover a contratação direta, a Administração deverá comprovar a impossibilidade de satisfação do interesse sob tutela estatal por outra via e apurar a inexistência de outro imóvel apto a atendê-lo...”                                                                        (destacou-se)

                        Em bom vernáculo, faz-se necessário que além da observância aos 3 (três) critérios previstos no art. 24, X da Lei de Licitações, deve-se prestar tributo ao princípio da impessoalidade, ao se exigir que a Administração Pública ateste a inexistência de outro imóvel que atenda ao interesse público, levando-se em conta os motivos (necessidade de instalação e localização).

III – CONCLUSÃO

                        COM SUSTENTÁCULO NAS LINHAS RETRO, essa Consultoria Jurídica conclui que há duas possibilidades para a locação de bens imóveis pela Administração Pública: (a) chamamento público, (b) ou dispensa de licitação.

                        Na primeira hipótese deve-se formalizar um edital de chamamento público em que se decline o tipo, características e localização do imóvel que atende ao interesse público, além da finalidade específica. Já na segunda hipótese, impõe-se o atendimento aos seguintes requisitos antes de proceder à correlata contratação, quais sejam:

  • Destinação do imóvel ao atendimento das finalidades precípuas da Administração;
  • Existência de motivos (necessidade de instalação e localização) que condicionem a sua escolha;
  • Preço compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia, e
  • Averiguação de que o imóvel pretendido é o único do tipo, características e localização que atende ao interesse público, ou seja, que está apto ser utilizado para a finalidade pública correlata.

                        É o parecer, à consideração superior.

                        Caucaia (CE), 20 de julho de 2016.

José David Pinheiro Silvério

Assessor Jurídico SDS

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